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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“Nós, indígenas Kariña, só tivemos acesso aos remédios naturais”

Meu nome é Zulay Martínez, tenho 45 anos e sou indígena Kariña. Faz três anos qu estou no espaço Ka’Ubanoko e, sim, tive Covid-19. 

Eu fui atendida por representantes da organização “Médicos Sem Fronteiras”. Eles fizeram o primeiro atendimento que incluíma me levar a um espaço que fica atrás da Petrix e eu não aceitei. 

Na minha família, minha mãe, minhas filhas e eu tivemos Covid-19 e meu pai cuidou de nós com remédio caseiro. Nós, indígenas Kariña, só tivemos acesso aos remédios naturais.

Passei 21 dias com febre e acho que estive a ponto de morrer. Não conseguia respirar, perdi o olfato e não comia. Tudo foi muito crítico para mim. 

O pior momento foi quando eu não conseguia nem sequer ir ao banheiro porque não respirava bem, não conseguia me levantar. Minhas filhas tiveram que me dar banho. 

Todos os dias meu pai preparava remédios caseiros, de diferentes formas e eu consegui vencer o Covid-19. Ele preparava: sálvia com limão. Fazia uma espécie de poção e colocava um pouco de mel. Eu não usei medicamentos recomendados pelos médicos porque não quis. 

Mensagem

Tanto para os migrantes indígenas como para os que não são, para todos os venezuelanos, eu digo que tomem todas as precauções necessárias para a prevenção do Covid-19. 

Quando estive com Covid-19, nós vivíamos em um abrigo e vejo que é preciso se cuidar porque nem todas as pessoas levam isso a sério, usam máscaras. Mas é muito importante usar máscaras, álcool em gel e lavar as mãos. 

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Observação: o relato acima, em português, foi uma tradução livre do relato feito originalmente em espanhol. Abaixo está o conteúdo original.
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Versión original en español: Nosotros, indígenas Kariña, solo teníamos acceso a unos remedios naturales”

Mi nombre es Zulay Martínez, tengo 45 años y soy indígena Kariña. Hace tres años que estoy en el espacio Ka’Ubanoko y sí, ¡tuve Covid-19! 

Fui atendida por representantes de la organización “Médicos Sin Fronteras”. Ellos hicieron los primeros auxilios que incluía recogerme en el espacio que queda detrás de Petrix y no lo acepté. 

En mi familia, mi madre, mis hijas y yo tuvimos Covid-19 y mi padre nos cuidó con remedio casero. Nosotros, indígenas Kariña, solo teníamos acceso a unos remedios naturales.

Durante 21 días, tuve fiebre y creo que estuve a punto de morirme. No podía respirar, había perdido el olfato, no comía. Todo fue muy crítico para mí. 

El peor momento fue cuando no lograba ni siquiera ir al baño porque no respiraba bien. No podía levantarme. Mis hijas tenían que irse entre las dos a bañarme. 

Todos los días mi padre preparaba remedios caseros, de diferentes formas y logré superar el Covid-19. Él preparaba: sábila y limón. Era algo como un brebaje con un poco de miel. No consumí medicinas recomendadas por el médico porque no quise. 

Sobre la vacuna, ya voy por la segunda dosis. Pero superé todo con las medicinas naturales que mi padre preparaba.

Mensaje

Tanto para los migrantes indígenas como para los criollos, para todos los venezolanos, les digo que tomen todas las provisiones necesarias, todas las provisiones necesarias para la prevención del Covid-19. 

En la época que estaba con Covid-19 vi que es importante que nos cuidemos. Hay personas no toman en cuenta a raíz de las mascarillas. Pero es muy importante usar las mascarillas, el alcohol en gel y lavarse las manos. 

Relato de Zulay Romana, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Ensino Médio Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“Tudo da pandemia foi algo alarmante e inesperado para as comunidades indígenas”

Meu nome é Yoli Silva, sou indígena Warao, de Amacuro, na Venezuela, e tenho 34 anos. Faço parte do grupo de Tuxauas aqui em Boa Vista, no abrigo Jardim Floresta.

Vivo no Brasil há três anos, mas em Boa Vista estou há oito meses, desde dezembro do ano passado, quando me transferiram de Pacaraima. 

Tudo da pandemia foi algo alarmante e inesperado para as comunidades indígenas. Algo que nenhum ser humano estava esperando. No início da pandemia, em 2020, foi terrível. O medo consumiu todas as pessoas dentro do abrigo de Pacaraima, onde eu estava com outros indígenas.

Ida a Boa Vista

No dia 15 de abril de 2020, meu pai testou positivo para a Covid-19 e foi transferido de Pacaraima para Boa Vista, no Hospital Geral (HGR). Eu o acompanhei e fui levada para outro alojamento do Exército, onde estavam as pessoas ou familiares que eram trazidos de Pacaraima para cá. 

No abrigo para acompanhante das pessoas contaminadas, em Boa Vista, o exército nos proibiu de irmos à cidade, de fazer compras. Sempre tínhamos que usar máscaras, manter distância. Então nós mesmos começamos a preparar remédios, com as plantas medicinais e limão. Esses medicamentos naturais foram muito bons para curar os sintomas do Covid-19 e eu, graças a Deus, nunca fui contaminada. 

Meu pai ficou 15 dias internado e foi entubado. Eu só soube disso quando tinha voltado a Pacaraima por um tempo para cuidar dos meus filhos que estavam sozinhos. Quando meu pai voltou para casa, ele estava muito magrinho, muito delicado. Ele se cansava muito e tinha dificuldade para respirar. 

Vacinação

Estou vacinada com a primeira dose e me falta a segunda. Minha esperança é a de que tudo melhore, que todos se previnam, tenham um cuidado maior com a saúde.

Relato de Yoli Silva, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Ensino Médio Completo Mulher Cis Parda Roraima

“Minha mãe seguiu o presidente e não se vacinou. (…) tinha 68 anos quando morreu de Covid-19”

Eu me chamo Luciana Lima, tenho 47 anos e sou servidora pública.

Com 68 anos, a minha mãe foi a primeira vítima fatal do Covid-19 em minha família. Foi uma experiência horrível. 

Ela era diabética, gostava de sair e não se cuidou. Ela tratou em casa e quando já estava começando a ter consciência, pegou uma gripe forte e foi internada. Ficou 15 dias no hospital de Campanha de Roraima, conseguiu ter alta, mas ficou abatida, se sentiu fraca e voltou ao hospital. Quando fez os exames, estava com 60% do pulmão comprometido e foi pra UTI. Ela só foi entubada nas últimas horas, quando estava perdendo a consciência, porque não queria passar por esse processo. Ficou na UTI por duas semanas e não conseguiu resistir. 

Eu acabei pegando Covid-19 da minha mãe, quando eu a acompanhava no hospital. Mas foi leve, fui uma pessoa praticamente assintomática. 

No trabalho, alguns colegas morreram. . O primeiro deles morreu bem no começo da pandemia. Era um amigo muito querido por todos, muito amável. Ele acabou morrendo em três dias. É muito triste.

Vacinação

Assim como muitas outras pessoas, minha mãe tinha medo da vacina. A minha mãe seguia o que o presidente dizia e por isso não se vacinou. A gente vê em nosso trabalho, na repartição pública, que muitas pessoas velhas têm medo e não querem se vacinar e tentam fazer tratamento por meio de remédios naturais. 

Temos que nos cuidar, tomar a vacina para não acontecer o que aconteceu com nossos entes queridos que morreram. A pandemia ainda não acabou e temos que ter consciência que é preciso continuar se cuidando.

Relato de Luciana Lima, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Ensino Superior Completo Mulher Cis Parda Roraima

“Minha mãe foi a primeira profissional da saúde a morrer por Covid-19 em Roraima”

Meu nome é Luana Lopes Lemos. Tenho 32 anos e sou de Rorainópolis, onde trabalho como servidora pública. 

Durante esse período da pandemia eu tive uma perda irreparável, que foi a da minha mãe. Ela era técnica de enfermagem, servidora municipal e estadual, e na pandemia ela esteve afastada de suas funções na rede estadual por apresentar comorbidades e fazer parte do grupo de risco. Porém, na rede municipal ela seguia trabalhando e, em maio de 2020, contraiu a doença.

Quando nós tivemos a confirmação que ela testou positivo para a Covid-19 foi um desespero. Nós sabíamos da gravidade da situação.

No dia 7 de maio de 2020 foi transferida de ambulância para Boa Vista, chegou no hospital da cidade consciente, mas não reagia às medicações e foi entubada. Infelizmente, no dia 22 de maio, ela morreu. Desde então, o meu mundo foi desabando.

Ela foi a primeira profissional da saúde a vir a óbito por Covid-19. Fazia oito anos que ela trabalhava na rede estadual e, no município, ela tinha sido empossada no ano anterior e trabalhava na UBS (Unidade Básica de Saúde), no atendimento de triagem – recepcionar o paciente, preparar seu prontuário, dar seguimento ao atendimento médico. No Estado, ela já trabalhava em toda a área do hospital, fazia escalas e plantões. Trabalhava na enfermaria e na emergência. Além de técnica de enfermagem, ela era pedagoga e sempre trabalhou com muito amor. Ela tinha 53 anos quando morreu.  

Luto

Nessa época eu estava grávida e aproveitava muito essa gravidez, que foi planejada, e a morte da minha mãe me pegou de surpresa. Presenciei a situação que ela viveu no hospital, consegui passar o dia das mães com ela, mas ela não resistiu. Não consegui nem me despedir dela. 

Infelizmente essa pandemia fez isso com todo mundo. Ninguém teve o seu último adeus. Foi um ano bem difícil, com muita dor, angústia e sofrimento. Ao longo do tempo a gente vai se anestesiando dessa realidade porque tem que seguir em frente, a vida continua, mas foi bem difícil. 

A única coisa boa de 2020 é que neste ano meu filho nasceu. Com seu nascimento, consegui preencher o vazio causado pela morte da minha mãe. Foi muito confortante, ele me trouxe alegrias.

Eu acredito que a vacina é a única maneira de a gente conseguir essa imunização tão esperada, o controle pandêmico

Vacinação

Eu e meu esposo nos vacinamos. Além do meu filho que nasceu em 2020, tenho outro de 11 anos que ainda não se vacinou por conta da idade. 

Com certeza a vacina ainda é o melhor caminho e é preciso conscientizar a população sobre sua importância. Hoje em dia ainda existe um negacionismo muito grande em relação aos efeitos da vacina. 

Eu acredito que a vacina é a única maneira de a gente conseguir essa imunização tão esperada, o controle pandêmico. Não adianta eu tomar a vacina, meu esposo tomar a vacina e no meu próprio local de trabalho outras pessoas não tomarem. Isso aconteceu comigo. Eu trabalho na área da Educação e tenho colegas que não estão vacinadas. 

Para que a gente possa voltar ao nosso normal – que nunca mais será normal – as pessoas precisam estar imunizadas. É muito importante as pessoas se vacinarem!

Relato de Luana Lemos, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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60 anos ou mais Indígena Mulher Cis Prefiro não informar Roraima

“Com 100 anos minha mãe venceu o Covid-19”

Eu sou Anita de Almeida, tenho 75 anos, sou indígena da etnia Wapichana e estou ao lado da minha mãe. Minha mãe tem 100 anos e venceu o Covid-19. 

Ela ficou com Covid-19 em junho de 2020. Teve muita diarreia, febre e cansaço. Eu e minha irmã a curamos com remédio caseiro. Ninguém soube onde ela pegou a doença. Ela não saía de casa. Ela tinha 99 anos quando contraiu a doença e agora ela vai completar 101. 

Mesmo vencendo a doença, ela ficou com sequelas: sente muita dor no quadril e toma remédio todos os dias para diminuir essa dor. Além disso, está perdendo a visão e a audição. Buscamos especialistas para analisar sua visão e eles disseram que a retina da minha mãe está comprometida. Ela não vai mais conseguir recuperar a visão. 

Além disso, depois que a minha mãe adoeceu, não podemos mais deixá-la sozinha. Contratamos uma menina para fazer almoço, limpar a  casa porque minha mãe não pode fazer nada.

Superação: kit Covid-19 e remédios caseiros

Eu também fiquei com Covid-19. Devo ter pego a doença da minha mãe e foi a minha filha que cuidou de mim. Não cheguei a ficar internada. Fui ao médico e ele receitou ivermectina e cloroquina e eu tomei. Mas me curei mesmo após tomar o remédio caseiro. Era uma mistura de sálvia do campo com mel. Também tomávamos, tanto eu quanto minha mãe, água de coco com inhame e maçã. Assim fomos curadas. 

Em nenhum momento ficamos tristes porque nós temos um médico que é o médico dos médicos. Em nenhum momento a gente se desesperou.

Mas perdemos muito também. A minha irmã morreu de Covid-19 em 1° de junho. A gente fica triste por perder uma pessoa, um ente querido. Mas minha mãe é forte e hoje estamos aqui.

O jovem não acredita na pandemia

Já tomei a segunda dose da vacina. Temos que acreditar na medicina. Eu conheço gente que não acredita, que não vai tomar a vacina. Meu filho e minha nora pegaram o Covid-19 e mesmo assim se negam a tomar a vacina. 

O pessoal que mora aqui não acredita na pandemia. Ignora os hospitais lotados. O povo quer saber de sair, de farrear, de beber e não é assim. Tem muita gente morrendo e o povo não acredita, principalmente a juventude. O jovem não acredita, mas nós temos que acreditar porque essa pandemia ainda não acabou, ainda não passou e temos que nos resguardar.

Relato da mãe

Meu nome é Helena Leocádio da Silva, tenho 100 anos. Fiquei com as cadeiras doendo, depois as costelas. Mas tomei remédio e passou. Quando minha filha morreu, eu senti sua falta. Ainda estou sentindo muito a sua falta. Ela era tão nova.

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18 a 24 anos Ensino Médio Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“A pandemia tirou o meu abraço”

Meu nome é Glauciely Castro, eu tenho 19 anos e sou da etnia Macuxi. 

Quando penso na pandemia, a primeira coisa que me vem à cabeça é a morte da minha tia Margarida. Eu era muito próxima dela e foi muito doído porque foi muito rápido. Um dia ela estava falando que sentia falta de ar e, de repente, foi ao hospital. Lá, ficamos orando por ela, para que ela melhorasse. Porém, veio a notícia de sua morte. Foi muito triste. Ela foi a primeira pessoa que eu perdi!

Eu já tinha pegado Covid-19 e foi horrível. Não conseguia respirar. E a partir de então, vi que em tudo a gente tem que dar valor, até o ar que a gente respira. Quando minha tia estava no hospital, eu pensava: “eu estou respirando e ela está agonizando”. Por isso, eu tenho que dar mais valor para a minha vida.

Tomamos todos os cuidados para não pegar a doença: usava máscaras, quase não saíamos, passávamos álcool em gel em tudo, seguíamos todas as orientações, mas aconteceu.

Eu fico pensando: “meu Deus, pedi tanto por isso?” É assim como outros parentes meus. Mas eu costumo pensar que quando a gente está triste ou com muita raiva, a gente não consegue ver Deus em momento algum. 

Eu fiquei procurando onde me segurar e me segurei na minha fé, em mim mesma. Eu busquei a esperança, acreditar que essa situação possa melhorar.

Luto

Minha tia morreu em um domingo de agosto. Desde então, todos os domingos pensamos nela. Quando eu soube de sua morte, eu soube que nunca mais a vida voltaria a ser como era antes. A gente fica com uma cicatriz, ainda que siga em frente. 

Minha tia amou todas as vezes que podia amar, ela se se jogou na vida. Agora quando eu penso nela, penso em momentos felizes. 

Penso também nos abraços que a pandemia nos tirou. Abraçar era algo que ela gostava muito de fazer e eu não pude abráça-la. O abraço é uma coisa muito importante!

Antes eu conseguia me concentrar nas coisas que eu ia estudar, agora eu perco muito fácil a concentração

Síndrome pós-Covid

Não sei se a gente pode falar que é síndrome pós-Covid, mas depois que tive a doença, fiquei com muita ansiedade. Isso piora e é um cansaço o tempo todo. A gente rende menos do que a gente rendia antes! Antes eu conseguia me concentrar nas coisas que eu ia estudar, agora eu perco muito fácil a concentração. Eu me esforço muito para fazer o meu melhor, mas eu sei que prejudicou de alguma forma o meu rendimento!

Fora Bolsonaro!

O que eu tenho a dizer é: fora Bolsonaro! 

E, também, queria falar que é para as pessoas não perderem a esperança na vida. Nunca todo mundo vai estar totalmente bem, mas é preciso se cuidar. E, se puder, buscar a ajuda de um psicólogo, fazer terapia! Isso é algo que eu quero fazer.

Relato de Glaucielly Castro, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“Só com a vacina todos estarão imunizados”

Olá, meu nome é Francivania Leocaldio, tenho 41 anos e sou da etinia Wapixana. Trabalho como auxiliar administrativo e tenho dois filhos.

O principal impacto da pandemia na minha vida foi a morte da minha mãe, em junho de 2021. Ainda que sua morte tenha ocorrido em junho de 2021, ela teve Covid-19 em maio do ano anterior e conseguiu se recuperar. Porém, ela teve várias sequelas e com o tempo acabou não resistindo. 

Sua morte mudou totalmente a rotina da família, porque ela era a base de tudo. Ficamos sem chão e ainda estamos encontrando forças para seguir a vida, tentando lembrar dos momentos bons com ela, de seus ensinamentos. 

Além da minha mãe, que morreu das sequelas do Covid-19, perdi também um tio. Ele chegou a ser internado, intubado e não resistiu à doença. Isso foi em março de 2021, quando ainda não havia vacinas. Por isso, é importante que haja vacinas para todos, para que essa pandemia acabe logo. 

Contaminação

Ainda que só meu tio e minha mãe tenham morrido em decorrência do vírus, em casa todos fomos contaminados e eu fui a que mais sentiu a doença. Eu fiquei quase um mês sem andar e por opção, não quis ir ao hospital. Na minha cabeça, ir ao hospital era morrer lá. 

Então eu me mediquei com remédios naturais e industrializados. Durante esse tempo, fiquei muito cansada, não aguentava andar, eu me arrastava para ir ao banheiro.

No momento mais crítico, eu me preocupei por meus filhos. Mas, graças a Deus, ainda estou aqui para contar essa história.

Futuro: medos e esperanças

Com a morte de pessoas queridas por causa da doença, passamos a valorizar mais a família. Houve uma união maior entre nós e sempre falamos: “Ninguém sabe o amanhã! Ninguém sabe se vai estar aqui, então vamos viver o hoje!”.

O meu filho mais novo tem seis meses de vida  e nasceu prematuro. Meu medo é que, com a volta às aulas, ele possa pegar a doença de alguém, dos outros filhos meus que vão à escola. Se isso acontecer, ele não vai resistir porque o pulmão dele é muito fraco.

Eu penso muito nos meus filhos, já que a criança não sabe o perigo que está correndo. Nós, adultos, ainda nos protegemos com álcool gel, mas não se pode controlar as crianças na escola. Lá elas vão brincar e interagir com outras pessoas e podem ser contaminadas com o Covid-19. 

A mensagem que deixo aqui é sobre a importância da vacinação. Só com a vacina todos estarão imunizados.

Relato de Francivânia Leocádio, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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14 a 17 anos Ensino Fundamental Incompleto Indígena Mulher Cis Roraima Sem categoria

“Só com a vacina é nosso dia a dia pode voltar ao normal”

Meu nome é Elen Lorraine Leocádio da Silva, eu tenho 14 anos e sou da etnia Wapixana.

A pandemia chegou de repente. Foi um susto! A primeira coisa que fizemos quando vimos que os primeiros casos de Covid-19 tinham chegado em Roraima foi ir ao interior do Estado para se isolar. Fomos eu e os meus primos e ficamos no interior por cerca de duas semanas.

Não só eu, mas muitas outras pessoas presenciaram a morte de pessoas queridas e, com tudo isso, deveriam ter consciência. A gente vê por aí muitas pessoas que não estão se importando com a pandemia, como se ela não existisse.

Contaminação

Depois desse tempo, voltamos para a cidade porque queríamos voltar às nossas casas. E, quando voltamos, todo mundo pegou Covid-19. 

O meu caso não foi tão grave, mas foi forte. Eu fiquei com vários sintomas como dor de cabeça, febre e calafrios. Eu acredito que tenha me contaminado pela minha mãe, que é jornalista e teve que acompanhar a situação da pandemia nos hospitais. 

Como todos em casa estavam com Covid-19, minha avó trouxe um chá, um remédio caseiro e foi assim que me recuperei. Porém, outras pessoas da minha família não tiveram a mesma sorte: meu tio e meus avós morreram. Meu tio chegou a ser internado e entubado, mas não resistiu e meu avô morreu recentemente também. 

Porém, a morte da minha avó foi a que mais me doeu. É muito difícil a gente perder alguém que ama e a minha avó foi uma das pessoas mais importantes na minha vida. Ela tinha apenas 63 anos, era muito nova. 

Não só eu, mas muitas outras pessoas presenciaram a morte de pessoas queridas e, com tudo isso, deveriam ter consciência. A gente vê por aí muitas pessoas que não estão se importando com a pandemia, como se ela não existisse. Talvez porque não tiveram nenhuma perda, porque se elas tivessem perdido alguém, elas teriam mais consciência sobre isso!

Eu acho muito bonito tudo que os profissionais estão fazendo e já vinha pensando em fazer medicina. Depois que a minha avó adoeceu, eu tive certeza que eu queria fazer medicina!

Educação e pandemia

Seguir estudando durante a pandemia, com o fechamento das escolas, foi muito difícil. Praticamente não se aprende nada nas aulas pelo celula. A gente tem aula pelo Google Meet, todos os dias, de diferentes matérias. É uma dificuldade participar das aulas! Eu quase não aprendo nada, mas eu tento. Eu leio muitos livros para tentar compreender a atividade. Estou cursando o nono ano do Ensino Fundamental e as aulas na escola onde estudo voltaram apenas para os anos do Ensino Médio. Houve muitos casos da Covid-19 lá e por isso eles tiveram que fechar a escola. Estudo na Escola Estadual Monteiro Lobato. 

No futuro, eu penso em fazer faculdade de medicina! Eu acho muito bonito tudo que os profissionais estão fazendo e já vinha pensando em fazer medicina. Depois que a minha avó adoeceu, eu tive certeza que eu queria fazer medicina!

A esperança está na vacinação

Quando começou a pandemia eu tive muitas crises de ansiedade. Eu não saia, não via pessoas, eu não conversava e isso afetou o meu psicológico. Acredito que muitas pessoas estão passando pelo que eu passei, mas quando todos se vacinarem, esse contexto será minimizado. 

Eu já tomei a segunda dose da vacina já. Na minha família nem todos acreditam na vacina. Isso é um problema! A vacina é muito importante em nossa vida e só com a vacinação é que nosso dia a dia vai voltar ao normal. Ainda que minha família não acredite nos efeitos da vacina, eu estou colocando toda minha confiança nela! Espero que a gente possa viver como era antes.

Relato de Elen Lorraine, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Mulher Cis Pós-Graduação Completa Prta Roraima

“É muito grande a dor de perder uma pessoa por falta de vacina”

Meu nome é Daniela Esther. Eu tenho 49 anos, sou farmacêutica e estudante de jornalismo – estou quase concluindo o curso. Sou servidora municipal e estadual e trabalho em posto de saúde e também na Vigilância Sanitária do Estado. 

A pandemia me afetou em todos os aspectos, com exceção do financeiro porque eu sou funcionária pública. Mas, em relação aos aspectos emocionais e estruturais, ela me afetou. 

Eu presenciei os primeiros casos de Covid-19. Ainda em fevereiro de 2020, quando fui a Fortaleza (CE) para passar o carnaval eu já previa que essa pandemia chegaria ao Brasil e seria um sufoco. 

Ao voltar de viagem, em março do mesmo ano, tivemos o primeiro caso aqui em Roraima. Em maio de 2020, recebi um telefonema de uma tia avisando que meu pai estava com Covid-19 e que não havia vagas no hospital para interná-lo. Meu pai morava em um abrigo de idosos no Rio de Janeiro e ele morreu sem atendimento. Não consegui viajar para ajudá-lo. Eu fiquei desesperada. Nem o direito de viajar e ver meu pai eu tive porque não havia voos disponíveis. 

Essa foi a minha primeira perda. Depois, vi pais de minhas amigas e pessoas do meu ciclo de amizades morrerem.

Comecei a ter muita ansiedade e me automedicar achando que os remédios iriam me proteger. Tomei inclusive ivermectina, mesmo sabendo que não tinha efeito algum contra o vírus

Medo da contaminação por Covid-19

Há dois anos eu fiz cirurgia bariátrica e trabalhei durante a pandemia com muito medo, com pavor. Trabalhar no atendimento, recebendo documentos, receita médica, com medo de se contaminar é complicado. Eu passava álcool em gel a todo momento, era quase um TOC [ transtorno obsessivo-compulsivo]. Às vezes eu dormia com máscara de tão acostumada que eu estava a usá-la. Era muita tensão. Eu não sabia se iria sobreviver ou não. 

Comecei a ter muita ansiedade e me automedicar achando que os remédios iriam me proteger. Tomei inclusive ivermectina, mesmo sabendo que não tinha efeito algum contra o vírus.

Vacina: menos sintomas e nenhuma sequela do Covid-19

Em janeiro de 2021 eu me vacinei e tomei a segunda dose em fevereiro. E, em junho do mesmo ano, eu peguei o Covid-19. Foi uma situação muito complicada, mas graças à ciência eu não tive sequelas e os sintomas foram mais fracos. 

Porém, o isolamento social me causou muita dor, já que a minha vida é muito dinâmica: das 7h às 22h eu faço muita coisa e tive que mudar totalmente esta dinâmica durante os 15 dias de isolamento.

Outras mortes por causa do vírus

Quando voltei ao trabalho, meu chefe, que era um homem sozinho e tinha problemas de diabetes, morreu de Covid-19. Eu acompanhei todo o processo: eu o levei ao hospital e os exames que ele fez. Mas, em uma semana ele estava morto. Eu senti muito a sua morte. Convivia diariamente com ele. Ele tinha 65 anos, praticamente a idade do meu pai, que morreu com 68. Eu sempre dava carona a ele. 

Em abril de 2021, o esposo da minha tia mais nova também morreu. Ele não se vacinou porque ainda não havia vacinas para a idade ele. Fiquei muito abalada com sua morte porque ele era uma pessoa de luz. É muito grande a dor de perder uma pessoa pela falta da vacina.

Assim como eu reconheci minhas fragilidades e procurei ajuda, é importante que outras pessoas possam procurar ajuda. É importante conversar, desabafar. E, além disso, é importante se vacinar e conscientizar outras pessoas sobre a importância da vacinação

Retorno ao tratamento psicológico e psiquiátrico

Com todas essas perdas, eu me desestruturei. Fiquei com um nível altíssimo de ansiedade, voltei a beber e a comer – mesmo não podendo por causa da cirurgia bariátrica. Então eu decidi voltar a fazer tratamento psicológico.

Alguns meses depois, em julho de 2021, percebi que o acompanhamento psicológico não era suficiente porque eu estava com depressão. Então fui a um psiquiatra. Conversamos bastante e entrei com medicação para melhorar a ansiedade. 

Estou bem melhor e nesta quarta-feira vou tomar a terceira dose da vacina. Estou muito feliz.

A esperança está na vacinação. Com o avanço da vacina, há menos vítimas do Covid-19. Vamos superar, vamos conseguir passar por isso. 

Gostaria de dizer que, assim como eu reconheci minhas fragilidades e procurei ajuda, que outras pessoas possam procurar ajuda. É importante conversar, desabafar. E, além disso, é importante se vacinar e conscientizar outras pessoas sobre a importância da vacinação. Temos que ouvir a ciência, ouvir a razão. Vacinem-se!

Relato de Daniela Xavier, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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18 a 24 anos Branca Ensino Médio Completo Mulher Cis Roraima

“Eu tinha muitos sonhos, mas com a pandemia todas as portas se fecharam”

Meu nome é Carmen Alejandra. Sou venezuelana, tenho 19 anos e faço faculdade de estética e cosmetologia.

Quando soube da pandemia, eu ainda não tinha chegado ao Brasil. Eu tinha 18 anos quando apareceu o primeiro caso de Covid-19 em Boa Vista (RR). Tinha o sonho de fazer uma festa de aniversário muito grande, mas por conta da pandemia, não consegui fazer. Esse foi o primeiro impacto que senti da pandemia.

Eu não sabia da gravidade do assunto, mas quando as pessoas começaram a se infectar e os lugares públicos do município foram fechados eu comecei a me preocupar. Parecia que eu estava  vivendo um filme.

Eu fiquei muito triste. Sou uma pessoa que gosta muito de abraçar, que é carinhosa. Gosto de ter contato com outras pessoas e quando soube que já não poderia fazer isso, fiquei triste. Nessa época, pensava que a pandemia duraria uns 30 dias e conforme o tempo foi passando, eu fiquei muito mal psicologicamente

Fiquei muito mal porque eu tinha muitos planos. Eu tinha acabado de fazer dezoito anos, queria fazer vestibular, prestar o ENEM e entrar na faculdade.  Eu tinha muitos sonhos, muitas coisas que eu queria realizar e com a pandemia todas as portas se fecharam. 

Graças a Deus eu não perdi ninguém, mas ver que outras estavam perdendo seus familiares e amigos mexeu comigo. Aqui em Roraima houve o caso de uma mãe de gêmeos que morreu. O pai das crianças ficou em depressão e os bebês ficaram sozinhos. Ao saber disso, não conseguia mais dormir, não conseguia fazer nada. Foi o pior dia da pandemia para mim.

Eu só comia, deitava, dormia, acordava. Não tinha esperança na vida. Também ficava pensando na cena em Manaus, quando a prefeitura abriu covas porque já não havia lugar para enterrar as vítimas do Covid-19. Ficava pensando nos familiares dessas pessoas. 

O que mais me incomodava era ver pessoas fazendo festa. Estamos em um contexto de que uma doença está matando muita gente e havia pessoas organizando festas, sem consciência alguma do que estava acontecendo.

Eu olhava para o céu e ficava pensando: “o que vai ser de mim? O quê que vai ser da minha vida? O quê que vai ser da minha família?”. Eu fiquei me sentindo um peso para os meus pais

Migrantes enfrentam mais dificuldades para encontrar trabalho

Nós que somos imigrantes enfrentamos muita dificuldade para encontrar um emprego. Meu pai só conseguiu trabalho como ajudante de pedreiro e nada mais. Há imigrantes que não têm o que comer. Muitas vezes nossa família tirava do pouco que tinha para ajudar. Foi uma época muito difícil. Só de lembrar eu tenho vontade de chorar. Não havia saída. Eu olhava para o céu e ficava pensando: “o que vai ser de mim? O quê que vai ser da minha vida? O quê que vai ser da minha família?”. Eu fiquei me sentindo um peso para os meus pais.Nessa época eu percebi que precisava de ajuda. Eu sofria de ansiedade antes da pandemia e, depois, desenvolvi depressão. Procurei ajuda em um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e precisei tomar remédio tarja preta, porque eu estava em uma fase da depressão bem avançada. Com o remédio e o contexto melhor, com o número de mortes diminuindo, eu fui melhorando.

Há muitos jovens que não se vacinaram e eu, como sou jovem, quero conscientizar os outros jovens a se vacinar. Se eles querem voltar para a vida que tinham antes, com festa e praia, é preciso se vacinar

Viva a ciência: vamos nos vacinar

Eu queria primeiramente dizer que eu sou eternamente grata pela Ciência. Graças a Deus a vacina existe. Chego a sorrir porque sei que tem vacina. Eu já me vacinei! Hoje em dia eu estou bem melhor. Graças à Ciência! Estou fazendo faculdade, estou trabalhando. Também me sinto melhor psicologicamente. 

Pensando no futuro, acredito que temos que nos conscientizar e entender que a pandemia é um processo e que com a vacina, tudo vai melhorar. Gente, vacinem-se! Vamos nos vacinar!

Desde o começo, quando nascemos, somos vacinados. Isso não impede de pegarmos alguma doença, mas ela não vai ser tão grave. Eu conheço pessoas que depois de se vacinarem pegaram Covid-19, mas não foram pra UTI, não sentiram falta de ar, tiveram sintomas leves. 

Eu quero conscientizar as pessoas para que se vacinem. Há muitos jovens que não se vacinaram e eu, como sou jovem, quero conscientizar os outros jovens a se vacinar. Se eles querem voltar para a vida que tinham antes, com festa e praia, é preciso se vacinar. 

O recado que eu quero deixar é que as coisas estão melhorando e que precisamos ter esperança. Os dias mais difíceis já passaram e a gente vai conseguir superar tudo isso.

Também quero conscientizar sobre a necessidade de se procurar ajuda. Eu vejo que a sociedade de uma maneira geral tem uma ideia errada sobre os psicólogos e psiquiatras. Muita gente atrela o fato de procurar ajuda e acompanhamento de um psicólogo significa que você está louco. Isso é um erro. Para mim, louco é quem não faz terapia. Com o mundo como está, precisamos cuidar de nossa saúde mental para conseguir ter uma vida mais leve.

Relato de Carmen Alejandra Muñoz Luengo , produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia