Meu nome é Ilda Kosloski, sou brasileira de Lutcher Irati, e na pandemia toda, atendia o pessoal todo com grande alívio que todo pessoal vinha e precisava da gente e nunca deixei de atender nenhuma pessoa. ¨rezimento¨ para crianças pequenas é arrumar o peitinho das crianças.
Atendimento e amparo
Faço ¨rezimento¨ pra picada de aranha, picada de cobra é pra cobreiro e outras coisas que eles pedem sempre. Então o atendimento a gente sempre dá um amparo. Às vezes chegam de noite pedindo pra a gente atender, a gente atende. Então eu acho que é uma coisa importante, e mais: A gente sente falta das outras curandeiras por causa da pandemia né, mas a gente continua lutando pra frente.
Relato de Dona Ilda kosloski, produzido pelo Instituto de Educadores Populares para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Deirys Ramos e pertenço à etnia indígena Warao. Sou da Venezuela e durante esse tempo tenho trabalhado como mediadora cultural.
Eu tive Covid-19 e me contagiei no meu trabalho, atuando com migrantes venezuelanos, com meus conterrâneos. Meu trabalho consistia em explicar como fazer a prevenção contra o vírus, mas com a proximidade física que tínhamos diariamente eu acabei tendo Covid-19.
No momento que peguei Covid-19 eu não me dei conta, pensava que era cansaço por causa do trabalho, mas pouco tempo depois meus olhos já não me deixavam trabalhar porque ardiam muito. Fiz um teste rápido e deu positivo. Nunca imaginei ficar contagiada por Covid-19.
Eu não me sentia cansada, tinha ânimos para seguir trabalhando. Eu respirava bem e fisicamente não me doía nada, mas não conseguia ver bem e isso me afetou bastante.
Tivemos que estar fechados em um lugar que fazia muito calor e a minha filha de cinco anos se sentia como se estivesse presa. Ela me perguntava se havia feito algo de mal
Isolamento
Como eu estava com Covid-19 e vivia em um abrigo, minha família e eu tivemos que ficar em isolamento. Isso nos afetou bastante, principalmente a minha filha de cico anos porque tivemos que estar fechados em um lugar que fazia muito calor e a minha filha de cinco anos se sentia como se estivesse presa. Ela me perguntava se havia feito algo de mal. Foi muito traumático.
Ela teve que ir a psicólogos também, chorava bastante e pensava que não gostavam dela por causa do isolamento, porque ainda que não estivesse com Covid-19, como ela estava com nós, ela teve que ficar isolada também.
Além de nós, outra família estava isolada. Era uma mãe e seu filho que passavam por um periodo e luto por causa da morte do esposo/pai. Eles estavam sofrendo o luto pela morte de um familiar muito próximo.
Além de estarem presos, eles não podiam se comunicar porque não falavam português. Por isso, não sabiam a razão pela qual seu esposo/pai havia morrido e tampouco sabiam porque estavam isolados. Eu tentava explicar, mas a comunicação não era boa. Ao vê-los chorar, minha filha, a mais velha, ficou traumatizada. Ela pensava que as pessoas não gostavam de nós. Foi muito traumático para ela.
Essa experiência me fortaleceu bastante porque conseguimos atuar rápido. Em menos de três dias soube que tinha me contagiado e tomei as medidas necessárias para evitar mais contágios e superar a doença. A experiência me encheu de muita fé, fé e esperança ao ver que nem minha filha, nem meu esposo apresentavam os sintomas do Covid-19.
Em alguns momentos eu senti medo de que a doença pudesse ficar mais grave e isso me ensinou a não esquecer das medidas de proteção, de manter sempre a máscara, de respeitar as pessoas que estão com máscara também. Agora entendo e estou muito feliz de ver que as pessoas usam o álcool gel nas mãos e se cuidam.
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Observação: o relato acima, em português, foi uma tradução livre do relato feito originalmente em espanhol. Abaixo está o conteúdo original.
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“Aparte de estar encerrados, ellos no entendían el portugués. (…) No sabían por qué estaban aislados”
Mi nombre es Deirys Ramos y pertenezco a la etnia indígena Warao. Soy de Venezuela y en estos momentos he trabajado como mediadora cultural.
Yo tuve Covid-19 y me contagié en mi trabajo con los migrantes venezolanos, con mis paisanos. Mi trabajo consistía en explicarles cómo hacer la prevención contra el virus pero el acercamiento diario a ellos hizo que yo también tuviera Covid-19.
Al momento no me di cuenta, pensaba que el cansancio era normal, pero al poco tiempo mis ojos ya no me permitían trabajar, me ardían mucho. Hice la prueba rápida y dió positivo. Nunca imaginé estar contagiada de Covid-19.
No me sentía cansada, tenía ánimos de seguir trabajando.Yo respiraba bien y físicamente no me dolía nada, pero lo en los ojos se me notaban, no podía ver bien y me afectó bastante.
Tuvimos que estar encerrados en un lugar que hacía mucho calor y mi hija de cinco años se sentía como si estuviera presa y me preguntaba si había hecho algo malo
Aislamiento
Como yo estaba con Covid-19 y vivía en un abrigo, mi familia y yo tuvimos que estar aislados. Eso nos afectó bastante, principalmente mi hija de cinco años porque tuvimos que estar encerrados en un lugar que hacía mucho calor y ella se sentía como si estuviera presa, me preguntaba si había hecho algo malo. Fue muy traumático.
Ella tuvo que estar con los psicólogos también, lloraba bastante, creía que no la querían por el aislamiento, porque aunque no estuviera con Covid-19, ella estaba con nosotros y tuvo que ser aislada también.
Además de nosotros, otra familia estaba aislada. Era una madre y su hijo que sufrían el duelo por la muerte de su esposo. Ellos estaban sufriendo el duelo de haber fallecido a un familiar muy cercano.
Aparte de estar encerrados, ellos no podían comunicarse porque no entendían el portugués. No sabían la razón por la cuál su esposo y padre había muerto y tampoco por qué estaban aislados. Yo les trataba de explicar, pero la comunicación no se daba. Al verlos llorar, mi hija, la mayor, se traumó. Ella pensaba que las personas no nos querían. Fue muy, muy traumático para ella.
Esa experiencia me fortaleció bastante porque logramos actuar rápido. En menos de tres días me di cuenta de que estaba contagiada y tomé las medidas necesarias para evitar más contagios y lograr superar la enfermedad. La experiencia me llenó de mucha fe también, Fe y esperanza al ver que ni mi hija ni mi esposo presentaban síntomas.
En algunos momentos sentí miedo a que la enfermedad pudiera agravarse y fue lo que me ha dejado una gran enseñanza: de no olvidar las medidas de protección; de mantener siempre el tapabocas; de respetar aquellas personas que lo tienen. Ahora entiendo y estoy muy contenta de ver que las personas se echan gel en la mano y se cuidan.
Relato de Deirys Ramos, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Zulay Martínez, tenho 45 anos e sou indígena Kariña. Faz três anos qu estou no espaço Ka’Ubanoko e, sim, tive Covid-19.
Eu fui atendida por representantes da organização “Médicos Sem Fronteiras”. Eles fizeram o primeiro atendimento que incluíma me levar a um espaço que fica atrás da Petrix e eu não aceitei.
Na minha família, minha mãe, minhas filhas e eu tivemos Covid-19 e meu pai cuidou de nós com remédio caseiro. Nós, indígenas Kariña, só tivemos acesso aos remédios naturais.
Passei 21 dias com febre e acho que estive a ponto de morrer. Não conseguia respirar, perdi o olfato e não comia. Tudo foi muito crítico para mim.
O pior momento foi quando eu não conseguia nem sequer ir ao banheiro porque não respirava bem, não conseguia me levantar. Minhas filhas tiveram que me dar banho.
Todos os dias meu pai preparava remédios caseiros, de diferentes formas e eu consegui vencer o Covid-19. Ele preparava: sálvia com limão. Fazia uma espécie de poção e colocava um pouco de mel. Eu não usei medicamentos recomendados pelos médicos porque não quis.
Mensagem
Tanto para os migrantes indígenas como para os que não são, para todos os venezuelanos, eu digo que tomem todas as precauções necessárias para a prevenção do Covid-19.
Quando estive com Covid-19, nós vivíamos em um abrigo e vejo que é preciso se cuidar porque nem todas as pessoas levam isso a sério, usam máscaras. Mas é muito importante usar máscaras, álcool em gel e lavar as mãos.
*** Observação: o relato acima, em português, foi uma tradução livre do relato feito originalmente em espanhol. Abaixo está o conteúdo original. ***
Versión original en español: “Nosotros, indígenas Kariña, solo teníamos acceso a unos remedios naturales”
Mi nombre es Zulay Martínez, tengo 45 años y soy indígena Kariña. Hace tres años que estoy en el espacio Ka’Ubanoko y sí, ¡tuve Covid-19!
Fui atendida por representantes de la organización “Médicos Sin Fronteras”. Ellos hicieron los primeros auxilios que incluía recogerme en el espacio que queda detrás de Petrix y no lo acepté.
En mi familia, mi madre, mis hijas y yo tuvimos Covid-19 y mi padre nos cuidó con remedio casero. Nosotros, indígenas Kariña, solo teníamos acceso a unos remedios naturales.
Durante 21 días, tuve fiebre y creo que estuve a punto de morirme. No podía respirar, había perdido el olfato, no comía. Todo fue muy crítico para mí.
El peor momento fue cuando no lograba ni siquiera ir al baño porque no respiraba bien. No podía levantarme. Mis hijas tenían que irse entre las dos a bañarme.
Todos los días mi padre preparaba remedios caseros, de diferentes formas y logré superar el Covid-19. Él preparaba: sábila y limón. Era algo como un brebaje con un poco de miel. No consumí medicinas recomendadas por el médico porque no quise.
Sobre la vacuna, ya voy por la segunda dosis. Pero superé todo con las medicinas naturales que mi padre preparaba.
Mensaje
Tanto para los migrantes indígenas como para los criollos, para todos los venezolanos, les digo que tomen todas las provisiones necesarias, todas las provisiones necesarias para la prevención del Covid-19.
En la época que estaba con Covid-19 vi que es importante que nos cuidemos. Hay personas no toman en cuenta a raíz de las mascarillas. Pero es muy importante usar las mascarillas, el alcohol en gel y lavarse las manos.
Relato de Zulay Romana, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Yoli Silva, sou indígena Warao, de Amacuro, na Venezuela, e tenho 34 anos. Faço parte do grupo de Tuxauas aqui em Boa Vista, no abrigo Jardim Floresta.
Vivo no Brasil há três anos, mas em Boa Vista estou há oito meses, desde dezembro do ano passado, quando me transferiram de Pacaraima.
Tudo da pandemia foi algo alarmante e inesperado para as comunidades indígenas. Algo que nenhum ser humano estava esperando. No início da pandemia, em 2020, foi terrível. O medo consumiu todas as pessoas dentro do abrigo de Pacaraima, onde eu estava com outros indígenas.
Ida a Boa Vista
No dia 15 de abril de 2020, meu pai testou positivo para a Covid-19 e foi transferido de Pacaraima para Boa Vista, no Hospital Geral (HGR). Eu o acompanhei e fui levada para outro alojamento do Exército, onde estavam as pessoas ou familiares que eram trazidos de Pacaraima para cá.
No abrigo para acompanhante das pessoas contaminadas, em Boa Vista, o exército nos proibiu de irmos à cidade, de fazer compras. Sempre tínhamos que usar máscaras, manter distância. Então nós mesmos começamos a preparar remédios, com as plantas medicinais e limão. Esses medicamentos naturais foram muito bons para curar os sintomas do Covid-19 e eu, graças a Deus, nunca fui contaminada.
Meu pai ficou 15 dias internado e foi entubado. Eu só soube disso quando tinha voltado a Pacaraima por um tempo para cuidar dos meus filhos que estavam sozinhos. Quando meu pai voltou para casa, ele estava muito magrinho, muito delicado. Ele se cansava muito e tinha dificuldade para respirar.
Vacinação
Estou vacinada com a primeira dose e me falta a segunda. Minha esperança é a de que tudo melhore, que todos se previnam, tenham um cuidado maior com a saúde.
Relato de Yoli Silva, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Vilso Junior Santi, eu sou professor da Universidade Federal, coordenador do Amazoom e responsável, aqui em Roraima, por operacionalizar a coleta de depoimentos para o Memória Popular da Pandemia.
Primeiro, é muito legal participar de uma iniciativa como essa. Acho que no contexto da pandemia, até na universidade, a gente tinha pensado em realizar alguns projetos para dar suporte, principalmente no esclarecimento das dúvidas, em relação às notícias falsas que estavam circulando sobre a pandemia. Infelizmente, por uma série de questões, a gente não conseguiu operacionalizar isso.
Quando apareceu a oportunidade do projeto, de registrar essas memórias, também foi uma oportunidade para a gente retomar essas ideias. E tentar, de alguma forma, contribuir para o registro e discussão desse momento que a gente está vivendo, desse momento trágico que estamos vivendo.
É importante aproveitar a oportunidade para trazer os relatos a partir de Roraima. As pessoas que a gente buscou para dar esses depoimentos no projeto foram pessoas que representam o que é Roraima hoje, o que é Boa Vista hoje, o que é o Estado hoje. Quem é de Roraima talvez não se dê conta disso, ou talvez não goste de pensar nisso, mas, Roraima é um estado de migrantes, um estado indígena por excelência. A gente quis representar essas populações nos depoimentos que a gente colheu.
Buscamos falar com representantes dos povos indígenas, presentes no estadoe conseguimos obter depoimentos muito interessantes das populações indígenas e também representantes da população migrante, principalmente dos indígenas da Venezuela; dos venezuelanos em si; dos haitianos, para dar conta do que é esse contexto migrante de Roraima.
Nós todos, praticamente, que estamos em Roraima somos migrantes! E Roraima precisa lembrar disso porque essa é a cara de Roraima!
Projetos interrompidos na pandemia
Aproveitando o que a gente ouviu, é preciso dizer que a maioria dos relatos deixam claro que a pandemia interrompeu projetos! Muitos projetos! Projetos de vida, inclusive!
As pessoas morreram! Várias pessoas, inclusive pessoas próximas da gente. No meu caso, a pandemia chegou “metendo o pé” na porta de alguns projetos. Um deles foi o projeto de pós-doutorado.
Depois de ter passado oito anos, seis anos de gestão na coordenação do curso e na direção do centro aqui da UFRR, eu fui para o pós-doutorado no México. Eu viajei para o México no final de fevereiro e fiquei exatamente 30 dias no país até tudo ser fechado por conta da pandemia. Acabei ficando no México, em isolamento, até o início de agosto, quando eu consegui voltar para casa. Foi uma situação bem complicada, porque, enfim, estava em um outro país, longe das pessoas que conhecia. Estar longe de casa, das pessoas mexe com o psicológico. Comecei a questionar um monte de coisas e me revoltar, inclusive, com a situação. Eu não aguentava mais estar lá! Eu queria voltar para casa e, felizmente, isso deu certo. Consegui retornar alguns meses depois para casa e aí sim viver o resto do processo em casa.
O governo do Estado não fez o que é o seu papel; o governo federal não fez o seu papel; o sistema de saúde não tinha capacidade para absorver e as pessoas ficaram jogadas, sem renda, sem trabalho, sem ter o que comer
Negligência do Estado
Meu retorno deu um pouco mais de tranquilidade por um lado, mas, por outro, também causou muita apreensão. Porque a gente vivia uma situação terrível em Manaus e uma situação terrível aqui em Roraima. Quem é daqui sabe que o sistema de saúde é caótico. Não é culpa da migração, é culpa sim de anos de negligência do Estado, da falta de investimento público! A pandemia deixou isso escancarado, evidente!
Inclusive as pessoas se aproveitaram disso para superfaturar compra de respirador, por exemplo. Coisa que também demonstra um pouco do que é a cara do estado de Roraima e das pessoas que gerenciam as políticas públicas do Estado.
O governo do Estado não fez o que é o seu papel; o governo federal não fez o seu papel; o sistema de saúde não tinha capacidade para absorver e as pessoas ficaram jogadas, sem renda, sem trabalho, sem ter o que comer. Elas precisaram ir para a rua e se contaminaram.
A vacina demorou em chegar e com essa negligência muitas pessoas morreram. Isso revolta a gente porque a gente fica imobilizada, sem saber o que fazer.
Por mais que a gente diga que está preparado para a morte, ver alguém morrendo é horrível
Perdas na família
Meus pais moram no Rio Grande do Sul e a pandemia demorou em chegar na região onde vivem, já que são lugares isolados e com pouco trânsito de pessoas. Quando a pandemia chegou, as pessoas já tinham comprado a versão de que não era muito grave e não era muito sério.
Porém, pouco depois, as pessoas conhecidas começaram a morrer: vizinho, tio avô, avô dos meus sobrinhos, amiga que era técnica de enfermagem, e minha tia, que chegou a ficar internada por 90 dias na UTI e não resistiu.
No meio desse contexto, perdemos meu avô de 93 anos. Dizem os médicos que não foi por Covid-19, mas nossa família desconfia. Meu avô morreu logo depois das eleições municipais e meu avô teve contato com pessoas que viajaram para participar da votação. Agora já não tenho mais nenhum dos meus avós vivos. A geração toda se foi.
Por mais que a gente diga que está preparado para a morte, ver alguém morrendo é horrível. Minha tia, por exemplo, não tinha doença nenhuma, não tinha complicação, não tinha histórico clínico grave. Ela não morreria agora se não fosse a pandemia e esse conjunto de negligências.
Oportunidade de contribuir
Chamo a atenção para a questão de oportunizar a chance de contribuir com o registro da Memória Popular da Pandemia, da memória das pessoas que sofreram com a pandemia. É uma oportunidade para pensar como que a gente, usando o jornalismo, pode intervir na vida das pessoas de uma maneira mais ativa para tentar construir uma realidade melhor do que essa que a gente vive. Esse é o grande sentido do que está por trás do que a gente tenta fazer.
Relato de Vilso Santi, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Pierre Laurore, eu tenho 37 anos e sou hatiano. Eu sou estudante de Administração, em Ciências Administrativas na Facukdade Estácio de Sá.
A primeira coisa que a pandemia mudou em minha vida foi em relação ao meu trabalho. Quando eu cheguei aqui no Brasil, em 2018, regularizei meus documentos e consegui um emprego no hotel Ibis. Com a chegada da pandemia, depois de um ano e seis meses de trabalho, fui demitido.
Quando eu trabalhava no Ibis, eu conseguia mandar dinheiro para a minha família que ficou no Haiti e quando fiquei desempregado, isso me preocupou bastante.
O pior momento da pandemia foi estar desempregado, não ter renda e ver as contas chegarem, ver que tenho uma família para sustentar. Isso foi antes da chegada do auxílio emergencial. Minha esposa conseguiu ter o benefício e com os bicos que eu fazia conseguimos ter um alívio em nossas contas.
Hoje estou trabalhando novamente, na recepção do Eco Hotel. Mas demorei um pouco para encontrar trabalho. Fiz trabalhos curtos com vendas, para ter alguma renda. Era um trabalho bastante informal, o que se chama de “bico”.
Superação da pandemia
Da minha família, apenas eu e minha mãe fomos infectados pelo vírus Covid-19. Tive sintomas leves porque havia tomado a primeira dose da vacina. Ainda preciso tomar a segunda.
Eu acredito que o mundo vai superar essa pandemia. O Brasil vai superar a pandemia. A mensagem que eu gostaria de deixar é: não deixar de se vacinar porque a vacina ajuda bastante.
Relato de Pierre Laurore, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Maurício Ye’kwana, sou diretor da Hutukara Associação Yanomami. Sou do povo Ye’kwana, morador da Terra Indígena Yanomami. Tenho 36 anos.
A pandemia foi o maior pesadelo de todo mundo. Ela chegou a nós indígenas pelos invasores da Terra Indígena Yanomami, que trabalham no garimpo ilegal. Em um segundo momento, o Covid-19 chegou via profissionais de saúde que entram a cada quinzena, a cada mês em nossas comunidades.
A pandemia nos trouxe um impacto muito grande, alterou o comportamento de toda a comunidade. Nós moramos em casa de família, com todos juntos e tivemos que nos separar para evitar contágio.
Mortes na comunidade
Em nossa comunidade, quatro pessoas morreram, entre eles dois sábios que tinham idade mais avançada. Nós indígenas não temos o costume de registrar o que se fala, o que acontece. Para nós, quem faz anotações é quem tem preguiça, é quem tem facilidade de esquecer. A pessoa que entende, que sabe, não registra, aprende de memória para justamente multiplicar depois. Então as mortes das pessoas sábias é algo que não se recupera em um curto espaço de tempo.
Perdemos também profissionais que nós confiávamos, que eram guardas que trabalharam desde 1990. Ficamos de luto, a comunidade geral parou. Ficamos quase um mês sem fazr nada, ser ir para a roça. Temos que respeitar esse processo.
Quando acontece isso na comunidade, nós não consumimos carne, né?! Essas coisas assim. De peixe também. Tem que ter todo respeito! Ficar de dieta geral.
Vacinação x missão evangélica
Nós acreditamos na vacina. No começo, falaram que a vacina era ilusão, mas depois que todos tomaram a segunda dose da Corona Vac, as mortes cessaram. Aí vimos a importância da vacinação.
Nem todas as pessoas se vacinaram. Nossos parentes que fazem parte de missões evangélicas não tomaram a vacina. Essa corrente negacionista deixa a nossa situação ainda mais complicada.
Os invasores entram e saem a hora que quiserem de nossas terras. Isso acontece também porque a Funai está parada.
Na pandemia, tudo parou. Só o garimpo que avançou
A pandemia trouxe mais problemas. Houve um aumento de invasores nas Terras Yanomamis e, com o aliciamento de jovens e lideranças para atuarem no garimpo e, os nossos povos ficam ainda mais vulneráveis à Covid-19. Nossos parentes se contaminam no garimpo e trazem a doença para nossa comunidade.
Os invasores entram e saem a hora que quiserem de nossas terras. Isso acontece também porque a Funai [Fundação Nacional do Índio] está parada. Na pandemia, tudo ficou parado, menos o garimpo ilegal.
“Fora Garimpo, Fora Covid”
No ano passado nós fizemos a campanha virtual “Fora Garimpo, Fora Covid”. Fizemos diversas entrevistas com pessoas que tinham popularidade, convidamos atrizes, atores e pessoas com influência.
Fui a Boa Vista (RR) e Manaus (AM) para seguir desenvolvendo campanhas contra o garimpo. Quando denunciamos o garimpo, os garimpeiros nos perseguem, aliam nossos jovens para que indiquem onde estamos. Temos que ter bastante cuidado.
A nossa luta não vai parar. Vamos continuar denunciando o Estado Brasileiro porque ele não tem o mínimo respeito com os povos indígenas
Não podemos abaixar nossas cabeças
Nós sabíamos que a pandemia viria. Nossos pajés sempre diziam isso. E nós, como lideranças, aprendemos com os sábios que não podemos abaixar nossas cabeças.
Essa doença não era para nós, era para pessoas que não respeitam a natureza. Porém, todas seremos afetadas. Então a nossa luta aqui é chamar a atenção das pessoas que causam a pandemia. Chamar atenção das pessoas do próprio Governo e do Estado também, que é causador de tudo isso que está acontecendo.
O Movimento Indígena está ativamente defendendo nossos direitos e as nossas conquistas. Os nossos direitos, que sejam reconhecidos pelo Estado, pelo governo próprio também. E a nossa luta não vai parar. Vamos continuar denunciando o Estado Brasileiro porque ele não tem o mínimo respeito com os povos indígenas. O que ele quer é que nos integremos ao Estado, mas nós temos nossa cultura, danças, tradições e não vamos deixar de ser indígenas.
Relato de Maurício Ye’kwana, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Marcos Correa e sou imigrante venezuelano. Tenho 43 anos e sou médico. Vim ao Brasil depois que o município de Boa Vista (RR) decretou situação de calamidade pública por causa da pandemia e começaram a contratar médicos estrangeiros.
Fui trabalhar no hospital de Campanha. Meu contrato era por seis meses. Depois do período de capacitação, comecei a trabalhar no atendimento de pacientes contagiados por Covid-19. O caso deles era muito grave. Um deles tossiu perto de mim e acabei me contagiando. Comecei a apresentar sintomas de dificuldade respiratória, não conseguia respirar. É algo muito ruim.
O Covid-19 é um vírus que primeiro ataca a parte respiratória, depois a parte neurológica. A pessoa fica confusa.
Fiz exames no hospital e o diagnóstico foi que eu estava com fibrose pulmonar devido à Covid-19.
Quando eu fiquei doente, eu tive depressão. Em uma semana eu emagreci muito, não conseguia dormir e fui ao Posto de Saúde. Aos poucos fui me recuperando sem precisar ser internado.
Após me recuperar, fiquei com ansiedade e não parava de comer. Então engordei e voltei a ter dificuldade em respirar. Fiz exames no hospital e o diagnóstico foi que eu estava com fibrose pulmonar devido à Covid-19. Foi então que um colega me passou um tratamento um pouco mais agressivo para tratar a doença e eu me recuperei.
Uma das coisas que aprendi com essa doença é que, como médico, eu tenho que estudar e pesquisar mais sobre as causas da doença e seus efeitos. Hoje ajudo muitas pessoas na Venezuela e no Brasil.
Quero chamar a atenção para a importância da vacinação. Ela salva vidas e diminui os efeitos da doença. Todos temos que nos vacinar.
Relato de Luana Lemos, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Eu me chamo Luciana Lima, tenho 47 anos e sou servidora pública.
Com 68 anos, a minha mãe foi a primeira vítima fatal do Covid-19 em minha família. Foi uma experiência horrível.
Ela era diabética, gostava de sair e não se cuidou. Ela tratou em casa e quando já estava começando a ter consciência, pegou uma gripe forte e foi internada. Ficou 15 dias no hospital de Campanha de Roraima, conseguiu ter alta, mas ficou abatida, se sentiu fraca e voltou ao hospital. Quando fez os exames, estava com 60% do pulmão comprometido e foi pra UTI. Ela só foi entubada nas últimas horas, quando estava perdendo a consciência, porque não queria passar por esse processo. Ficou na UTI por duas semanas e não conseguiu resistir.
Eu acabei pegando Covid-19 da minha mãe, quando eu a acompanhava no hospital. Mas foi leve, fui uma pessoa praticamente assintomática.
No trabalho, alguns colegas morreram. . O primeiro deles morreu bem no começo da pandemia. Era um amigo muito querido por todos, muito amável. Ele acabou morrendo em três dias. É muito triste.
Vacinação
Assim como muitas outras pessoas, minha mãe tinha medo da vacina. A minha mãe seguia o que o presidente dizia e por isso não se vacinou. A gente vê em nosso trabalho, na repartição pública, que muitas pessoas velhas têm medo e não querem se vacinar e tentam fazer tratamento por meio de remédios naturais.
Temos que nos cuidar, tomar a vacina para não acontecer o que aconteceu com nossos entes queridos que morreram. A pandemia ainda não acabou e temos que ter consciência que é preciso continuar se cuidando.
Relato de Luciana Lima, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Luana Lopes Lemos. Tenho 32 anos e sou de Rorainópolis, onde trabalho como servidora pública.
Durante esse período da pandemia eu tive uma perda irreparável, que foi a da minha mãe. Ela era técnica de enfermagem, servidora municipal e estadual, e na pandemia ela esteve afastada de suas funções na rede estadual por apresentar comorbidades e fazer parte do grupo de risco. Porém, na rede municipal ela seguia trabalhando e, em maio de 2020, contraiu a doença.
Quando nós tivemos a confirmação que ela testou positivo para a Covid-19 foi um desespero. Nós sabíamos da gravidade da situação.
No dia 7 de maio de 2020 foi transferida de ambulância para Boa Vista, chegou no hospital da cidade consciente, mas não reagia às medicações e foi entubada. Infelizmente, no dia 22 de maio, ela morreu. Desde então, o meu mundo foi desabando.
Ela foi a primeira profissional da saúde a vir a óbito por Covid-19. Fazia oito anos que ela trabalhava na rede estadual e, no município, ela tinha sido empossada no ano anterior e trabalhava na UBS (Unidade Básica de Saúde), no atendimento de triagem – recepcionar o paciente, preparar seu prontuário, dar seguimento ao atendimento médico. No Estado, ela já trabalhava em toda a área do hospital, fazia escalas e plantões. Trabalhava na enfermaria e na emergência. Além de técnica de enfermagem, ela era pedagoga e sempre trabalhou com muito amor. Ela tinha 53 anos quando morreu.
Luto
Nessa época eu estava grávida e aproveitava muito essa gravidez, que foi planejada, e a morte da minha mãe me pegou de surpresa. Presenciei a situação que ela viveu no hospital, consegui passar o dia das mães com ela, mas ela não resistiu. Não consegui nem me despedir dela.
Infelizmente essa pandemia fez isso com todo mundo. Ninguém teve o seu último adeus. Foi um ano bem difícil, com muita dor, angústia e sofrimento. Ao longo do tempo a gente vai se anestesiando dessa realidade porque tem que seguir em frente, a vida continua, mas foi bem difícil.
A única coisa boa de 2020 é que neste ano meu filho nasceu. Com seu nascimento, consegui preencher o vazio causado pela morte da minha mãe. Foi muito confortante, ele me trouxe alegrias.
Eu acredito que a vacina é a única maneira de a gente conseguir essa imunização tão esperada, o controle pandêmico
Vacinação
Eu e meu esposo nos vacinamos. Além do meu filho que nasceu em 2020, tenho outro de 11 anos que ainda não se vacinou por conta da idade.
Com certeza a vacina ainda é o melhor caminho e é preciso conscientizar a população sobre sua importância. Hoje em dia ainda existe um negacionismo muito grande em relação aos efeitos da vacina.
Eu acredito que a vacina é a única maneira de a gente conseguir essa imunização tão esperada, o controle pandêmico. Não adianta eu tomar a vacina, meu esposo tomar a vacina e no meu próprio local de trabalho outras pessoas não tomarem. Isso aconteceu comigo. Eu trabalho na área da Educação e tenho colegas que não estão vacinadas.
Para que a gente possa voltar ao nosso normal – que nunca mais será normal – as pessoas precisam estar imunizadas. É muito importante as pessoas se vacinarem!
Relato de Luana Lemos, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
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