Categories
40 a 59 anos Distrito Federal Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Pós-Graduação Completa Prta Raça/Cor

“Desenvolvi um projeto de alfabetização para mulheres vítimas de violência”

Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Trabalho na Associação das Mulheres de Sobradinho II, onde são atendidas várias mulheres de diversas faixas etárias. Trabalhamos com vítimas de violência domestica, especificamente, mas também atuamos com ações sociais, de assistência. Não o assistencialismo, porque a gente vem com o viés multidisciplinar. Então, nós prestamos assistência às mulheres, totalmente como pessoas voluntárias. Nós temos consultoria jurídica, nutricionistas, psicólogos, psicoterapeutas, e também professores. Eu sou uma delas.  

Sou professora da Secretaria da Educação. Aposentei-me, mas descobri durante a minha aposentadoria que terei de fazer outras atividades. Então, encontrei na Associação das Mulheres um momento que me ajudou na pandemia. Sou da parte social, oferecemos palestras, palestras temáticas voltadas para mulheres, meninas e mulheres idosas.

Essa vivência trouxe à tona o fato de algumas mulheres serem analfabetas. Comecei a pensar em atender essa demanda, que estava realmente invisível dentro da Associação. Enxergamos essa situação a partir da observação de como elas se comportavam, do receio até mesmo de assinar a lista de frequência. Isso despertou o meu olhar. Surgiu dessa observação, a ideia de desenvolver o projeto Brincando com as Letras e Contando Historias. Dessa forma, eu parto da vivência dessas mulheres para trabalhar a alfabetização.  

Tivemos um trabalho intenso na pandemia, porque as mulheres estudavam para obter, presencialmente, a formação de manicure, maquiagem, fotografia e gastronomia que a gente faz. Trata-se de um trabalho em rede com parcerias, por isso, a gente busca também o apoio de Organizações Não Governamentais do Distrito Federal. As mulheres tiveram, de uma hora para a outra, que se ausentar da Associação por um determinado tempo, porque aqui não poderiam ser atendidas, porque paramos por duas semanas para buscar alternativas para a permanência do nosso trabalho.

Durante a pandemia, pedimos o uso externo da associação para que nós não atendêssemos aqui dentro, no espaço fechado, para evitar aglomeração. Dessa forma, começamos a atender em rodas de conversas, utilizando o espaço da guarda mirim, que fica ao lado da associação. 

Mulheres faltavam ao encontro, por sofrerem violência doméstica

Logo, as mulheres que faziam parte dos encontras levaram a informação para outras mulheres. A notícia de que a gente tinha voltado ecoou nos quatro cantos e nem foi mais necessário ligar para elas. Estamos juntas todas as quartas-feiras em nosso “encontrão”. E, a partir desse momento, às quartas-feiras, a gente percebeu que muitas delas, além de depressão, estavam sofrendo abusos e outras violências.

Muitas sofriam violência psicológica, devido ao confinamento, à baixa renda, à extrema pobreza. A situação era de vulnerabilidade, tanto econômica quanto física. A gente começou fazendo alguns estudos de caso e percebemos que muitas delas quase não estavam vindo, porque haviam sofrido violência doméstica.

Atendemos casos em que tivemos que fazer uma interferência, porque a gente trabalha em rede junto com o Centro de Referência em Assistência Social (Cras), Conselho Tutelar, Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), Secretaria da Mulher e todos os seus equipamentos. Também trabalhamos com as delegacias 13ª e 35ª, que atende toda região de Sobradinho II e toda parte de condomínios, porque a violência não está presente só na classe social baixa, mas em todos os espaços. 

O conhecimento dá condições ao indivíduo de enxergar a vida de outras formas

A transformação na vida das pessoas demora a vir, mas alguém tem que começar a fazer alguma coisa para que essas mulheres deixem de ser violentadas e mortas todos os dias. Encontramos, na escola, um espaço ideal pra levar isso à frente e dizer para essas meninas que elas podem, sim, transformar suas próprias vidas. É um trabalho corpo a corpo. No entanto, a gente deixou de trabalhar a questão do assistencialismo. Não somos mais uma associação pensada em assistencialismo, mas pensamos na assistência do ser humano em todos os sentidos.  

Durante a pandemia, nós percebemos que houve uma demanda crescente em relação à atenção e atendimento. E, particularmente falando da minha vida como professora que atuou durante 30 anos na Secretaria de Educação, digo que, para mim, este momento é impar, singular, porque tenho aprendido muito. Tenho dez alunos e, durante o trabalho como professora, me identifico demais, porque as nossas histórias são muito parecidas. Não no que diz respeito ao conhecimento acadêmico, mas são muito parecidas na vivência, na origem, nordestinos, pais autoritários, patriarcalismo evidente, em que o bater é a solução.

Assim, me identifiquei demais. Parto do princípio da vivência deles e, pra mim, a pandemia trouxe a oportunidade de aprender mais, de buscar mais conhecimentos e isso fez com que eu abrisse meus olhos, pois é um aprendizado pra mim. Expectativas daqui pra frente, em relação a essas mulheres, é que elas tenham acesso ao conhecimento. Conhecimento é tudo. Conhecimento é dar ao individuo a capacidade de discernir o que é acerto, o que não é, dar condições ao individuo de enxergar a vida de outras formas, abrir a janela, conceder outros olhares. Por isso, a gente transforma essas mulheres, acreditando no conhecimento que elas estão adquirindo. E isso elas levarão para o filho, o neto. Enfim, a gente acredita que é chegando na família que a gente vai fazer uma transformação social.  

Relato de Edvalda Paixão, produzido pela associação Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Categories
40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Durante a pandemia conheci histórias de muitas mulheres”

Sou uma feminista fiel, por isso, não recusei quando fui convidada para trocar uma ideia com as mulheres do centro de acolhimento emergêncial feminino, o único da zona norte – SP. O convite surgiu quando encontrei minha vizinha, que trabalha como assistente social do local. Ela pediu o favor de um dia de trabalho voluntário, e eu nunca mais faltei. Já são 6 meses de pura dedicação, e muitas historias lindas. A equipe de lá é maravilhosa, a de voluntarias até aumentou. Convidei duas amigas, mulheres negras, e todas as sextas estamos lá, emprestando um pouco do nosso axé. 

Cheguei lá em um dia de sol, em pleno mês de junho. No primeiro encontro, o local tinha muitas mulheres idosas, a maioria mulheres negras. Ao redor, olhares perdidos, cada uma no seu canto em silêncio.

O serviço está dentro de um clube. Devido ao estado emergencial da pandemia, o espaço foi cedido. As camas estão em duas salas, que antes serviam para aulas. Agora está cheio de beliches de ferro. Também têm os cones sinalizando onde elas podem ir, pois deve ser difícil morar em um local e não poder circular, cheio de seguranças para falar que não pode. É uma triste realidade que não espera, então as atividades são para geração de renda, tapetes de retalho, uma técnica que aprendi com minha mãe.

Arte enquanto forma de expressão

Minha família confeccionou alguns tapetes também, e por meio da venda destes, conseguimos comprar material para tocar as oficinas artesanais. A arte é a mais antiga forma de expressão. Por meio da arte não é necessário a comunicação verbal, pois falar cansa. Principalmente quando não obtemos uma escuta ativa. Então, nós facilitamos o contato delas com diversos materiais como pintura em tela, colagens, argila, mandalas, abayomi e os tapetes de retalho, costuras fuxico, confecção de máscaras. E tudo isso ao som de músicas. 

Iniciamos nossa conversa e logo nos tornamos amigas. Afinal, preta com preta sempre têm histórias em comum. A roda de conversa acontece em área aberta do clube e no final de cada atividade alguém sempre chama para conversar. Lembro-me de Maria Velhinha, que olhou para mim e contou que fugira de casa, pois não aguentava mais ser prisioneira de sua própria casa. Ela, além de não poder sair, pois é grupo de risco, não parava de cozinhar e limpar: “não sou escrava da minha família, não vou voltar”.

Tarefas domésticas ficaram mais pesadas

O desgaste das tarefas domésticas lotou o Centro de Acolhimento Emergencial. Aquela senhora ficou dias sentada na Rodoviária do Tietê, veio de outra cidade, como muitas ali. A violência de gênero estava estampada em cada rosto cansado. 

Já Maria Nova veio de Manaus, utilizou o dinheiro do que achava ser a última parcela do seu auxílio emergencial e comprou a passagem para São Paulo. Me contou que toda a sua família sempre morou na rua, em barracas. Naquele dia acabara de chegar no CTA, vindo de outro, comprou um celular de outra convivente. Estava distraída conversando em sua rede social quando uma senhora, que tinha feito quimioterapia no dia anterior, pediu para que eu fosse comprar uma coca cola com canudinho.

A mãe teve o filho levado

Convidei Maria Nova e juntas fomos buscar. Durante o percurso, ela me contou que o bebê foi retirado dela pela assistência social de Manaus. Descreveu o momento com muita tristeza. É que quando o bebê nasceu, Maria Nova já sabia que iam tomar. Ela contou que as ameaças eram constantes:

“quando me tomaram ele, nós estávamos na barraca, tiraram o meu bebê à força. Tentei de todos os jeitos pegar o meu bebê de volta, mas por causa da pandemia, não pude nem visitar.”

Aqui, Maria veio atrás de trabalho, não aguenta a tristeza de estar na cidade e não conseguir se aproximar do filho. A fala dela doeu no meu peito. Não queria desanimar a moça tão novinha, por aqui em São Paulo, tudo fechado devido a pandemia, tão difícil arrumar um trampo. Mesmo assim, a ensinei a utilizar os aplicativos de emprego. Fizemos um currículo pelo celular e ela me agradeceu, ficou feliz e até tirou uma foto comigo. Foi a única vez que a vi, 19 anos, uma mulher que já está enfrentando esse trauma… A equipe disse que ela se desentendeu com uma das conviventes e saiu do CTA.  É tanta violência que nem sei o que dizer.

Veja também: “As super heroínas que não sentem dor nem medo só existem na ficção”

Categories
25 a 39 anos Estado Pará Prefiro não informar Prta

“Organizamos uma campanha virtual para atender famílias chefiadas por mulheres”

Desde o início da pandemia de Covid-19, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade de Altamira, com apoio da Fundação Viver Produzir e Preservar, pautou ações para contribuir com as mulheres em situação de vulnerabilidade social.

A princípio, no mês de abril de 2020, junto com outras organizações, participamos de uma vakinha virtual, em que foram arrecadados R$60 mil. Como resultado, os movimentos compraram alimentos saudáveis produzidos pelas comunidades das três unidades de conservação da Terra do Meio e da Agricultura Familiar. Desse recurso, compramos 250 mega cestas e distribuímos às famílias. 

Além disso, o Movimento de Mulheres organizou outra campanha virtual para atender 50 famílias chefiadas por mulheres. A partir dessa campanha, arrecadamos R$30 mil para contribuir com as mulheres durante três meses. Da mesma campanha, já fizemos duas entregas, faltando uma, que será no começo de novembro.

Foto do Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira acompanha relato que aborda as distribuições de cestas básicas e ações políticas realizadas na pandemia.

Por fim, a gente conseguiu se articular com a Rede de Cantinas da Terra do Meio, a Associação dos Pequenos Produtores e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), através do Projeto Somos Todos Amazônia, e conseguimos muitos produtos da agricultura familiar para doar às famílias. Além das cestas básicas, levamos também material de limpeza e material com informações de prevenção.

Mulheres periféricas são mais afetadas pela desigualdade

Percebemos, nesse tempo, a dura realidade da desigualdade que se abate sobre as famílias. Sobretudo, às mulheres da periferia.

O fato apenas confirma o que falamos a vida toda: os grandes projetos da Amazônia não produzem riquezas nem renda para seus habitantes.

Recurso de multa vira cesta básica

Além disso, participamos de outras campanhas que foram coordenadas pela Promotora Juliana. Nessa campanha a promotora recebeu 150 mil de uma multa. O Ministério do Trabalho tinha multado a Norte Energia, e todo o recurso foi revertido em cestas básicas. O Movimento de Mulheres, a Fundação Viver, Produzir e Preservar, entre outros, receberam as cestas e fizeram a entrega. Isso foi muito importante. Nessa mesma articulação da Promotora, a Empresa Equatorial de Energia doou 400 cestas e a promotora repassou para os movimentos fazerem as entregas.

Ação política

Além dessas ações de cidadania, nós participamos em ações políticas: enviamos documentos de reivindicações para o enfrentamento à Covid-19; apoiamos ações de comunidades ribeirinhas e indígenas e iniciativas de médicos e médicas de Altamira e região no combate à Covid-19; fizemos muitas intervenções na busca de leitos para as pessoas.

Diante de todo esse processo, enfrentamos a fúria dos negacionistas bolsonaristas.

Perdemos pessoas valiosas. Lutamos muito para a implantação do Hospital de Campanha, que chegou tarde e fechou cedo.

Mesmo com a diminuição dos casos, ainda estamos muito apreensivos. Considerando a abertura total do comércio, temos medo de uma segunda onda forte. Por fim, a única atividade que ainda não voltou presencial foram as escolas de ensino médio e fundamental.