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“Foi na pior fase da pandemia que meu irmão morreu. Ele tinha 35 anos”

O jornalista Josué Ferreira conta como enfrentou a morte do irmão por Covid-19, como sobreviveu à doença e faz uma crítica ao Estado pela negligência em relação ao sistema público de saúde

Meu nome é Josué Ferreira. Eu tenho 25 anos e sou jornalista.Quando eu comecei a cobrir a pandemia, nunca pensei que algo iria acontecer com minha família, mas infelizmente aconteceu.

Foi na pior fase da pandemia que meu irmão morreu, em fevereiro de 2021. Ele era novo, tinha 35 anos. Acabou fazendo aniversário na UTI. Eu fiquei com ele grande parte desse período de internação, revezando com minha cunhada. Ver meu irmão em um estado grave e sem conseguir fazer muita coisa foi bem difícil. 

Ele estava internado em um Hospital de Campanha de Roraima e seu estado acabou piorando. Com o agravamento de sua saúde, seu pulmão ficou comprometido e ele foi transferido ao  hospital referência em Roraima e precisou ser entubado. 

Esse foi o momento mais difícil da pandemia porque foi a última vez que eu falei com ele. Eu disse para ele não se desesperar e ele me respondeu dizendo: “mano, eu estou indo morrer. Adeus”. Ele se despediu em um tom muito desesperador. Ter falado com ele pela última vez, nas circunstâncias que nos falamos, me marcou muito.

Meu irmão era uma pessoa cheia de vida. Tinha planos de ter a casa própria; planos de ver o filho crescer. Ele deixou um filho de 10 anos. Os sonhos foram interrompidos e a família ficou dilacerada. 

Muitas pessoas estariam vivas ainda se tivéssemos um sistema de saúde bom. Mas a realidade foi outra: não havia medicamento, equipamento; e não havia profissionais o suficiente para cuidar dos doentes. 

Volta ao trabalho

Outro momento complicado foi quando tive que voltar a trabalhar. Eu voltei para fazer cobertura da morte, dos casos de Covid-19. Continuar a falar da morte sabendo que um familiar seu firou estatística, um número, é muito forte. 

E isso só aconteceu por negligência. Muitas pessoas estariam vivas ainda se tivéssemos um sistema de saúde bom. Mas a realidade foi outra: não havia medicamento, equipamento; e não havia profissionais o suficiente para cuidar dos doentes. 

A morte do meu irmão ainda é uma ferida que está cicatrizando. Não é vida que segue. 

Processo de luto

No fim do ano eu viajei para participar de um processo de seleção para uma vaga de Mestrado na Universidade Federal de Roraima e meu irmão foi uma das pessoas que mais me apoiou. Quando eu consegui a vaga de Mestrado, ele ficou super feliz, me mandou uma mensagem me parabenizando e, no mesmo dia em que foi realizada a primeira aula do mestrado, eu não pude participar porque estava no hospital atrás de um exame de tomografia para meu irmão. .

Sei que o tempo vai amenizar a dor, mas precisei procurar uma ajuda de um profissional, um psicólogo. Com ajuda profissional, fui entendendo meu processo de luto. 

Não tem como acordar e dizer: “ah, está tudo bem, não aconteceu nada, estávamos sonhando”. Eu só espero que a gente acorde desse pesadelo o quanto antes.

Mortes por negligência

Eu acho que a pandemia tem muitas facetas. Você acaba se deparando com várias delas ao longo de mais de um ano de pandemia. E, mesmo assim, ainda existem muitas pessoas que não acreditam no vírus.

É triste porque muitas pessoas perderam a vida por conta da negligência. O Brasil passou por uma fase de negligência muito grande: havia vacinas para serem compradas e o país não comprou. É a partir desses fatos que eu penso que meu irmão poderia estar vivo hoje. 

Não tem como acordar e dizer: “ah, está tudo bem, não aconteceu nada, estávamos sonhando”. Eu só espero que a gente acorde desse pesadelo o quanto antes. As pessoas precisam entender que o vírus mata, que famílias inteiras foram dilaceradas! E é muito grave e preocupante! 

E mais uma coisa: fora Bolsonaro! É isso que a gente quer!

Relato de Josué Gomes, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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