Categories
25 a 39 anos Branca Mulher Cis Paraná Pós-Graduação Completa

O grupo que ameniza dores estava longe

O grupo que ameniza dores, que leva sorrisos, que escuta, estava longe.

Logo no início, quando ainda nem se podia projetar ou vislumbrar tudo o que estava por vir, todo esse grupo, inclusive eu, começou a desenvolver atividades de casa.

Durante a pandemia, eu trabalhava com um grupo de voluntários muito especial, dentro de um hospital.

Dores da distância

Justamente quando um hospital mais precisava dessa leveza, desse olhar sensível à dor do próximo, desse acolhimento! O que fazer? Como voltar a conectar as pessoas em um momento em que, mesmo os voluntários e seus corações generosos, estavam sofrendo?

Com o medo, com as limitações, com o desconhecido e, cada um, com si, e com tudo o que essa pandemia fez em nós.

“Eu me vi sozinha, em uma sala onde cabia muito amor”

Eis que a criatividade e a vontade de ultrapassar barreiras, mesmo desconhecidas, foram surgindo. Atividades adaptadas, uso da tecnologia e, principalmente, a vontade de ajudar.

Pouco a pouco fomos, juntos, descobrindo como apoiar uns aos outros. Com o passar dos meses, eu voltei presencialmente ao hospital, mas “o meu time”, como passei a chamá-lo, não.

E eu, mesmo já realizando algumas atividades, vi-me sozinha, em uma sala onde cabia muito mais amor, onde entravam e saiam durante todo o dia pessoas entusiasmadas e prontas para ajudar.

Quem preencheu esse silêncio foram colegas maravilhosos. Esses que, aliás, sempre perguntavam “quando os voluntários voltam?”

Entre as dores e a criatividade

Áudios com leitura, visitas virtuais, costuras, doações, e muito mais. Além de todas essas propostas que foram sendo feitas à distância com o apoio de outros colegas e grupos parceiros, como o Nariz Solidário.

Eu também procurava fazer companhia, ouvir, ser prestativa e estar presente para esse “meu time” que sentia muita saudade, pois compartilhavam comigo, um querer imenso de poder estar fazendo as atividades de antes da pandemia.

Algum tempo depois, em meio a tantos cenários, desabafos e adaptações – eu testei positivo para o novo coronavírus.

As dores da Covid-19

Meus primeiros sentimentos foram de frustração, medo, revolta e tristeza. Eu sempre estava me cuidando, trocando máscaras, e usando álcool. Mas estava em um hospital, o que aumentava muito as chances de contrair o vírus.

Ele ainda me incomoda, um ano depois. Por algumas alterações no meu olfato e paladar.

Eu sou formada em Relações Públicas, amo minha profissão e adoro lidar com pessoas. Por isso, fui lidar com pessoas, em uma causa, para servir. Nunca imaginei que estaria dentro de um hospital e, nunca mesmo, durante uma pandemia.

Basta o sentimento de querer, e a atitude para realizar

Com tudo isso, eu aprendi muito sobre paciência, medo, solidão, futuro e pessoas. Ah! As pessoas… Trocar com cada uma e aprender, mesmo que de uma forma nem sempre fácil, — é o que me move.

 E, mais do que isso, o sentimento de que podemos sempre mais.

Depois dor vem a resiliência

De tudo, não tem conclusão; ainda vamos levar muito tempo para absorver tudo isso, para lidarmos com o que sentimos e seguirmos.

Mas, eu espero que meu relato ajude as pessoas a continuarem se cuidando, para não se contaminarem e nem ficarem, por tanto tempo, com alguma alteração em seu corpo.

Espero também que sirva para saberem que, sempre é tempo de ajudar, sempre há lugares e pessoas precisando.

Para sermos mais fraternos, e mais humanos uns com os outros, não há tempo, ocasião ou doença — basta o sentimento de querer, e a atitude, para realizar.

Em tempo, como na foto abaixo, mesmo diante de um cenário tão delicado, sempre que podia, eu colocava um “sorriso no rosto”, para alegrar tudo ao meu redor. Mesmo que, através de uma máscara.

Samantha alegra e tranquiliza as dores sentidas pelo isolamento em pacientes hospitalizados.

Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Categories
25 a 39 anos Branca Mulher Cis Paraná Pós-Graduação Completa Sem categoria

As Unidades de Internação se transformaram em UTIs

O contexto da minha história se passa no Hospital Municipal do Idoso Zilda Arns (HMIZA), especificamente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde leitos foram abertos para atender à demanda de casos de Covid-19, durante a pandemia sanitária.

 Na UTI, os profissionais de saúde e voluntários atuam em conjunto visando proporcionar um cuidado integral ao paciente e a seus familiares. As alterações da rotina dos profissionais se iniciaram em março de 2020, em virtude da pandemia da Covid-19.

Dentro da UTI

Essas alterações podem ser exemplificadas, por exemplo, pelo uso de mais Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Assim, deixamos de utilizar o jaleco branco para fazer o uso de aventais, máscaras N95, ‘face shield’, touca e luvas descartáveis para evitar a contaminação do vírus na UTI.

 Além disso, as Unidades de Internação foram transformadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), havendo a necessidade de contratação de mais profissionais de saúde, do fechamento de atendimentos ambulatoriais e da limitação de visitas presenciais.

No início da pandemia, muitos profissionais de saúde expressaram reações emocionais de ansiedade diante da falta de conhecimento acerca do novo coronavírus, como o medo de se contaminarem e passarem para os seus familiares, bem como o medo de morrer, de perder entes queridos e colegas de trabalho.

A pandemia foi um desafio para os profissionais de saúde

Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes. Diante disso, gostaria de narrar a história da atuação da psicologia durante a pandemia de Covid-19.

A nossa prática foi modificada nesse período. No início da pandemia, criamos um serviço de atendimento psicológico aos profissionais de saúde, visto que identificamos o sofrimento psíquico de muitos profissionais.

Claro que nós, psicólogos, também estávamos com medo e ansiosos, mas, percebemos caber à nossa profissão, oferecer apoio psicológico aos demais profissionais.

Ausência e tratamentos na UTI

Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes em decorrência do processo de adoecimento, da hospitalização e do distanciamento dos familiares.

Por outro lado, os familiares ficavam ansiosos e passavam o dia esperando a ligação telefônica do boletim médico para receber notícias do paciente, já que este não podia ficar com o próprio celular.

Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida

Diante desse distanciamento entre pacientes e familiares, nós, psicólogos e assistentes sociais, com o apoio da gestão do hospital, começamos a realizar videochamadas com o intuito de aproximar os pacientes e seus familiares, como substituição das visitas presenciais.

Realização de videochamadas na UTI no Hospital Zilda Arns

Além disso, foi muito comum realizarmos videochamadas, a pedido dos pacientes, antes do processo de intubação orotraqueal na UTI. Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida, já que o paciente não sabia se sobreviveria ao tratamento invasivo.

Essa situação me deixava angustiada e triste, principalmente quando alguns desses pacientes faleciam. Frente aos diversos óbitos, especialmente no “pico da pandemia”, percebemos que muitos familiares não tiveram a oportunidade de se despedir do paciente e, no caso da morte por Covid-19, não podiam realizar velório.

Para a psicologia, são muito importantes os rituais de despedida, visando evitar que os entes queridos constituam um luto complicado.

A partir da relevância dos rituais de despedida, foi acordado com a equipe de saúde, a liberação de algumas visitas especiais de familiares aos pacientes em processo ativo de morte na UTI.

Essas visitas eram geralmente assistidas pelos profissionais de psicologia ou assistentes sociais. Durante a pandemia, vi muitos pacientes jovens, adultos e idosos falecerem, diversos membros de uma mesma família partirem em um pequeno intervalo de tempo.

O psicólogo, muitas vezes, acompanhava o familiar para dar a difícil notícia do falecimento de um ente querido por Covid-19 para o paciente. Face a esse sofrimento de diversas perdas, percebemos a necessidade de comemorar a recuperação de cada

Paciente que sai da UTI, porque, significava uma conquista para a equipe de saúde. Tivemos algumas situações de alta hospitalar com comemorações, onde familiares aguardavam o paciente do lado de fora do hospital com bexigas e cartazes, e até tivemos pedido de casamento.

Isso me deixava feliz

Perante os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde durante a pandemia, os vídeos do Nariz Solidário, os agradecimentos de pacientes, familiares e empresas, nos motivavam a dar continuidade ao nosso trabalho.

Vocês, voluntários, nutrem a nossa energia, tornam o ambiente hospitalar mais leve e alegre, proporcionando atendimentos humanizados. Vocês são essenciais e especiais! Muito obrigada pelos vídeos em um momento tão difícil das nossas vidas.

A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e o nosso sentido de vida

Para nós, psicólogos, percebemos a importância da humanização do atendimento no contexto hospitalar.

No pós-pandemia, algumas estratégias são: retornar as atividades de humanização e as visitas presenciais de familiares.

A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e nosso sentido de vida. Aprendemos a valorizar a importância das nossas relações sociais, dos afetos, da saúde e do trabalho saudável. Passamos por um luto coletivo, pois nossas vidas foram modificadas pela perda do nosso “mundo normal”.

Sofremos e nos solidarizamos com a dor do outro nesse período.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia