“Eu sou Tamile Rizmann Fronczak e o meu quarto agora é minha sala de aula e lugar de estudo. Sou natural de Curitiba – PR, tenho vinte e seis, e dois grandes sonhos acalentados desde criança: ser professora e conhecer Paris. Escolhi o curso de pedagogia e estou firme no propósito. Eu tenho Síndrome de Down e acredito na inclusão das pessoas com deficiências na escola regular e na sociedade. A formação universitária é uma opção minha e conta com o apoio da mãe e do pai.
Antes, já havia feito três de anos de pedagogia em uma Instituição de Ensino Superior privada. Minha mãe diz que o primeiro ano foi um investimento financeiro perdido porque a IES não ofereceu os apoios que ela precisava. Porém, foi uma grande vitória de sua tenacidade e persistência: ela se superou, provou o seu valor e ganhou paulatinamente o respeito de todos/as. Isso tudo marcado por significativo desgaste emocional e físico, inclusive. Nos dois anos que se seguiram, foram sendo adequados os apoios e os arranjos necessários para o sucesso nas disciplinas matriculadas”, conta Tamile.
Diante do quadro de instabilidade financeira familiar, em 2020 e após passar no vestibular (2019) optamos pela escola pública para que a Tamile não adiasse ainda mais a realização de seu sonho. Ela mudou de IES muito a contragosto, mas obediente. Como todo mundo, ela tem dificuldade em lidar com a mudança. Sente muita falta dos/as amigos/as e do ambiente escolar já conhecido na IES anterior.
Isolamento
Nos primeiros quinze dias de isolamento (março/2020), Tamile mostrava, pela primeira vez na vida, desinteresse pelos estudos e nenhuma vontade de retornar à universidade, por vários fatores desde a comodidade de estar em casa ou pela total falta de vínculos com a nova Instituição de Ensino.
Figura 2: Chocolate quente no café da manhã de mãe e filha
Quando chegou a primeira informação, por e-mail, sobre alguma atividade não presencial ficamos muito apreensivas com as demandas e imediatamente entramos em contato com a Coordenação do Curso e com Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidade Educacionais Especiais.
A nova rotina de vida estabelecida em casa era algo a ser explorado: a família toda em casa todos os dias e não só nos finais de semana éramos duas, mas essa era toda a nossa família; um pouquinho mais de tempo para dormir pela manhã; trabalho diário nas tarefas da casa: secar a louça, ajudar a preparar as refeições, arrumar o quarto; cuidar de si, desenhar, pintar, dançar, ouvir música, tomar sol pela janela; mais tempo de TV e celular também. Portanto, voltar ao ritmo de estudos parecia desgastante.
Figura 3: Tamile “sous-chef” na nossa casa – 1º semestre
Nova rotina
A partir do citado e-mail e da primeira reunião virtual com a IES (professores e alunos) e dos contatos frequentes por telefone com quatro professoras, as dúvidas foram sendo esclarecidas e os combinados construídos. As conversas virtuais das segunda-feira foram trazendo a universidade mais para perto e o ânimo e compromisso com o estudo foi retomado. Então, Tamile passou a ler com afinco o livro indicado pela IES e presenteado pelo pai “Pedagogia do Oprimido”. Fez seus resumos e seus mapas mentais com o apoio somento das conversas familiares à mesa a partir de suas demandas.
Com o início das atividades pedagógicas não presenciais e o apoio da professora designada para acompanhá-la estabeleceu-se uma rotina e dinâmica organizadora não só dos estudos, mas também com influencia positiva no equilíbrio emocional, pois minimizava as perdas de contato impostas pelo isolamento social devido à pandemia Covid19. A chegada de um tablet emprestado pela IES também ajudou muito em toda a dinâmica.
Figuras 4, 5, 6 , 7 e 8: “Qualquer um pode cozinhar”, mas somente um paladar apurado sabe apreciar uma boa comida. Essa é a Tamile!
Destaque na Figura 5 é o omelete preparado pela Tamile (somente com supervisão da mãe) – 1º semestre/2020.
“Qualquer um pode cozinhar” é uma frase famosa do Filme “Ratatouille”, dita pelo Chef Gusteau como expressão de suas crenças pessoais. E nós também acreditamos que qualquer um pode realizar coisas maravilhosas, pode sim ser um artista, ser bem sucedido e alcançar os seus sonhos. O rato Rémy simboliza alguém simples e pobre, que sofre preconceito e perseguição e mesmo assim consegue realizar o seu maior sonho, contra todas as expectativas e contra todos.
Consultado em 15/08/2020, às 14h, em: clique aqui.
Mudanças
Muitas coisas mudaram nas nossas vidas desde que participei do vídeo convocatório da Campanha Memória Popular da Pandemia. A partir de setembro/2020 a dinâmica da nossa casa mudou bastante com a chegada da Vovó Gertrudes. E o nosso espaço de vida que parecia aconchegante ficou pequeno demais.
Em novembro/2020 mudamos para Ilhéus, na Bahia. Moramos, hoje, em frente à Praia de Olivença, margeando o Território Indígena Tupinambá de Olivença. O lugar de fato é um paraíso, mas toda mudança exige um esforço nas adaptações. Vovó Gertrudes, de fato, melhorou muito.
- As minhas produções e a nossa vida:
Figuras 9, 10 e 11: Comemoração familiar dos 169 anos da chegadada Família Ritzmann ao Brasil – 12/07/1857 – 2020
Figuras 14 e 15: Produções artísticas da Tamile – 1º semestre/2021
Para mim, a educação é simultaneamente um ato de conhecimento, um ato político e um ato de arte” (Paulo Freire)
Acesse o teaser da Campanha que contou com a participação da Tamile em: encurtador.com.br/ktwCZ
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