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25 a 39 anos Branca Distrito Federal Ensino Médio Completo Mulher Trans

“Ter pego Covid-19 me ensinou a colocar minha saúde em primeiro lugar”

Eu me chamo Renata, tenho 37 anos e sou mulher trans. Sou natural do Tocantins, trabalho como cabeleireira, faxineira e realizo outras atividades para complementar a renda. Também sou estudante de enfermagem, nível médio. 

Antes da pandemia, eu trabalhava como profissional do sexo. Porém, durante a pandemia, encontrei dificuldades, já que vários clientes “desapareceram”, o que me prejudicou bastante.

Esse cenário me fez começar a estudar o curso técnico em enfermagem para futuramente ter um complemento na minha profissão. Tenho vontade de fazer faculdade de estética, mas atualmente sobrevivo de ajuda com doações de alimentos e realizando trabalhos como diarista, cabeleireira ou levando pets para passear. Essa é a forma que encontrei para conseguir melhorar essa fase ruim e poder me sustentar, pagar aluguel e outras contas, bem como cuidar dos meus cachorros.

Com Covid-19 e sem contar com ajuda de ninguém

Por morar sozinha, tive a pior experiência quando peguei Covid-19, em setembro de 2021. Eu tive que “me virar”,  já que pude contar com a ajuda de ninguém próximo, nem mesmo para de vizinho. Tive vários sintomas como febre, dor de cabeça, dores no corpo inteiro, diarreia, vômitos, tontura e calafrios. Esses sintomas duraram três dias. 

Nesse período, fui a uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Lá fui bem recebida pela equipe de saúde, especialmente pela médica que me acolheu e me acalmou dizendo que ficaria tudo bem. Ela receitou os remédios e eu retornei para casa. 

Após alguns dias, eu voltei à UBS consulta, pois estava com alguns desconfortos respiratórios. Com isso, a médica pediu um exame de raio-x do meu pulmão e constatou que não havia alterações, que “meus pulmões estavam limpos”. 

Eu tive muito medo, mesmo com as duas doses da vacina. Nesse período, fiquei duas semanas sem trabalhar, mas já estou na ativa novamente. Fico feliz por estar viva e também por não ter perdido ninguém da minha família por Covid-19. Ter pego o vírus me ensinou que tenho que me cuidar mais e colocar minha saúde em primeiro lugar.

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25 a 39 anos Branca Distrito Federal Ensino Médio Completo Mulher Cis

“Como vou manter funcionários sem ter nenhum capital na empresa?”

Meu nome é Keilla Rocha, tenho 28 anos e sou mãe de um rapaz pré-adolescente. Quando a pandemia começou, em 2020, eu estava casada, fazendo o curso técnico de enfermagem e trabalhava como comerciante varejista em Shopping Centers.

Com a pandemia, eu passei a não deixar mais meu filho sair pelo condomínio ou brincar na rua e ele não conseguia entender o motivo. Ele, triste, olhava pela janela e dizia: – Olha lá mãe… Todo mundo brincando na rua! Todos meus amigos nas quadras, e eu aqui em casa, já não aguento mais”.

Ele estava exausto, as brincadeiras dentro de casa já não tinham graça, a escola havia fechado e eu estava super amedrontada e não deixava ele nem “piscar” fora de casa. Parecia um filme de terror sem fim. Sabe aquele apocalipse que tanto nos alertavam desde a infância? Sentia que ele realmente havia chegado. 

Ao acordar, o meu marido já estava com a televisão ligada assistindo incansavelmente a mais um noticiário que nos alertava sobre o maior número de mortes a cada minuto. Às vezes eu parava e pensava: “Será que só eu estou realmente levando isso tão a sério? Onde estão os pais dessas crianças que deixam elas ficarem na rua?” E, por fim, eu fico vista como a errada ou a mãe super protetora.

Senti um desespero quando recebi um e-mail da secretária do suposto médico incrível informando que ele havia ido embora de Brasília para ficar com a família, pelo motivo da pandemia

Filho com epilepsia

Quando meu filho fez nove anos, ele foi diagnosticado com epilepsia. A partir de então, ele tem tomado medicamentos controlados e procuramos o melhor neuropediatra que atendia em Brasília. Comecei a pagar um plano de saúde super caro, pois era o que o suposto médico escolhido aceitava na época. As consultas passaram a acontecer por chamada de vídeo. Nós realizávamos a consulta segurando o celular, sentados em nosso próprio sofá, no conforto do nosso lar, conforto este que meu filho já não suportava mais. 

Realmente, senti um desespero quando recebi um e-mail da secretária do suposto médico incrível informando que ele havia ido embora de Brasília para ficar com a família, pelo motivo da pandemia.

Como eu, sendo uma microempresária, vou manter funcionários sem ter nenhum capital na empresa? Como iria alimentar minha família, pagar boletos que estavam para vencer? Foi um desespero sem fim

Fechamento de shoppings centers, fim do trabalho

O tempo passou e o terror continuou. Eu sempre tentei proteger minha família passando álcool em tudo e em todos. Quando eu e meu ex-marido íamos ao mercado, parecia o fim dos tempos: muitas prateleiras vazias, as máscaras em nossos rostos tampando todos os vestígios de sorriso que poderia surgir, olhares assustados, um silêncio que parece que nos havia matado por dentro e a cada instante. 

No momento em que o nosso empreendimento nos Shoppings Centers faria com que conseguíssemos sair do mar de dívidas, recebemos a notícia de que os shoppings deveriam fechar. Como eu, sendo uma microempresária, vou manter funcionários sem ter nenhum capital na empresa? Como iria alimentar minha família, pagar boletos que estavam para vencer? Foi um desespero sem fim. Não havia nenhuma notícia boa e nenhuma esperança desse pesadelo acabar. Sem a cura, sem a esperança de vacinação, com o caos no governo em nosso País, parecia que não iríamos sobreviver.

No curso de enfermagem, os estágios foram suspensos. E, dessa forma, nós, estudantes inexperientes e despreparados, tivemos que ir à guerra.  Adiantaram o diploma, pois a cada dia que passava eram necessários mais “soldados” da saúde para ir à guerra.

Devemos observar e entender o contexto e não perder a fé. Temos que saber que temos que lutar pelos nossos sonhos e objetivos, mas jamais deixar de ser grato pela vida e pela saúde

Fim do casamento: “Seu egoísmo não o deixava enxergar que diante de tudo aquilo que o mundo passava, o bem maior era a própria vida e a família”

Em meio a essa “tempestade” mundial, o meu casamento não resistiu e sucumbiu em meio a tantos conflitos. As pessoas à nossa volta nos julgavam como o casal perfeito. Porém, todo espetáculo é lindo para quem assiste e só quem vive atrás, nos bastidores, sabe a realidade. 

Ao acordar, sempre via o meu marido mal e desesperado e eu dava apoio e alicerce, sejam eles quais fossem necessários. Eu tentava mostrar que mediante a todo ócio mundial, a nossa família estava bem, tínhamos saúde, alimento na mesa. Mas ele se sentia como se estivesse levando um golpe do destino. Seu egoísmo não o deixava enxergar que diante de tudo aquilo que o mundo passava, o bem maior é a própria vida e a família.

Devemos observar e entender o contexto e não perder a fé. Temos que saber que temos que lutar pelos nossos sonhos e objetivos, mas jamais deixar de ser grato pela vida e pela saúde. Do que adianta chegarmos no topo da montanha sem ter com quem compartilhar? O mais importante é saber como lidamos com o próximo ao longo da caminhada, com quem está contigo nos momentos de dificuldade. 

É fácil ser feliz ao valorizar o próximo nos momentos de bonança e alegria. O sábio é aquele que valoriza e entende que nem tudo são flores. Hoje sei que existe arrependimento em seu coração, mas tudo isso me ensinou a ser uma mulher forte, guerreira e independente. Sou grata a Deus por não me desamparar, por me mostrar o caminho e por me guiar em meio ao caos.

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25 a 39 anos Distrito Federal Ensino Médio Completo Mulher Cis Prta

“Eu só pensava em não morrer”

Meu nome é Sindy, tenho 22 anos, sou goiana, empreendedora e moro na Ceilândia Norte, periferia de Brasília-DF. 

Quando começou a pandemia do Covid-19, achei que a quarentena fosse durar apenas 15 dias, porém já estamos há dois anos com ela. Como esses dias têm sido longos! 

No começo, todos os dias pareciam iguais. Eram momentos de muita reflexão. Eu pude perceber durante a quarentena que psicologicamente eu não estava bem. Eu entendi também que não era só eu que não estava bem, mas todo o mundo ao meu redor tampouco estava bem. Por isso, eu tentei encontrar meios para melhorar o meu psicológico, com a prática de exercícios físicos e tentando me auto conhecer.

Antes da pandemia, comecei um relacionamento e foi muito complicado pra mim, principalmente no começo do relacionamento, ter que ficar longe de uma pessoa que eu gosto e ter que conviver de maneira mais próxima aos meus familiares. Por mais que eu estivesse acostumada e que amasse minha família, estar em isolamento por causa da pandemia tornou a convivência muito mais difícil.

“Foram tantas vítimas que não quero ser mais uma estatística!”

Desemprego, auxílio emergencial e redes de apoio

Na pandemia, eu me vi  desempregada, tentando me esforçar pra fazer cursos, para ler livros, mas eu só pensava em não morrer ao mesmo tempo que as contas chegavam. Eu mal tinha dinheiro pra me alimentar. Depois de alguns meses de pandemia, o governo resolveu dar auxílio emergencial. Para conseguir o benefício, tínhamos que fazer um cadastro no aplicativo “Caixa TEM”. Todos os de casa fizemos, porém eu não consegui receber esse auxílio. 

A minha irmã e a minha madrasta receberam o auxílio e a gente conseguiu melhorar a questão da alimentação. As despesas fixas (contas de água, luz, aluguel, internet…) obviamente não eram imensas, então “dava pra se virar”. Além disso, minha família recebeu cestas básicas e auxílio gás de organizações não-governamentais (ONG) que antes da pandemia já ajudavam com a questão do combate à fome, especialmente voltada para as pessoas em situação de rua em Brasília. Tais organizações foram a Rede Solidária Barba na Rua, Tulipas do Cerrado, Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas e Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno/Coalizão Negra por Direito.

Depois desses meses de pandemia, consigo me entender melhor, mas ainda restam sequelas desse Covid-19. Foram tantas vítimas que não quero ser mais uma estatística!

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40 a 59 anos Distrito Federal Ensino Médio Completo Mulher Cis Parda

“Com a chegada do Covid-19, conheci a depressão e a ansiedade”

Eu sou Gilmara, mais conhecida como Juma, apelido que ao longo dos anos se transformou meu nome social. E é assim que prefiro ser chamada. 

Minha história não tem nada a ver com as narrativas mostradas em novelas ou em contos de literatura. Ela vem imbuída de uma realidade incrivelmente assustadora e cativante. Como qualquer criança, também tinha meus sonhos e fantasias. Mas muito cedo, mais precisamente com dez anos, tive de lidar com situações demasiadas complexas para uma criança, como por exemplo o falecimento de minha mãe, que aconteceu durante uma de suas saídas solitárias de Alexânia, local onde morava, próximo a Brasília, cidade que ainda é meu lar.

Passei por uma série de violações de direitos por parte do Estado e tudo se apresentava como um grande obstáculo à minha frente. A mim eram negados os direitos fundamentais: à moradia, à uma boa alimentação, ao lazer, à infância, à segurança, à saúde

Situação de rua

Desde muito cedo tive que aprender a cuidar de mim e, por mais nova que fosse, já entendia a importância de continuar os estudos. Desde aquela época, eu tive a rua como lar e isso durou muitos anos. Ainda em situação de rua, frequentei a escola regularmente até conseguir completar a sexta série do ensino fundamental. Eu passava o dia na instituição, com minha pequena bolsa na qual carregava cadernos, livros, diversos lápis e objetos pessoais, meu verdadeiro “estojo de identidades”.

Morar na rua não era nada fácil, mas eu me reinventava a cada dia e posso dizer que resistência é o meu sobrenome. Passei por uma série de violações de direitos por parte do Estado e tudo se apresentava como um grande obstáculo à minha frente. A mim eram negados os direitos fundamentais: à moradia, à uma boa alimentação, ao lazer, à infância, à segurança, à saúde. Na rua, entendi o motivo pelo qual o uso de drogas se faz tão presente e todas as dores que esse uso esconde.

Posso dizer que ela [minha filha] tem sete pais, pois naquela noite chuvosa sete homens forçaram o livre acesso ao meu corpo. Na época eu tinha apenas 13 anos de idade e os homens eram policiais. Pessoas que, teoricamente, deveriam me proteger, eram os meus algozes

Uma filha, reunião de tudo que era mais bonito e sincero

Neste contexto de violações, tive minha filha, que reunia tudo de mais bonito e sincero que eu tinha dentro de mim. Posso dizer que ela tem sete pais, pois naquela noite chuvosa sete homens forçaram o livre acesso ao meu corpo. Na época eu tinha apenas 13 anos de idade e os homens eram policiais. Pessoas que, teoricamente, deveriam me proteger, eram os meus algozes. 

No ímpeto de querer propiciar um melhor ambiente para o desenvolvimento de minha filha, deixei-a com uma conhecida, com a qual sabia que poderia ofertar um contexto melhor para seu crescimento. Essa foi uma entre tantas decisões difíceis que se materializaram em meu caminho. 

Conheci o trabalho sexual e com ele todo o glamour de se sentir conhecida e bem remunerada. Mas esse período também culminou em uma face mais complexa do uso de drogas. Já estava estabelecendo uma relação problemática com esse consumo e a violência estava cada vez mais presente no meu cotidiano e na rua. 

Justamente neste momento fui presa e digo que, no meu caso, esse fato serviu para despertar em mim a vontade efetiva de mudança. Não existia nada naquele local que me empoderava e eu precisava sair dali, voltar para minha filha.

Foi pensando neste período de minha história que sinto novamente a necessidade de aprofundar meus conhecimentos por meio do ensino superior e vejo neste sonho uma excelente oportunidade para minimizar as vulnerabilidades que passei

Recomeço: trabalho com redução de danos

Ao sair do sistema prisional e, com o passar dos meses, me descobri redutora de danos, profissão que levo comigo até hoje, dezesseis anos depois. A Redução de Danos pegou minha história de vida, experiência, liderança, e sobretudo, a minha vivência com as drogas e fez daquilo um instrumento de trabalho. 

A partir daí comecei a me dedicar ao trabalho com pessoas que fazem uso de drogas. Eu exerço esse trabalho por amor e quero me aprofundar cada vez mais nele. Já com esta grande descoberta de profissão, veio a necessidade de terminar os estudos e consegui. Foi pensando neste período de minha história, que sinto novamente a necessidade de aprofundar meus conhecimentos por meio do ensino superior e vejo neste sonho uma excelente oportunidade para minimizar as vulnerabilidades que passei e uma chance de dar continuidade a outros sonhos.

Com a chegada do Covid-19, conheci a depressão e a ansiedade.(…) Eu não consigo segurar minhas lágrimas e fico agoniada ao pensar em minhas companheiras que estão em situação de rua

Chegada da pandemia e a depressão

Eu sou mãe, avó, ex moradora de rua e ex usuária de drogas. Com a chegada do Covid-19, conheci a depressão e a ansiedade. Passei a usar antidepressivos. Eu não consigo segurar minhas lágrimas e fico agoniada ao pensar em minhas companheiras que estão em situação de rua, com as mulheres que são provedoras de lares tendo que se colocar nas ruas para manter sua sobrevivência. 

Eu, em momento algum, pude me colocar em isolamento pois há um grupo grande de mulheres que são acolhidas por mim. E, apesar de estar nos cuidando desse público, tive a sorte de não me contaminar com o Covid-19. Porém, é grande o sofrimento ao ver algumas de nossas entes queridas morrerem por causa dessa pandemia.

Me nego a ocupar o espaço marginalizado que a sociedade cotidianamente me coloca

Retrato da resistência e da ressignificação de vida

Diante de tudo que aconteceu em minha história, vejo o quão difícil foi chegar aqui, mas não me vitimizo em qualquer momento. Me nego a ocupar o espaço marginalizado que a sociedade cotidianamente me coloca e busco construir um mundo melhor tanto para mim, minha filha e todos os companheiros de rua, tão silenciados pela mediocridade das políticas públicas. Vou seguir realizando meu trabalho na esperança de dias melhores.

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25 a 39 anos Amazonas Ensino Médio Completo Homem Cis Parda

“A pandemia e a enchente em Parintins nos colocou diante da realidade”

Meu nome é Josias Silva, tenho trinta e dois anos e sou natural de Manaus. Há três anos resido em Parintins e em todos eles tenho me dedicado, exclusivamente, à Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso.

Durante esse tempo todo, tivemos felicidades e também muita tristeza, com a chegada da pandemia. Ela pegou todo mundo de surpresa. Infelizmente experimentamos mais a dor da perda do que algum ganho. Ficamos de resguardo em nossas casas, praticamente presos, sem poder fazer nada, sem poder respirar. Infelizmente perdemos muitos amigos e familiares. Porém, com a chegada da vacina, tudo pode voltar ao normal. Não totalmente, mas aos poucos a gente vai voltando ao normal. 

Durante a pandemia, ainda com o cenário de mortes, eu pude ter uma felicidade: a chegada da minha filha Luna, que foi o presente que Deus me deu. Ela é o amor maior da minha vida, a maior felicidade que eu tive.

“Essa fama de o Caprichoso ser o “Boi da elite” é falsa. Na realidade, de perto, vimos as dores, as necessidades do povo da nação azul e branca”

De cara com a realidade: pandemia e enchente em Parintins

Em relação ao Boi Bumbá Caprichoso, o que eu tenho a dizer é só felicidade. Porém, enfrentamos a pandemia e a enchente em Parintins e isso nos colocou frente a frente com a realidade do povo Caprichoso. Essa fama de o Caprichoso ser o “Boi da elite” é falsa. Na realidade, de perto, vimos as dores, as necessidades do povo da nação azul e branca. 

Com a enchente e a pandemia, muitas pessoas que trabalham com artes no Boi-Bumbá Caprichoso não puderam elaborar seus projetos e, com isso, não puderam ter dinheiro para sustentar suas famílias. Então o Boi Caprichoso fez várias ações, como o evento do dia das mães e as atividades com o povo que mora na região alagada pela enchente. Levamos o Boi até as pessoas que sofreram com o isolamento da pandemia para dar um pouco de alegria e esperança. 

E como eu falei anteriormente, a vacina nos trouxe esperança. Há pouco tempo, tivemos uma festa no curral do Boi-bumbá Caprichoso. Nela, pudemos extravasar, dizer que, felizmente, a vencemos, estamos vencendo. Foi aquela mistura de sentimentos: ao mesmo tempo em que a gente estava feliz, extravasando, por estar todo mundo vacinado, também sentimos tristeza por aqueles que já não estão com a gente porque morreram de Covid-19.

Eu peço a todos aqueles que ainda não se vacinaram que se vacinem. A vacina é a única esperança que a gente tem para voltarmos à normalidade. Também peço a você que se vacinou que continue se cuidando: dê conselhos para os amigos e familiares que não se vacinaram para se vacinarem. A vacina é a única esperança que temos de dias melhores.

Temos que ter consciência de tudo aquilo que perdemos e deixamos de valorizar para que possamos, novamente, ver o brilho de nossa festa. Temos que dar mais valor aos outros, ter mais amor em nosso coração e união. 

Espero que em 2022 tenhamos vitórias, prosperidade e que seja um ano de vitória também para o nosso Boi-Bumbá Caprichoso, com a realização do Festival, no qual trabalhadores possam voltar aos galpões e levar o sustento para suas famílias.

Volta do Festival só com vacinação

Estou muito feliz por fazer parte dessa família do Boi Caprichoso e só com a vacina podemos realizar o próximo Festival Folclórico de Parintins e, com ele, fazer com que a economia do nosso município volte a crescer. 

Espero que essa vida [de pandemia] tenha ficado para trás e que, com a vacina, possamos ter dias melhores. Espero que em 2022 tenhamos vitórias, prosperidade e que seja um ano de vitória também para o nosso Boi-Bumbá Caprichoso, com a realização do Festival, no qual trabalhadores possam voltar aos galpões e levar o sustento para suas famílias. Espero que seja um ano de muitas vitórias para nação azul e branca.

Por isso, vacinem-se, continuem se cuidando, cuidem de suas famílias, de seus amigos para que a gente possa se encontrar nesse festival de 2022, que promete ser um dos melhores.

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60 anos ou mais Amazonas Ensino Médio Completo Mulher Cis Parda

“A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico”

Eu sou Maria Auxiliadora Pereira e Silva, mais conhecida como Dora Caprichoso. Trabalho no Curral [da Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso] há vinte anos. Comecei [no setor de] serviços gerais e hoje sou diretora do Curral, desde 2016.

A pandemia me trouxe uma tristeza muito grande pois fui obrigada a me ausentar do Curral. Passar meses fora daqui foi a maior tristeza que senti. Fiquei muito abalada quando vi as pessoas morrerem e deixei de assistir o jornal. Foi um desespero, fiquei muito nervosa e acabei trazendo isso para a minha vida. 

Agora já estamos vivendo momentos melhores e espero que não voltemos mais àquela situação. Ainda que o momento mais crítico da pandemia tenha passado, a gente continua a sentir tristeza pelas pessoas que morreram e, dessa forma, a pandemia deixa marca. Perdi amigos queridos e isso me entristece muito. Eu não gosto muito de falar porque sinto uma dor muito grande no meu coração. 

Espero que isso [a pandemia] termine definitivamente. Por ser uma cidade pequena, Parintins foi bastante afetada. Pessoas como eu ficaram desesperadas por não poder trabalhar.

Minha experiência na pandemia

Quando chegou em agosto de 2021, o presidente [do Boi Caprichoso] me perguntou se era hora de voltar ao trabalho e eu retornei ao Curral porque já não aguentava mais o sofrimento de ficar em casa sem poder fazer nada. Muitos sócios queridos do Caprichoso morreram e ao ficar em casa, sem poder fazer nada, me deixava ainda pior. 

Eu espero que, daqui para frente, tudo volte ao normal. Espero que possamos viver como antes, com alegria, com festas. Quero poder passear, tirar um dia para lazer sem a preocupação de não poder estar em determinado lugar por causa do Covid-19.

“A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico, mas se a gente se respeitar e continuar usando a máscara, a gente vai ter um final muito feliz.”

Eu também espero que as pessoas se respeitem uns aos outros, que continuem usando máscara até que tudo isso passe. Se todos colaborarem, a pandemia acaba. Espero que, na idade que estou, não presencie mais uma pandemia dessas. Ela foi tão triste para nossas vidas. Não só pra mim, para todos.

Agora em diante, gostaria que todo mundo respeitasse uns aos outros, continuasse se distanciando, usando máscara, se prevenindo. A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico, mas se a gente se respeitar e continuar usando a máscara, a gente vai ter um final muito feliz.

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18 a 24 anos Amazonas Branca Ensino Médio Completo Homem Cis Sem categoria

“Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Eu sou Felipe Souza, tenho 23 anos e atuo no Boi-Bumbá Caprichoso há muitos anos. Comecei na Escolinha [de Artes] do Caprichoso cursando percussão. Com o tempo me apaixonei por figurinos de Boi.

Em 2017, aos 17 anos, recebi uma proposta de um amigo para trabalhar como ajudante no Caprichoso. Foi uma experiência muito diferente, eu me senti um pouco realizado ao fazer parte do Festival de Parintins. Em 2018, continuei trabalhando com ele e, no ano seguinte, me convidaram para trabalhar como figurinista: foi mais do que um sonho realizado. Trabalhei com figurinos de ensaio técnico para Cunhã-Poranga [a mulher mais bela da tribo] do Caprichoso, fazendo vários acessórios para ela e foi então que meu nome começou a ser visto.

“O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas”

A pandemia e os eventos on-line

Em 2020 veio a pandemia e nos obrigou a ficar em casa. Foi um momento muito difícil para a vida de muitos artistas e de muitas pessoas que perderam seus entes queridos.

O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas e graças a Deus a minha família não foi afetada e não perdemos nenhum ente querido. Porém, lamento por todas as pessoas que perderam.

Pensávamos que até o final de 2020 as coisas melhorariam. Como o Boi Caprichoso não podia fazer eventos abertos ao público, nós fizemos lives como uma maneira de trazer o Boi-Bumbá para dentro das casas das pessoas, com diversão de forma segura. Foi durante esses eventos que meu nome começou a ser mais conhecido. 

Na live do Festival, por exemplo, eu e meu amigo fizemos a roupa da porta estandarte, Marcela Marialva, e a roupa muito comentada. Fiz uma roupa para Marcielle também, que foi bem falada pelo público e assim o meu nome começou a aparecer. Foi uma felicidade muito grande para mim.

“Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho”

2ª onda da pandemia: reconhecimento do trabalho

Quando achávamos que voltaríamos ao normal, veio a segunda onda da pandemia, que afetou muitas famílias e, novamente, tivemos que ficar em casa para nos proteger. Neste ano fizemos a live do Festival 2021 e nela eu estreei como figurinista solo do Patrick Araújo, que é o atual levantador de toadas. Esse figurino ganhou o prêmio de “figurino destaque” no Caprichoso e eu fiquei muito feliz pela oportunidade. 

Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho. Eu gostaria muito de agradecer a Deus por eu estar aqui e ao Caprichoso por ter me dado essa oportunidade.

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados”

Aprendizado: é preciso valorizar o próximo

Com essa pandemia eu aprendi que é importante valorizar o próximo, valorizar minha família, cuidar das pessoas que eu amo. Percebi que o amanhã só pertence a Deus e que nós precisamos nos cuidar. 

Temos que continuar nos cuidando, usando máscara, álcool gel porque ainda não acabou. Por isso, quem ainda não se vacinou, deve procurar uma unidade de saúde para se vacinar. As vacinas salvam vidas.

Logo logo essa pandemia vai acabar e vamos nos reunir novamente como antes. Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados. Que neste ano consigamos nos unir e fazer um festival maravilhoso e que os artistas possam trabalhar e conseguir o dinheiro que todo mundo conseguia quando nós tínhamos o nosso Festival antes da pandemia.

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25 a 39 anos Amazonas Ensino Médio Completo Homem Cis Prta

“Com a vacina, o índice de mortalidade caiu muito e já podemos sorrir de novo, fazer a festa para o nosso Boi”

Sou Leandro da Costa Carvalho, conhecido como Lete. Vou contar aqui a minha história. Eu tenho um comércio chamado “Comercial Betão”, que fica no Bairro da Princesa (Parintins-AM), reduto do Boi Bumbá Caprichoso. Tudo estava caminhando bem até a chegada da pandemia. 

Em 3 de março, durante a pandemia, minha mãe, Joana da Costa Carvalho, morreu. Além disso, a pandemia fez com que fossem canceladas duas edições do Festival Folclórico de Parintins. Por dois anos, nós não tivemos Festival. Então, não pude contar com o trabalho que tinha a partir da Festa do Boi. Tive que focar na minha loja. Não foi fácil, já que a Festa do Boi aquece a economia local, movimenta todo o dinheiro do município de Parintins.

Como se não bastasse, em 30 de julho deste ano, houve uma enchente grande no bairro que invadiu a minha loja e tudo ficou alagado. Com isso, a situação ficou ainda mais difícil. 

No próximo ano, esperemos que o Festival Folclórico de Parintins aconteça porque é uma ajuda muito grande para economia do município.

Pós-pandemia e a volta da Festa do Boi em Parintins

Graças a Deus surgiu a vacina. Com a primeira e segunda dose da vacina, o índice de mortalidade caiu muito e já podemos sorrir de novo, fazer a primeira festa para o nosso Boi. Ainda não pude exercer o cargo de diretor comercial, mas já trabalhei na Festa do Boi e consegui arrecadar algum dinheiro e pude investir na minha loja.

Infelizmente, a festa não foi igual às edições anteriores, porque muitos dos nossos amigos já não puderam estar no evento, assim como também a minha mãe, que era torcedora fanática do nosso Boi. Mas nós sentimos muita emoção, vibração. 

Falando da vacina, graças a Deus, todo mundo está se vacinando e já podemos ver por aí muita gente nas festas.

No próximo ano, esperemos que o Festival Folclórico de Parintins aconteça, porque é uma ajuda muito grande para economia do município. Espero que essa pandemia não volte mais e que dê tudo certo para termos nossa vida normal.

Uma lição: A gente tem que mudar, olhar mais para o próximo

O que eu tiro dessa experiência como lição é que não foi fácil você ver gente praticamente passando fome: tinha chamada de doação de rancho, de cestas básicas, da Prefeitura de Parintins até os blocos de carnaval. Do mesmo modo, não foi fácil ver várias e várias casas alagadas. 

Eu tive o prazer de participar de uns eventos de doação de rancho para a população que perdeu muita coisa por causa da enchente, que perdeu parentes. A enchente em Parintins foi um fenômeno que não acontecia desde 2009. 

Eu acho que isso é algo que todo mundo tem que repensar porque não foi fácil passar pelo que nós passamos. A gente tem que mudar, olhar mais para o próximo.

Graças a Deus vários órgãos e os Bois-Bumbás, principalmente o Caprichoso, sua diretoria e patrocinadores, conseguiram vários ranchos para doação. Uma lição que eu tiro dessa situação é a consciência que tivemos de tudo o que aconteceu.

Temos que amar mais o próximo. Tentar perguntar o que está acontecendo, não julgar as pessoas antes de perguntar “o que está acontecendo com você, o que tá acontecendo na sua família?” 

Eu acho que isso é algo que todo mundo tem que repensar, porque não foi fácil passar pelo que nós passamos. A gente tem que mudar, olhar mais para o próximo.

Essa tempestade já está passando. Já estamos enxergando nuvens brancas, o céu azul de novo. O tsunami, o temporal, já foi. Agora estamos vendo o céu azul e, se Deus quiser, vai dar tudo certo. Se Deus quiser, vamos voltar a ter nossa vida normal de novo, mas sempre olhando para o próximo.

Você que está lendo este texto, tenha fé em Deus que tudo isso vai melhorar, tudo. Não é só aqui, para gente que mora em Parintins, o Brasil todo vai melhorar. Você visitante, quando chegar aqui em Parintins, vai chegar com aquela alegria, com aquela emoção que você pensava que não ia mais sentir. Você vai sentir porque Deus é lindo, Deus é tudo e quem tem fé em Deus vai longe. Pense nisso, Deus é tudo.

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“Essa pandemia não vai acabar”

Relato de Heddy Lamar, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

A pandemia não vai acabar. Eu acredito que não.  E vai ser como a vacina para a H1N1, todo ano a gente vai ter que tomar. Agora, ela é uma coisa mais grave do que a H1N1, bem mais grave, então tenho certeza de que a gente vai conviver com isso para sempre. E estou pensando agora, que já liberaram o carnaval do Rio de Janeiro, tenho neta que mora no Rio de Janeiro, eu ia muito ao Rio, para Copacabana assistir ao desfile.

No início, quando a gente via todas aquelas coisas na televisão, apavorantes, eu ficava sem acreditar. A televisão é um meio de comunicação que te envolve muito, causa medo. No entanto, achava que aquilo era um filme que estava assistindo. A ficha caiu mesmo foi quando eu peguei a doença, mesmo tendo ficado em quarentena. Não saia, ia ao mercado às 7 horas, logo que abria. Quando estava abrindo, eu estava entrando.

A gente sempre acha que irá acontecer com o vizinho, mas não com a gente, mas aconteceu, mesmo já estando vacinada com as duas doses, tive Covid. 

A pandemia pode não acabar, por isso já estou imunizada    

Eu já tomei a terceira dose da vacina contra a Covid, mas se tiver a quarta, eu tomo também. No início, eu julguei a vacina, mas eu tomaria, não deixaria de tomar por nenhum motivo. É um teste para meus netos, para meus filhos, para meus bisnetos. Eles têm que começar pelos mais velhos. Então foi aperfeiçoando mais, logo as crianças vão começar a tomar. Acho que está tudo certo agora, pois uma vacina para ter uma eficácia cem por cento, ela tem que ser testada de dois a três anos, e não por meses.

Hoje eu penso: meu Deus, o tumulto que é no ano novo. Todo mundo gosta, quem não gosta? E já liberou, então já vai ter réveillon neste final de ano, e vai ter carnaval também. Então, o que você acha que vai acontecer ano que vem? Tudo de novo!

Por exemplo, aqui em Brasília, como estava passando desde ontem na reportagem sobre novos hospitais de campanha. O governador respondeu: “prevenindo”. Por que prevenindo? Por que ele tem a certeza de que a bomba vai estourar novamente? E por que vai liberar? O financeiro, o poder público… vai liberar por isso. Então, tenho certeza de que o ano que vem a Covid vai voltar com força total. 

“Se tiver terceira ou quarta onda vai ser muito pior”

Então, se não estivermos em cima das pesquisas para a vacina, para que ela seja eficaz, isso aí vai ser para o resto da vida. E se tiver terceira ou quarta onda, vai ser muito pior. Um ou dois anos acredito que não, exatamente que falei no início, é o período do tempo para uma vacina ser segura ser feita é de três anos para lá. Então, dois anos ainda para frente, a nossa guerra ainda vai continuar. Mas a gente não pode deixar de ser otimista.  

As vezes a gente responde assim, enganando a si próprio, porque quero ver todo mundo bem. É isso que a gente quer. Mas não é isso que os governantes estão ajudando a gente a conseguir. A cada dia que ligo a televisão e falam sobre isso, fico mais para baixo, sem confiança, sem esperança de que isso irá melhorar rápido. Não é isso que eles querem.  Se eles virem que a Covid vai render muito financeiramente, isso aí não vai acabar. Por isso lhe digo que minha perspectiva não é das melhores. Por dois anos pela frente, não! A não ser que mude muita coisa aí.

“Como acreditar que a pandemia vai acabar?”

Enfim, quando eu vi, isso é uma coisa que ficou gravada na minha mente, fiquei imaginando uma pessoa a pegar um corpo de um ente querido, de um familiar.

Os corpos sendo refrigerados dentro de contêineres, no estacionamento de um hospital, como aconteceu lá em Manaus! Isso é muito triste, gente. Isso é uma coisa de arrepiar. E pessoas morrerem por falta de ar, por não terem cilindros de oxigênio para respirar porque os hospitais não têm. Como é que a gente acredita em um país desse? Como acreditar que pode melhorar em pouco prazo?  

Mas, enfim, por isso acredito que a pandemia não vai acabar tão cedo. Não sei se estou certa ou estou errada, mas eu penso desta forma. Eu fico muito triste com isso, porque eu amo tanto meu Brasil. A gente tem uma riqueza tão grande, a gente podia ser um país tão lindo e maravilhoso. Se eu tivesse condições,  pegaria meu povo todo e sairíamos daqui!  

Eu tive cinco filhos, e perdi o mais velho, com AVC, com quarenta anos, era o Marcel, e quatro meninas. Um homem e quatro mulheres. Desses cinco filhos, foram onze netos e três bisnetos. Eu sou de Belo Horizonte, sou nascida em Belo Horizonte, morei um tempo no Rio de Janeiro, mas me considero pioneira, moradora de Brasília. Eu vim passear em Brasília em 1965, e estou passeando até hoje. Aqui eu formei minha família, então, agora, minha vida é em Brasília. Todos os meus filhos e netos nasceram aqui. Só uma bisneta, das três que eu já tenho, nasceu em São Paulo, é paulista, mas as outras todas nasceram aqui em Brasília.

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“Tudo o que está acontecendo já era predestinado”

Relato de Margarida Silva, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Tragédias como pandemia e vulcões que estão acontecendo no mundo, tudo já estava predestinado a acontecer, e virão, ainda, outros desastres pelo que eu sei. Logo, a solução é se prevenir e esperar, ver o que é que Deus tem pra fazer com cada um de nós, porque ninguém tá livre de nada. Só que eu não tenho medo, apesar de esperar viver mais tempo, ainda. Eu perdi uma irmã há pouco tempo, ela tinha 90 anos, nem óculos usava. Fazia até labirinto, um bordado feito em grades.  

Quando eu me casei, tinha medo de morrer e deixar os meus filhos pequenos sofrerem o que eu passei. Eu e outras irmãs passamos por isso. Hoje, quero viver até a hora que Deus achar que está bom. Embora eu tenha alguns problemas, a minha mente não foi afetada. Ao contrário, a minha mente é lúcida, tranquila. Tudo o que eu fiz, tudo o que eu consegui, foi já depois de idosa. Eu era louca para estudar, terminar meus estudos e não conseguia. Trabalhava muito, era aquela correria toda. Até que decidi fazer um concurso. Passei na Fundação Educacional, terminei o segundo grau, fiz curso de inglês, tudo depois de idosa, com 50 anos. 

Enfim, tudo o que eu consegui, hoje não preciso mais, graças a Deus. Hoje, estou só curtindo. Minha mente está boa, eu resolvo tudo sozinha. Eu vou ao banco, eu vou para todo o canto que eu tiver de ir e vou sozinha. 

Destino predestinado

Nasci em Fortaleza, no Ceará. Cheguei em Brasília em 1967, depois que meu pai faleceu. Eu e minhas irmãs ficamos desgarradas, porque ele já tinha outra família, havia casado pela segunda vez e tinha um monte de filho pequeno. Eu e minhas irmãs já éramos adultas. Fiquei em Fortaleza trabalhando com bordados para uma espanhola.

Um dia, após a morte do meu pai, cheguei de roupa preta à casa da espanhola, para trabalhar, quando ela me perguntou: “o que foi que houve? Porque você está com essa roupa?” Respondi: “é porque meu pai faleceu”. Eles se conheciam. Ela, então, me sugeriu uma viagem, dizendo que eu estava muito abatida. Eu disse que queria ir para outro canto, então ela me disse que arranjaria, mas se fosse numa casa de família.

Só queria sair dali um pouco. Queria ser enviada ao Rio ou à Bahia, porque era onde ela tinha parentes. Entretanto, o destino estava predestinado. A espanhola me enviou à Brasília com um pessoal. Eu vim e, logo em seguida, arranjei meu namorado aqui. Sei que abri caminho em Brasília para a maioria do meu povo. Hoje, eu tenho uma sobrinha formada em Relações Internacionais, com mestrado na Inglaterra, e morando na Ceilândia. Ela trabalha na ONU, aqui em Brasília. Ou seja, todo mundo que veio para minha casa, saiu bem empregado.

Racismo

Eu não tinha ninguém por mim, era só eu e Deus. Eu vim pra cá confiando em Deus, porque a família do meu marido é branca. Meu marido era loiro do olho azul e os parentes dele não gostavam de mim, por causa da minha cor. A família dele não me tolerava. Eu não sabia que o nome para isso era racismo.

Meu marido era simples demais, muito tranquilo, o mundo podia pegar fogo, e ele era o último que saía da casa, ele não tinha pressa para nada. Eu sempre fui mais agoniada, queria resolver as coisas rápido. Tanto que, uma vez, eu disse a mim mesma: eu vou fazer o concurso, nem que seja para limpar chão, eu quero.

Pra dizer a verdade, nada na vida me marcou tanto, porque eu tinha cuidado. A vida me obrigava a ter cuidado comigo mesma, porém, nunca tive medo. Nunca deixei de ir ao mercado, à farmácia ou à igreja. Alguma coisa me dizia que eu não ia pegar a Covid. Talvez, um ser tenha me dado essa luz que eu não ia ter Covid, porque eu rezava muito por mim e por eles. A minha filha, que é o meu braço direito, também não pegou Covid. Eu sempre dizia: “meu Deus, cuida da minha filha, cuida do meu filho, pois eles precisam trabalhar”.