A constatação de que estaríamos isolados por conta de uma pandemia, me chocou. No meu caso, em dobro, pois descobri uma gravidez inesperada.
Estou no Nariz Solidário desde fevereiro de 2016. Caí de paraquedas e fui acolhida de uma maneira tão única, como nunca pensei que seria em um grupo.
Gravidez, Nariz Solidário e pandemia
Antes de entrar, passei por muitos perrengues pessoais, enfrentei a depressão, a ansiedade e a bulimia.
O Nariz Solidário teve um papel super importante durante a minha recuperação.
Hoje eu digo que, graças ao Nariz Solidário, eu sou uma pessoa muito mais evoluída, com autoestima e empatia, e sei que pude passar por essa pandemia com muito mais leveza por conta disso.
Uma gravidez solitária
Passar por todo esse momento isolada foi bem complicado. Tive de me afastar do trabalho por ser grupo de risco; deixei de ter a presença dos meus pais, familiares e amigos.
Ter uma gravidez e ganhar um “bebê pandêmico” não foi fácil. Nos primeiros dias tivemos de ser somente eu, meu noivo, e nosso filho. Era tudo novo para nós três, e mal sabíamos ser só o começo de diversos altos e baixos.
Minha irmã teve um bebê quatro dias antes de eu ganhar o meu. Foram meses distantes e sem poder ter o convívio entre os primos.
Agora, eles podem ter mais contato, sendo lindo observar a alegria de ambos quando se veem. Quando acabou a licença maternidade, voltei ao trabalho, mas pedi para sair em dois dias, pois o Nicolas, nosso filho, ainda era um bebê de apenas quatro meses.
Para a minha sorte, sempre tivemos uma boa rede de apoio, e a empresa do meu noivo vai bem.
Consigo participar de vários aspectos na vida do bebê que eu perderia se precisasse ficar longe dele durante o dia.
Depois da gravidez, tive que reaprender a ser
Tive que reaprender a ficar em casa, e nesse aspecto, vem o papel crucial que o voluntariado me proporciona: conseguir usar a arte para poder levar a vida de maneira mais leve.
Consigo usar a música, e os ensinamentos ‘palhacísticos’, diariamente com meu filho. A arte da palhaçaria tornou nossos dias mais leves e alegres.
Gostaria de agradecer imensamente por fazer parte desta família. Se não fosse pela ONG, não sei como teria passado por todo esse período de gravidez pandêmica.
Claro que, não poder participar presencialmente, me gerou um impacto por não poder estar nos hospitais.
Saber que teríamos um retorno e estaríamos mais fortes do que nunca, me dava ânimo para prosseguir e lembrar de que logo, minha palhaça estaria levando o seu jeito único, de impactar as pessoas.
Esperança
Hoje, com a esperança de que logo voltaremos ao normal, percebo que a pandemia serviu de muitos aprendizados a todos. Infelizmente, perdemos meu sogro, e tantas outras pessoas para essa doença.
Agora, nos resta seguir, e nos reinventarmos mais a cada dia, sem perder a esperança.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Com a pandemia, a saudade das visitas e dos olhares dos pacientes era grande.
Sou perito contador e advogado, funções que mesmo antes da pandemia já possuíam a característica de ser um trabalho solitário.
Durante esse isolamento, o trabalho foi me consumindo e, se tornando, uma das únicas atividades do meu dia.
A saudade de visitar crescia
Por outro lado, crescia em mim a vontade de poder estar em contato com pessoas, e poder contribuir, de alguma forma, com um trabalho solidário.
Eu já realizava esse trabalho em um ONG, atuando como palhaço em hospitais. Porém, como voltar aos hospitais nesse momento, se eles eram o olho do furacão?
A esperança de poder visitar
Por mais que ainda hoje não tenhamos uma data prevista para o fim desse momento delicado em que vivemos, nunca deixei de acreditar que esse período conturbado da pandemia, fosse acabar.
A ONG continuou firme com os seus objetivos e, em parceria com os hospitais, encontrou uma forma de continuar presente na rotina dos pacientes.
Algo que, antes, era realizado presencialmente pelos voluntários da ONG, passou a ser feito de forma remota, com o auxílio de um robô, que era guiado por um assistente do hospital até os quartos dos pacientes.
A partir disso, conseguimos continuar a interagir com um dos nossos principais públicos-alvo.
Adeus, saudade
A atividade fim da ONG não deixou de ser cumprida, mas agora a forma era bem diferente.
Durante esse período, tive o prazer de acompanhar o crescimento de diversos amigos que lhe tomaram essa missão, e a desempenharam incrivelmente.
Eles realmente fizeram a diferença nesse período, tão inusitado. Eu, por outro lado, não consegui embarcar nessa mesma onda, mas o desejo de continuar atuando como palhaço não diminuiu nem um pouco.
A pandemia ainda não acabou, e precisamos continuar com todos os cuidados e protocolos de proteção, mas já conseguimos ver uma luz no final do túnel.
O tempo continuou passando dia após dia, por vezes, de forma bem lenta, e a esperança de voltar a atuar nos hospitais parecia algo muito distante.
Foi então que, de repente, li em nosso grupo de mensagens, que teríamos a oportunidade de voltar a estar presentes em um dos nossos hospitais parceiros.
Na hora, o coração acelerou muito, acompanhado de uma sensação de desespero só por lembrar que eu não estava em dia com os meus estudos da palhaçaria.
Isso tudo foi agravado, pois, o evento aconteceria no local onde estou lotado como voluntário (meu querido Hospital do Idoso).
Ao ler a postagem, tomei ciência de que o evento para o qual fomos convidados, ocorreria durante a semana, em horário comercial, o que diminui a quantidade de voluntários disponíveis.
Apesar de continuar ativo na ONG ajudando em rotinas administrativas, a vontade de voltar a visitar era absurda.
A maioria das conversas em tempos de pandemia, giram em torno de um só assunto: será que já estamos seguros para voltar a nos encontrar?
A saudade e o reencontro
O evento foi realizado no auditório do hospital, e contou com a presença de diversas pessoas, sendo nossa função, recepcionar esses participantes.
Assim que coloquei os pés no hospital, as lembranças dos diversos momentos ali vividos começaram a visitar a minha memória.
É incrível como aquilo que nos faz bem, volta com uma força gigantesca e nos motiva.
No início da preparação, as mãos estavam trêmulas pela falta de prática em arrumar o figurino, fazendo a preparação demorar muito mais do que o normal.
Foi importantíssimo poder contar com a ajuda dos dois parceiros nessa preparação. Enfim, depois do figurino pronto, fomos recepcionar nossos participantes.
A energia que o palhaço carrega dentro de si, é algo incrível. Ela contagia a quase todos por onde passa. É maravilhoso conseguir olhar nos olhos das pessoas e sentir o carinho transbordar.
“Esse período de reclusão nos ensinou muitas coisas, e penso que, uma das principais, é o fato de percebemos que humanos gostam, e precisam, estar com outros humanos.”
A receptividade dos participantes foi espetacular, e mesmo que os jogos e a dupla não tenham apresentado a sua melhor performance, o resultado foi muito bom.
Depois de um bom tempo interagindo com os participantes, finalizamos nossa atuação entregando o auditório para a palestrante principal.
Eu pensava que já tínhamos terminado a nossa participação, quando recebemos mais um convite.
Matando a saudade na ala do hospital
Agora a missão era visitar todas as alas do hospital, convidando os colaboradores a participarem do evento que estava acontecendo, um evento muito importante que trazia várias técnicas que auxiliavam no gerenciamento da dor.
Não preciso nem dizer que aceitamos de pronto. Voltar a entrar nas alas, trouxe-me um misto de emoções, tais como saudade, alegria e euforia.
Durante os caminhos percorridos, foi inevitável olhar para determinados quartos procurando por pacientes que, por diversas vezes, visitamos. Infelizmente ou felizmente, não consegui encontrar ninguém que já conhecia.
Mas também estava curioso para reencontrar a equipe de enfermagem que sempre me recebeu com sorrisos maravilhosos.
Assim que chegamos ao primeiro posto de enfermagem, o astral subiu para as alturas.
Fomos recebidos com muita euforia e a alegria foi se espalhando por todo o ambiente.
De forma natural e harmoniosa, gradualmente, fomos nos comunicando, brincando. Era como se o tempo não tivesse passado.
Após visitar vários postos de enfermagem, com muita interação, nos despedimos, e fomos ao Centro de Terapia Intensiva.
O reencontro na CTI
O Centro de Terapia Intensiva é um local de cuidados especiais, onde, geralmente, os pacientes ficam por um longo tempo, apenas com a companhia da equipe hospitalar.
Nem sempre é possível termos contato com esses pacientes, seja devido ao seu estado de saúde, pois vários estão desacordados, seja por inspirarem cuidados muito especiais, sem que a aproximação seja possível.
Nessa nossa visita, ao adentrarmos o CTI com todas as precauções possíveis, fomos direto ao posto de enfermagem convidar os colaboradores, e fomos mais uma vez recebidos com sorrisos e com muito carinho.
A grande surpresa veio quando eu já estava saindo. Ao me despedir dos colaboradores, quando me virei para sair do CTI, meu olhar cruzou com uma paciente que estava acamada em um dos leitos.
A conexão dos olhares foi instantânea. Naquele momento, a minha conexão com o meu parceiro de visita se quebrou e me concentrei naquele olhar. Ela me olhava de um jeito tão especial que me prendia em seu olhar.
Não tinha como não retribuir aquele sorriso e aquele olhar. O reflexo foi imediato e, mesmo estando a uma certa distância física, comecei a retribuir com olhares e gestos de carinho.
Novamente, pude comprovar que a palavra e a fala, não são as únicas formas que temos para nos comunicarmos.
Não sei precisar exatamente o tempo que essa conexão durou, mas tenho a certeza de que as trocas de olhares e os gestos de carinho que trocamos alimentaram nossos corações e tornaram nosso dia mais alegre.
E que saudade que estávamos desse reencontro
O tempo de duração não foi grande, mas a intensidade foi gigantesca. Despedi-me dela com vontade de continuar ali por mais tempo, mas meu parceiro de visita já estava saindo e não podia deixá-lo mais sozinho.
E foi assim que me despedi e retomei a minha visita. No fim, embora a visita não tivesse o objetivo de interagir com os pacientes, acabei me conectando com vários.
Sei que ainda não há previsão de retorno da visitação aos pacientes, mas essa pequena visita me fez sentir, mais uma vez, o quanto é bom poder atuar como palhaço no ambiente hospitalar.
Agora, é retomar as minhas rotinas de estudos da palhaçaria e esperar que, em breve, eu possa voltar à rotina de visitas.
Agradeço aos meus parceiros de visita, ao Hospital do Idoso Zilda Arns, por nos proporcionar esse momento, e agradeço especialmente a todas as pessoas que interagiram conosco com tanto amor e carinho.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
O início de 2021 foi uma eterna noite de solidão. Eu passei por um grande sufoco emocional, em que descobri que meu relacionamento com minha “melhor amiga” era extremamente tóxico.
Lidar com isso foi algo demorado, pois eu não me afastei dela de um dia para o outro, até porque, morávamos sob o mesmo teto.
Esse empecilho fez com que eu vivesse dias e noites, durante seis meses, dividindo a casa com uma pessoa que me odiava, e fazia de tudo para eu me sentir mal, chegando a relatar várias vezes que o motivo da vida miserável dela, era culpa minha. Não podia sair de casa, pois estávamos no auge da pandemia.
Mesmo sendo ela que me xingava, gritava, ignorava, e quebrava as coisas.
Noite sem fim…
Como se isso não fosse ruim o bastante, ela ainda fazia a cabeça das pessoas, para que eu parecesse um monstro. Essas dificuldades de 2020 me abalaram muito, mas, 2021 me reservou uma nova surpresa.
No início do ano eu fui diagnosticada com distimia. Essa doença é diferente da depressão, apesar de serem semelhantes.
Um paciente com distimia sofre de mau-humor, irritação constantes, personalidade difícil, e nossos organismos têm dificuldade em produzir serotonina.
Essa é uma doença crônica. E por conta das minhas dificuldades em 2020, meu estado emocional era sério.
Precisei começar a me medicar, o que também foi uma aventura. Cada medicamento me dava um efeito colateral. Até que então, encontrei o medicamento certo para o meu organismo.
Esse processo só foi possível devido ao apoio de minha família, e de uma luz que acabou com as minhas noites de solidão.
Depois da noite, vem o dia
Uma ex-colega de faculdade mandou uma mensagem no grupo da nossa antiga sala, pedindo ajuda com um projeto voluntário. Eles precisavam de pessoas para editarem vídeos, e eu, precisava de algo que me desse força para conseguir levantar da cama e não desistir.
Foi quando eu mandei uma mensagem pedindo para me juntar ao grupo. Quando fui aceita na equipe, não sabia se estava mais feliz ou desesperada, pois meu medo de fazer algo errado era enorme, mas a alegria de fazer parte de um novo projeto era maravilhosa.
Assim, eu me juntei ao Nariz Solidário. Não demorou muito para eu perceber que o grupo era muito divertido e organizado. Eu sempre achei engraçadas as diferenças dos editores para os palhaços.
Dias de Nariz Solidário
Um grupo é todo reservado, enquanto o outro saltita de alegria. O famoso caso dos introvertidos e extrovertidos tendo que dividir o mesmo ambiente.
E, mesmo com tanta diferença, todos se entendiam e se respeitavam, pois, estávamos ali com o mesmo objetivo.
Minha missão no Nariz Solidário é receber vídeos produzidos pelos palhaços, adaptar para o ambiente hospitalar e colocar elementos que auxiliem na compreensão de cada tema, como, por exemplo, a sonoplastia.
Eles estavam me salvando…
Se me perguntassem hoje, se eu voltaria no tempo para nunca fazer amizade com aquela pessoa, minha resposta seria não.
É verdade que essa amizade me trouxe muita dor, mas, foi por conta disso, que eu busquei ajuda profissional, e soube do meu caso. Foi por conta desse estado emocional que eu entrei para o Nariz Solidário.
Loucamente eles me recrutaram pensando que eu ia ajudá-los, mas eram eles que estavam me salvando.
Sou uma pessoa muito tímida, eu não me envolveria em um grupo tão alegre como o de palhaços, se eu não estivesse em um momento tão complicado. E foi graças a isso que eu percebi, que mesmo que uma pessoa pareça muito diferente de você, é possível que vocês se deem bem.
Que mesmo que o mundo esteja desabando, vai ter alguém do seu lado para ajudar. Seja a sua família, ou até uma mensagem de ajuda enviada pelo WhatsApp.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
O contexto da minha história se passa no Hospital Municipal do Idoso Zilda Arns (HMIZA), especificamente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde leitos foram abertos para atender à demanda de casos de Covid-19, durante a pandemia sanitária.
Na UTI, os profissionais de saúde e voluntários atuam em conjunto visando proporcionar um cuidado integral ao paciente e a seus familiares. As alterações da rotina dos profissionais se iniciaram em março de 2020, em virtude da pandemia da Covid-19.
Dentro da UTI
Essas alterações podem ser exemplificadas, por exemplo, pelo uso de mais Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Assim, deixamos de utilizar o jaleco branco para fazer o uso de aventais, máscaras N95, ‘face shield’, touca e luvas descartáveis para evitar a contaminação do vírus na UTI.
Além disso, as Unidades de Internação foram transformadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), havendo a necessidade de contratação de mais profissionais de saúde, do fechamento de atendimentos ambulatoriais e da limitação de visitas presenciais.
No início da pandemia, muitos profissionais de saúde expressaram reações emocionais de ansiedade diante da falta de conhecimento acerca do novo coronavírus, como o medo de se contaminarem e passarem para os seus familiares, bem como o medo de morrer, de perder entes queridos e colegas de trabalho.
A pandemia foi um desafio para os profissionais de saúde
Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes. Diante disso, gostaria de narrar a história da atuação da psicologia durante a pandemia de Covid-19.
A nossa prática foi modificada nesse período. No início da pandemia, criamos um serviço de atendimento psicológico aos profissionais de saúde, visto que identificamos o sofrimento psíquico de muitos profissionais.
Claro que nós, psicólogos, também estávamos com medo e ansiosos, mas, percebemos caber à nossa profissão, oferecer apoio psicológico aos demais profissionais.
Ausência e tratamentos na UTI
Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes em decorrência do processo de adoecimento, da hospitalização e do distanciamento dos familiares.
Por outro lado, os familiares ficavam ansiosos e passavam o dia esperando a ligação telefônica do boletim médico para receber notícias do paciente, já que este não podia ficar com o próprio celular.
Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida
Diante desse distanciamento entre pacientes e familiares, nós, psicólogos e assistentes sociais, com o apoio da gestão do hospital, começamos a realizar videochamadas com o intuito de aproximar os pacientes e seus familiares, como substituição das visitas presenciais.
Além disso, foi muito comum realizarmos videochamadas, a pedido dos pacientes, antes do processo de intubação orotraqueal na UTI. Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida, já que o paciente não sabia se sobreviveria ao tratamento invasivo.
Essa situação me deixava angustiada e triste, principalmente quando alguns desses pacientes faleciam. Frente aos diversos óbitos, especialmente no “pico da pandemia”, percebemos que muitos familiares não tiveram a oportunidade de se despedir do paciente e, no caso da morte por Covid-19, não podiam realizar velório.
Para a psicologia, são muito importantes os rituais de despedida, visando evitar que os entes queridos constituam um luto complicado.
A partir da relevância dos rituais de despedida, foi acordado com a equipe de saúde, a liberação de algumas visitas especiais de familiares aos pacientes em processo ativo de morte na UTI.
Essas visitas eram geralmente assistidas pelos profissionais de psicologia ou assistentes sociais. Durante a pandemia, vi muitos pacientes jovens, adultos e idosos falecerem, diversos membros de uma mesma família partirem em um pequeno intervalo de tempo.
O psicólogo, muitas vezes, acompanhava o familiar para dar a difícil notícia do falecimento de um ente querido por Covid-19 para o paciente. Face a esse sofrimento de diversas perdas, percebemos a necessidade de comemorar a recuperação de cada
Paciente que sai da UTI, porque, significava uma conquista para a equipe de saúde. Tivemos algumas situações de alta hospitalar com comemorações, onde familiares aguardavam o paciente do lado de fora do hospital com bexigas e cartazes, e até tivemos pedido de casamento.
Isso me deixava feliz
Perante os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde durante a pandemia, os vídeos do Nariz Solidário, os agradecimentos de pacientes, familiares e empresas, nos motivavam a dar continuidade ao nosso trabalho.
Vocês, voluntários, nutrem a nossa energia, tornam o ambiente hospitalar mais leve e alegre, proporcionando atendimentos humanizados. Vocês são essenciais e especiais! Muito obrigada pelos vídeos em um momento tão difícil das nossas vidas.
A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e o nosso sentido de vida
Para nós, psicólogos, percebemos a importância da humanização do atendimento no contexto hospitalar.
No pós-pandemia, algumas estratégias são: retornar as atividades de humanização e as visitas presenciais de familiares.
A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e nosso sentido de vida. Aprendemos a valorizar a importância das nossas relações sociais, dos afetos, da saúde e do trabalho saudável. Passamos por um luto coletivo, pois nossas vidas foram modificadas pela perda do nosso “mundo normal”.
Sofremos e nos solidarizamos com a dor do outro nesse período.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Após quase dois anos de pandemia, trabalhando na linha de frente em um Hospital de Campanha em atendimento à Covid-19, pude vivenciar diversas histórias trágicas com a perda de familiares, porém, em contrapartida, algumas histórias de sucesso me marcaram, como a de uma paciente de 35 anos.
Resiliência em momentos conturbados
Internada por dois meses, após ser entubada, ‘traqueostomizada‘, dialisada e submetida a diversos procedimentos invasivos, conseguiu se recuperar.
Saiu da ventilação mecânica, retomou suas lembranças e retornar à sua casa, junto de seus familiares, agradecendo a toda a equipe pelos cuidados.
Nós, médicos, psicólogos e enfermeiras, vibramos por cada vitória de devolver mais uma mãe, um pai, um filho ou um irmão aos seus entes queridos. Viva a família e os familiares.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
A rotina em um hospital de campanha de Covid-19 é extremamente desgastante.
Aos poucos, fomos nos deparando com olhares cansados e um desgaste emocional que se instalou pelos corredores. O cansaço para conter a pandemia de Covid-19 era grande.
Em algumas paredes, os relógios que, em alguns momentos estacionavam seus ponteiros, em outras, despencavam em uma velocidade absurda.
Era um manequim de rodinhas e tablet
Fui abordada pelo hospital, para receber uma proposta artística remota, a única intervenção desse tipo até o momento. Quando fiquei sabendo, confesso que permaneci resistente à ideia de sair da minha rotina de cuidar dos pacientes com Covid-19, e abraçar um novo viés de trabalho.
Com o passar das visitas, barreiras foram rompidas e, hoje, escuto pelos corredores: “essa semana terá visita dos palhaços?”.
A risada e as bochechas…
O humor e alegria que todos transmitiam, começou a fazer uma diferença enorme na vida das pessoas que se encontravam dentro desse hospital, lutando contra a Covid-19.
Eu não consigo dimensionar em palavras essa importância e o seu efeito no ambiente de trabalho, e na recuperação dos pacientes que estavam com Covid-19.
E digo pela minha pessoa: meus dias ficam muito mais felizes em momentos de visita do Nariz Solidário. As bochechas chegam a doer por baixo da máscara depois de muito riso.
Todas as quartas-feiras, às 10h da manhã, os corredores se enchem de música e piadas com a visita virtual do Nariz Solidário.
Alguns funcionários se escondem por vergonha de se expressar dentro do ambiente hospitalar, outros, aparecem e dizem que esperaram a semana toda por esse momento.
De Covid-19 para Covidina
Foi escolhido pela equipe o nome ‘Covidina’, em referência ao momento em que vivenciamos.
Desta forma, todas as quartas, músicas são ouvidas, dancinhas são criadas, e tamanha a ansiedade e a expectativa pelas visitas do Nariz Solidário.
A alegria se instala e, por alguns instantes, um lugar que carrega o peso da responsabilidade de cuidar e de salvar vidas, também se torna um lugar de risadas e leveza.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Valéria Azevedo e coordeno o Serviço Social e Voluntariado do Hospital Municipal do Idoso Zilda Arns, em Curitiba. Nossa história com o Nariz Solidário começou em 2017, quando um jovem cheio de empatia, sonhos e ideais, procurou pelo Voluntariado do Hospital.
Chamou-me a atenção a maneira de se colocar no lugar do outro, desenvolver estratégias com responsabilidade e profissionalismo, através da figura do palhaço caracterizado de época – diferenciais observados quando acompanhamos a atuação dos voluntários do Nariz Solidário.
Sempre desenvolvendo o trabalho através da arte, chegando aos pacientes, familiares e equipe de uma forma muito lúdica, leve e harmoniosa. Levando a uma reflexão de que o vivido no passado e no hoje serão, amanhã, frutos para um futuro cheio de aprendizado.
Os voluntários voltam virtualmente
foram afastados de suas atividades, aquela presença que nos fazia esquecer por alguns instantes da doença, da dor e do sofrimento, agora estava tão distante, sem previsão de retorno.
Foi então que eles se reinventaram, inovaram e chegaram até nós de uma forma que não colocou ninguém em risco.
Produziram uma série de vídeos, disponibilizados semanalmente, com conteúdos que apresentavam a figura do palhaço através de reflexões importantes sobre cuidado, como por exemplo: consciência e, acima de tudo, esperança – esperança de que isso tudo vai passar.
Esperança renovada
No dia 20 de outubro, essa esperança foi renovada, pois pudemos ter a presença da ONG Nariz Solidário seus voluntários, em uma participação especial no evento de implantação do protocolo de gerenciamento da dor, em que ela foi incluída como o quinto sinal vital a ser avaliado pela enfermagem.
Após a coleta, o dado é lançado no prontuário do paciente e passa a ser monitorado por toda equipe médica.
Ao final do evento, foram apresentadas técnicas que tratam a dor sem medicamentos.
Para nós, da ONG Nariz Solidário, que trazemos com alegria aos hospitais a figura do palhaço.
Com o objetivo de contribuir com estratégias que remetam o idoso a memórias afetivas e agradáveis.
Essa estratégia tem por objetivo desconectar o paciente, por alguns instantes, do processo de adoecimento, que gera dor e sofrimento.
Quando eles chegam, tudo muda
A gente fala muito das transformações que vimos nos pacientes, mas posso registrar os impactos no meu próprio trabalho.
Em muitos momentos em que eu precisei ser ouvida, desabafar, ou até mesmo rir de algumas piadas sem sentido, partida ou destino.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Em meados de agosto de 2021, após mais de um ano de pandemia, em um Hospital de Campanha referência em atendimento à Covid-19, um menino de 17 anos deu entrada no hospital em estado grave.
Durante todo o período de internamento, as equipes assistenciais trabalhavam de maneira triste.
Estavam fragilizadas pela mãe, que sofria, tristes pelo jovem, entubado com poucas chances de sobrevida, tristes pela pouca estrutura psíquica que essa família tinha para lidar com a situação e, desolados pelo agravamento da pandemia de Covid-19.
Acolhimento em meio à Covid-19
Em minha função como psicóloga, acolhia a família, e tentava auxiliar os pais a criarem estratégias internas para lidar com o sofrimento.
Ao final da terceira semana, o quadro clínico de Covid-19 se agravou, fazendo com que a equipe médica tivesse que alertar à família. Naquelas condições, haveria poucas chances para o paciente resistir.
Infelizmente e por alguma razão, a comunicação emitida sobre risco iminente do paciente não resistir, não chegou à família, que acabou por realizar a visita um tempo depois do comunicado.
Por coincidência, a chegada à recepção para comunicar a visita acabou acontecendo no mesmo momento em que o jovem evoluiu para óbito, devido ao agravamento da pandemia.
Não deu tempo. Ao serem direcionados para a sala de acolhimento, a angústia se instalou por todo o hospital.
“Por favor, não façam isso comigo”
Assim que entrei na sala, direcionei-me para o lado da mãe, que estava acompanhada da assistente social e do médico.
A mãe estava com os olhos marejados. Dizia em um tom de súplica: “por favor, não façam isso comigo”.
O médico iniciou o seu discurso retomando as últimas 24h e finaliza sua fala comunicando o falecimento aos pais.
“A dor da perda não tinha uma forma exata de ser expressada, eram gritos, olhares, lágrimas e pedidos de que disséssemos que era mentira.”
Mais uma vítima da Covid-19
Mais de 1 hora se passou até que conseguimos orientar os próximos passos e encaminhar a mãe ao atendimento em uma unidade básica de saúde.
Ao fechar a porta, lágrimas da equipe se despencaram; sofrimento pela dor da mãe; desgaste emocional após o atendimento de tantas histórias semelhantes.
A morte não pede licença, não avisa, não tem piedade, não espera uma expressão de afeto e nem um último adeus, ela aparece e muda toda uma história. Aproveitemos o hoje, o agora
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Sou profissional circense e palhaça no Nariz Solidário, que trabalha com o que chamamos de ‘palhaçaria’ para auxílio à humanização de pessoas desde 2014, em Curitiba.
Além de formações, realizo visitas cênicas a hospitais de toda região. Com a pandemia e o cessar das atividades presenciais
nos adaptamos às visitas remotas e à construção de vídeos de palhaçaria, unindo a arte do palhaço e a produção de conteúdo para trazer mais leveza ao ambiente hospitalar. Além de temas cotidianos e datas comemorativas.
Dessa forma, com esses vídeos, poderíamos alcançar mais pessoas. O conteúdo dos vídeos eram mais para trazer leveza, um momento de respiro para esse período tão difícil e obscuro que atravessamos.
Porém, alguns vídeos vinham com um pouco mais de reflexão do que ‘palhaçaria’ – proposital ou naturalmente, devido ao nosso processo criativo e à imersão na realidade em que estávamos vivendo.
É a figura da palhaça, da palhaçaria
Sobre esse reverberar natural, gostaria de compartilhar um relato a respeito do vídeo que fiz sobre o Dia das Mães. Já estou sem minha mãe há três anos, sinto-me conformada. Porém, fazer algo que homenageia quem não está mais presente sempre traz um nó na garganta.
Estava um pouco resistente e sem ideia. Depois de algum tempo, comecei a pensar no que seria meu roteiro para fazer o vídeo. E pensei em olhar as fotos que tenho guardadas em casa.
O álbum de fotografias
Ao olhar todas, percebi que não tinha mais nenhuma foto da minha mãe, nem me lembro o porquê disso, mas me frustrou, pois não havia mais a lembrança física de minha mãe naquelas fotos.
De repente, como um pequeno filme, a cena de pegar as fotos e buscar pela minha mãe em algum retrato me apareceu aos olhos como o meu roteiro – a minha verdade.
Voilá…
Pronto! Teria ali um possível vídeo, ainda inacabado, mas já com alguma estrutura. Outra questão me surgiu: como uma palhaça conta que gostaria de se lembrar da mãe, mas não tem nada visível que possa ajudar? Como colocar um assunto tão delicado de uma forma que não deixe um vídeo pesado para um momento tão intenso?
Existe uma forte comparação do palhaço e de suas ‘palhaçarias’com as crianças, de que, para se tornar um bom palhaço, é necessário buscar a sua memória mais pueril. E, de certa forma, foi a maneira que encontrei para resolver o meu vídeo.
Trouxe à tona os meus rabiscos. “Se não tenho mais foto, então eu desenho aquilo que me vem à lembrança.”
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Em agosto de 2019, depois de nove anos de trabalho, fui desligada da empresa que trabalhava por conta da terceirização do setor. Pouco tempo depois, sofri com a partida de minha mãe.
Isso aconteceu no início do mês. Quando o final deste mesmo mês chegou, internei minha mãe às pressas por conta de uma hemorragia no estômago.
A minha sorte foi poder contar com o dinheiro do acerto para poder fazer tudo da forma mais rápida possível para a minha mãe, tentando dar a ela o maior conforto que a situação permitiu.
Entramos no internamento na terça. No domingo, o médico veio conversar conosco muito animado com o resultado dos últimos exames, falando até da possibilidade de alta para o dia seguinte.
Notícias..
Com essa informação, fui para casa passar a noite e, no dia seguinte, quando cheguei ao hospital para vê-la, a enfermeira veio conversar comigo.
Tinham preparado minha mãe para uma tomografia, que nem chegou a ser realizada, pois ela havia tido outra hemorragia e acabou indo para o cuidado intensivo.
Permitiram-me vê-la, e ela disse que estava cansada e que só queria que eu fosse feliz.
A partida
Foi o tempo de chegar em casa e receber uma ligação. Após levarem-na para a UTI e de eu ficar esperando por 3 horas na porta do local para ser chamada, entrei e não reconheci minha mãe, que já havia tido uma parada cardíaca e estava sem saber o que se passava com ela.
Disseram que eu podia ir embora, pois a situação dela era estável, porém, nada boa.
Foi o tempo de chegar em casa e receber uma ligação pedindo que eu voltasse ao hospital para saber da notícia do óbito.
O trabalho social
Em 2020, depois da partida de minha mãe, toda essa experiência me fez escolher fazer o projeto comunitário da universidade em que estudo, junto com a Associação Nariz Solidário, organização que trabalha levando a arte do palhaço para dentro de leitos dos hospitais.
Com isso, recebi o convite para atuar como voluntária permanente pela associação.
Minha mãe sempre esteve atrás da câmera
Em 2021, iniciamos um projeto de edições de vídeos para o YouTube, tendo em vista que as visitas aos hospitais não estavam mais sendo permitidas desde o início da pandemia da Covid-19.
Em uma das edições, especificamente a do Dia das Mães, tive a sorte de escolher para editar o relato da Lupita (uma das palhaças do elenco), que também havia perdido a mãe e, na ocasião, não tinha nenhuma fotografia com ela.
A minha mãe sempre esteve atrás das câmeras para registrar a nossa infância. Contudo, era raramente fotografada conosco.
Foi um dos vídeos mais difíceis da minha trajetória
A similaridade de situações mexeu muito comigo durante a edição eu editava o vídeo, que iria ser transmitido nos leitos de um hospital infantil durante todo o projeto.
Quando o assisti pela última vez antes de exportar o arquivo, não consegui conter as lágrimas.
Foi um dos vídeos mais difíceis da minha trajetória neste trabalho voluntário, fiquei pensando na partida de minha mãe e em todas as outras partidas; de mães e pais que perderam seus filhos, filhos que perderam seus pais e mães subitamente em reflexos da pandemia.
Desejo força a todos vocês. Como a minha mãe me disse nos seus últimos momentos de lucidez: “elas só querem que sejamos felizes”.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
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