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40 a 59 anos Ensino Superior Completo

“Atendia pacientes com Covid-19. Um deles tossiu perto de mim e me contagiei”

Meu nome é Marcos Correa e sou imigrante venezuelano. Tenho 43 anos e sou médico. Vim ao Brasil depois que o município de Boa Vista (RR) decretou situação de calamidade pública por causa da pandemia e começaram a contratar médicos estrangeiros. 

Fui trabalhar no hospital de Campanha. Meu contrato era por seis meses. Depois do período de capacitação, comecei a trabalhar no atendimento de pacientes contagiados por Covid-19. O caso deles era muito grave. Um deles tossiu perto de mim e acabei me contagiando. Comecei a apresentar sintomas de dificuldade respiratória, não conseguia respirar. É algo muito ruim. 

O Covid-19 é um vírus que primeiro ataca a parte respiratória, depois  a parte neurológica. A pessoa fica confusa.

Fiz exames no hospital e o diagnóstico foi que eu estava com fibrose pulmonar devido à Covid-19.

Quando eu fiquei doente, eu tive depressão. Em uma semana eu emagreci muito, não conseguia dormir e fui ao Posto de Saúde. Aos poucos fui me recuperando sem precisar ser internado. 

Após me recuperar, fiquei com ansiedade e não parava de comer. Então engordei e voltei a ter dificuldade em respirar. Fiz exames no hospital e o diagnóstico foi que eu estava com fibrose pulmonar devido à Covid-19. Foi então que um colega me passou um tratamento um pouco mais agressivo para tratar a doença e eu me recuperei. 

Uma das coisas que aprendi com essa doença é que, como médico, eu tenho que estudar e pesquisar mais sobre as causas da doença e seus efeitos. Hoje ajudo muitas pessoas na Venezuela e no Brasil. 

Quero chamar a atenção para a importância da vacinação. Ela salva vidas e diminui os efeitos da doença. Todos temos que nos vacinar. 

Relato de Luana Lemos, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“Só com a vacina todos estarão imunizados”

Olá, meu nome é Francivania Leocaldio, tenho 41 anos e sou da etinia Wapixana. Trabalho como auxiliar administrativo e tenho dois filhos.

O principal impacto da pandemia na minha vida foi a morte da minha mãe, em junho de 2021. Ainda que sua morte tenha ocorrido em junho de 2021, ela teve Covid-19 em maio do ano anterior e conseguiu se recuperar. Porém, ela teve várias sequelas e com o tempo acabou não resistindo. 

Sua morte mudou totalmente a rotina da família, porque ela era a base de tudo. Ficamos sem chão e ainda estamos encontrando forças para seguir a vida, tentando lembrar dos momentos bons com ela, de seus ensinamentos. 

Além da minha mãe, que morreu das sequelas do Covid-19, perdi também um tio. Ele chegou a ser internado, intubado e não resistiu à doença. Isso foi em março de 2021, quando ainda não havia vacinas. Por isso, é importante que haja vacinas para todos, para que essa pandemia acabe logo. 

Contaminação

Ainda que só meu tio e minha mãe tenham morrido em decorrência do vírus, em casa todos fomos contaminados e eu fui a que mais sentiu a doença. Eu fiquei quase um mês sem andar e por opção, não quis ir ao hospital. Na minha cabeça, ir ao hospital era morrer lá. 

Então eu me mediquei com remédios naturais e industrializados. Durante esse tempo, fiquei muito cansada, não aguentava andar, eu me arrastava para ir ao banheiro.

No momento mais crítico, eu me preocupei por meus filhos. Mas, graças a Deus, ainda estou aqui para contar essa história.

Futuro: medos e esperanças

Com a morte de pessoas queridas por causa da doença, passamos a valorizar mais a família. Houve uma união maior entre nós e sempre falamos: “Ninguém sabe o amanhã! Ninguém sabe se vai estar aqui, então vamos viver o hoje!”.

O meu filho mais novo tem seis meses de vida  e nasceu prematuro. Meu medo é que, com a volta às aulas, ele possa pegar a doença de alguém, dos outros filhos meus que vão à escola. Se isso acontecer, ele não vai resistir porque o pulmão dele é muito fraco.

Eu penso muito nos meus filhos, já que a criança não sabe o perigo que está correndo. Nós, adultos, ainda nos protegemos com álcool gel, mas não se pode controlar as crianças na escola. Lá elas vão brincar e interagir com outras pessoas e podem ser contaminadas com o Covid-19. 

A mensagem que deixo aqui é sobre a importância da vacinação. Só com a vacina todos estarão imunizados.

Relato de Francivânia Leocádio, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor

“Nós somos mortais; logo, eu não tenho medo”

Relato de Marcinda Guimarães, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Essas coisas que acontecem no mundo não me assustam, porque sou uma irmã sábia. A gente estuda muito a palavra, ouve muito e, uma vez, ouvi alguém dizer que havia de chegar uma doença que mataria muita gente. Mas, eu não sou muito de acreditar nas coisas. Sou igual a Tomé, só acredito depois que vejo.

Eu não sabia que seria isso! Mas, agora que a minha ficha caiu. Será que é a pandemia? Durante uma conversa com o meu filho, ele falou: “mãe, isso já era previsto.” Mas, eu não sabia o que era, sabia apenas que seria uma coisa terrível para a humanidade. No início, fiquei incrédula e cheguei a pensar: o povo conversa muito, vai que não é nada? Pois é, mas está acontecendo mesmo.

Nós somos mortais, por isso que eu não tenho medo. Aliás, eu não tenho medo de nada! Ah, é cuidado que ele é doente, é isso, é aquilo. Que nada! Olha, eu não sei quem contaminou o primeiro, eu penso logo assim. Então, quem será que contaminou o primeiro? Veio porque tinha de vir. 

A Carmelita e o Silvani, irmãos dos meus primos, morreram de Covid. 

“Trabalho desde os 9 anos de idade”

Não sinto saudade da minha vida antes, porque eu trabalhei desde os meus 9 anos de idade. Hoje, estou aposentada e acredito que se Deus me aposentou é para eu ficar quieta. Agora, só quero me divertir, estar na praia. É sombra, água fresca e água de coco gelada, e pronto. Chega! Eu comecei a trabalhar quando tinha apenas 9 anos! Me tiravam da cama às 2 horas da manhã pra ir bater pasto, bater rapadura, tocar boi, buscar cavalo no pasto.

Vim parar em Brasília e tinha que levantar 4 horas da manhã para ir pra fila pegar leite no carro do leite, caso contrário, não tomava leite. Chega! Cresci trabalhando, trabalhei até 2011. Minha luta foi até 2011, quando, finalmente, me aposentei. Quando vi que eu não aguentava mais, eu disse “chega!” Agora eu não quero mais nada. O que cair na rede, pra mim, é peixe. Não quero mais nada. Somente passear, andar e aproveitar. 

Isso é coisa de Deus, é inexplicável. Só Ele pode explicar para nós. Eu vejo assim, como fim dos tempos, como fala no livro de Gênesis, na Bíblia. Então já está começando ou talvez agora está até terminando, ninguém sabe! Eu já vi muitas pragas. Eu já dormi com leprosos. Minha tia tinha uma doença que ela descascava todinha, ficava feridinha. Tinha que dormir com ela e ela falava assim: “Marcinda você não tem nojo de dormir comigo?”. 

Eu falei: “Nojo porque minha tia? Porque vou ter nojo? Tia, a senhora não queria, mais veio. A doença vem pra gente sem você querer, quando tem que acontecer, vai acontecer, minha filha. Estamos todo mundo aqui dentro de casa, de repente uma bala pode me pegar aqui. Nós estamos conversando, porque eu tinha que morrer baleada, não é não? Eu tinha que morrer daquele jeito. 

“Eu acredito na palavra de Deus, por isso não tenho medo”

Acredito na sorte. Que a gente nasce com ela, porque você já nasce com tudo pronto pra morrer. Você vem, mas já vem trazendo tudo. Deus vai dizer: “você vai viver tanto tempo e com tanto tempo você será recolhida. Você vai morrer assim, e pronto.” Eu acredito na palavra. Por isso, eu não tenho medo de nada, graças a Deus. 

Faça o que tu gosta, mas se cuide. Se cuide muito bem, porque eu me cuido. Não deixe de fazer o que queres. Mas tenha cuidado, porque tudo na vida tem que ter cuidado. Procure também se alimentar bem, porque o que vale é o alimento. Se puder, tome suco de inhame durante o dia e à noite. É ótimo!

Uma coisa eu digo: a vida é luta! Não pense que vamos embora sem lutar.