Meu nome é Maurício Ye’kwana, sou diretor da Hutukara Associação Yanomami. Sou do povo Ye’kwana, morador da Terra Indígena Yanomami. Tenho 36 anos.
A pandemia foi o maior pesadelo de todo mundo. Ela chegou a nós indígenas pelos invasores da Terra Indígena Yanomami, que trabalham no garimpo ilegal. Em um segundo momento, o Covid-19 chegou via profissionais de saúde que entram a cada quinzena, a cada mês em nossas comunidades.
A pandemia nos trouxe um impacto muito grande, alterou o comportamento de toda a comunidade. Nós moramos em casa de família, com todos juntos e tivemos que nos separar para evitar contágio.
Mortes na comunidade
Em nossa comunidade, quatro pessoas morreram, entre eles dois sábios que tinham idade mais avançada. Nós indígenas não temos o costume de registrar o que se fala, o que acontece. Para nós, quem faz anotações é quem tem preguiça, é quem tem facilidade de esquecer. A pessoa que entende, que sabe, não registra, aprende de memória para justamente multiplicar depois. Então as mortes das pessoas sábias é algo que não se recupera em um curto espaço de tempo.
Perdemos também profissionais que nós confiávamos, que eram guardas que trabalharam desde 1990. Ficamos de luto, a comunidade geral parou. Ficamos quase um mês sem fazr nada, ser ir para a roça. Temos que respeitar esse processo.
Quando acontece isso na comunidade, nós não consumimos carne, né?! Essas coisas assim. De peixe também. Tem que ter todo respeito! Ficar de dieta geral.
Vacinação x missão evangélica
Nós acreditamos na vacina. No começo, falaram que a vacina era ilusão, mas depois que todos tomaram a segunda dose da Corona Vac, as mortes cessaram. Aí vimos a importância da vacinação.
Nem todas as pessoas se vacinaram. Nossos parentes que fazem parte de missões evangélicas não tomaram a vacina. Essa corrente negacionista deixa a nossa situação ainda mais complicada.
Os invasores entram e saem a hora que quiserem de nossas terras. Isso acontece também porque a Funai está parada.
Na pandemia, tudo parou. Só o garimpo que avançou
A pandemia trouxe mais problemas. Houve um aumento de invasores nas Terras Yanomamis e, com o aliciamento de jovens e lideranças para atuarem no garimpo e, os nossos povos ficam ainda mais vulneráveis à Covid-19. Nossos parentes se contaminam no garimpo e trazem a doença para nossa comunidade.
Os invasores entram e saem a hora que quiserem de nossas terras. Isso acontece também porque a Funai [Fundação Nacional do Índio] está parada. Na pandemia, tudo ficou parado, menos o garimpo ilegal.
“Fora Garimpo, Fora Covid”
No ano passado nós fizemos a campanha virtual “Fora Garimpo, Fora Covid”. Fizemos diversas entrevistas com pessoas que tinham popularidade, convidamos atrizes, atores e pessoas com influência.
Fui a Boa Vista (RR) e Manaus (AM) para seguir desenvolvendo campanhas contra o garimpo. Quando denunciamos o garimpo, os garimpeiros nos perseguem, aliam nossos jovens para que indiquem onde estamos. Temos que ter bastante cuidado.
A nossa luta não vai parar. Vamos continuar denunciando o Estado Brasileiro porque ele não tem o mínimo respeito com os povos indígenas
Não podemos abaixar nossas cabeças
Nós sabíamos que a pandemia viria. Nossos pajés sempre diziam isso. E nós, como lideranças, aprendemos com os sábios que não podemos abaixar nossas cabeças.
Essa doença não era para nós, era para pessoas que não respeitam a natureza. Porém, todas seremos afetadas. Então a nossa luta aqui é chamar a atenção das pessoas que causam a pandemia. Chamar atenção das pessoas do próprio Governo e do Estado também, que é causador de tudo isso que está acontecendo.
O Movimento Indígena está ativamente defendendo nossos direitos e as nossas conquistas. Os nossos direitos, que sejam reconhecidos pelo Estado, pelo governo próprio também. E a nossa luta não vai parar. Vamos continuar denunciando o Estado Brasileiro porque ele não tem o mínimo respeito com os povos indígenas. O que ele quer é que nos integremos ao Estado, mas nós temos nossa cultura, danças, tradições e não vamos deixar de ser indígenas.
Relato de Maurício Ye’kwana, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia