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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Perdi quatro pessoas para a Covid-19 e o racismo”

Durante o período de pandemia, senti um incomodo por viver o privilégio de poder ficar em casa, pensando nos tantos que não puderam se isolar. Minha renda é formada com o que somo de alguns trabalhos. No entanto, minha única fonte fixa é uma bolsa/ajuda de custo de 500,00 para um trabalho voluntário prestado à Secretaria Municipal de Saúde como Agente de Prevenção DST/AIDS, voltado para garotas de programa. 

Tudo se somava com o que ganhava fazendo freelance em pesquisa de opinião pública e os cachês de shows com o Ilú Obá De Min, grupo que faço parte há 10 anos.

No dia da primeira morte no Brasil fui trabalhar, e voltei bem assustada com a aglomeração em uma das casas de prostituição em que faço prevenção. Dias depois o trabalho foi suspenso, e daí começou a preocupação de como iria me sustentar pelo próximo período (sem saber que seria um tempo indeterminado). Felizmente, logo veio o alívio de saber que não suspenderiam os pagamentos.

Moro na Ocupação nove de julho onde pago um valor de contribuição simbólico. Não passei necessidades porque tive apoio da ocupação, Ilú Obá De Min e Marcha das Mulheres Negras, coletivos dos quais tive muito suporte, muitas doações de cestas básicas e hortifruti.

Em abril, nasceu o filho do meu afilhado, pai com 22 anos e a mãe com 18. Desempregados. A criança veio ao mundo sem o enxoval e em meio aos casos crescentes de Covid-19. A avó da bebê é o arrimo da família, contudo, o pouco dinheiro não compraria nada. Aquele foi o período em que tudo estava fechado. Então tive a ideia de contactar as conhecidas que tiveram bebês em fevereiro/março. A ajuda veio breve e abundante, conseguimos o enxoval completo, enfim.

Partilhar em meio às dificuldades

Moro apenas com minha companheira e as doações que recebíamos eram bastante para nós, por isso passamos a doar antes mesmo de chegar em casa. Moramos no nono andar e o prédio não tem elevadores. Então, para não ficarmos carregando peso, levamos muitas cestas direto para a casa das pessoas que nos solicitavam. A vizinha que mora sozinha começou a dar o que não consumia e, assim, foi possível ajudar ainda mais famílias. A começar pela nova família do meu afilhado que acabara de se formar. Levamos cesta básica e muitos legumes. 

Outra prima que é empregada doméstica, tem filhos, paga aluguel, ficou doente e não tinha dinheiro para pagar a condução e buscar os alimentos. Mas a minha companheira tem moto e então fomos até Osasco levar. Com a vizinha da minha mãe, costureira, se passava o mesmo. Neste caso, havíamos levado tantos mantimentos que foi possível dividir. 

Da ocupação recebíamos cestas de 15 em 15 dias. As garotas de programa também viveram imensas dificuldades, porque as casas de prostituição também estavam fechadas. Fiz uma força tarefa junto com uma colega de trabalho e pude contribuir bastante com o que tinha em casa. Esses foram alguns exemplos da partilha.

Meu auxílio emergencial foi aprovado e somei com valores que recebi do Projeto Baobá através da Marcha das Mulheres Negras, onde também ajudo a construir. Isso me possibilitou contribuir com muitos pedidos de ajuda, de mulheres que não têm acesso a informações, mesmo com bastante ajuda de diversos setores, muita gente não soube acessar os trâmites burocráticos e tecnológicos das “boas ações”, eu fui ponte.

Luto

Minha mãe teve Covid-19 e, felizmente, depois de muita preocupação, passou ilesa pela doença. No entanto, perdi dois conhecidos de infância, o pai da minha amiga a mais de 30 anos em minha vida e uma prima. Tudo isso adicionado a tanto descaso público e ao câncer chamado racismo que gritou neste período.

Por fim, me senti por diversas vezes muito deprimida, paranoica, chorosa e com certeza os coletivos de mulheres dos quais faço parte me ajudou muito neste processo de não adoecer psicologicamente.

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25 a 39 anos Branca Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Pós-Graduação Completa Raça/Cor São Paulo

“A população precisava de informações sobre a Covid-19”

A Vila Brasilândia é um distrito localizado na região norte da cidade de São Paulo. De acordo com o último censo do IBGE, realizado em 2010, a região conta com mais de 264mil habitantes. É uma das regiões mais vulneráveis da cidade, onde não há acesso à água encanada para toda a população e à rede de tratamento de esgoto é precária, quase nula. 

O Coletivo ADESS é uma organização da sociedade civil, fundada em 2014, com objetivo de trabalhar a autonomia a partir da geração de renda e economia solidária. Desta forma, a cultura é utilizada como principal meio para alcançar os objetivos. 

A partir de meados de março de 2020, quando a pandemia do novo Coronavírus atingiu o Brasil, nós da Brasilândia passamos a perceber nossos colegas e familiares adoecerem e morrerem da nova doença. Além do risco da Covid-19, a pandemia escancarou a grande desigualdade existente no nosso país.

Já nos primeiros levantamentos, realizados pela Prefeitura de São Paulo, era possível ver a calamidade sobre os índices da mortalidade e de pessoas infectadas. Nossa região foi apresentada por semanas seguidas como a que mais tinha óbitos na cidade de São Paulo pela nova doença.

Quem mais sofreu com a pandemia foi a população que já tinha seus direitos negados, passamos a sentir fome e não pudemos nem enterrar os nossos.  

População carente

Naquele momento não contávamos com o apoio do governo, tampouco tínhamos auxílio emergencial. Apenas com a coragem, iniciamos nossa distribuição de cestas compostas por alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal. E também, claro, de máscaras de tecidos. Dessa forma, passamos a atender mais de 600 famílias por mês. Tudo isso apenas com apoio de amigos e de outras Organizações e Movimentos Sociais.  

Quando a gente recebia muitas unidades de alguma coisa, trocávamos por algum item que não tinha mais. Fizemos assim com máscaras e álcool em gel.  

Além de comida, as pessoas precisavam de informações sobre a Covid-19 e sobre o que o Governo estava fazendo em relação ao enfrentamento da pandemia. Para ajudar, nesse sentido, utilizamos da estratégia de colagem de lambe-lambe e de carros de som pelo bairro, com informações sobre a doença e ensinando a população a se prevenir.  

Além de informação sobre a pandemia, as pessoas clamavam por distração. Por isso também entregamos livros para as pessoas romperem as barreiras do isolamento, de certa forma. Apoiamos também os trabalhadores da saúde que estão atuando na linha de frente contra a Covid-19, levando uma carta escrita por alguém do Brasil especialmente aos profissionais da saúde.  

É assim que a favela, a comunidade, faz. Trocamos quando podemos, mas sempre dividimos. É assim que a favela sempre se sustentou e é assim que a favela vai seguir.

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40 a 59 anos Branca Ensino Superior Completo Homem Cis São Paulo

“Assim que as aulas foram suspensas, vivi um terrível período de incerteza”

Desde o surgimento das primeiras notícias sobre o novo vírus em Wuhan, na China, voltei minhas atenções para lá. Por dois motivos. Primeiro, tenho grande interesse em geopolítica. Segundo, porque Campinas tem hoje uma crescente comunidade chinesa, voltada para o comércio de artigos importados de sua terra natal.

O vírus fatalmente deixaria o território chinês, devido ao gigantesco volume de comércio da China com o mundo globalizado, e colocaria populações em risco.

Hoje, sabemos que muitos países do mundo demoraram a entender o que se passava de fato e a Organização Mundial de Saúde (OMS) deveria ter se antecipado à evidente pandemia.

Aulas suspensas e ensino remoto

Durante o início do ano letivo, nas aulas, eu tratei com os estudantes sobre o que eram vírus e das relações do Brasil e do mundo com a China. Já havia um clima de apreensão.

Assim que as aulas foram suspensas, vivi um terrível período de incerteza.

Para “salvar” o ano letivo, o governo de São Paulo cria um plano de atendimento online na educação, com aulas ou atividades através de plataformas online, seguido por muitos municípios. Ação de êxito contestável, num país onde as pessoas têm dificuldade de fazer todas as refeições, em que celulares e computadores, quando se tem, muitas vezes são de uso coletivo nas famílias.

Famílias essas que já enfrentavam problemas como o desemprego. Muitas vezes, colocadas em risco em nome de um falso empreendedorismo, pois as poucas alternativas são entregar fast food e ser motorista de aplicativo, sem direito trabalhista algum.

O decreto sobre o isolamento social autorizado pelo STF mostrou como o governo federal estava perdido e descuidado do povo.

O Auxílio Emergencial, que deveria amenizar o sofrimento, acabou sendo mais um problema. A demora para os saques e ausência de liberação pelo aplicativo acirraram ainda mais as desigualdades.

O negacionismo é algo muito assustador aqui no Brasil: governantes, profissionais de todas as áreas e a população leiga disseminando absurdos, saindo de casa sem necessidade, não usando máscara, atacando imprensa e profissionais de saúde. Isso mostra como somos um arremedo de democracia e na verdade pouco solidários.

Ressalto que fiquei de início, cerca de um mês e meio, sem sair de casa, sem ver familiares, namorada e amigos. Aliás, ainda saio só mesmo só for imprescindível.

E, por fim, me solidarizo diariamente com as famílias dos muitos milhares de mortos que infelizmente teremos.

Que venham logo as vacinas.