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“Um dos momentos mais difíceis da pandemia foi chegar em casa e não ter o que comer”

Meu nome é Francisco Belchior. Sou autônomo e tenho 63 anos.

A pandemia afetou não só minha vida, como todas aquelas de pessoas mais vulneráveis. No meu caso, ela afetou principalmente a questão financeira. Eu tinha um pequeno comércio e a situação está muito difícil. 

Fome

Um dos momentos mais difíceis da pandemia foi chegar em casa e não ter o que comer. Isso aconteceu comigo mais de uma vez e felizmente contei com a ajuda de um amigo. 

Além da questão financeira, perdi uma irmã na pandemia e vários colegas. É triste perder um ente querido, da sua família.

A minha mensagem vai para as pessoas que sobreviveram à pandemia. É preciso ser forte porque não é qualquer um que aguenta passar por essa situação.

Relato de Francisco Belchior, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Não podemos perder mais pessoas por causa de fome e frio”

Não quero aceitar que vamos perder mais pessoas por causa de fome e frio. Em pleno dia da semana, a imagem mais dolorosa que vi em 2020: Tudo fechado e ruas lotadas, às 7 horas da manhã, na esquina da igreja Santana. Muitas pessoas, uma atrás da outra, em uma fila que não tinha fim, cruzava a esquina e descia a Cruzeiro do Sul. A maioria, composta por homens negros, aguardava por um pão e um copo de café.

Eu já tinha passado ali muitas vezes. Trabalho com a população de rua há 10 anos pelo SUS e quando saio do plantão faço sempre esse caminho. No meio da multidão muitos rostos conhecidos e de muita gente que nunca vi. 

Estava tão frio, acredito que era o dia mais frio do ano. Senti vergonha, abaixei a cabeça e passei por eles, com a sensação de impotência. Passando perto de quem estava descalço naquele frio horroroso, senti vergonha de estar calçada.

Eu sempre me revolto com o mundo, e quanto mais estudo mais a ignorância deixa de me proteger. Não aguento sentir a desigualdade social aumentar.

Solidariedade

Vejo a vulnerabilidade social como um problema de todos. Por isso, acionei alguns amigos e lá fomos nós para as ruas alguns dias depois. Daquela realidade que me assombrou, a união levou comida, roupas, cobertores, máscaras, descartáveis água, lanches e doces em uma comitiva de 5 carros Muita gente envolvida! E foi assim que conheci mais pessoas que também realizam esse trabalho, e de forma organizada. Fui até inserida em um grupo de WhatsApp, em que os coletivos e religiosos se organizam. Através de uma planilha, cada um vai anotando aonde e que horas vai fazer a ação.

Povo do axé com o povo do amém, em um único lugar, todos pelo mesmo objetivo, e no maior respeito. Essa galera não deixa na mão. Já fui buscar doação em todos os tipos de residência, mó galera diversificada, esforçada e importante. Tenho certeza que, por eles, ninguém passaria fome e frio. A galera sem teto os chamam de boca de rango, sempre envolvidos com falas de carinho e um momento de escuta prazerosa… essa galera é sem palavras, sempre correria!

Sou redutora de danos, a fome é um dano que dói, que desorienta, que desorganiza a pessoa, sei bem como é a dor da fome e por isso não consigo passar sem ver. Muitos falam que é uma fraqueza minha, “ser muito boazinha”, mas nessa pandemia utilizei todas as minhas forças. Não consegui parar nem por um dia. O cansaço bateu por diversas vezes, mas a cada dia agradeço a Xangô, que me guia, e sinto esse Axé em mim.

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40 a 59 anos Branca Ensino Fundamental Completo Mulher Cis Rio de Janeiro

“Deixa quem quiser chamar de assistencialismo. Eu digo que é uma emergência, fome tem pressa”

Gostaria de trazer uma coisa que tenho percebido nesse período de quarentena. Ativa atendendo na rua com um grupo de voluntários, o primeiro momento dessa urgência que a pandemia de Covid-19 trouxe é o enfrentamento à fome.

O que pode ser feito efetivamente nesse momento é atender. Deixa quem quiser chamar de assistencialismo. Eu digo que é uma emergência, fome tem pressa. É impossível alguém raciocinar, caminhar, com estômago vazio. Com fome. Isso para qualquer ser humano, esteja ele na cobertura ou na calçada no papelão.

Por isso, em função da pandemia, eu fundei um coletivo: Rua Solidária RJ 2020. Assim, foi preciso a gente se organizar. Em cada ação, tivemos um número diferente de voluntários. Mas, de um modo geral, a gente tem ido à rua para ações pontuais – numa média de 15 a 20 pessoas. Até porque não pode ser muito mais do que isso para não caracterizar aglomeração.

Além da fome; direitos sociais destruídos

A pandemia trouxe o agravamento da falta do que já tinha antes: a falta da política pública na saúde, na habitação. Mas o lado solidário move o projeto e todas as ações com a rua.

Lá na frente, precisamos juntar para que isso se torne mais uma pauta. Porque a saúde está destruída. A assistência social como um todo também está. Essa parte que o governo deveria estar fazendo. Deveria estar vendo habitação. As ocupações ampliaram, porque a necessidade pediu.

E fortalecer um comitê, para que ele seja implementado e, depois, possamos estar lutando por algo mais dentro dele. O Comitê Intersetorial – uma união de todas as secretarias unidas trabalhando juntas para solucionar os problemas a população de rua – será mais necessário do que nunca. Aí sim, essa luta pode se definir de forma positiva.

Solidariedade e laços da pandemia

Eu gosto sempre de falar do lado bom. A vida – principalmente nesse segmento da população de rua – que antes já e era difícil, com a Covid-19, se tornou mais.

Gostaria de deixar registrado que a luta enfrentada tem que ser histórica. Há solidariedade. Houve mobilização. Sensibilizadas pela situação atual, pessoas mudaram o modo de ser e de pensar.

Está ocorrendo um encontro de pessoas. Pessoas que antes da pandemia se desencontravam, batiam de frente. Hoje elas formam laços, caminhando na mesma ponte em função do mesmo objetivo: ajudar o mais necessitado.

Os próprios moradores de rua não se dividem mais em ponta de concentrações como costumam fazer. Eles se organizaram, se conscientizaram, a partir de quem foi levando as informações – sociedade civil, projetos e ONGs. Quero deixar isso bem claro, porque é admirável o trabalho feito por eles junto a essa população. É emocionante.

Essa força, energia, luta, empoderamento vai ficar tirando as coisas ruins. O melhor que se pode aproveitar – no bom sentido – vai vir pós-pandemia. É quando essa rua toda empoderada vai poder se juntar com outros movimentos sociais, outras frentes de luta.

Não se iludam, porque eles estão fortes e fortalecidos. 

Eu sou militante, ativista dos direitos humanos e da população nas situações de rua. Presidente fundadora do projeto Juca e do Coletivo Rua Solidária. Sou cozinheira e artesã.