Descobri o meu diagnóstico positivo para HIV em 2 de fevereiro de 2007, aos 48 anos. Tanto eu, quanto a minha esposa, nunca soubemos como pegamos.
Meu nome é Robson, tenho 52 anos, e fui criado em Salvador. Fugi de casa aos 7 anos, pois passava por diversos conflitos. Sou fruto de uma relação da minha mãe com um homem casado, por isso, ela foi mãe solteira.
Com o passar dos anos, ela conheceu — e passou a morar — com um cidadão que se tornou o meu padrasto, o mais próximo que tive de um pai.
Naquele tempo, a ideia era de que “um bom psicólogo é uma boa surra”. Fui criado numa família com base evangélica, que apontava tudo como pecado. Eu apanhava bastante.
Fugindo de casa
A partir disso, comecei a ensaiar fugas: fugia para a esquina, depois, de Candeias para Salvador, de Salvador para Itabuna e, com 11 anos, eu estava em São Paulo, sozinho.
Fugia porque apanhava. Depois, comecei a fugir porque não conseguia mais trabalhar. E foi assim que eu aprendi a viver. Por isso, sempre disse para mim mesmo que, quando eu pensasse em colocar filhos no mundo, eles jamais seriam criados por padrastos, mas por mim. Para que eles não passassem pelo que passei.
Conheci minha esposa na Praça José Ferreira, em Fortaleza. Eu, com 22 anos, e ela, com 17. Ela também vivia em situação de rua, e estava toda suja de cola de sapateiro — tinha uma história de vida muito parecida com a minha.
Pelos caminhos da vida
Tivemos 3 filhos. Tenho uma filha lésbica e, acho importante dizer isso porque, apesar da criação evangélica, e de ser evangélico, eu não concordo com o que dizem sobre pessoas como a minha filha — que são lésbicas ou que são ‘diversas’.
Eu entendo que eu devo dar a ela o mesmo que Deus dá: amor e respeito. É nisso que eu acredito.
Aprendi a pensar assim depois que um amigo meu me mostrou o quanto eu era ignorante, quando pensava que minha filha tinha que corresponder às minhas expectativas. Ele dizia:
“Veja tudo o que você esperava que sua filha fosse; uma mulher inteligente, bem-educada, com caráter, estudiosa, trabalhadora. Ela é tudo isso! Você também quer escolher com quem ela deve amar e namorar? Isso não lhe cabe! Você está perdendo a sua filha”.
Aquilo me fez mudar…
Descobrindo o HIV
Descobri o meu diagnóstico positivo para HIV em 2 de fevereiro de 2007, aos 48 anos. Tanto eu, quanto a minha esposa, nunca soubemos como adquirimos, ou de quem adquirimos.
Quando ainda planejávamos os filhos — que são HIV negativo — eu disse-lhe que, caso nos separássemos, eles ficariam comigo. E quando a separação aconteceu, meus próprios filhos escolheram ficar comigo.
Não conhecia e nem sabia o que era ter HIV. Nesta época, pensei que teria apenas mais 2 ou 3 meses de vida. Cheguei a pensar em suicídio.
Vivendo com HIV
Um dia, em Belo Horizonte, na Praça Afonso Pena, um lugar que passa ônibus a todo minuto, eu cogitei me lançar na frente de um daqueles transportes coletivos, mas, por incrível que pareça, em quase uma hora esperando, não passou um ônibus sequer.
A partir daquele momento, passei a tomar um litro de conhaque por dia. Depois, já de volta a minha cidade, meu filho me chamou e disse:
“O HIV não vai lhe matar, mas o senhor está se matando”.
Então, ele me deu o endereço de um Serviço de Atendimento à Pessoas Vivendo com HIV — as nomenclaturas na época eram outras. Lá, conheci uma mulher que me disse viver com o vírus há 25 anos — foi quando eu entendi que iria sobreviver, que havia, ainda, muita vida por vir.
Tive a melhor faculdade que qualquer ser humano poderia ter: o mundo; e o melhor professor: o sofrimento.
Aprendi a me virar de diversas formas, exceto cometer crimes. Sempre trabalhei. Cheguei a levar compras de pessoas do mercado até em casa, lavar carros, vender picolé, e jornal.
Foi com os jornais que aprendi a ler. Tinha muita curiosidade de entender o que eu estava vendendo. E lendo jornais, vendo as notícias, — entendi a importância de estar informado, para ir à luta.
O lugar de fala de uma pessoa com HIV
Entendo meu lugar como uma pessoa que vive com HIV, mas também como negro, e, ainda, entendo as relações entre o racismo e o classicismo, que oprimem de forma conjunta.
O preto sofre discriminação por ser preto, mas também, de forma agravada por ser pobre. Sei bem o que é isso. Mas venci. Meu filho se formou jornalista, e eu, até na área de caldeiraria trabalhei; e, trabalhando nesse setor, tive a oportunidade de viajar e conhecer 26 capitais do Brasil e 6 países.
Cheguei a ir para a África. Fiquei em São Paulo, passei por Curitiba. Contudo, meu projeto era encontrar o meu filho em Salvador, pois tínhamos planos de abrir um hostel em Fortaleza — em Canoa Quebrada.
A chegada da pandemia
Estava tudo programado para isso. Quando ouvimos sobre as notícias do coronavírus, ainda fora do país. Pensávamos que a pandemia seria apenas mais uma daquelas viroses que sempre nos acometem logo após a época de carnaval. Pensávamos que duraria uma semana.
Mas a pandemia destruiu todos os meus projetos, visto que acabou com o turismo. Retornei para São Paulo, para a casa do meu irmão, na tentativa de redirecionar a vida, mas quando cheguei lá, tive de ficar preso e com medo, transtornado, como todo o mundo.
Com a vida parada, precisei pensar em formas de me manter durante todo aquele momento que se iniciava. Com isso, comecei a trabalhar como motorista de aplicativo. Usava um carro que não era meu e, infelizmente, tive que devolvê-lo quando parei de trabalhar.
E isso não aconteceu apenas comigo, mas com muitos que trabalhavam como motorista de aplicativo, porque já não era mais viável, dado que, com o lockdown, as pessoas não utilizavam mais o serviço.
De volta à Salvador
Voltei à Salvador para tentar atuar como motorista, mas, encontrei uma grande dificuldade. Não perdi ninguém próximo durante a pandemia.
Acredito que não me infectei, ou que fui assintomático. Não segui a quarentena porque não tinha saída: eu precisava trabalhar diariamente.
O máximo que podia era me afastar um pouco mais das pessoas. Não tive dificuldades para conseguir os medicamentos antirretrovirais, mas foi bem difícil ter acesso aos médicos infectologistas. Foi muito difícil fazer os exames e marcar as consultas.
Não tive medo de morrer porque fui treinado pela vida. Eu dormia debaixo da ponte, entrava em baldes de lixo para conseguir ter o que comer.
Vivo com HIV em um país com um governo que não me assiste. O que mais poderia temer?