Estou recluso no Centro de Ressocialização de Cuiabá. Estou preso há dois anos já aqui no cinema e hoje a pandemia veio. Infelizmente no momento é ruim, no momento que eu estou passando por mais dificuldade é mais a parte emocional. E hoje eu estou é sem as visitas. Assim como os familiares vem me visitar então assim nós está um transtorno mentalmente é ruim , infelizmente mas é nós estamos buscando outros meios. Como eu estou no sistema penitenciário aqui do CRC tenho a biblioteca e eu fiz algumas atividades.
Ressaltando que com restrição nós tá é buscando ler pra tentar fugir um pouco dos familiares pois não tem visita nem de sistema. Então nós está buscando esses mecanismos de leituras, de trabalhos. Que tenham restrição à distância, fiz partes assim e o sistema propõe pra nós. É como a faculdade também nos busca. A estudar também virei a ver o sistema e o mestrado também que fazemos também aqui. Então ela ajuda muito, Conforme essa pandemia tá tão expansiva.
Buscar novas oportunidades
Muitas pessoas morrendo, então nós não conseguimos compreender e entender. A situação mas sempre nós buscamos arrumar uma forma de distração, sempre a leitura. A Bíblia que nós lemos bastante é a forma de buscar a Deus. É pra forma de esquecimento do mundo lá de fora e dos familiares para não sofrer tanto como nós sofremos tanto aqui nesse sistema. Eu agradeço a Deus, já tomei as duas doses da vacina.
A minha expectativa daqui pra frente é sair daqui e buscar uma ressocialização lá fora, uma qualificação melhor lá fora e buscar uma mudança que esse percurso todo passando aqui dentro do sistema porque eu estou refletindo muito. Queremos a mudança ão só não só mentalmente e espiritualmente. E graças a Deus o sistema está favorecendo até mesmo esse mecanismo, com contato com psicólogo entre outros que ajuda bastante dentro do sistema.
Relato de Raony Silva, produzido pela Associação Mais Liberdade para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Sandro teixeira dos Santos, eu me encontro aqui recluso aqui no Centro de Ressocialização daqui de Cuiabá Mato grosso, e a epidemia ela nos trouxe assim um desconforto porque logo nos cortaram as visitas né, a gente ficou sem ter notícias da família, sem ter notícias dos filhos, que eu tenho uma filha e assim o desconforto foi muito grande porque qual o esposo que não quer estar perto da sua esposa, da sua mãe, dos seus filhos né, então foi algo assim que machucou bastante a gente né. Atingiu não somente a mim, mas a todos os educandos que estão aqui.
Eu sei que muitos ficaram aflitos com tudo isso né, então logo após veio a videochamada trazendo conforto, mas não é a mesma coisa de uma visita residencial. Mas já tava melhorando né, foi melhorando, e assim foi uma experiência nova né, experiência nova. Muitas pessoas perderam seus entes queridos para epidemia, muitas famílias foram destruídas porque muitas esposas não aguentaram e foram embora, abandonaram seus esposos, foram cassaram outro rumo de vida né. Então só agradeço a Deus por ter me mantido firme aqui dentro dessa oportunidade aqui onde a gente se encontra né, não houve morte né, todos nós nos encontramos bem.
Relato de Sandro Teixeira, produzido pela Associação Mais Liberdade para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Vilso Junior Santi, eu sou professor da Universidade Federal, coordenador do Amazoom e responsável, aqui em Roraima, por operacionalizar a coleta de depoimentos para o Memória Popular da Pandemia.
Primeiro, é muito legal participar de uma iniciativa como essa. Acho que no contexto da pandemia, até na universidade, a gente tinha pensado em realizar alguns projetos para dar suporte, principalmente no esclarecimento das dúvidas, em relação às notícias falsas que estavam circulando sobre a pandemia. Infelizmente, por uma série de questões, a gente não conseguiu operacionalizar isso.
Quando apareceu a oportunidade do projeto, de registrar essas memórias, também foi uma oportunidade para a gente retomar essas ideias. E tentar, de alguma forma, contribuir para o registro e discussão desse momento que a gente está vivendo, desse momento trágico que estamos vivendo.
É importante aproveitar a oportunidade para trazer os relatos a partir de Roraima. As pessoas que a gente buscou para dar esses depoimentos no projeto foram pessoas que representam o que é Roraima hoje, o que é Boa Vista hoje, o que é o Estado hoje. Quem é de Roraima talvez não se dê conta disso, ou talvez não goste de pensar nisso, mas, Roraima é um estado de migrantes, um estado indígena por excelência. A gente quis representar essas populações nos depoimentos que a gente colheu.
Buscamos falar com representantes dos povos indígenas, presentes no estadoe conseguimos obter depoimentos muito interessantes das populações indígenas e também representantes da população migrante, principalmente dos indígenas da Venezuela; dos venezuelanos em si; dos haitianos, para dar conta do que é esse contexto migrante de Roraima.
Nós todos, praticamente, que estamos em Roraima somos migrantes! E Roraima precisa lembrar disso porque essa é a cara de Roraima!
Projetos interrompidos na pandemia
Aproveitando o que a gente ouviu, é preciso dizer que a maioria dos relatos deixam claro que a pandemia interrompeu projetos! Muitos projetos! Projetos de vida, inclusive!
As pessoas morreram! Várias pessoas, inclusive pessoas próximas da gente. No meu caso, a pandemia chegou “metendo o pé” na porta de alguns projetos. Um deles foi o projeto de pós-doutorado.
Depois de ter passado oito anos, seis anos de gestão na coordenação do curso e na direção do centro aqui da UFRR, eu fui para o pós-doutorado no México. Eu viajei para o México no final de fevereiro e fiquei exatamente 30 dias no país até tudo ser fechado por conta da pandemia. Acabei ficando no México, em isolamento, até o início de agosto, quando eu consegui voltar para casa. Foi uma situação bem complicada, porque, enfim, estava em um outro país, longe das pessoas que conhecia. Estar longe de casa, das pessoas mexe com o psicológico. Comecei a questionar um monte de coisas e me revoltar, inclusive, com a situação. Eu não aguentava mais estar lá! Eu queria voltar para casa e, felizmente, isso deu certo. Consegui retornar alguns meses depois para casa e aí sim viver o resto do processo em casa.
O governo do Estado não fez o que é o seu papel; o governo federal não fez o seu papel; o sistema de saúde não tinha capacidade para absorver e as pessoas ficaram jogadas, sem renda, sem trabalho, sem ter o que comer
Negligência do Estado
Meu retorno deu um pouco mais de tranquilidade por um lado, mas, por outro, também causou muita apreensão. Porque a gente vivia uma situação terrível em Manaus e uma situação terrível aqui em Roraima. Quem é daqui sabe que o sistema de saúde é caótico. Não é culpa da migração, é culpa sim de anos de negligência do Estado, da falta de investimento público! A pandemia deixou isso escancarado, evidente!
Inclusive as pessoas se aproveitaram disso para superfaturar compra de respirador, por exemplo. Coisa que também demonstra um pouco do que é a cara do estado de Roraima e das pessoas que gerenciam as políticas públicas do Estado.
O governo do Estado não fez o que é o seu papel; o governo federal não fez o seu papel; o sistema de saúde não tinha capacidade para absorver e as pessoas ficaram jogadas, sem renda, sem trabalho, sem ter o que comer. Elas precisaram ir para a rua e se contaminaram.
A vacina demorou em chegar e com essa negligência muitas pessoas morreram. Isso revolta a gente porque a gente fica imobilizada, sem saber o que fazer.
Por mais que a gente diga que está preparado para a morte, ver alguém morrendo é horrível
Perdas na família
Meus pais moram no Rio Grande do Sul e a pandemia demorou em chegar na região onde vivem, já que são lugares isolados e com pouco trânsito de pessoas. Quando a pandemia chegou, as pessoas já tinham comprado a versão de que não era muito grave e não era muito sério.
Porém, pouco depois, as pessoas conhecidas começaram a morrer: vizinho, tio avô, avô dos meus sobrinhos, amiga que era técnica de enfermagem, e minha tia, que chegou a ficar internada por 90 dias na UTI e não resistiu.
No meio desse contexto, perdemos meu avô de 93 anos. Dizem os médicos que não foi por Covid-19, mas nossa família desconfia. Meu avô morreu logo depois das eleições municipais e meu avô teve contato com pessoas que viajaram para participar da votação. Agora já não tenho mais nenhum dos meus avós vivos. A geração toda se foi.
Por mais que a gente diga que está preparado para a morte, ver alguém morrendo é horrível. Minha tia, por exemplo, não tinha doença nenhuma, não tinha complicação, não tinha histórico clínico grave. Ela não morreria agora se não fosse a pandemia e esse conjunto de negligências.
Oportunidade de contribuir
Chamo a atenção para a questão de oportunizar a chance de contribuir com o registro da Memória Popular da Pandemia, da memória das pessoas que sofreram com a pandemia. É uma oportunidade para pensar como que a gente, usando o jornalismo, pode intervir na vida das pessoas de uma maneira mais ativa para tentar construir uma realidade melhor do que essa que a gente vive. Esse é o grande sentido do que está por trás do que a gente tenta fazer.
Relato de Vilso Santi, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Pierre Laurore, eu tenho 37 anos e sou hatiano. Eu sou estudante de Administração, em Ciências Administrativas na Facukdade Estácio de Sá.
A primeira coisa que a pandemia mudou em minha vida foi em relação ao meu trabalho. Quando eu cheguei aqui no Brasil, em 2018, regularizei meus documentos e consegui um emprego no hotel Ibis. Com a chegada da pandemia, depois de um ano e seis meses de trabalho, fui demitido.
Quando eu trabalhava no Ibis, eu conseguia mandar dinheiro para a minha família que ficou no Haiti e quando fiquei desempregado, isso me preocupou bastante.
O pior momento da pandemia foi estar desempregado, não ter renda e ver as contas chegarem, ver que tenho uma família para sustentar. Isso foi antes da chegada do auxílio emergencial. Minha esposa conseguiu ter o benefício e com os bicos que eu fazia conseguimos ter um alívio em nossas contas.
Hoje estou trabalhando novamente, na recepção do Eco Hotel. Mas demorei um pouco para encontrar trabalho. Fiz trabalhos curtos com vendas, para ter alguma renda. Era um trabalho bastante informal, o que se chama de “bico”.
Superação da pandemia
Da minha família, apenas eu e minha mãe fomos infectados pelo vírus Covid-19. Tive sintomas leves porque havia tomado a primeira dose da vacina. Ainda preciso tomar a segunda.
Eu acredito que o mundo vai superar essa pandemia. O Brasil vai superar a pandemia. A mensagem que eu gostaria de deixar é: não deixar de se vacinar porque a vacina ajuda bastante.
Relato de Pierre Laurore, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Maurício Ye’kwana, sou diretor da Hutukara Associação Yanomami. Sou do povo Ye’kwana, morador da Terra Indígena Yanomami. Tenho 36 anos.
A pandemia foi o maior pesadelo de todo mundo. Ela chegou a nós indígenas pelos invasores da Terra Indígena Yanomami, que trabalham no garimpo ilegal. Em um segundo momento, o Covid-19 chegou via profissionais de saúde que entram a cada quinzena, a cada mês em nossas comunidades.
A pandemia nos trouxe um impacto muito grande, alterou o comportamento de toda a comunidade. Nós moramos em casa de família, com todos juntos e tivemos que nos separar para evitar contágio.
Mortes na comunidade
Em nossa comunidade, quatro pessoas morreram, entre eles dois sábios que tinham idade mais avançada. Nós indígenas não temos o costume de registrar o que se fala, o que acontece. Para nós, quem faz anotações é quem tem preguiça, é quem tem facilidade de esquecer. A pessoa que entende, que sabe, não registra, aprende de memória para justamente multiplicar depois. Então as mortes das pessoas sábias é algo que não se recupera em um curto espaço de tempo.
Perdemos também profissionais que nós confiávamos, que eram guardas que trabalharam desde 1990. Ficamos de luto, a comunidade geral parou. Ficamos quase um mês sem fazr nada, ser ir para a roça. Temos que respeitar esse processo.
Quando acontece isso na comunidade, nós não consumimos carne, né?! Essas coisas assim. De peixe também. Tem que ter todo respeito! Ficar de dieta geral.
Vacinação x missão evangélica
Nós acreditamos na vacina. No começo, falaram que a vacina era ilusão, mas depois que todos tomaram a segunda dose da Corona Vac, as mortes cessaram. Aí vimos a importância da vacinação.
Nem todas as pessoas se vacinaram. Nossos parentes que fazem parte de missões evangélicas não tomaram a vacina. Essa corrente negacionista deixa a nossa situação ainda mais complicada.
Os invasores entram e saem a hora que quiserem de nossas terras. Isso acontece também porque a Funai está parada.
Na pandemia, tudo parou. Só o garimpo que avançou
A pandemia trouxe mais problemas. Houve um aumento de invasores nas Terras Yanomamis e, com o aliciamento de jovens e lideranças para atuarem no garimpo e, os nossos povos ficam ainda mais vulneráveis à Covid-19. Nossos parentes se contaminam no garimpo e trazem a doença para nossa comunidade.
Os invasores entram e saem a hora que quiserem de nossas terras. Isso acontece também porque a Funai [Fundação Nacional do Índio] está parada. Na pandemia, tudo ficou parado, menos o garimpo ilegal.
“Fora Garimpo, Fora Covid”
No ano passado nós fizemos a campanha virtual “Fora Garimpo, Fora Covid”. Fizemos diversas entrevistas com pessoas que tinham popularidade, convidamos atrizes, atores e pessoas com influência.
Fui a Boa Vista (RR) e Manaus (AM) para seguir desenvolvendo campanhas contra o garimpo. Quando denunciamos o garimpo, os garimpeiros nos perseguem, aliam nossos jovens para que indiquem onde estamos. Temos que ter bastante cuidado.
A nossa luta não vai parar. Vamos continuar denunciando o Estado Brasileiro porque ele não tem o mínimo respeito com os povos indígenas
Não podemos abaixar nossas cabeças
Nós sabíamos que a pandemia viria. Nossos pajés sempre diziam isso. E nós, como lideranças, aprendemos com os sábios que não podemos abaixar nossas cabeças.
Essa doença não era para nós, era para pessoas que não respeitam a natureza. Porém, todas seremos afetadas. Então a nossa luta aqui é chamar a atenção das pessoas que causam a pandemia. Chamar atenção das pessoas do próprio Governo e do Estado também, que é causador de tudo isso que está acontecendo.
O Movimento Indígena está ativamente defendendo nossos direitos e as nossas conquistas. Os nossos direitos, que sejam reconhecidos pelo Estado, pelo governo próprio também. E a nossa luta não vai parar. Vamos continuar denunciando o Estado Brasileiro porque ele não tem o mínimo respeito com os povos indígenas. O que ele quer é que nos integremos ao Estado, mas nós temos nossa cultura, danças, tradições e não vamos deixar de ser indígenas.
Relato de Maurício Ye’kwana, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Josué Ferreira. Eu tenho 25 anos e sou jornalista.Quando eu comecei a cobrir a pandemia, nunca pensei que algo iria acontecer com minha família, mas infelizmente aconteceu.
Foi na pior fase da pandemia que meu irmão morreu, em fevereiro de 2021. Ele era novo, tinha 35 anos. Acabou fazendo aniversário na UTI. Eu fiquei com ele grande parte desse período de internação, revezando com minha cunhada. Ver meu irmão em um estado grave e sem conseguir fazer muita coisa foi bem difícil.
Ele estava internado em um Hospital de Campanha de Roraima e seu estado acabou piorando. Com o agravamento de sua saúde, seu pulmão ficou comprometido e ele foi transferido ao hospital referência em Roraima e precisou ser entubado.
Esse foi o momento mais difícil da pandemia porque foi a última vez que eu falei com ele. Eu disse para ele não se desesperar e ele me respondeu dizendo: “mano, eu estou indo morrer. Adeus”. Ele se despediu em um tom muito desesperador. Ter falado com ele pela última vez, nas circunstâncias que nos falamos, me marcou muito.
Meu irmão era uma pessoa cheia de vida. Tinha planos de ter a casa própria; planos de ver o filho crescer. Ele deixou um filho de 10 anos. Os sonhos foram interrompidos e a família ficou dilacerada.
Muitas pessoas estariam vivas ainda se tivéssemos um sistema de saúde bom. Mas a realidade foi outra: não havia medicamento, equipamento; e não havia profissionais o suficiente para cuidar dos doentes.
Volta ao trabalho
Outro momento complicado foi quando tive que voltar a trabalhar. Eu voltei para fazer cobertura da morte, dos casos de Covid-19. Continuar a falar da morte sabendo que um familiar seu firou estatística, um número, é muito forte.
E isso só aconteceu por negligência. Muitas pessoas estariam vivas ainda se tivéssemos um sistema de saúde bom. Mas a realidade foi outra: não havia medicamento, equipamento; e não havia profissionais o suficiente para cuidar dos doentes.
A morte do meu irmão ainda é uma ferida que está cicatrizando. Não é vida que segue.
Processo de luto
No fim do ano eu viajei para participar de um processo de seleção para uma vaga de Mestrado na Universidade Federal de Roraima e meu irmão foi uma das pessoas que mais me apoiou. Quando eu consegui a vaga de Mestrado, ele ficou super feliz, me mandou uma mensagem me parabenizando e, no mesmo dia em que foi realizada a primeira aula do mestrado, eu não pude participar porque estava no hospital atrás de um exame de tomografia para meu irmão. .
Sei que o tempo vai amenizar a dor, mas precisei procurar uma ajuda de um profissional, um psicólogo. Com ajuda profissional, fui entendendo meu processo de luto.
Não tem como acordar e dizer: “ah, está tudo bem, não aconteceu nada, estávamos sonhando”. Eu só espero que a gente acorde desse pesadelo o quanto antes.
Mortes por negligência
Eu acho que a pandemia tem muitas facetas. Você acaba se deparando com várias delas ao longo de mais de um ano de pandemia. E, mesmo assim, ainda existem muitas pessoas que não acreditam no vírus.
É triste porque muitas pessoas perderam a vida por conta da negligência. O Brasil passou por uma fase de negligência muito grande: havia vacinas para serem compradas e o país não comprou. É a partir desses fatos que eu penso que meu irmão poderia estar vivo hoje.
Não tem como acordar e dizer: “ah, está tudo bem, não aconteceu nada, estávamos sonhando”. Eu só espero que a gente acorde desse pesadelo o quanto antes. As pessoas precisam entender que o vírus mata, que famílias inteiras foram dilaceradas! E é muito grave e preocupante!
E mais uma coisa: fora Bolsonaro! É isso que a gente quer!
Relato de Josué Gomes, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Francisco Belchior. Sou autônomo e tenho 63 anos.
A pandemia afetou não só minha vida, como todas aquelas de pessoas mais vulneráveis. No meu caso, ela afetou principalmente a questão financeira. Eu tinha um pequeno comércio e a situação está muito difícil.
Fome
Um dos momentos mais difíceis da pandemia foi chegar em casa e não ter o que comer. Isso aconteceu comigo mais de uma vez e felizmente contei com a ajuda de um amigo.
Além da questão financeira, perdi uma irmã na pandemia e vários colegas. É triste perder um ente querido, da sua família.
A minha mensagem vai para as pessoas que sobreviveram à pandemia. É preciso ser forte porque não é qualquer um que aguenta passar por essa situação.
Relato de Francisco Belchior, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Erinelson Valentim, tenho 49 anos e vivo em Roraima. Sou o primeiro sobrevivente do Covid-19 em meu Estado.
Eu sou técnico de radiologia e atendi dois pacientes com sintomas de Covid-19 antes de conhecermos casos da doença do Estado. Uma semana depois, os primeiros casos foram declarados e eu comecei a sentir os sintomas: coriza e dor de cabeça.
Mesmo não querendo, minha esposa me levou ao hospital e não queriam me internar porque não havia testes. Eu piorei e voltei ao hospital e fui internado com urgência., já que 80% do meu pulmão estava comprometido pelo Covid-19. Fiquei 18 dias entubado.
Também sofri uma parada cardíaca e um AVC [acidente vascular cerebral , mas consegui resistir. Fui o primeiro do estado a resistir à intubação e ao vírus.
Depois que saí da internação, fiz duas ressonâncias magnéticas para saber o grau da gravidade que o Covid tinha me deixado. Uma sequela da doença é que passei a ser hipertenso e tomo medicamentos para controlar a pressão.
Passei por dois neurologistas e eles disseram que eu já estava apto a trabalhar. Porém, nos primeiros dois meses eu percebi que não estava bem. Passei setenta dias em casa me recuperando e contei com muita ajuda familiar.
Volta ao trabalho
Mas eu digo com toda sinceridade que eu renasci das cinzas. Depois desses 18 dias que eu passei internado, penso que eu quero trabalhar na Saúde, trabalhar com o público e com o pessoal da Saúde.
Acho importante conscientizar as pessoas de que a pandemia é real, existe e temos que nos precaver. Sou muito grato e agradeço a Deus todos os dias por estar vivo e poder ajudar outras pessoas, que vão precisar do nosso trabalho.
Relato de Erinelson Serrão, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Jorge Oliveira dos Santos. Tenho 69 anos e farei 70 em janeiro, se Deus quiser.
Sou vigia do Caprichoso desde 2015, e vou dizer para você: “não é fácil não” — tudo parou, as coisas ficaram muito complicadas. E para piorar, nessa época minha mulher estava em Manaus e eu estava aqui. Eu pensava assim: “ela pra lá eu pra cá”. Se eu adoecesse aqui, ela não podia vir para cá, e se ela adoecesse lá, eu não podia ir para lá”.
Todas essas coisas se passavam pela minha cabeça e eu sempre perdia o sono. Em alguns momentos eu só dormia um pouquinho, “na boca da noite”, e de madrugada eu ficava pensando todas essas coisas, sabe? Aí eu pedia tanto para Deus que nos desse força, que nos livrasse de todas essas doenças, não só na minha família como em todas as outras. Mas essa doença tirou muita gente, muitos colegas nossos. Até minha irmã, que morreu em Manaus, três dias após eu completar 69 anos. E assim foi… levando as coisas e, até hoje em dia, eu não assisto televisão direito. Às vezes um pouquinho de jornal, um pouquinho de jogo, aí quando vejo aquelas notícias da doença, opto por não assistir mais à televisão.
Tudo parou
Então, tudo parou né!? Aqui nesse galpão a gente olha de um lado para o outro e não se vê ninguém como antigamente — já que minha trajetória de Caprichoso se iniciou em 1996. Lá trabalhei como soldador, e depois que chegou essa doença, acabou tudo. Muita gente tem falta disso, pois, quando terminada o Boi, eu viajava para São Paulo e Rio de Janeiro. E devido à paralisação, eu ficava sem ganhar esse dinheiro.
Os artistas e soldadores vivem desse trabalho de vai e volta, e assim fica. Então, agora eu espero, se Deus quiser que eu continue trabalhando. Eu, com muito cuidado sempre, chegava em casa, já tomava muito cuidado, muito remédio — que era dividido entre filhos e irmãos — e máscara. Eu não tiro a máscara por nada. No Galpão, mesmo sendo só eu e o meu colega que não está lá diariamente, eu nunca tiro a máscara — tirei só agora para dar essa entrevista. Só tiro para beber água, comer algo, mas depois eu boto de novo.
Eu espero que tudo volte ao normal, porquê esse vírus não é. Depois que eu tomei a primeira dose da vacina, antes de inteirar os 3 meses, a enfermeira ligou para mim, que já estava com mais de dois meses, pedindo para retornar e tomar a segunda dose. E, se Deus quiser, agora dia 8 eu tomo a terceira dose já de novo, se Deus quiser. Tenho fé em Deus que tudo vai passar, que tudo vai voltar ao normal, se Deus quiser, tenho fé em senhor Jesus.
A festa do Boi Caprichoso
Assistimos a live do Bumbódromo, e já deu um alívio mesmo não sendo como a festa que a gente ia. Então, a live já me deu mais uma esperança. Voltando a falar brevemente sobre a minha irmã, mesmo ela se cuidando, ela foi embora. Apesar disso, creio que as pessoas, nesses tempos de pandemia, passaram a dar mais atenção e carinho para as suas famílias — o que é ótimo.
Agora, pensando, esse momento foi bem difícil, né? Mas, felizmente, trouxe bastante aprendizado para as pessoas. Hoje em dia, a gente fica mais alegre, pois eu saio na rua para ir ao trabalho e depois volto para a casa. As pessoas já estão andando mais, circulando pelas ruas. E eu espero que, se Deus quiser, que em 2022, já vai ter o festival, e isso vai ser um alívio para muita gente.
O festival do Boi é um evento muito importante para as pessoas da nossa cidade, trazendo venda e lucro para nós.
Vai passar…
Termino esse relato agradecendo, e dizendo que aprendi muito com essa doença que circulou na nossa cidade. Se cuidar e ter o maior cuidado, como, por exemplo, chegar em casa e já ir direto para o banho, para depois entrar em contato com a minha família. Eu já não chego mais em casa como antigamente.
Espero que, mesmo após ter tomado a vacina, as pessoas continuem se cuidando.
E quem não tomou a vacina, que procure um posto de saúde!
A essa altura já estava bastante envolvido, mas vi o Festival pela internet por conta da pandemia. E em 2020 e 2021 não teve Festival. Então nunca passei por um Festival como Conselho, de verdade, na arena.
Meu nome é Diego Omar da Silveira. Sou professor da Universidade do Estado do Amazonas, aqui em Parintins, na divisa do estado com o Pará. Cheguei aqui há quase dez anos, na minha aventura amazônica.
Quando vim, recém-aprovado no concurso, tudo era muito novo. Desembarquei aqui com meu filho – apenas eu e ele – e era uma nova vida que começava. De lá para cá, muita coisa mudou. Conheci já nos primeiros dias a Priscila, minha companheira, com que estou desde então e com quem tive uma filha, a Maria Bethânia, uma menininha amazonense. Aos poucos fomos construindo juntos uma vida.
Gosto da cidade e desde cedo achei a festa dos Bois rica e interessante. Demorou um pouco para que aquilo me interessasse como tema de pesquisa ou como um lugar de atuação. Mas tudo se encaminhou para que eu escolhesse o Caprichoso… na verdade, a minha chegada se deu em uma “semana azul” – como dizem aqui, quando toda a cidade se preparava para a gravação do DVD do Centenário do Caprichoso, em 2013. Tudo muito lindo e que me capturou.
Sou Caprichoso e não pretendo mudar
Desde então sou Caprichoso e não pretendo mudar. Na medida em que comecei a guinar meus temas de pesquisa fui me aproximando mais do Bumbá também. Sempre gostei do ambiente, da construção, das referências sonoras e estéticas do Caprichoso. Elas têm uma brasilidade que escapa ao contrário e, talvez por isso, sempre me senti muito acolhido aqui. Mas fiquei uns anos sendo apenas torcedor mesmo.
Fui conhecendo as pessoas, orientando alguns trabalhos, lendo a bibliografia sobre folclore e Boi-Bumbá, mas sem muitas pretensões. Os contatos com quem fazia o Boi nunca foi muito próximo até 2017, acho. Foi quando conheci o Ericky Nakanome e passamos a trocar algumas ideias.
Em 2018 ele me convidou para olhar alguns textos, num exercício de revisão e no final daquele ano me chamou pra fazer parte do Conselho – foi um susto e uma alegria. Ajudei como pude em 2019, em meio a um momento familiar difícil, já que a minha filha faria uma cirurgia de relativa complexidade às vésperas do Festival e em Brasília.
Imprevistos da pandemia
Esse “título” foi entregue aos Bumbás em 2019 e depois não teve mais festa. Mas tínhamos que pensar em políticas de salvaguarda, precisávamos dialogar com a sociedade e começamos a discutir estratégias. Vieram as lives e, depois, com a Lei Aldir Blanc, a ideia de publicar alguns livros e organizar o Centro de Documentação e Memória do Boi. Tiramos nossas intenções do papel e isso permitiu, inclusive, que a gente fizesse o registro da memória das pessoas ligadas ao Caprichoso nesse edital da DHESCA Brasil.
Como a gente já estava construindo um banco de memória, esse se tornou um projeto paralelo. E é isso… estamos nessa luta. Quando o Caprichoso suspendeu o funcionamento de todos os setores para que a gente evitasse os riscos e não colocasse ninguém em risco.
Mas discutimos muito nossos projetos, aprofundamos as pesquisas, pensamos nossa história e articulamos os livros que estão saindo agora, nesse fim de ano. Foi difícil ver a situação dos artistas, dos trabalhadores do Boi de uma forma geral. Muita gente do setor da cultura ficou desamparada – mas travamos juntos essa batalha. E a ideia é continuar… O CEDEM tem uma tarefa enorme pela frente e queremos tratar com mais carinho a memória do Boi.
Não vamos parar de receber, tratar e divulgar esse enorme legado que ainda é pouco visibilizado.
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