“A vacina trouxe a esperança de voltar à vida normal”

Fotografia preto e branca de Eliane Franco recebendo a vacina contra a Covid-19 acompanha relato "A vacina trouxe a esperança de voltar à vida normal" para a Memória Popular da Pandemia.

Memória de Eliane Franco

Missionário do Conselho Indigenista (Cimi) - Palmas, TO
A

A esperança chegava aos estados brasileiros. A vacina foi recebida com expectativa e, ao mesmo tempo, desconfiança, devido às fake news e preconceito, fruto da ignorância e do desgoverno o qual estamos submetidos. Quando os povos indígenas estavam na primeira fase da imunização, trabalhamos muito para que as mentiras não chegassem às aldeias. Mesmo assim, as estórias invadiram o território indígena, trazendo o medo para dentro das comunidades. Por fim, depois de muita luta, as lideranças aderiram à vacina. Logo, os casos começaram a diminuir.

Primeiro, eu tive que esperar um pouco para a minha faixa etária receber a dose da esperança, do amor. Meus pais foram os primeiros a receber a vacina, a alegria foi grande. Então, fico feliz em lembrar que eles conseguiram passar a pior fase da pandemia com vida.

Na foto, é possível ver Eliane Franco na parte interna do posto de saúde erguendo uma placa com os dizeres: "VIVA O SUS. Não ao negacionismo. Fora Bolsonaro! Vidas importam". Imagem acompanha o relato "A vacina trouxe a esperança de voltar à vida normal", da Memória Popular da Pandemia.

Em maio, celebrei dois aniversários, mas ainda não tinha recebido a vacina. Agradeci a Waptokwazawre pelo dom da vida, por também ter conseguido enfrentar a pandemia com saúde. Celebrar a vida em tempos de pandemia, em que muitas pessoas morreram e foram contaminadas é, de fato, um ato de resistência.

No Conselho Indigenísta Missionário (Cimi), organização a qual faço parte, cada companheiro e companheira que recebia a vacina era motivo de alegria. Acompanhei três pessoas próximas, que receberam as doses. Ficávamos ansiosas para saber qual vacina receberíamos, fizemos até pesquisas sobre a eficácia das vacinas. Foi uma emoção acompanhar tudo isso.

A segunda dose da esperança

Finalmente, chegou a minha tão esperada vez! Tive de aguardar três dias para o agendamento. Por isso, fizemos um mapa para chegar no postinho na hora certa sem imprevistos. É que eu estava nervosa, tinha muitas outras pessoas aguardando a dose da esperança. Então, no dia 09 de julho, recebi a vacina. Fiquei muito emocionada e por dentro pensando: “essas gotinhas tão desejadas vão salvar muitas vidas”. E salvaram a minha também.

Agora, a minha segunda dose, que será disponibilizada em outubro, vai completar a imunização. A espera é longa. Enquanto isso, tomo os devidos cuidados para não pegar a Covid -19 durante esse tempo, e ficar bem até a segunda dose.

Temos que saudar o SUS! “Não ao negacionismo, e sim à ciência”, essas são frases que me marcaram nesse tempo de vacina contra a Covid-19. A esperança de ter a vida normal voltou. Mesmo com tantas propagandas falsas, aderir à vacina é também proteger a todos e todas desse vírus cruel.

Sem esperança e sem vacina: mais de 500 mil mortes

A pandemia está sendo um processo doloroso para todas as famílias brasileiras. No início, tive muito medo da Covid-19, pois pensava nos meus pais idosos, minha mãe com diabetes. Todos os dias ligava para orientar sobre os cuidados. Foram momentos terríveis, nunca imaginei que amigos e pessoas próximas morreriam por causa dessa doença. Outrossim, é desafiador ter que ficar em casa por longas semanas, meses. Senti a saudade das pessoas queridas bater à porta todos os dias.

Hospitais lotados, sem UTIs, sem médicos, oxigênio. Pessoas morrendo sem assistência. Nem os que tinham dinheiro conseguiam sobreviver. Os noticiários dos jornais assustavam, parecia que estávamos vivendo um filme de terror. Era impossível conter as lágrimas.

Para completar, ainda vivemos um desgoverno que não criou estratégias, em tempo hábil, para combater o aumento da Covid-19 no país. Foram dias de revolta por saber diariamente da morte de pessoas, por causa da incompetência de um governo negacionista, que não comprou vacina a tempo de salvar vidas.

A pandemia e os Povos Indígenas

No Cimi, tivemos de paralisar os trabalhos presenciais nas aldeias, porque a chegada do vírus nas aldeias foi desolador. A todo momento, recebíamos notícias de que muitas pessoas estavam contaminadas. Queríamos que os indígenas fossem atendidos com qualidade nos hospitais de referência, mas o que vimos foi preconceito, racismo e discriminação. Denunciamos diversas situações aos órgãos públicos.

Na foto, é possível ver Eliane Franco com três crianças indígenas. Imagem acompanha o relato "A vacina trouxe a esperança de voltar à vida normal", da Memória Popular da Pandemia.

Inicialmente, em março de 2020, tivemos que aprender a usar as ferramentas da internet para nos comunicar com os povos indígenas. E, ainda enfrentando um vírus tão perigoso, nossos trabalhos de informação e formação nas aldeias se deram através de cartilhas online, programas de rádios, encontros virtuais, folders e vídeos, orientando as lideranças sobre a ameaça da Covid-19.

Outra coisa importante que não posso deixar de falar: a situação do atendimento da saúde indígena durante o período de pandemia foi dramática, com vários problemas de estrutura nunca resolvidos pela Secretaria Espacial de Saúde Indígena (Sesai). Na pandemia, o problema se agravou.

Os povos não tinham o direito de sepultar seus mortos, os rituais fúnebres foram proibidos. Lembro da morte de duas indígenas do povo Javaé, mãe e filha que morreram no mesmo dia. A cena dos caixões sendo atravessados em duas canoas juntas para a aldeia me chocou.

As barreiras sanitárias foram criadas pelos próprios indígenas, dentro dos territórios, com o objetivo de conter o avanço do coronavírus. Tudo isso por causa da falta de apoio dos órgãos governamentais. Com o apoio do Cimi, os povos mantiveram as barreiras sanitárias nas entradas dos territórios indígenas e acredito eu que essa ação tenha salvado muitas vidas ind´´ígenas.

Concluindo, deixo aqui o meu agradecimento à Memória Popular da Pandemia, onde podemos registrar nossas escrevivências neste período tão macabro. Obrigada!

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