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25 a 39 anos Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Mulher Cis Prta

“Nesse período eu só sabia chorar”

Sou Elza, tenho 38 anos, sou mulher cis, preta, maranhense, mãe solo de seis filhos. Possuo o ensino fundamental incompleto, sou profissional do sexo e moro há 17 anos em uma cidade no entorno do Distrito Federal.

Com a chegada da pandemia, minha vida mudou muito: tive que encontrar outras fontes de renda e, com o fechamento das escolas, minha filha mais nova, de 11 anos, teve que ficar em casa sem estudar. Foi muito difícil para ela, pois ela tinha muita vontade de voltar a frequentar a escola. 

Tive minhas preocupações e angústias. Eu vi as coisas mudarem do dia para a noite. Quando fui para Brasília trabalhar no centro de uma região administrativa [“bairro”], vi que as lojas estavam fechadas, as ruas vazias, as poucas pessoas que estavam transitando estavam usando máscaras. 

Lembro até hoje da minha primeira máscara, era do Flamengo. Aí veio o medo: usando máscara, as coisas ficaram complicadas. Não havia ninguém na rua, sem clientes, nada. Eu pensei: “O mundo está acabando e eu não estou sabendo de nada”.

O início da pandemia foi bem difícil. Não tive ajuda em nada, nem do Governo. Pelo contrário, eu recebia R$50 de bolsa família e o benefício foi cortado. Fiquei sem água e luz em casa. O gás de cozinha acabou e tive que preparar a comida à lenha no meu quintal. Às vezes, meu pai, que é aposentado, me ajudava com o pouco que tinha.

Filhos em situação de rua

Atualmente, moro apenas com minha filha mais nova. Antes da pandemia, minha filha de 16 anos morava comigo, mas se amigou com um rapaz e foi morar com ele. Posteriormente, esse rapaz foi privado de liberdade e está até hoje em situação de cárcere. 

Essa minha filha ficou um período em situação de rua. Tentei tirá-la dessa condição, me aproximar, conversar, porém, ela tentou me agredir fisicamente diversas vezes e me xingava bastante. Uma situação muito complicada. Sempre tento contato via telefone com ela, mas não tenho resposta. Fico aqui com minha preocupação.

Meu outro filho teve uma crise de saúde mental no meio desse ano (2021) e saiu de casa sem dar notícias. Ele também acabou ficando em situação de rua. Fiquei mais de um mês sem dormir, com muita preocupação, sem saber onde ele estava, como ele estava, até mesmo se estava vivo. 

Nesse período eu só sabia chorar, sem saber o que fazer. Consegui achá-lo e trazê-lo com segurança para casa, mas a crise não passava. Ele ficou um tempo internado em uma Unidade de Pronto Atendimento 24h e, posteriormente, foi atendido em um Centro de Atenção Psicossocial. Meus demais filhos moram no Maranhão com meus pais.

Em todos esses espaços pude conhecer muitas pessoas boas que me enriquecem de conhecimento e afeto

Redes de apoio

Mesmo diante desse turbilhão, tive um grande presente em minha vida: Juma Santos. Eu a considero como minha segunda mãe. Foi a partir dela que conheci coletivos maravilhosos, como a organização não governamental (ONG) Tulipas do Cerrado, que é um grupo maravilhoso que tem me ajudado muito nesse período difícil na minha vida, tem cuidado de mim e da minha família. 

Conheci também a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, outra parceria maravilhosa. Assim como o Coletivo Aroeira. Com eles eu aprendi muitas coisas boas sobre agroecologia como, por exemplo, plantar, colher, fazer sabonete, extrair óleo essencial. 

Em todos esses espaços pude conhecer muitas pessoas boas que me enriquecem de conhecimento e afeto. Me sinto muito abençoada por Deus pela oportunidade de participar desses grupos e por ter conhecido cada pessoa. 

Não consigo encontrar palavras para expressar a minha gratidão a esses grupos pelas várias formas que tem me ajudado, seja com cesta básica e cesta verde, seja com uma escuta, acolhimento, momentos de convivência, trocas de saberes com ensinamentos e aprendizados. Agradeço a Deus e a essas pessoas que chegaram em minha vida para somar e trazer luz.