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40 a 59 anos Branca Ensino Fundamental Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Paraná Raça/Cor

“O distanciamento nos ensinou a valorizar as pessoas que amamos”

Durante quase um ano de pandemia, a minha maior dificuldade é o distanciamento dos meus filhos, dos meus netos, dos amigos, da minha família que a gente não se vê com mais frequência não se via como se via antes. Nem pode, porque agora exige um cuidado mais cauteloso.


Eu aprendi que o único projeto capaz de combater a fome no mundo é o projeto da reforma agrária, produção de alimentos. Minha rotina, na quarentena, foi a quarentena produtiva. Isso é o coletivo, produção de alimentos. Esses alimentos são comercializados e boa parte vai para doação para as famílias carentes.

Nós já ajudávamos várias famílias. Entretanto, com essa pandemia, a necessidade foi maior de ajudar muito mais. E surgiu a Campanha Solidária do MST, onde todos abraçaram essa causa, para expandir mais as necessidades, porque nas cidades e nas periferias há bastantes pessoas que passam por necessidades, e nós aqui conseguimos suprir boa parte ajudar essas pessoas com nossa produção, não doando o resto que está dentro da casa, mas partilhando aquele que nós produzimos.

Vou deixar um recado para vocês. Vamos enxergar mais o ser humano, não os seres humanos, mas o ser humano, a pessoa em si, e isso aprendi bastante. Enxergar com outros olhos, aprender a ouvir mais. Agora, infelizmente, devido ao distanciamento social, a gente não pode dar um abraço, mas uma palavra amiga. Por isso, quero deixar uma frase para vocês: “viva o agora, porque o depois, a Deus pertence. Valorize o outro enquanto há tempo”.

Meu nome é Zilda. Sou militante do MST e estou acampada no campamento Lírios na luta de Porecatu, no Norte do Paraná.

Veja mais: “Descobri a doença da minha filha em meio à Pandemia”

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Durante a pandemia conheci histórias de muitas mulheres”

Sou uma feminista fiel, por isso, não recusei quando fui convidada para trocar uma ideia com as mulheres do centro de acolhimento emergêncial feminino, o único da zona norte – SP. O convite surgiu quando encontrei minha vizinha, que trabalha como assistente social do local. Ela pediu o favor de um dia de trabalho voluntário, e eu nunca mais faltei. Já são 6 meses de pura dedicação, e muitas historias lindas. A equipe de lá é maravilhosa, a de voluntarias até aumentou. Convidei duas amigas, mulheres negras, e todas as sextas estamos lá, emprestando um pouco do nosso axé. 

Cheguei lá em um dia de sol, em pleno mês de junho. No primeiro encontro, o local tinha muitas mulheres idosas, a maioria mulheres negras. Ao redor, olhares perdidos, cada uma no seu canto em silêncio.

O serviço está dentro de um clube. Devido ao estado emergencial da pandemia, o espaço foi cedido. As camas estão em duas salas, que antes serviam para aulas. Agora está cheio de beliches de ferro. Também têm os cones sinalizando onde elas podem ir, pois deve ser difícil morar em um local e não poder circular, cheio de seguranças para falar que não pode. É uma triste realidade que não espera, então as atividades são para geração de renda, tapetes de retalho, uma técnica que aprendi com minha mãe.

Arte enquanto forma de expressão

Minha família confeccionou alguns tapetes também, e por meio da venda destes, conseguimos comprar material para tocar as oficinas artesanais. A arte é a mais antiga forma de expressão. Por meio da arte não é necessário a comunicação verbal, pois falar cansa. Principalmente quando não obtemos uma escuta ativa. Então, nós facilitamos o contato delas com diversos materiais como pintura em tela, colagens, argila, mandalas, abayomi e os tapetes de retalho, costuras fuxico, confecção de máscaras. E tudo isso ao som de músicas. 

Iniciamos nossa conversa e logo nos tornamos amigas. Afinal, preta com preta sempre têm histórias em comum. A roda de conversa acontece em área aberta do clube e no final de cada atividade alguém sempre chama para conversar. Lembro-me de Maria Velhinha, que olhou para mim e contou que fugira de casa, pois não aguentava mais ser prisioneira de sua própria casa. Ela, além de não poder sair, pois é grupo de risco, não parava de cozinhar e limpar: “não sou escrava da minha família, não vou voltar”.

Tarefas domésticas ficaram mais pesadas

O desgaste das tarefas domésticas lotou o Centro de Acolhimento Emergencial. Aquela senhora ficou dias sentada na Rodoviária do Tietê, veio de outra cidade, como muitas ali. A violência de gênero estava estampada em cada rosto cansado. 

Já Maria Nova veio de Manaus, utilizou o dinheiro do que achava ser a última parcela do seu auxílio emergencial e comprou a passagem para São Paulo. Me contou que toda a sua família sempre morou na rua, em barracas. Naquele dia acabara de chegar no CTA, vindo de outro, comprou um celular de outra convivente. Estava distraída conversando em sua rede social quando uma senhora, que tinha feito quimioterapia no dia anterior, pediu para que eu fosse comprar uma coca cola com canudinho.

A mãe teve o filho levado

Convidei Maria Nova e juntas fomos buscar. Durante o percurso, ela me contou que o bebê foi retirado dela pela assistência social de Manaus. Descreveu o momento com muita tristeza. É que quando o bebê nasceu, Maria Nova já sabia que iam tomar. Ela contou que as ameaças eram constantes:

“quando me tomaram ele, nós estávamos na barraca, tiraram o meu bebê à força. Tentei de todos os jeitos pegar o meu bebê de volta, mas por causa da pandemia, não pude nem visitar.”

Aqui, Maria veio atrás de trabalho, não aguenta a tristeza de estar na cidade e não conseguir se aproximar do filho. A fala dela doeu no meu peito. Não queria desanimar a moça tão novinha, por aqui em São Paulo, tudo fechado devido a pandemia, tão difícil arrumar um trampo. Mesmo assim, a ensinei a utilizar os aplicativos de emprego. Fizemos um currículo pelo celular e ela me agradeceu, ficou feliz e até tirou uma foto comigo. Foi a única vez que a vi, 19 anos, uma mulher que já está enfrentando esse trauma… A equipe disse que ela se desentendeu com uma das conviventes e saiu do CTA.  É tanta violência que nem sei o que dizer.

Veja também: “As super heroínas que não sentem dor nem medo só existem na ficção”

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Pará Prta Raça/Cor

“Finalmente, o poema que escrevi em 2016 se deixou reescrever”

Chove restos de noite
No rosto cinza da manhã
E a grande máquina estrangula o Xingú
Meus olhos abrem a custo
De desgosto
Ipês apagam sóis amarelos, roxos
Penso na volta grande do rio
Como numa canoa voadora
O menino Juruna pensaria não estivesse barrada a infância
Chove e a floresta povoa de fantasmas essa manhã
Mais dura que a piçarra amontoada na margem morta do rio estrangulado.

Paulo Vieira, Rio Xingu, novembro do ano da peste.

Sobre o monstro e a peste

Em 2016, recém-chegado à Altamira para o emprego de professor de literatura para jovens que vivem nos rios e nas florestas da região, deparei com a Usina que eu apenas conhecia pelas denúncias, sempre muito bem embasadas, no Jornal Pessoal do meu amigo Lúcio Flávio Pinto.

Escrevi o poema “no dia que vi o monstro” de chofre quando vi, naquela manhã chuvosa, a barragem, primeiro pela janela do carro e depois pelo retrovisor. Mas o poema ainda não me contentava, lutei com ele a luta vã, como queria Drummond, e nada. Os anos se passaram e abandonei a luta, derrotado.

Fenecendo em meio a perdas pessoais

Quando a peste chegou à Altamira, em março de 2020, pude me trancafiar em casa, e aqui vivi uma outra face da doença, aquela de quem não se contamina com o vírus mas vai definhando um pouco a cada dia ao ver pelas telas o país morrer física e simbolicamente.

Escrever poesia vai por um caminho tortuoso, nada que se consiga explicar com retórica. E não existe solução fácil, nem hora perfeita. Assim aconteceu.

Eu, aqui fenecendo já há mais de meio ano, perdido em meio a tantas perdas pessoais, numa recente manhã, ao ver que Daniela me pedia gentilmente um poema para este site, lembrei daquele de 2016, procurei e achei os versos malcriados e, finalmente, o poema se deixou reescrever. 

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Não podemos perder mais pessoas por causa de fome e frio”

Não quero aceitar que vamos perder mais pessoas por causa de fome e frio. Em pleno dia da semana, a imagem mais dolorosa que vi em 2020: Tudo fechado e ruas lotadas, às 7 horas da manhã, na esquina da igreja Santana. Muitas pessoas, uma atrás da outra, em uma fila que não tinha fim, cruzava a esquina e descia a Cruzeiro do Sul. A maioria, composta por homens negros, aguardava por um pão e um copo de café.

Eu já tinha passado ali muitas vezes. Trabalho com a população de rua há 10 anos pelo SUS e quando saio do plantão faço sempre esse caminho. No meio da multidão muitos rostos conhecidos e de muita gente que nunca vi. 

Estava tão frio, acredito que era o dia mais frio do ano. Senti vergonha, abaixei a cabeça e passei por eles, com a sensação de impotência. Passando perto de quem estava descalço naquele frio horroroso, senti vergonha de estar calçada.

Eu sempre me revolto com o mundo, e quanto mais estudo mais a ignorância deixa de me proteger. Não aguento sentir a desigualdade social aumentar.

Solidariedade

Vejo a vulnerabilidade social como um problema de todos. Por isso, acionei alguns amigos e lá fomos nós para as ruas alguns dias depois. Daquela realidade que me assombrou, a união levou comida, roupas, cobertores, máscaras, descartáveis água, lanches e doces em uma comitiva de 5 carros Muita gente envolvida! E foi assim que conheci mais pessoas que também realizam esse trabalho, e de forma organizada. Fui até inserida em um grupo de WhatsApp, em que os coletivos e religiosos se organizam. Através de uma planilha, cada um vai anotando aonde e que horas vai fazer a ação.

Povo do axé com o povo do amém, em um único lugar, todos pelo mesmo objetivo, e no maior respeito. Essa galera não deixa na mão. Já fui buscar doação em todos os tipos de residência, mó galera diversificada, esforçada e importante. Tenho certeza que, por eles, ninguém passaria fome e frio. A galera sem teto os chamam de boca de rango, sempre envolvidos com falas de carinho e um momento de escuta prazerosa… essa galera é sem palavras, sempre correria!

Sou redutora de danos, a fome é um dano que dói, que desorienta, que desorganiza a pessoa, sei bem como é a dor da fome e por isso não consigo passar sem ver. Muitos falam que é uma fraqueza minha, “ser muito boazinha”, mas nessa pandemia utilizei todas as minhas forças. Não consegui parar nem por um dia. O cansaço bateu por diversas vezes, mas a cada dia agradeço a Xangô, que me guia, e sinto esse Axé em mim.

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40 a 59 anos Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Minas Gerais Pós-Graduação Completa Prta Raça/Cor

“Minha casa e meu espaço de trabalho se fundiram em um mesmo lugar”

Por ser professor do ensino superior, estou, neste momento, trabalhando em home office. Por isso, minha casa e meu espaço de trabalho se fundiram em um mesmo lugar. Tenho tido oportunidade de me dirigir aos meus alunos da minha casa. Sinto que é um privilégio, porque nem todas as pessoas têm condições de poder trabalhar da forma mais segura, sem correr o risco de contato social.

Com isso, percebo um pouco das desigualdades que a gente tem vivido em nosso país. Fatos que a gente registra, sobretudo, no campo das relações raciais. Por exemplo, como negro profissional que está tendo oportunidade de trabalhar em casa, eu me sinto um pouco privilegiado. Porque não são todas as pessoas negras que podem desfrutar dessas condições, mesmo que essas condições signifiquem um trabalho dimensionado de uma maneira muito diferente. 

Hoje o meu tempo de trabalho é absurdamente grande, desde quando eu levanto até a hora em que vou me deitar.

Todo o meu dia está envolvido com questões de trabalho, e é um pouco mais tenso, porque vivo no mesmo espaço. Por isso, a gente tem que criar estratégias para fazer com que este trabalho não signifique uma sobrecarga psicológica.

Contratempos durante aulas remotas

Neste momento, eu tenho uma preocupação muito grande com os meus alunos. Sobretudo com minhas alunas.

Leciono em um curso de pedagogia, e tenho percebido que elas têm enfrentado situações muito difíceis, a começar com as questões de acesso às redes para poder acompanhas as aulas.

Além disso, não são poucas as vezes em que, num momento da aula, algumas das alunas se encontram em trânsito, dentro de um ônibus ou na rua. Aí precisam ligar o celular para poder acompanhar um pouco das aulas. Isso me preocupa, porque sei que o processo de ensino e de aprendizagem precisa de uma mediação maior, em que a gente possa estar mais atento em relação ao desempenho de cada um dos alunos.

O que tenho feito é gravar minhas aulas para que todo mundo possa recuperar depois uma gravação. Assim, todos ficam atualizados em relação aos conteúdos.

Juventude em situação de vulnerabilidade

Além dessa atividade como professor, eu também desempenho a atividade de vice presidente de uma entidade. O trabalho voluntário acontece em uma entidade chamada Associação Profissionalizante do Menor (ASSPROM), que faz uma intermediação entre jovens entre 16 até 25 anos. Essa intermediação é feita ao mercado de trabalho com grandes empresas e nas três esferas do governo.

No entanto, criar oportunidade de vínculo de primeiro emprego para a juventude tem sido muito afetada durante a pandemia.

E essa associação atende exatamente as pessoas que mais precisam ter um acesso ao mercado de trabalho. Houve redução de postos de trabalho, e muitas famílias ficaram em situação de vulnerabilidade ainda maior. Além disso, muitos destes jovens que estão, hoje, sendo vinculados na própria associação, também são, em parte, arrimo de família.

Juventude negra é a mais afetada

Aqui em Belo Horizonte, essa juventude – sobretudo a juventude periférica e negra, homens e mulheres – tem sofrido um impacto muito grande dessa pandemia. Enquanto alguém que está à frente de um projeto social que cria condições que estes jovens tenham uma possibilidade maior ao mundo do trabalho, isso me preocupa.

Porque muitos desses jovens se encontram em estudo remoto, e nem sempre as condições que eles têm de acesso são as melhores. Isso pode significar, daqui para frente, um problema maior no que diz respeito à evasão escolar e à interrupção de projetos de vida.

Sou José Eustáquio de Brito, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais, onde leciono na Faculdade de Educação e também na Faculdade de Políticas Públicas.

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40 a 59 anos Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Minas Gerais Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Projetos foram engavetados por causa da pandemia”

A gente precisa se adequar até quando as medidas sanitárias forem necessárias, tomando as devidas precauções mesmo com relação aquelas pessoas com as quais convivemos.

No meu caso, convivo com minha mãe e com meu irmão que são cardiopatas e hipertensos e também trabalho na área da saúde. É um momento que precisamos ter muita perícia, temos que ter muita cautela para lidar com a situação. É preciso saber direito o que pode e o que não pode.

Evitem sair, saiam apenas nas extremas necessidades. É um momento é realmente muito difícil, porque rouba da gente aquele hiperativismo que a gente tem em relação à nossa vida particular, pessoal, trabalhos em comunidade…

Enfim, são tantos projetos que ficaram, de certa forma, engavetados devido à chegada da pandemia. Mas a gente vai fazendo o que precisa ser feito para que a gente possa vencer essas dificuldade, porque em nome do senhor Jesus Cristo isso vai chegar ao fim. 

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Minas Gerais Mulher Cis Parda Raça/Cor

“Percebi o quanto abri mão de mim mesma e do que eu gostava”

A pandemia trouxe problemas para muita gente, principalmente afetou o psicológico. Um povo que está acostumado a uma convivência mais calorosa, de repente, se vê obrigado a um isolamento social.

Mas em toda situação por mais difícil e dolorosa que seja, acredito que sempre há um lado positivo. Com a pandemia não foi diferente. Percebi que era necessário esta parada.

Uma parada forçada para uma auto avaliação em todos os sentidos, profissional, afetivo, nos relacionamentos de modo geral. Estava vivendo numa ciranda sem tempo para mim mesma, sem tempo para avaliar minhas ações.

E o tempo surgiu, se impôs. Percebi então o quanto havia aberto mão de mim mesma, das coisas que gostava, das pessoas, de tanta coisa boa…

Ainda é difícil não ter uma proximidade física com as pessoas, um aperto de mão, um abraço, mas em compensação eu tenho resgatado a pessoa que sou, o meu eu. E estou feliz, apesar de tudo.

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mato Grosso do Sul Mulher Cis Parda Raça/Cor

“Tenho medo e me preocupo com os impactos do futuro”

Sou Agente Comunitário de Saúde em Três Lagoas/MS. Sou profissional da linha de frente na pandemia, mas tão esquecida quanto diversas outras profissões. Desde antes deste período complexo já sofria pela falta de compreensão de muitas pessoas acerca da importância do meu trabalho. Infelizmente, grande parte da população desconhece o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Fato este que continuou quando a pandemia chegou ao Brasil. 

Enfrentei e enfrento muitos obstáculos. Faço parte do grupo de risco por ser hipertensa, no entanto, ocorre que para que eu pudesse me afastar perderia o incentivo pago pelo estado do Mato Grosso do Sul. Assim, para que minha família não fosse prejudicada, decidi continuar.

No início, faltaram Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), a população ficou com medo e também senti medo. Após algum tempo o município reorganizou as funções e o trabalho começou a desenvolver com certa eficácia. Em setembro aumentaram demasiadamente a microárea dos agentes e criaram o monitoramento de pacientes com suspeita e confirmação de Covid-19. Funções necessárias durante o enfrentamento de uma pandemia, mas feitas sem remuneração adicional. Trabalhei em dobro, inclusive aos finais de semana, sem ganhar nada a mais por isto.

Me sinto exausta, mas satisfeita pelo meu trabalho ter contribuído para a população. Temo pelos impactos econômicos, temo pelo futuro. Sigo na esperança da vacina para que possamos recomeçar.

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Perdi quatro pessoas para a Covid-19 e o racismo”

Durante o período de pandemia, senti um incomodo por viver o privilégio de poder ficar em casa, pensando nos tantos que não puderam se isolar. Minha renda é formada com o que somo de alguns trabalhos. No entanto, minha única fonte fixa é uma bolsa/ajuda de custo de 500,00 para um trabalho voluntário prestado à Secretaria Municipal de Saúde como Agente de Prevenção DST/AIDS, voltado para garotas de programa. 

Tudo se somava com o que ganhava fazendo freelance em pesquisa de opinião pública e os cachês de shows com o Ilú Obá De Min, grupo que faço parte há 10 anos.

No dia da primeira morte no Brasil fui trabalhar, e voltei bem assustada com a aglomeração em uma das casas de prostituição em que faço prevenção. Dias depois o trabalho foi suspenso, e daí começou a preocupação de como iria me sustentar pelo próximo período (sem saber que seria um tempo indeterminado). Felizmente, logo veio o alívio de saber que não suspenderiam os pagamentos.

Moro na Ocupação nove de julho onde pago um valor de contribuição simbólico. Não passei necessidades porque tive apoio da ocupação, Ilú Obá De Min e Marcha das Mulheres Negras, coletivos dos quais tive muito suporte, muitas doações de cestas básicas e hortifruti.

Em abril, nasceu o filho do meu afilhado, pai com 22 anos e a mãe com 18. Desempregados. A criança veio ao mundo sem o enxoval e em meio aos casos crescentes de Covid-19. A avó da bebê é o arrimo da família, contudo, o pouco dinheiro não compraria nada. Aquele foi o período em que tudo estava fechado. Então tive a ideia de contactar as conhecidas que tiveram bebês em fevereiro/março. A ajuda veio breve e abundante, conseguimos o enxoval completo, enfim.

Partilhar em meio às dificuldades

Moro apenas com minha companheira e as doações que recebíamos eram bastante para nós, por isso passamos a doar antes mesmo de chegar em casa. Moramos no nono andar e o prédio não tem elevadores. Então, para não ficarmos carregando peso, levamos muitas cestas direto para a casa das pessoas que nos solicitavam. A vizinha que mora sozinha começou a dar o que não consumia e, assim, foi possível ajudar ainda mais famílias. A começar pela nova família do meu afilhado que acabara de se formar. Levamos cesta básica e muitos legumes. 

Outra prima que é empregada doméstica, tem filhos, paga aluguel, ficou doente e não tinha dinheiro para pagar a condução e buscar os alimentos. Mas a minha companheira tem moto e então fomos até Osasco levar. Com a vizinha da minha mãe, costureira, se passava o mesmo. Neste caso, havíamos levado tantos mantimentos que foi possível dividir. 

Da ocupação recebíamos cestas de 15 em 15 dias. As garotas de programa também viveram imensas dificuldades, porque as casas de prostituição também estavam fechadas. Fiz uma força tarefa junto com uma colega de trabalho e pude contribuir bastante com o que tinha em casa. Esses foram alguns exemplos da partilha.

Meu auxílio emergencial foi aprovado e somei com valores que recebi do Projeto Baobá através da Marcha das Mulheres Negras, onde também ajudo a construir. Isso me possibilitou contribuir com muitos pedidos de ajuda, de mulheres que não têm acesso a informações, mesmo com bastante ajuda de diversos setores, muita gente não soube acessar os trâmites burocráticos e tecnológicos das “boas ações”, eu fui ponte.

Luto

Minha mãe teve Covid-19 e, felizmente, depois de muita preocupação, passou ilesa pela doença. No entanto, perdi dois conhecidos de infância, o pai da minha amiga a mais de 30 anos em minha vida e uma prima. Tudo isso adicionado a tanto descaso público e ao câncer chamado racismo que gritou neste período.

Por fim, me senti por diversas vezes muito deprimida, paranoica, chorosa e com certeza os coletivos de mulheres dos quais faço parte me ajudou muito neste processo de não adoecer psicologicamente.

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Maranhão Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Para mim o mais difícil é ficar longe de quem a gente ama”

Nesse sistema de saúde precarizado, eu como profissional de saúde tenho que dar o meu melhor, mas como mãe também quero estar com minhas filhas, tentar protegê-las. No entanto, o meu trabalho é extremamente necessário no momento. 

Sinto medo, mas preciso estar preparada o suficiente para cuidar das pessoas. É uma insegurança muito grande de chegar um paciente e eu não conseguir fazer nada. Porque com a Covid-19 todo dia é um aprendizado novo, e nenhuma certeza do resultado do que está sendo feito, o que estamos ofertando é pouco diante do gigante que só cresce.

A saída de casa é sempre uma triste despedida. Eu saio de casa na segunda-feira, às 5 horas da manhã. Então, no domingo à noite já chamava minha filhas para conversar, por que era muita insegurança, incerteza. Só de falar já da um nó na garganta, passa um filme na cabeça.

Eu ouvia as pessoas falarem “Helida, vem para casa. Você tem a Thaisa que tem só 2 anos e 10 meses. Tua filha é pequena!”. Sempre há aquela preocupação de se contaminar no trabalho, mesmo sem apresentar sintomas, porque existem os assintomáticos. Mas o trabalho não pode parar.

Amor e cuidado

Então eu sempre segui todos os protocolos de segurança, usei muitas mascaras durante o dia, acho que fui umas das profissionais que dei um grande gasto de materias para o município. Volto para casa no fim de semana seguindo um ritual de: ao chegar em casa, ir direto pra lavanderia, deixar toda a roupa de molho, tomar banho e só depois encontrar minhas filhas.

Nesse momento é uma felicidade, estar viva e estar voltando para casa, olhando as pessoas que mais amo bem. Enfim, com aquela sensação de dever cumprido.

Momentos mais difíceis foram os que fiquei longe das pessoas que amo: mãe, irmãos, minha avó que tem 87 anos. Minha mãe só pude ver depois de 90 dias, era uma saudade gigante, mesmo com as diferenças o medo de perder essas pessoas fez repensar muita coisa, creio que não só a mim, mais acho que é o pensamento da humanidade hoje, a gente passa a valorizar o que antes era irrelevante, como um simples telefonema, uma conversa. Isso ajudou muito a diminuir a saudade mais não era o suficiente.

Tivemos uma diminuição dos casos e o afrouxamento das regras e cuidados, e novamente os noticiários já falam em aumento de casos, e nós continuamos despreparados, já vimos uma doença parar o mundo e não sabemos o que nos espera no futuro, a única esperança é uma vacina que possa nos proteger. Foram muitas vidas perdidas, famílias que praticamente acabaram e até o momento nenhuma certeza de nada. O medo retorna mais uma vez.