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Ensino Médio Completo Roraima

“Demorei uns três meses para me recuperar totalmente. Foi horrível”

Cássia Andréia, indígena da etnia Wapichana, conta como tem sido o processo de luto durante a pandemia e como se recuperou da Covid-19

Meu nome é Cássia Andréia, tenho 24 anos e minha etnia é Wapichana. Atualmente trabalho de forma autônoma.

Antes da pandemia, 2020 seria o meu ano. Eu estava trabalhando, iria começar a faculdade de Comunicação Social, tinha planos de tirar a carteira de habilitação e, no futuro, queria comprar um carro. E, de repente, veio a pandemia e vivemos uma situação que jamais pensaríamos em enfrentar. 

Meu marido havia feito um empréstimo para eu comprar um notebook e fazer faculdade. Cheguei a ir para a faculdade na primeira semana de curso. Foi a oportunidade de eu conhecer os alunos e professores, conhecer a faculdade. A experiência foi boa. Mas com o fechamento da faculdade, senti um baque. 

Com a pandemia, as aulas passaram a ser realizadas de forma remota, com Google Meet, Instagram e WhatsApp e havia muitas reclamações dos alunos por causa da má qualidade do sinal de internet. 

Nessa época, fui despedida e minha casa foi roubada três vezes. Foi um prejuízo muito grande. Nesse contexto, eu já não tinha mais condições de continuar o curso. Ficamos com muitas dívidas e ainda não conseguimos comprar novos aparelhos para que eu possa voltar a estudar.

Sei que é errado se automedicar, mas era o único meio que tínhamos para tentar melhorar: os hospitais estavam lotados

Isolamento e infecção por Covid-19

Com a necessidade de isolamento social, minha mãe, minha avó e as crianças que moravam com elas foram se isolar em um sítio. Nessa época eu ainda estava trabalhando para ajudar minha família com as despesas. Pensávamos que essa fase iria passar logo. 

Com o tempo e a não melhora da situação, minha mãe e minha avó resolveram voltar para a cidade e minha mãe acabou contraindo o Covid-19. Eu fiquei desesperada porque moramos em casas separadas e eu não podia visitá-la, acompanhá-la. 

Ainda que ela não tenha sido internada, ela ficou com sequelas, com muitas dores nas articulações, com muito cansaço. Depois dela, minha avó também pegou Covid-19. Não se sabe como e porque o vírus chegou, não sabemos como ele entra em nosso lar. 

Meu esposo é militar e, depois de um tempo, voltou a trabalhar normalmente. Pegava carona com um amigo até que contraiu o vírus do amigo e ambos foram dispensados do quartel para se restabelecerem. Foi então que eu e minha filha nos infectamos. Ficamos isolados e minha mãe jogava medicamentos no portão de casa. Sei que é errado se automedicar, mas era o único meio que tínhamos para tentar melhorar: os hospitais estavam lotados. A gente tomou medicamentos naturais, já que temos conhecimento sobre ervas por sermos descendentes de indígenas. 

Demorei uns três meses para me recuperar totalmente. Foi horrível. Eu só ficava deitada e enxergava tudo embaçado. Eu acho que meu porte físico não ajuda muito porque sou gordinha, sempre fui.

Luto

Perdi amigos, pessoas da minha família para o Covid-19 e quando a pessoa morre por causa do vírus não há nem velório. É muito difícil não poder velar o seu ente querido, não poder abrir o caixão. A despedida dura só dez minutos e é de longe. 

Minha avó acabou morrendo por causa das sequelas do Covid-19. Após ter contraído o vírus, sua saúde, que antes era boa, já que ela era uma pessoa ativa, foi se debilitando e ela acabou tendo um AVC. 

Eu cheguei a acompanhá-la no hospital e, um dia após seu aniversário, começou a sentir dores de cabeça, foi internada no hospital e morreu. Ela tinha 63 anos. Como ela morreu das consequências do vírus, conseguimos nos despedir. Eu organizei o ritual fúnebre da forma como ela queria, com o caixão chique que ela queria, com tudo.

Perdi amigos, pessoas da minha família para o Covid-19 e quando a pessoa morre por causa do vírus não há nem velório. É muito difícil não poder velar o seu ente querido, não poder abrir o caixão. A despedida dura só dez minutos e é de longe. 

Minha avó acabou morrendo por causa das sequelas do Covid-19. Após ter contraído o vírus, sua saúde, que antes era boa, já que ela era uma pessoa ativa, foi se debilitando e ela acabou tendo um AVC. 

Eu cheguei a acompanhá-la no hospital e, um dia após seu aniversário, começou a sentir dores de cabeça, foi internada no hospital e morreu. Ela tinha 63 anos. Como ela morreu das consequências do vírus, conseguimos nos despedir. Eu organizei o ritual fúnebre da forma como ela queria, com o caixão chique que ela queria, com tudo.

Vacinação

Meu esposo se vacinou antes de mim porque o quartel disponibilizou vacinas. Eu me vacinei mês passado e este mês receberei a segunda dose. No começo eu tive um pouco de resistência em relação à vacina por causa das informações que ouvi, mas eu me vacinei porque eu não quero mais passar pelo o que eu já passei e nem ter que transmitir o vírus para outras pessoas

Futuro

Eu pretendo sim voltar a fazer faculdade, arrumar um novo emprego. A minha perspectiva para o futuro é concluir os projetos que tracei antes da pandemia. Pelo menos um deles eu estou conseguindo finalizar, que é o de tirar a minha Carteira de Habilitação.

Relato de Cássia Andréia, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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