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Eu também adoeci

Sou psicóloga residente em um programa de Saúde da Família, e também adoeci.

Atuo em um núcleo de Atenção Primária em Saúde: a UBS, o querido “postinho”. Nesse espaço, atuo com os usuários do SUS que são encaminhados à avaliação e atendimentos psicológicos breves, além de realizar encaminhamentos a outros serviços da rede.

Dei início à residência e à minha prática profissional em sua totalidade em 2021, já em um contexto pandêmico.

Passei 8h diárias, escutando a dor e acolhendo o sofrimento.

Após alguns dias atuando na UBS, em um momento de maiores restrições sanitárias, houve importantes mudanças no meu processo de trabalho: minha atuação se restringiu aos teleatendimentos.

Durante alguns meses, passei 8h diárias, seis dias por semana, escutando a dor e acolhendo o sofrimento individual, atravessado pelo contexto da pandemia.

Fui tomada pela angústia e, por fim, eu também adoeci. E como poderia ter sido diferente? A dor do isolamento social, da saudade, das restrições no repertório de vida, da morte, das implicações financeiras, políticas e sociais… Todas me atravessaram. Foram tempos nebulosos, duvidei da minha própria capacidade de (re)existir.

Um sono patológico que tomava conta dos meus dias, um pedido de socorro. Meu corpo e minha mente tinham adoecidos.

Só-depois

Afastei-me de coisas que considero importantes, como o trabalho com o Nariz Solidário, em que, inclusive, atuava em prol do incentivo ao cuidado da saúde mental. Hoje, olho para tudo isso e percebo o quanto fui capaz de superar, de reinvestir no mundo, de estar retomando projetos, apesar de ainda não ter compreendido totalmente minhas reações frente a esse período. Mas não tenho pressa.

Freud tem um conceito muito interessante para isso: “nachträglich”, palavra alemã que não possui tradução literal, mas implica uma ideia: só-depois.

Tem coisas que só vêm depois.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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