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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Minas Gerais Mulher Cis Prta Raça/Cor

“As super heroínas que não sentem dor nem medo só existem na ficção”

O fato de sermos mães não nos fazem ser super mulheres. Por isso quero dizer a você, mulher: reconheça os seus limites e não se furte em pedir ajuda! E não se culpe por isso. As super heroínas que não sentem dor nem medo só existem na ficção.

Digo isso porque percebi que o isolamento e toda essa situação de ter que ficar dentro de casa, de trazer todas as tarefas para dentro de casa culminou na falta de tempo para a minha família. Antes, logo quando fomos obrigadas a ficar dentro de casa eu acreditava que teria mais tempo com a minha família. Ledo engano.

Porque a gente já acorda no esquema: trabalho, estudo, ensino dos filhos… Então, eu acredito que a pandemia me colocou em um lugar de entender as relações e repensar a minha organização dentro dos ambientes, pois antes era tudo cronometrado.

Antes da quarentena, eu tinha uma rotina de acordar cedo, chamar as crianças, ir para o trabalho. O meu tempo era bem dividivo em dias de semana e finais de semana. Hoje isso tudo mudou.

Desafios

Acredito que o mais desafiador foi o convívio diário, de quatro pessoas dentro de um apartamento pequeno, tendo que dividir as dinâmicas. Os dias e os fins de semana, por exemplo, eram bem definidos, mas hoje não temos mais dia de semana ou fim de semana. Tornou-se tudo uma coisa só. Por isso, digo a você que lê agora o meu relato: não se desespere. Não somos super heroínas.

Porque perdemos aquela escapatória da rotina, de poder sair aos fins de semana. Agora é tudo junto, dentro de casa. Todos os dias.

Lembro de algo muito legal que ocorreu a mim e à minha família. Foi o aniversário da minha filha. Ela estava tão triste, porque não tinha ninguém no aniversário dela. Entretanto fizemos uma surpresa para ela: conseguimos reunir muita gente, familiares e amigos, de forma virtual, numa chamada de vídeo. Minha filha ficou tão feliz! Aquela lembrança da felicidade dela mesmo durante esse período tão turbulento vai ficar marcada para sempre em minha memória.

Luciana tem 43 anos e é mãe de duas meninas: Luana, de 5 anos, e Luiza de 7. A produtora cultural é moradora da periferia e ativista dos movimentos sociais e culturais negros de Belo Horizonte.

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor São Paulo

“O bairro Jardim Damasceno precisa de políticas públicas”

O Jardim Damasceno é um bairro residencial situado na Zona Norte de São Paulo, pertencente ao Distrito da Brasilândia — Freguesia do Ó. É um bairro de extrema carência de políticas públicas que afeta o desenvolvimento do bairro e de seus habitantes. Essa carência se evidenciou no período da pandemia, pois muitas situações que eram invisíveis aos olhos da população local, tornaram-se visíveis com a perda de empregos. E, com a insegurança do momento de pandemia, seus casos se agravavam.

Primeiro, a falta de recursos financeiros para compra dos produtos de higiene e limpeza eram altas. No mesmo momento em que faltavam recursos até mesmo para alimentação básica, diante de todas essas observações, entra em ação o trabalho do Espaço Cultural Jd. Damasceno.

Trata-se de um galpão que foi erguido a partir de uma tragédia na época do Governo de Luiza Erundina, quando houve um desabamento em uma área de risco matando então três crianças soterradas. Diante de tamanha tragédia, houve a necessidade de erguer um galpão de emergência para abrigar as famílias destas crianças que vieram a óbito, enquanto era providenciado uma moradia adequada.

Espaço de atividades

A partir daí, o galpão ficou sendo utilizado como um espaço social, com diversas atividades como arte na rua e saraus por exemplo. Desde a construção do espaço, vem sendo travado uma luta com o poder público local e a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), pela concessão de uso do espaço ou por uma gestão compartilhada com o poder público para que a comunidade possa continuar utilizando o espaço. Entre as atividades realizadas no local estão o atendimento de reforço escolar para as crianças e adolescentes, esportes, debates com grupos de mulheres, cinema, biblioteca e horta comunitária.

Todos os trabalhos são voluntários sem nenhum investimento público. O coletivo retira do próprio bolso, recursos para quitar as contas de água e luz. Os trabalhos desenvolvidos, são as formas que encontramos para evitar o maior contato das crianças com os vícios, apontando a elas um outro “mundo possível”.

Impactos da pandemia no Jardim Damasceno

Diante da pandemia, a responsabilidade aumentou, devido à grande procura de muitas pessoas por ajuda, como alimentação, produtos de higiene e máscaras. E diante dessa necessidade, tivemos que nos reinventar. Conseguimos máquinas de costuras emprestadas e doações de tecidos para produzir às máscaras para doar a comunidade local. Além disso, formamos grupos de orientação sobre a importância da higienização da casa, do corpo e dos alimentos.

Porém, como higienizar os alimentos se não os tinham? E essa era a demanda maior. Tivemos que mobilizar amigos e ONG’s parceiras, em arrecadação de alimentos para atender a população que se encontrava desempregada. Conseguimos atender muita gente por um longo período de tempo, o mais critico da pandemia. E até hoje, ainda atendemos com cestas básicas um grupo de pessoas com deficiência e comorbidade e continuamos orientando e distribuindo máscaras a quem procura.

O que nos marcou nessa força tarefa, foi a surpresa da evidência de tantas pessoas com um índice altíssimo de vulnerabilidade social, devido a ausência de políticas públicas e ausência do Estado. A invisibilidade dessas pessoas ainda nos surpreende.

E é o que a pandemia vem fazendo, trazendo a tona essa invisibilidade. O galpão ao qual me refiro, é um espaço construído de madeirite que de tempos em tempos. Temos que trocar as folhas de madeirites porque apodrecem, já que o governo local não nos permite uma construção adequada. 

O Chamamos então de Espaço Cultural do Jardim Damasceno. Consulte nossa página no Facebook:  @EspaçoCulturalJardimDamasceno.

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor Rio de Janeiro

“A invisibilidade é um lugar feito por uma sociedade capitalista e racista”

A invisibilidade não é um poder dos super heróis. A invisibilidade é o lugar que uma sociedade capitalista e racista, coloca os seus. Seu Ubirajara estava na rua do Casa Viva, quando avistou algumas pessoas com cestas básicas. Seu Ubirajara foi em casa, colocou a sua melhor roupa e foi pedir a sua cesta básica. Ele disse assim: vim buscar a minha cesta!  

Parecia uma criança que se arruma para ir a uma festa e pegar sua sacola de docinhos. Respondi: “o senhor é avô de algum aluno do projeto? Pois as cestas são distribuídas para os inscritos nesta lista.” Ele respondeu: “mas, por favor, olhe para este velho que está muito necessitado.”

Assim como seu Ubirajara, muitos outros estão dentro de casa, sem alimento, sem quem cuide, sem quem os apoie, desse modo. 

A invisibilidade é um plano concebido desde a colonização

Com a pandemia da Covid-19, acentuaram–se as desigualdades sociais do nosso país, empurrando cada vez mais seus cidadãos para as margens dos direitos e privilégios. Nesta sociedade, a invisibilidade é determinada pelo endereço, CEP, origem e cor da pele. Seguindo os paradigmas dado à essas condições, que associadas ao nível de escolaridade, idade, condição física e mental, os colocam em um lugar do esquecimento e coisificação, portanto. 

Um plano concebido desde a colonização e acirrado nesses dias de pandemia, o desprezo, distanciamento, desemprego, a fome e o adoecimento estão presente no cotidiano de muitos brasileiros. 

O invisível dos invisíveis, estão nas ruas em busca de um mínimo de dignidade para as suas vidas. A solidariedade dos guetos e favelas é que promove ainda a esperança nos corações. No final da distribuição, chamamos o Seu Ubirajara que foi feliz da vida com o alimento para a sua casa.  

Os moradores de favela são invisíveis ao sistema! Mas dentro da favela, o invisível dos invisíveis tem nome, tem endereço e é visível! 

Vítima da invisibilidade

Este relato se deu em junho de 2020 em plena pandemia. Histórias não deixavam de chegar com sofrimentos e dores do abandono e desespero. Hoje, dezembro de 2020, estou cansada ao ver que os números de infectados e de mortos beiram ao de início da pandemia do Brasil em maio. 

Chega a triste notícia da morte do seu Ubirajara. 

Como sempre sozinho,  foi descoberto pela vizinha que sentiu a falta de ver o basculante do pequeno cômodo se abrir. Triste! Seu corpo ficou inerte dois dias dentro daquele quarto quente.

As diversas manifestações dos vizinhos que lamentavam a morte do seu “Bira” e a ausência de um familiar para assinar o documento para que ele não fosse enterrado como indigente. 

Por conseguinte, foi necessário acionar com a defensoria pública para que o serviço funerário fosse autorizado entrar na favela para a remoção do corpo, porque foram diversas as razões para as negativas em atender as demandas da situação. Empecilhos para um último ato de caridade para uma vida. 

Se seu “Bira” morreu por Covid-19, não sei. Mas sei que foi vítima antes, durante e depois (se há o depois), de abandono e da invisibilidade dos nossos idosos e do nosso povo tão sofrido.  

Das mulheres que estão nas faxinas, nos meios de transportes lotados em busca do alimento para suas famílias. Dos homens desempregados e dos jovens entregadores que enfrentam o preconceito estabelecido pela sociedade cruel e nefasta, que mata nossos jovens e as nossas crianças. Impedindo uma geração de riqueza e sonhos!

Por isso, estou impactada, indignada e sofrida com uma expectativa que muito ainda vamos ver. Se o Covid 19 deixar! 

“Janelas da Conectividade”

Em dias de pandemia da Covid-19, o distanciamento e o isolamento social são determinantes para o não adoecimento. Assim mesmo, somos convidados diariamente a entrar e/ou participar de várias salas virtuais. Pois, salas coloridas, salas embranquecidas, salas floridas, salas com belos quadros ou apenas salas com belas estantes repletas de livros. 

Com novos hábitos incorporados ao cotidiano, a conectividade virtual ganhou novas funções promovendo encontros, reuniões e uma comunicação desafiadora em aprender a ouvir, esperar a sua vez de fala e de escuta. 

Salas com diversas janelas que interagem e trocam saberes, conhecimentos, afetos e sonhos. Sim! As Janelas da Conectividade, que na vida real e cotidiana da favela ainda se mantêm fechadas e ou cobertas com lonas e plásticos; abafando o ambiente e escondendo os diversos dramas das diversas formas das violências de exclusão e desigualdades sociais.

Entrega de cestas básicas na favela

Com um plástico amarelo na janela e um quarto difícil de circular, o encontrei sentado a beira da cama desiludido com tanto abandono. Quando chamamos pelo seu nome, ele não acostumado a receber visitas, ficou surpreso ao nos ver a porta de sua casa. Então, com dificuldade ele se levantou e disse: Vocês são aqueles jovens da Escola de Música? E logo esboçou um sorriso discreto, seguido de um soluço em uma voz embargada e agradecida por receber uma cesta de alimento, carinho e afeto.” 

Sim! Foi “esta a reação de alguém que em meio à tantas conectividades ainda se encontra no isolamento de sempre” – este fato nos foi relatado por jovens em momento de entrega das cestas básicas nas ruas da favela. As Janelas da Conectividade não se fecha para os jovens! Sempre ansiosos às novas descobertas, vasculham a Internet de um modo voraz em busca de novos conhecimentos, novos relacionamentos e aventuras. 

Sim, aventuras! Mas o que dizer de um jovenzinho que, em plena pandemia, adoece de modo a paralisar a sua vida? Onde a janela é o aparelho de celular que o leva as diversas memórias de uma vida que ele precisará se reabilitar? “Mas e a pandemia? Não tenho onde me tratar neste momento. O que será de mim? Sim! O que será?” 

É o que indaga o menino à sua mãe, que muito aflita vem nos contar a triste sorte do menino e que com lágrima nos olhos recebe a sua cesta de alimentos e volta para sua casa revigorada e esperançosa por dias melhores. 

Por fim, que possamos aprende nessa pandemia, em que as Janelas da Conectividade, estão para além das salas virtuais. 

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60 anos ou mais Ensino Fundamental Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor Rio de Janeiro

“O governo não está fazendo seu trabalho, e não podemos ficar parados”

Neste momento de pandemia, a gente deu uma parada para atuar com a questão da contribuição com as cestas básicas, como material de limpeza e higiene, com as famílias que nós trabalhamos. Agora, neste momento, estamos aqui em Jacarepaguá.

Trabalhamos com mais ou menos 15 unidades em parceria com a teia da zona Oeste, com ação e cidadania, vaquinha virtual e contamos ainda com a Fundação Oswaldo Cruz. Nós conseguimos ajudar mais ou menos 900 famílias com bolsas de alimentos.

Entendemos que o governo não está fazendo seu trabalho, e não podemos ficar parados. O movimento de moradia escolheu a opção de trabalhar com doação de cestas básicas, por entender que as pessoas estão precisando.

O grupo que a gente tem hoje em Jacarepaguá são 190 famílias, 80% mulheres. Dentro desses 80%, muitas delas são mães solteiras, chefes de família que precisam trabalhar. Tem muitas diaristas, empregadas domésticas… e nós sabemos que essa demanda é exatamente a demanda que está fora do mercado de trabalho.

“Uma casa onde viviam oito pessoas, hoje comporta dez, ou mais.”

Independente de estar fora do mercado de trabalho, tem uma outra questão que agrava ainda mais a situação, é o seguinte: a mãe que tem filho na escola, que tem filho na creche, hoje não leva seus filhos, então ela não consegue trabalhar e não tem com quem possa deixar o filho.

Outra coisa que a gente percebeu quando a gente estava fazendo distribuição das cestas (fizemos um cadastro das famílias), é que as famílias na grande maioria eram agregadas. Ou seja, o filho que casou e foi embora morar de aluguel, devido à pandemia, teve que retornar para casa de pai e mãe. Então, uma casa que comportava 8 pessoas hoje comporta mais 10, ou mais.

Tudo isso é uma situação que vem se agravando a cada dia e a gente, enquanto o movimento de moradia, sente muito. Principalmente eu que já tenho minha casa, porque vejo famílias, à noite, procurando uma marquise para forrar e colocar os filhos para dormir.

Trabalho em pequenas comunidades

Não chega nenhuma ajuda do Governo Federal em comunidades menores. A única coisa foi o auxílio emergencial que é um direito nosso. Agora, piorou. 300 reais não dá para pagar o aluguel, água e energia. Imagina que essas pessoas também precisam de alimentação! Aqui em Jacarepaguá não chegou nenhum tipo de ajuda a não ser dos parceiros que a gente vem falando.

Então, as cestas básicas que foram doadas foram muito bem-vindas naquele momento e continuam sendo bem-vindas, porque a gente precisa continuar com esse trabalho. Até porque, não sabemos quando isso vai acabar.

Até os hospitais de campanha estão todos fechando, sem contar os hospitais sucateados. Não tem nada o que a gente possa fazer para atender toda essa população! Precisamos de ajuda.

Obrigada à plataforma pela possibilidade da gente publicar o nosso sentimento em relação à Pandemia.

Sou Jurema da Silva Constâncio, coordenadora da União Nacional de Moradia Popular. Estou falando da Cooperativa Xangrilá. A União de Moradia Popular é o movimento que trabalha a questão de moradias para famílias de baixa renda com mutirão e autogestão.

Veja também: “Durante o isolamento vi o quanto o ser humano é importante”

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Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Mulher Cis Prta Raça/Cor Rio de Janeiro

“Situação de pobreza extrema na comunidade de Xangrilá”

Durante a primeira onda da pandemia, descobrimos que as pessoas estavam vivendo em pobreza extrema. Então, nos reunimos na comunidade de Xangrilá e eu pude dar uma contribuição pouca, porque Graças a Deus, permaneci trabalhando. Diferente de muitos colegas, não fiquei desempregada. Deparei-me com várias pessoas, famílias, pais de famílias, todos desempregados e necessitando de uma ajuda financeira ou do governo.

Com o pouco recurso que tínhamos, conseguimos ajudar as pessoas com cestas básicas, que foram muito bem vindas. As pessoas ficaram muito gratas. Com um breve relato que elas fizeram, pudemos perceber que as pessoas ficaram sem chão, sem saída, durante esse período.

Pessoas que tinham um emprego formal e hoje se depararam com uma situação tão difícil. Ontem, não havia nem comida.

Mesmo com o auxílio emergencial, as pessoas não conseguiram se manter. O valor do auxílio de 600,00 foi muito pouco. Com poucos recursos, conseguimos atender pelo menos um pouco na alimentação, pois o principal também é a pessoa estar bem, bem alimentada.

A gente percebeu que as pessoas estavam passando necessidade, em pobreza extrema.

Algumas pessoas choravam, e a gente estava aqui, tentando ajudar, de uma forma ou de outra. A gente fez de todo coração esse trabalho. E foram chegando cestas básicas. Mas agora, infelizmente, a gente não tem mais como ajudar as pessoas nessa parte da alimentação. E como a pandemia ainda não acabou, praticamente 90% das pessoas daqui ainda estão sem emprego formal, muitos estão correndo atrás de trabalhar na rua para tirar alguma forma de sustento.

Pedido

Quem puder ajudar, as cestas básicas serão muito bem-vindas novamente, porque a gente tá precisando muito. Quem puder, fique em casa E quem estiver trabalhando, segure o seu trabalho, porque a gente não sabe como será o ano de 2021. Eu acredito que vai ficar um pouco pior, mas a gente tá aí para poder ajudar, na maneira que for possível, e da forma que for necessária.

São mais de 900 famílias nas redondezas de Xangrilá. Imagine o que o nosso povo não está passando nessa situação de pandemia! Tomara que a vacina seja eficaz para podermos nos reerguer, não dependendo do governo, porque o governo de hoje não está aí para ajudar o povo.

Meu nome é Jaqueline de Almeida, sou moradora de Xangrilá.

Veja mais: “Precisamos de cestas básicas durante a Pandemia”

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60 anos ou mais Bahia Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Empatia: cuidando do outro estamos ajudando a nós mesmos”

Eu sou uma pessoa que ama a vida, tenho empatia e acredito que eu vim com uma missão. Me chamo Iara, e este nome é dado às mães. Então, eu acredito que vim para cuidar das pessoas. Muitos me chamam de altruísta, mas altruísta ou não, eu sei que vim com uma missão.

Durante esse processo que está acontecendo com toda a humanidade, muita coisa mexeu comigo. Nós, seres humanos, temos o compromisso, um com o outro, de cuidar do outro, em todos os aspectos e ter empatia. Muitas pessoas tiveram surtos e acredito que deveriam disponibilizar psicólogos e terapeutas para mostrar os cuidados e como lidar com a pandemia.

E sabendo que nós somos produto do meio, temos também de nos adaptar, principalmente na questão da higiene, pois nossas vidas foram fortemente impactadas. Eu me coloquei na posição de ajudar. Coloquei à disposição o meu número de telefone para que as pessoas possam entrar em contato comigo para conversar. Já cheguei ao ponto de ter que chamar uma moto ou um carro para providenciar os medicamentos necessários para pessoas doentes, porque elas não teriam como comprá-los.

Porque devemos ter empatia

A gente precisa fazer alguma coisa pelo outro. E essa questão das pessoas dizerem que não tem ajuda governamental não interessa, pois o mais importante é que a gente possa fazer algo pelo outro, independente de termos ajuda. E se dividirmos o que temos, a gente vai viver bem melhor. Pois esta pandemia veio justamente em um momento em que as pessoas estavam extremamente desgarradas. É como se tivesse perdido o amor um pelo outro.

Essa situação ao mesmo tempo tem unido as pessoas, que estão dando mais atenção a quem está na rua com fome, a quem está nu, a quem está precisando de medicamentos. Estamos fazendo muito e eu quero continuar fazendo a minha parte, porque isso é com Deus.

A partir do momento que estamos ajudando o próximo, estamos ajudando a nós mesmos. Eu, mesmo apresentando problemas de saúde (tenho 10 parafusos em minha coluna), não me sinto impedida de pensar que existem problemas maiores lá fora, muito maiores que os meus. Precisei até acolher pessoas de outros países em minha casa que estavam sendo escravizadas. Enfim, uma série de problemas. Pessoas que vieram do interior, com parentes aqui internados e que não tinham onde ficar, e eu acolhi.

Ajudar nunca é demais

E é assim: a gente toma conta da gente e toma conta do outro. A gente faz o que tem que ser feito é não ter e tem que ter para dar. Ajuda nunca é demais, e o que a gente precisa fazer de melhor é isso, é
olhar o outro como um todo, estando no lugar dele. É você ter estar ao lado de fora de um hospital com um paciente lá dentro e não poder entrar, mas ter alguém para lhe dizer: “olhe, eu estou aqui”.

Eu faço isso mas não quero nada em troca. Estou fazendo isso porque é de mim, é minha índole, e espero que isso tenha sido de grande valia.

Para finalizar, que isso não se mantenha apenas durante a pandemia, pois nossa vida já foi modificada. A partir do momento em que tudo isso mudou a nossa vida, a gente também precisa mudar. Mudar nossos conceitos errôneos em pensar em não ajudar para não virar um circulo vicioso. Não, se a gente tem roupas nós oferecemos roupas; se a gente tem alimentos, a gente vai oferecer alimentos, e assim sucessivamente porque a vida vai continuar.

E nós estaremos diferente por ter sofrido essas agressões, mas temos que cuidar. E a palavra de ordem é gratidão, empatia e e cuidado. A partir do momento que acende uma luz, eu estou iluminando o meu próprio caminho.

Eu sou de Logun Edé, espiritualista ecumênica oriunda do candomblé da nação Angola e com raízes na Casa Branca, sou neta de Julieta Alves de Oxum, ladê Durvalina da Anunciação de Oxóssi. 

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor São Paulo

“Descobri a doença da minha filha durante a pandemia”

Nesse período, minha filha de treze anos, que nunca ficou doente, começou a despertar uma febre acima de 40 graus. Logo, procurei atendimento em hospitais públicos lotados de pessoas com suspeita de Covid. Foi uma luta de dois meses, uma febre que não cedia e vários diagnósticos errados para a misteriosa doença, sendo um deles a Covid-19. 

Depois de mais um tratamento para um diagnóstico errado, ela foi encaminhada ao Centro de Especialização Infantil. Ali precisei tirar forças, não sei de onde, para enfrentar a internação da minha filha. Durante alguns dias em que ela esteve internada em uma unidade do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac), para averiguação de câncer. Foram realizadas três biopsias e transfusão de sangue.

Ela ainda sofreu dois derrames pleural e uma pneumonia, que quase a levou de mim. Após essa batalha, finalmente chegaram ao diagnóstico correto: minha filha sofre de Lúpus, uma doença inflamatória autoimune que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos.

Hoje, ela está bem, apesar de muito inchada, devido ao tratamento da doença. Eu, enquanto mãe solo e mulher militante, me encontro muito mais forte e com muita garra para lutar contra as injustiça sociais desse país.

Militância

Sou uma mulher militante em defesa dos direitos humanos. Escolhi a educação como bandeira de luta por ter como experiência a ausência da educação, que acarreta danos na vida das pessoas que têm esse direito negado. 

É fato que ninguém esperava que fossemos viver um momento como esse em que estamos vivendo. A pandemia nos trouxe muitos desafios e um dos principais foi e está sendo nos manter vivo-as diante de todas as dificuldades, e para isso, tivemos que nos reinventar, portanto.

A princípio, enquanto movimento social, sofremos ataque por parte da prefeitura, que de uma certa forma tentou destruir o movimento de educação existente há mais de 30 anos. Foram retiradas a única ajuda de custo salarial que os educadores recebiam e a ajuda de custo dos lanches dos educandos em meio à pandemia. 

Diante disso, tivemos que travar uma luta acirrada na Câmara Municipal e no Judiciário para reverter esse ato criminoso. Por fim, ganhamos a causa na Justiça. No entanto, tudo aconteceu em um momento em que eu me sentia amedrontada. Acreditava que seria contaminada e morreria, pois o índice de contaminação e mortalidade em minha região era a mais alta e já não havia mais leitos nos hospitais.

Leia também: “As super heroínas que não sentem dor nem medo só existem na ficção”

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25 a 39 anos Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Parda Pós-Graduação Incompleta Raça/Cor São Paulo

“A pandemia da Covid-19 aprofundou as vulnerabilidades do país”

Sermos atravessados por essa pandemia em um momento já tão difícil nos colocou em um lugar de aprofundamento de muitas vulnerabilidades. Nesse momento, o meu olhar para as pessoas ao meu redor passou a ter uma lente ainda mais forte da importância de suas vidas. A pandemia ainda não passou, e continua a ser ignorada pelos incompetentes governadores, ministros e presidente. Assistimos de boca aberta, lágrimas nos olhos e apunhalados pela indiferença a morte de centenas de milhares de pessoas. E o punhal da indiferença nos mata enquanto seres humanos cada dia mais um pouco, enquanto a política econômica neoliberal avança e temos nossos direitos violados, aprofundando a precariedade e vulnerabilidades de nossas vidas.

No início do ano eu já lia com muita tensão as notícias sobre o novo vírus que havia surgido na China. Sabia que algo grave estava por vir, com notícias indicando possíveis impactos socioeconômicos. Olhei para as condições financeiras na qual estávamos eu e minha parceira, uma travesti que vive com HIV, que também estava sem emprego formal, vendendo o almoço para comer a janta. Mas ainda tínhamos a possibilidade de pagar o aluguel.

Não éramos os únicos, a situação de quase todes que conhecíamos era a mesma ou até pior. A atenção para as tensões já presentes no cotidiano se aprofundou com mais uma ameaça de aumento de crises. Em fevereiro, eu e minha parceira fortalecemos mais uma vez o laço de parceria, cuidado e muita paciência. Foram meses tensos e estávamos sozinhes dentro de casa.

Vulnerabilidades escancaradas

No que concerne ao meu trabalho, assisti com um peso no coração os projetos de prevenção e promoção da saúde minguarem com o fechamento das escolas. As vulnerabilidades foram escancaradas. Nos últimos encontros presenciais vi nos olhares daquelas e daqueles estudantes o receio de mais um terremoto em suas vidas: uma pandemia que trazia expectativas – que infelizmente se realizaram – de centenas de milhares de mortos. Esses jovens são moradores e moradoras de favelas, e já diziam: a gente é quem mais vai se ferrar com isso.

Ouvi na voz de professoras queridas a força de continuar se movimentando pela garantia do direito a uma educação de qualidade, seguido do pesar de reconhecer o fracasso das políticas instituídas pelo estado para a continuidade das aulas. Os/as estudantes não estavam conseguindo acompanhar, e, ainda pior, o contato com muitos/as deles/as foi perdido.

Direitos violados

Os trabalhos de prevenção ao HIV e outras IST ficaram ainda mais difíceis nas escolas. Esse assunto não estava sendo abordado no currículo oficial com as aulas online, e a possibilidade de registro audiovisual de professores/as falando sobre esse tema em meio ao turbilhão de políticas conservadoras apenas aumentou o medo já existente de abordagem do assunto. Pois, essa violação ao direito desses jovens a uma educação sexual baseada em evidências aprofundaria ainda mais suas vulnerabilidades à AIDS.

Em outros projetos com movimentos sociais junto a jovens para trabalhar a prevenção experenciei o enfraquecimento de vínculos tão duramente trabalhados nos últimos tempos. O contato com esses jovens foi extremamente dificultado pela violação do seu direito a uma conexão de internet, além de suas vidas terem mudado de rumos em poucas semanas, sendo forçados/as a procurarem formas para ajudarem suas famílias a continuarem se alimentando e pagando suas contas. Todo o resto ficou em outros planos para depois. Mas continuamos com o trabalho, tentando fomentar a discussão sobre a importância dos direitos humanos e, principalmente, a garantia desses direitos.

Incertezas

Após sete meses sem visitar meus familiares, fui para o interior de São Paulo, carregado de uma grande tensão, um medo muito grande de poder estar levando o novo coronavírus para lá. A dinâmica de interações naquela pequena cidade é muito diferente da de São Paulo, com muitas visitas diárias de parentes e conhecidos na casa de minha mãe. No entanto, consegui me manter em isolamento durante quase duas semanas antes de entrar em contato com essas pessoas.

As minhas diversas tentativas de comunicação sobre a importância de manter distância física e usar máscara falharam miseravelmente. Por isso, me senti um péssimo trabalhador da saúde na área da prevenção.

Mas era tudo muito novo e eu não daria conta dos medos e certezas baseadas em centenas de notícias e informações falsas das mensagens de WhatsApp que apitam o dia todo nos celulares de minhas tias, por exemplo. Certezas que são baseadas na primeira reação emotiva frente a uma notícia absurda se endurecem rápido, ficam sólidas e destrutivas. Enfim, qualquer contestação é recebida com agressividade. São efeitos do fundo buraco político da ascensão neofascista no Brasil.

Sou psicólogo, trabalho com prevenção ao HIV/AIDS em escolas públicas de São Paulo através de projetos da USP. Também faço parte da Coletiva Loka de Efavirenz. Este é um breve relato sobre minha vida pessoal e profissional durante o início da pandemia de Covid-19 na cidade de São Paulo.

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40 a 59 anos Branca Ensino Fundamental Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Paraná Raça/Cor

“O distanciamento nos ensinou a valorizar as pessoas que amamos”

Durante quase um ano de pandemia, a minha maior dificuldade é o distanciamento dos meus filhos, dos meus netos, dos amigos, da minha família que a gente não se vê com mais frequência não se via como se via antes. Nem pode, porque agora exige um cuidado mais cauteloso.


Eu aprendi que o único projeto capaz de combater a fome no mundo é o projeto da reforma agrária, produção de alimentos. Minha rotina, na quarentena, foi a quarentena produtiva. Isso é o coletivo, produção de alimentos. Esses alimentos são comercializados e boa parte vai para doação para as famílias carentes.

Nós já ajudávamos várias famílias. Entretanto, com essa pandemia, a necessidade foi maior de ajudar muito mais. E surgiu a Campanha Solidária do MST, onde todos abraçaram essa causa, para expandir mais as necessidades, porque nas cidades e nas periferias há bastantes pessoas que passam por necessidades, e nós aqui conseguimos suprir boa parte ajudar essas pessoas com nossa produção, não doando o resto que está dentro da casa, mas partilhando aquele que nós produzimos.

Vou deixar um recado para vocês. Vamos enxergar mais o ser humano, não os seres humanos, mas o ser humano, a pessoa em si, e isso aprendi bastante. Enxergar com outros olhos, aprender a ouvir mais. Agora, infelizmente, devido ao distanciamento social, a gente não pode dar um abraço, mas uma palavra amiga. Por isso, quero deixar uma frase para vocês: “viva o agora, porque o depois, a Deus pertence. Valorize o outro enquanto há tempo”.

Meu nome é Zilda. Sou militante do MST e estou acampada no campamento Lírios na luta de Porecatu, no Norte do Paraná.

Veja mais: “Descobri a doença da minha filha em meio à Pandemia”

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18 a 24 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Maranhão Mulher Cis Raça/Cor

“As empresas e os brancos se sentiram no direito de jogar lixo e dejetos hospitalares dentro do território e perto de nossos igarapés”

Sou Djelma Viana Guajajara, do povo Guajajara e especificamente da Família Viana. Minha família descende de meu bisavô, o fundador da Terra Indígena Rio Pindaré, dando início na criação da Aldeia Januária, que hoje é a Aldeia “mãe” ou a maior. Atualmente, na terra indígena Rio Pindaré conta-se 8 Aldeias, obtendo uma quantidade de quase 3 mil indígenas em todo o território. 

Há contaminação e todos os outros problemas que nós enquanto indígenas sofremos diariamente; nessa nova pandemia, isso só nos afetou mais ainda.

Foto de Djelma Guajajara, que acompanha relato que denuncia o lixo e os dejetos hospitalares que jogado dentro do território indígena e perto dos igarapés.

É que empresas e os brancos que moram nas proximidades se sentiram no direito de jogar lixo e dejetos hospitalares dentro do território e perto de nossos igarapés, que é de onde tiramos o nosso sustento.

De mãos atadas para retirar ou barrar o lixo

Isso tudo nos afetou de forma opressora e humilhante. Estávamos lutando contra um monstro invisível que é a Covid-19: para que não chegasse aos nossos anciãos; que não matasse de vez a nossa cultura. Nos sentíamos com as mãos atadas, sem poder tomar nenhuma medida para retirar o lixo. Ou então, ao menos, barrar o lixo.

Além disso, a Covid-19 ainda tirou nossa calma e nos mostrou uma realidade totalmente diferente e sombria dentro das comunidades. Pois estávamos acostumados com o nosso dia-a-dia dentro da aldeia, de brincar com nossos parentes ou até mesmo ir pescar, caçar – isso agora está proibido! Não podemos mais nem ver o parente, não podemos mais praticar nossos rituais e não iremos mais visitar nossos anciãos para aprender ou ouvir mais uma história vividas por eles.

Essa pandemia está sendo, no momento, uma das lutas mais difíceis e dolorosas a enfrentar. Pois, mesmo que lutamos bastante, esse vírus entrou em nosso território retirando três anciãos de nós e deixando todos assustados e ameaçados por algo invisível. Uma luta tão difícil, em que o afeto de amor e carinho está sendo demonstrado da pior forma possível. 

História de luta

Nossa luta vem sendo travada desde a vinda do meu bisavô. Ele veio parar aqui após a fuga de um conflito com madeireiros, fazendeiros e outros invasores da época. Meu pai conta que meu bisavô fugiu do conflito em um forno de fazer farinha, que ele usou para descer o rio junto com seu irmão.

Pois bem, essa é um pouco da história do meu território. Uma terra atualmente demarcada. Porém, isso não quer dizer que não há invasão. Porque sim, há.

Como vou pedir a benção dos meus avós !?

Como vou preservar minha cultura, sem praticá-la e sem estar perto de meus grandes livros de aprendizagem, meus anciãos?

Tantos questionamentos surgem acompanhados de lágrimas e uma dor que sentimos toda vez que pensamos que perdemos parentes e anciãos para a Covid-19. Nós, enquanto indígenas, que sempre estivemos juntos nas lutas, fomos obrigados a ficar trancados. E tudo isso me revolta mais ainda.

Isso tira meu sossego, porém me dá a certeza que devo lutar, lutar como meu bisavô, como minha bisavó, como meus avós e meus pais, e assim resistir. Eu sou a continuidade de uma luta de quem me antecedeu.