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40 a 59 anos Homem Cis Parda Pós-Graduação Completa Rio de Janeiro

“Como professor de uma escola pública, pude perceber como as aulas remotas serviram para aumentar ainda mais as distâncias sociais”

Inicialmente, a instauração da pandemia trouxe algumas mudanças em meu estado emocional. Fez também com que eu tivesse que me adaptar à nova ordem mundial, instituída pela Organização Mundial de Saúde

Além de lidar com as mudanças que surgiram e com as emoções provenientes desse momento, percebi alterações comportamentais em meus filhos, que perderam o convívio com colegas de escola e aspectos da rotina, como saídas de casa para passeios e viagens. 

Somado à perda de contato com as pessoas, as crianças tiveram que lidar com as aulas remotas. Isso foi complexo para mim também, devido à falta de interação nas salas de aula e outros ambientes.  Apesar das dificuldades, as crianças se adaptaram bem durante esse processo.

Como professor de uma escola pública, pude perceber como as aulas remotas serviram para aumentar ainda mais as distâncias sociais. Devido ao fato de não possuírem acesso à internet, ou até mesmo computador em casa, muitos alunos não conseguiam acessar a plataforma.

Insegurança financeira

Perdi muitas possibilidades de realizar trabalhos devido ao fechamento provisório e, mesmo, permanente de espaços culturais durante o a pandemia. Mas ser funcionário público me permitiu trabalhar em casa e manter o meu salário. Assim, me sinto privilegiado, especialmente diante de tantos profissionais autônomos que perderam completamente os seus ganhos.

Foto montagem com três pessoas olhando através de visores de máquinas fotográficas acompanha relato do professor Alexandre Freitas para a Memória Popular da Pandemia. Relato aborda as dificuldades enfrentadas por ele, seus filhos e estudantes com o fim das aulas presenciais.

Porém, a insegurança financeira permanecia, já que apenas o salário do estado não seria suficiente para manter o orçamento familiar equilibrado. De certo modo, esse cenário profissional instável foi compensado pela necessidade das empresas em se adaptar aos novos desafios impostos, que fez com que passassem a inserir projetos de produção de vídeoaulas e vídeos institucionais de veiculação remota. Isso permitiu que eu pudesse realizar alguns trabalhos extras nessa área.

Retomada das aulas presenciais

Agora é esperar para ver o que nos reserva o próximo ano. Me preocupo bastante com o que ocorrerá com as escolas, no sentido da possibilidade de retomada das aulas presenciais. Pois, apesar das dificuldades referentes a esse processo de adaptação, me sinto inseguro com a ideia de meus filhos voltarem a frequentar uma sala de aula.

Como professor, falo também por mim: sinto muita falta da aula presencial. No entanto, compreendo a necessidade de ainda nos mantermos distanciados, em quarentena, nos preservando o máximo possível. Especialmente, quando há milhões de pessoas em todo o mundo perdendo suas vidas por causa desse vírus. Entre elas, o diretor da escola onde leciono.

Sou solteiro, tenho 46 anos, sou carioca e pai de Artur (de 12 anos) e Olívia (de 6 anos), filhos provenientes de 2 casamentos. Sou professor de Arte da rede estadual do Rio de Janeiro e ministro cursos e palestras sobre cinema e fotografia em diversos espaços culturais, além de realizar trabalhos de fotografia e vídeos institucionais. Anteriormente à pandemia, minha rotina consistia em sair para lecionar na escola e nos espaços culturais e, eventualmente, realizar trabalhos como fotógrafo e videomaker.  Como nos últimos anos os serviços nas áreas de foto e vídeo estavam mais escassos, priorizei o meu ofício como professor, dividindo-me entre os trabalhos e os cuidados de meus filhos, já que possuo uma guarda compartilhada com as suas mães. 

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40 a 59 anos Ceará Ensino Fundamental Incompleto Mulher Cis Parda

“Surgiu um convite para a cozinha comunitária. Aceitei na hora. Queria ajudar e fazer parte de algo”

Acompanhei o início da pandemia pela televisão e via a preocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em achar maneiras de ajudar as famílias próximas. Nós aqui de casa – a qual conquistei na luta do movimento – recebemos ajuda com cestas básicas e máscaras.  

A princípio, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto montou uma cozinha comunitária. Logo, surgiu um convite para que eu fosse ajudar na cozinha. Aceitei na hora, pois queria ajudar e fazer parte de algo.

Foto de duas mulheres cozinhando com uma panela de pressão acomapnha relato da Memória Popular da Pandemia, que mostra como ajudar na cozinha comunitária do MTST trouxe a esperança de dias melhores à Maria Antônia.

Ajudar na cozinha comunitária foi um misto de sentimentos: me senti útil e feliz ao ver várias e várias pessoas comendo o que eu mesma preparei junto a algumas companheiras.  

A pandemia é grave, ela pode até matar. Mas o movimento faz com que tenhamos esperança no amanhã.

Sou dona de casa e há cinco anos tive meu primeiro contato com o MTST. Minha filha é militante do movimento e agradeço demais por tudo o que o movimento acrescentou em nossas vidas.  

Leia também:

“As atividades do MTST nos territórios ficaram mais intensas” – Maria Eduarda Rodrigues | Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – Pacatuba, PE

“Deixa quem quiser chamar de assistencialismo. Eu digo que é uma emergência, fome tem pressa” – Vânia Rosa | Presidente do Coletivo Rua Solidária – São João de Meriti, RJ

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25 a 39 anos Mulher Cis Parda Pernambuco Pós-Graduação Completa

“Para nós, mulheres rurais, um dos desafios foi continuar nos articulando”

Antes de mais nada, moro em um município pequeno e para mim esse contexto da pandemia tem sido de grandes desafios:

Desafios quanto a ser mulher chefe de família, quanto a ser mãe de duas adolescentes, desafios enquanto militante em movimentos. Além de desafios frente aos encontros e desencontros da vida.

Acredito que vivemos aqui no Brasil um verdadeiro caos. A maioria das pessoas ignora o fato de estarmos passando por um momento muito sério, em que o vírus da Covid-19 já tirou a vida de milhares de seres humanos.

Durante essa pandemia, para nós, mulheres rurais, um dos desafios foi continuar nos articulando. Com o distanciamento social, nos vimos cada vez mais dependentes das mídias digitais como forma de continuarmos nos comunicando e nos articulando enquanto movimento social. 

Foi a partir daí, das dificuldades de muitas companheiras de não saber lidar com esse mundo digital, que percebi que nós, mulheres rurais, ainda somos totalmente analfabetas digitais e pessoas alheias a esse mundo digital. Mesmo frente a tudo isso, acredito que vamos sair desse período de pandemia mais fortalecidas(os).

Leia também:

“A adaptação não foi fácil. Tive momentos de estresse, nostalgia, e uma sensação de estar dentro de um círculo se fechando ao meu redor” – Andréia das Neves | Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais – Angelim (PE)

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40 a 59 anos Bahia Ensino Superior Completo Mulher Cis Parda

“É um momento que desencontra o nosso pensamento, no que pensamos sobre a Pedagogia de Terreiro, que aprendemos e construímos juntos”

Sou da comunidade do Caxuté e criadora da Pedagogia de Terreiro. Este é um momento difícil. Não só de hoje, mas de outrora. É um momento de encontro e desencontro. Desencontra o nosso pensamento, no que nós pensamos sobre a Pedagogia de Terreiro, que aprendemos e construímos juntos. Este é um momento que está separando nossos corpos dos nossos filhos e filha, dos nossos passados e antepassados, e dos viventes de hoje, que nos encontramos nessa pandemia.

Nós não podemos dialogar bem, e não podemos sentir o calor do outro. Isto é um momento de muita angústia no coração das comunidades tradicionais, porque as comunidades tradicionais se embasam no afago, no acalento, no colo, no carinho, na mãe.

A troca de experiência e viver e saber: um pesca seu peixe, o outro marisca, e trazem para nós quando não temos dinheiro, assim nós fazemos essa troca. Não podemos mandar ir os pescadores ao mangue; trazer o peixe, o caranguejo, o siri, o aratu para o nosso sustento.

Hoje, nós precisamos estar sempre de longe, sem poder encostar no outro por causa de uma pandemia de branco. E hoje temos um vírus que está virando tudo: virou nossos pensamentos, virou nosso viver, nossos saberes, nossos fazeres das nossas comunidades.

No mês de agosto, muitas pessoas de diversas localidades vêm à comunidade do Caxuté para participar da Kizomba Maianga de Kitengo. Este ano, não pôde ter essa troca de experiência por causa da evitação de aglomeração. Já que não podemos juntar nossos corpos, sentir os nossos calores, estamos vivendo um momento muito triste. Precisamos o tempo todo recorrer à nossa ancestralidade: que a gente se cuide, se fortaleça enquanto comunidade. A gente só tem a gritar ao nosso povo para ir ao mato, para ir para às matas, recorrer à nossa mata atlântica.

É difícil viver essa pandemia para os povos de matriz africana

Aí vem um outro lado: como nossos filhos da cidade podem encontrar esses matos, como é que uma casa com 10 ou 15 pessoas tem como se livrar de uma pandemia? Como é que tem como se alimentar e sair dessa aglomeração? Pois nós sabemos que nossos governantes não vão fazer nada para mudar isso, pois isto é a construção de uma política de derrotar o nosso povo preto, os nossos povos indígenas. É esse olhar que nós, de longe, avistamos quem vem; a gente vê quem vem, porque quando os pássaros gritam nas matas, a gente sabe quais são os pássaros que estão gritando forte ou fraco, nos seus cantos.

Quando nós estamos angustiados, quando nós estamos sofrendo, isso nos mata. Como tem matado nas travessias dos navios negreiros.

Então, a gente vê que isso é uma troca de negociação com nosso povo preto, nós temos que ter muito cuidado, porque é uma negociação que nos faz ver que nossos povos não podem ir ao hospital; então vamos para nossa mata. Corremos muitos riscos, vamos morrer nas casas, nas ruas, nos leitos de hospitais, pois não tem recursos para nós. Então, é difícil compreender, entender e viver nessa pandemia para os nossos povos de matriz africana, nossos povos de terreiro, nossos povos tradicionais. Estamos vivendo em um momento de muita angústia e a pior dor, o que mata, é o coração e a mente. Quando nós estamos angustiados, quando nós estamos sofrendo, isso nos mata. Como tem matado nas travessias dos navios negreiros.

O pós-pandemia não vai trazer o fim disto tudo, vai apaziguar, ela vai continuar; como o sarampo, a rubéola, outras e outras.

O que nós precisamos pensar nessa caminhada?

O que nós precisamos pensar nessa caminhada? Porque não vai acabar. Quando passar esse tempo… Porque há o tempo bom e o tempo ruim, nós estamos vivendo o tempo ruim.

Nós estamos nos fortalecendo com os nossos, começando a nos preparar com os nossos, a dialogar com os nossos, para que nós nos fortaleçamos. Na comunidade do Caxuté, é sempre dito pelo Caboclo, o Caboclo Pena Branca, o Caboclo Correia das Neves, ele diz assim: “Vamos plantar para os nossos filhos comer, para não comer batata de cemitério.”

Quando ele fala batata de cemitério, ele diz que, se não nos fortalecemos enquanto nós, só vai ter mais fracasso, mais derrotas nas nossas caminhadas. Porque, quem não consegue fazer nada dentro de um ano que para tudo, o que vai existir a não ser a pobreza? O que está acontecendo este ano é que no próximo ano vai existir mais pobreza ainda e comunidades mais fracassadas. Quem não tem terra, quem não tem um mecanismo, acesso a água, a plantar e colher, vai ficar difícil. Vão sobreviver de quê? Esse auxílio esse emergencial não vai existir.

Pedagogia de terreiro

A gente precisa auxiliar as comunidades tradicionais; de uma forma ou de outra abrir as escolas, criando outros mecanismos, outros meios de escola, para ensinar às crianças, como a Pedagogia do Terreiro, que abre a sua sala de aula no mar, no rio, no mangue, na terra. Para essa construção de aprendizagem, desse legado que nossos ancestrais deixaram para nós.

Nós vamos continuar o diálogo; que as comunidades, as escolas e as universidades possam estar cada vez mais contribuindo com isto, principalmente dentro dos espaços das universidades, para que se tenha um outro olhar perante nossos povos. 

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40 a 59 anos Bahia Parda Pós-Graduação Completa

“O que fazer com a comunidade do terreiro, que confia em nós?”

Em março, eu soube que o Brasil estava em pandemia.  Foi um susto para todo mundo. As pessoas começaram a ter sintomas de depressão e nossas comunidades de terreiro começaram a se perguntar:

Como vamos fazer? Vamos esquentar Cavungo ou vamos acalmar Cavungo? Vamos esquentar Obaluaê ou vamos esfriar Obaluaê?

Existiam essas discussões nos grupos. E nada mais que nós pensávamos era simplesmente a gente ter equilíbrio em nossas mentes e voltar para as nossas tradições, para nossos conhecimentos. E isso tem nos provado, porque, até o presente momento, nós não temos remédio eficaz contra a Covid-19.

Então, eu vejo que o melhor remédio nesse momento tem sido recorrer às nossas zonas de mata, aos espaços que não tenham aglomerações de pessoas estranhas a nós, ou pessoas que estejam contaminadas.

Não existe esse pensamento de a gente criar um preconceito, uma discriminação contra quem está com o novo coronavírus. Mas é um momento para as pessoas que estão com Covid-19 terem um cuidado consigo e com as pessoas que estão por perto. Também tem que estar um sentimento de troca e de afetividade. É um cuidado com nossos corpos, para que a gente não tombe. Porque basta de a gente tombar!

A gente já tombou historicamente nos navios negreiros; pela colonização; pela colonialidade do poder, encabeçado por Portugal e as potências europeias, que a gente sabe: não só europeias como potências daqui. Portugal nos escravizou, Portugal nos matou.

A pandemia vem desde o período da colonização do continente africano

Desde o começo, quando vou falar alguma coisa, digo que a pandemia não começou de agora; que esta pandemia nasce desde o período da colonização do continente africano, da colonização da África. Ali, a gente entra em uma colonização histórica; a gente entra em uma necropolítica, a política da morte. É o que tem sido colocado aos nossos corpos.

A gente foi morta. E tem sido morta cotidianamente pelas forças policiais brasileiras. A gente também sabe que tem, dentro das forças policiais, pessoas engajadas no combate ao racismo institucional, ao racismo histórico que sofremos nas instituições públicas.

Quando a gente fala que a polícia foi feita para defender brancos, é isto, justamente. A exemplo da Bahia: a polícia, apesar de ter um corpo policial que é negro, é ensinada a defender um corpo branco. Então é preciso que a gente repense cada dia mais, enquanto comunidades, quais os nossos papéis em defesa dos nossos povos. E cabe a nós, enquanto cientistas sociais – da antropologia, da química, da física, da matemática -, dar educação. 

Redes sociais, povos de terreiro e comunidades tradicionais

É dos saberes e fazeres tradicionais que a gente pensa o que esses momentos de pré-pandemia, pandemia e pós-pandemia nos trarão de impactos no pós-pandemia. Inclusive, na disseminação das redes sociais. O contato continuará a ser muito pelas redes sociais. O que já era antes.

A gente precisa mais do que utilizar essas tecnologias: precisa ver até que ponto essas tecnologias estão favorecendo as nossas comunidades e povos de terreiro. Se essas tecnologias são um vigia do colonizador para nos capturar, ou se elas são um mecanismo de defesa nosso enquanto comunidades tradicionais.

Sempre que eu ouço companheiros, parentes e indígenas, nos é colocado, pelos mais velhos, que a gente não use as tecnologias de forma a esquecer a mente no jogo; acessar o WhatsApp de forma supérflua. É preciso que a gente use o aparelho celular, todo esse aparato tecnológico, para defesa das nossas comunidades, para denunciar os atos de racismo, de intolerância, de perseguição que nós estamos sofrendo.

É importante que a gente sempre esteja atento a essa discussão do racismo dentro, inclusive, deste momento de pandemia. Neste momento, nós, da comunidade Caxuté, por estarmos na zona rural, é importante usar a palavra sororidade, não sei se especificamente neste momento, mas para nós homens negros, índigenas. Não utilizamos de cartão de crédito para oferecer libertação e cura ao coronavírus, como muito pastores de televisão.

Foi muito estranho o começo da pandemia, aquela sensação de que todo mundo ia morrer, pois víamos a mídia, como por ela estávamos sendo alertados. Com a Globo divulgando em grande massa aqui no Brasil, sempre falando da Itália, da China.

Sentimento de insegurança – o que fazer com a comunidade do terreiro, que confia em nós?

De repente, foi o Brasil. E o governo não ajudou em nada. Na gente, aquele sentimento de insegurança. Foi um momento de terror dentro das casas, do terreiro, e dentro das comunidades tradicionais, porque também somos humanos. A gente tem sede, a gente tem fome. A gente é humana, a gente tem sentimentos. As pessoas ficaram nervosas, isso tudo abala o sistema nervoso, tanto do homem como da mulher, e a gente vê as crianças desesperadas. Foram muitos noticiários a respeito do coronavírus, especialistas falando que muita gente iria morrer, pois o vírus é letal.

A gente sabe dos assintomáticos, e cada corpo e cada organismo responde diferentemente. Utilizamos saberes tradicionais, xaropes tradicionais. E nós temos sempre tentado ficar em isolamento social. O que fazer com a comunidade do terreiro, que confia em nós? Sempre ficamos muito tranquilos, pois não agimos como as potências evangélicas do país, que prometem isso e aquilo para a salvação e para a cura. Não utilizamos de cartão de crédito para oferecer libertação e cura ao coronavírus, como muito pastores de televisão.

Quando os terreiros de candomblé começaram a tocar, nós também denunciamos nas redes sociais. Porque no terreiro de candomblé, infelizmente, também temos pessoas que acreditam no desgoverno do presidente Bolsonaro. Logo, o charlatanismo nos persegue; persegue também o Brasil.

A cura

Vemos as pessoas prometendo a cura. A cura nada mais é do que uma cura que vem do nossos corpos, que vem das nossas tradições, que vem pelo afeto; que precisa vir pela ciência. Não há oposição à ciência, mas defendemos sempre que a ela tem que andar com muito respeito com as comunidades tradicionais, pois é lá que buscamos nossos medicamentos, nossas vacinas. Se não fossem nossas folhas, nossas rochas, nossa terra; se não é o ar, o sol, a lua, a gente não tem medicamentos. Assim, precisamos que a ciência aprenda a respeitar as comunidades tradicionais e esses saberes que são repassados a nós.

No pós-pandemia será preciso que a gente se reinvente; é preciso que nossos dogmas sejam repensados.

A normalidade no pós-pandemia, de ensinamento, vem do começo da pandemia: fechamos a comunidade; há pessoas que estão morrendo, jovens estão morrendo. Não poderíamos negar isto ao nosso povo. Fechamos as portas e começamos a ver alternativas. Como o Caboclo sempre diz: “a gente precisa plantar para comer; a gente precisa plantar para sobreviver.” Assim começamos a viver com o que tínhamos na comunidade rural.

O que é normal?

Não acreditamos que voltará à normalidade, pois, o que é normal? Por não ter uma deficiência física, eu sou normal? Por eu não ter um problema psiquiátrico, eu não sou normal? O que não é normal para mim, não é normal para você. A homossexualidade é normal para a comunidade LGBT, mas pode não ser normal para a comunidade hetero. E essa normalidade heteronormativa pode não ser normal para nós que não compartilhamos do mesmo pensamento, já que não podemos permitir um sistema tão sexista, tão misógino, tão homofóbico. Não podemos deixar que essa forma de dominação dos nossos corpos, da nossa vida,  tome conta. A gente não pode deixar as ideologias fascistas tomarem conta da nossa nação. E essa é uma responsabilidade nossa enquanto povo preto; é uma realidade nossa enquanto povos indígenas.

Sempre dizemos na comunidade Caxuté: “Força e resistência. Levante o dedo, pois, se levantarem o dedo para nós, vamos dizer que Marielle existe; que Mãe Bárbara existe; que Mãe Stella existe…”. Queremos falar e temos o direito de falar.

Esse dedo também simboliza o Ogó de Exu; esse dedo sinaliza que é pontiagudo e precisamos, de diversas formas, fissurar esse poder que está aqui, a gente precisa quebrar os muros da colonialidade do poder. A gente não volta a ser normal, coisa nenhuma. Eu, enquanto sacerdote, tenho que me reinventar nesse momento. Então, no pós-pandemia, será preciso que a gente se reinvente; é preciso que nossos dogmas sejam repensados. Nós não podemos ser intocáveis, a gente é humano. Nós somos povos indígenas, somos povos pretos e negros aqui no Brasil.

Que a gente recorra a saberes tradicionais

É preciso que nesse momento de pandemia a gente recorra a nossos saberes tradicionais. Que  agente faça as nossas rezas. Quem não souber o que falar, clame à força que acreditar; pegue quarana, pegue arruda, pegue folhas que você já conhece, boas para rezar. Reze sua casa, sua família. Porque da mesma forma que cada um faz as suas orações, nós temos nossas liturgias.

É preciso que os filhos da casa, do terreiro, das comunidades tradicionais prestem cultos aos nossos ancestrais, às nossas divindades. Do contrário, começamos a potencializar um sentimento de depressão, potencializar o que o colonizador nos diz: que somos fracos.

E, neste momento, de quem é fraco e de quem é forte… Jesus, Oxalá, Lembá e Tupã estão com a responsabilidade de curar o seu povo; ou de matar. Não existe essa força do bem; não existe essa força do mal. Existem dualidades que o cristianismo não permite e que a gente reafirma. Não existe uma religião que seja melhor do que a outra, sem medir forças. É um vírus que atinge a todos, mas principalmente ao nosso povo preto, aos nossos povos indígenas. A gente paga impostos e precisa que os impostos voltem como distribuição de renda.  

“Leva a urucubaca para o lado de lá…”

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60 anos ou mais Amapá Ensino Superior Completo Mulher Cis Parda

“Ocupo-me de jardinagem. O confinamento nos inspira a nos reinventarmos”

Ocupo-me de jardinagem. O confinamento nos inspira a nos reinventarmos, a criar novos espaços de cultivo dessa arte verdadeiramente terapêutica.

Regar, eliminar ervas daninhas, adubar, vê crescer e desabrochar lindas flores é muito prazeroso.

Reinventar-se é dar um chega pra lá no tédio. Curando a Alma. O milagre da vida. Cada dia uma descoberta maravilhosa!

Jardinagem; cada dia uma revelação maravilhosa. A vida vale a pena.