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25 a 39 anos Bahia Ensino Superior Completo Homem Cis Prta

“Sendo uma bixa preta afeminada, eu já havia vivenciado outros contextos de isolamento social”

Sendo uma bixa preta afeminada, eu já havia vivenciado outros contextos de isolamento social. Entretanto, o isolamento social enquanto única alternativa de proteção contra a Covid-19, durante uma pandemia que tem matado milhares de pessoas no mundo todo, acarreta outras questões. Interpela o contexto socioeconômico, a saúde do corpo e da mente. 

Sendo uma pessoa preta e gay, estou inserido em populações vulnerabilizadas pela sociedade há bastante tempo. De alguma forma, vivenciamos os impactos de isolamento social pelo Estado na negação de nosso acesso aos direitos básicos, principalmente, no que se refere à segurança e à saúde.

Com a pandemia, as desigualdades sociais ficaram mais evidentes para muitas pessoas – mas nunca foram uma novidade para a gente. Temos visto que as principais vítimas da pandemia são justamente as populações mais vulnerabilizadas de sempre. Nem mesmo a pandemia e o isolamento empacaram os números que apontam para o genocídio da juventude negra e de pessoas trans e travestis.

Atividades suspensas, renda suspensa

Eu trabalho nos setores que foram os primeiros a parar por conta pandemia. Sou professor numa escola municipal, que teve as aulas suspensas assim que o primeiro caso foi comprovado em Salvador. Além disso, atuo como produtor artístico e cultural, e tive que cancelar e paralisar projetos voltados para a cena cultural por conta da pandemia.

Pessoalmente, além de ser considerado grupo de risco (o que me deixa muito afetado psicologicamente, com medo de ser contaminado de alguma forma, mesmo tomando todos os cuidados necessários), a questão econômica é um dos fatores que me preocupa. Não tenho um emprego fixo e dependo das atividades que foram suspensas.

Artvismo em contexto de isolamento

Sou um dos idealizadores do Coletivo Afrobapho, um grupo formado por mais de 15 jovens negros LGBT das periferias de Salvador que utilizam as artes como ferramenta de mobilização social e Artvismo. Nós atuamos com ações presenciais como performances, shows, intervenções urbanas, etc.

Com a pandemia, paralisamos as atividades artísticas e culturais. Inclusive, a produção de conteúdo audiovisual. Temos utilizados os aparatos tecnológicos e digitais para comunicação e até mesmo como forma alternativa de continuidade das atividades que desenvolvemos.

Estamos seguindo todas as orientações de isolamento social que a Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou. Nesse período, temos recebido alguns convites de trabalhos online e tentado os auxílios governamentais para sobrevivência.

Que normalidade?

Vejo muita gente falar de um “novo normal”, de uma “volta à normalidade”. Mas nós, corpos dissidentes, sabemos que o problema sempre esteve nesse conceito do que é considerado normal nessa sociedade racista e LGBTfóbica.

Entre utopias e distopias, desejo que o pós-pandemia não seja tão caótico para as populações mais vulnerabilizadas. Sabemos que é a base da pirâmide social que vai ter que segurar o rojão do processo de recuperação socioeconômica. São os corpos dissidentes que têm construído e proposto novas narrativas de vida, desde muito tempo.

Espero que consigamos resistir e existir em comunhão contra o projeto opressor que tem se reconfigurado a cada época pra nos fazer falhar, pra nos eliminar. Venceremos. 

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40 a 59 anos Branca Ensino Superior Completo Homem Cis São Paulo

“Assim que as aulas foram suspensas, vivi um terrível período de incerteza”

Desde o surgimento das primeiras notícias sobre o novo vírus em Wuhan, na China, voltei minhas atenções para lá. Por dois motivos. Primeiro, tenho grande interesse em geopolítica. Segundo, porque Campinas tem hoje uma crescente comunidade chinesa, voltada para o comércio de artigos importados de sua terra natal.

O vírus fatalmente deixaria o território chinês, devido ao gigantesco volume de comércio da China com o mundo globalizado, e colocaria populações em risco.

Hoje, sabemos que muitos países do mundo demoraram a entender o que se passava de fato e a Organização Mundial de Saúde (OMS) deveria ter se antecipado à evidente pandemia.

Aulas suspensas e ensino remoto

Durante o início do ano letivo, nas aulas, eu tratei com os estudantes sobre o que eram vírus e das relações do Brasil e do mundo com a China. Já havia um clima de apreensão.

Assim que as aulas foram suspensas, vivi um terrível período de incerteza.

Para “salvar” o ano letivo, o governo de São Paulo cria um plano de atendimento online na educação, com aulas ou atividades através de plataformas online, seguido por muitos municípios. Ação de êxito contestável, num país onde as pessoas têm dificuldade de fazer todas as refeições, em que celulares e computadores, quando se tem, muitas vezes são de uso coletivo nas famílias.

Famílias essas que já enfrentavam problemas como o desemprego. Muitas vezes, colocadas em risco em nome de um falso empreendedorismo, pois as poucas alternativas são entregar fast food e ser motorista de aplicativo, sem direito trabalhista algum.

O decreto sobre o isolamento social autorizado pelo STF mostrou como o governo federal estava perdido e descuidado do povo.

O Auxílio Emergencial, que deveria amenizar o sofrimento, acabou sendo mais um problema. A demora para os saques e ausência de liberação pelo aplicativo acirraram ainda mais as desigualdades.

O negacionismo é algo muito assustador aqui no Brasil: governantes, profissionais de todas as áreas e a população leiga disseminando absurdos, saindo de casa sem necessidade, não usando máscara, atacando imprensa e profissionais de saúde. Isso mostra como somos um arremedo de democracia e na verdade pouco solidários.

Ressalto que fiquei de início, cerca de um mês e meio, sem sair de casa, sem ver familiares, namorada e amigos. Aliás, ainda saio só mesmo só for imprescindível.

E, por fim, me solidarizo diariamente com as famílias dos muitos milhares de mortos que infelizmente teremos.

Que venham logo as vacinas.