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“Nós, indígenas Kariña, só tivemos acesso aos remédios naturais”

Meu nome é Zulay Martínez, tenho 45 anos e sou indígena Kariña. Faz três anos qu estou no espaço Ka’Ubanoko e, sim, tive Covid-19. 

Eu fui atendida por representantes da organização “Médicos Sem Fronteiras”. Eles fizeram o primeiro atendimento que incluíma me levar a um espaço que fica atrás da Petrix e eu não aceitei. 

Na minha família, minha mãe, minhas filhas e eu tivemos Covid-19 e meu pai cuidou de nós com remédio caseiro. Nós, indígenas Kariña, só tivemos acesso aos remédios naturais.

Passei 21 dias com febre e acho que estive a ponto de morrer. Não conseguia respirar, perdi o olfato e não comia. Tudo foi muito crítico para mim. 

O pior momento foi quando eu não conseguia nem sequer ir ao banheiro porque não respirava bem, não conseguia me levantar. Minhas filhas tiveram que me dar banho. 

Todos os dias meu pai preparava remédios caseiros, de diferentes formas e eu consegui vencer o Covid-19. Ele preparava: sálvia com limão. Fazia uma espécie de poção e colocava um pouco de mel. Eu não usei medicamentos recomendados pelos médicos porque não quis. 

Mensagem

Tanto para os migrantes indígenas como para os que não são, para todos os venezuelanos, eu digo que tomem todas as precauções necessárias para a prevenção do Covid-19. 

Quando estive com Covid-19, nós vivíamos em um abrigo e vejo que é preciso se cuidar porque nem todas as pessoas levam isso a sério, usam máscaras. Mas é muito importante usar máscaras, álcool em gel e lavar as mãos. 

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Observação: o relato acima, em português, foi uma tradução livre do relato feito originalmente em espanhol. Abaixo está o conteúdo original.
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Versión original en español: Nosotros, indígenas Kariña, solo teníamos acceso a unos remedios naturales”

Mi nombre es Zulay Martínez, tengo 45 años y soy indígena Kariña. Hace tres años que estoy en el espacio Ka’Ubanoko y sí, ¡tuve Covid-19! 

Fui atendida por representantes de la organización “Médicos Sin Fronteras”. Ellos hicieron los primeros auxilios que incluía recogerme en el espacio que queda detrás de Petrix y no lo acepté. 

En mi familia, mi madre, mis hijas y yo tuvimos Covid-19 y mi padre nos cuidó con remedio casero. Nosotros, indígenas Kariña, solo teníamos acceso a unos remedios naturales.

Durante 21 días, tuve fiebre y creo que estuve a punto de morirme. No podía respirar, había perdido el olfato, no comía. Todo fue muy crítico para mí. 

El peor momento fue cuando no lograba ni siquiera ir al baño porque no respiraba bien. No podía levantarme. Mis hijas tenían que irse entre las dos a bañarme. 

Todos los días mi padre preparaba remedios caseros, de diferentes formas y logré superar el Covid-19. Él preparaba: sábila y limón. Era algo como un brebaje con un poco de miel. No consumí medicinas recomendadas por el médico porque no quise. 

Sobre la vacuna, ya voy por la segunda dosis. Pero superé todo con las medicinas naturales que mi padre preparaba.

Mensaje

Tanto para los migrantes indígenas como para los criollos, para todos los venezolanos, les digo que tomen todas las provisiones necesarias, todas las provisiones necesarias para la prevención del Covid-19. 

En la época que estaba con Covid-19 vi que es importante que nos cuidemos. Hay personas no toman en cuenta a raíz de las mascarillas. Pero es muy importante usar las mascarillas, el alcohol en gel y lavarse las manos. 

Relato de Zulay Romana, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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“Apesar de vacinado, sinto a minha vida em risco diante das novas variantes”

para falar do momento da vacinação, é necessário voltar no tempo. Ao acompanhar manchetes diárias com o anúncio de varias mortes, sentia dor e medo. Pois, era como jogatina macabra do desgoverno em dificultar a vacina à população. Sentíamos muita insegurança. Nosso direito à vida foi desrespeitado cruelmente. Inicialmente, não sabia se seria vacinado. Então, sofri uma angustia muito forte.

Porém, chegou o dia 1º de junho e recebi minha primeira dose, o que me fez sentir fortalecido, aumentando a minha confiança. Mesmo assim, antes da insegurança do acesso à 2ª dose, a tortura mesmo reduzida perdurou até o dia 01/09/2021.

Hoje, mesmo imunizado, continuo inseguro. É que anunciam novas variantes, falam agora da Variante Mu, que apareceu na Colômbia e Equador.

Na foto, é possível ver o cartão de vacina de Ângelo Bueno com as duas doses contra a Covid-19. Imagem acompanha o relato Sinto a Minha Vida em Risco Diante das Novas Variantes, para a Memória Popular da Pandemia.

Um pouco da minha história

A região onde eu nasci fica a uma hora e meia da capital de São Paulo, a oito horas de Belo Horizonte e cinco horas do Rio de Janeiro, entre as Serras da Mantiqueira e a Serra do Mar. Se você subir, em duas horas chega ao Sul de Minas Gerais. Se você descer, em uma hora e meia, chega ao Mar. Foi ali onde nasci, no Vale do Rio Paraíba do Sul, em Jacareí – SP.

Na adolescência ingressei nas produções artísticas, jogos e poesias. Participei com Doni, um dos meus irmãos. Em algumas peças teatrais ensaiamos um som para um festival estudantil.

Com uma letra, um refrão (Cabeça, cabeça quero falar, Cabeça quero dizer o meu pensar de cabeça iê), talvez nessa ingênua frase, tenha surgido o sonho de ser escutado, clamando a metamorfose da sociedade, sonhando com a revolução popular democrática de direito.

Em 1982, me aproximo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Foi então, quando comei a me relacionar com povos indígenas e comunidades tradicionais. Por intermédio de Jussara e Alberto Capucci, fui apresentado ao regional Sul , iniciando minha inserção, passando um longo período em estágio em Xanxerê SC, Diocese de Chapecó. Nessa época, pude vivenciar aspectos da vida cotidiana na região e conviver com a representação dos agricultores rurais, cooperativas e membros do Movimento Sem Terra.

Vida de aprendizados

Conhecer Pernambuco com essas diversas vivências, urbanas, rurais, dentro dos territórios indígenas, me fez delirar e acreditar, que só por Deus mesmo, os Santos e Encantos, com todos os Orixás e a graça da Mãe Jurema, torna-se possível resistir às imposições do mundo, das oligarquias, do corporativismo das instituições de representação do estado.

Desta forma, o Nordeste me acolhia, me fazendo anestesiar dores, demonstrando novos caminhos, me permitindo reconstruir Ângelo Bueno à Babau e Outros 50.

Ainda assim, vivemos sob o regime das capitanias hereditárias. Famílias se entrelaçam no revezamento mantendo-se no poder, por isso é importante cada palmo de terra, cada fazenda retomada, modificar os mapas, revisar leituras geográficas.

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“As empresas e os brancos se sentiram no direito de jogar lixo e dejetos hospitalares dentro do território e perto de nossos igarapés”

Sou Djelma Viana Guajajara, do povo Guajajara e especificamente da Família Viana. Minha família descende de meu bisavô, o fundador da Terra Indígena Rio Pindaré, dando início na criação da Aldeia Januária, que hoje é a Aldeia “mãe” ou a maior. Atualmente, na terra indígena Rio Pindaré conta-se 8 Aldeias, obtendo uma quantidade de quase 3 mil indígenas em todo o território. 

Há contaminação e todos os outros problemas que nós enquanto indígenas sofremos diariamente; nessa nova pandemia, isso só nos afetou mais ainda.

Foto de Djelma Guajajara, que acompanha relato que denuncia o lixo e os dejetos hospitalares que jogado dentro do território indígena e perto dos igarapés.

É que empresas e os brancos que moram nas proximidades se sentiram no direito de jogar lixo e dejetos hospitalares dentro do território e perto de nossos igarapés, que é de onde tiramos o nosso sustento.

De mãos atadas para retirar ou barrar o lixo

Isso tudo nos afetou de forma opressora e humilhante. Estávamos lutando contra um monstro invisível que é a Covid-19: para que não chegasse aos nossos anciãos; que não matasse de vez a nossa cultura. Nos sentíamos com as mãos atadas, sem poder tomar nenhuma medida para retirar o lixo. Ou então, ao menos, barrar o lixo.

Além disso, a Covid-19 ainda tirou nossa calma e nos mostrou uma realidade totalmente diferente e sombria dentro das comunidades. Pois estávamos acostumados com o nosso dia-a-dia dentro da aldeia, de brincar com nossos parentes ou até mesmo ir pescar, caçar – isso agora está proibido! Não podemos mais nem ver o parente, não podemos mais praticar nossos rituais e não iremos mais visitar nossos anciãos para aprender ou ouvir mais uma história vividas por eles.

Essa pandemia está sendo, no momento, uma das lutas mais difíceis e dolorosas a enfrentar. Pois, mesmo que lutamos bastante, esse vírus entrou em nosso território retirando três anciãos de nós e deixando todos assustados e ameaçados por algo invisível. Uma luta tão difícil, em que o afeto de amor e carinho está sendo demonstrado da pior forma possível. 

História de luta

Nossa luta vem sendo travada desde a vinda do meu bisavô. Ele veio parar aqui após a fuga de um conflito com madeireiros, fazendeiros e outros invasores da época. Meu pai conta que meu bisavô fugiu do conflito em um forno de fazer farinha, que ele usou para descer o rio junto com seu irmão.

Pois bem, essa é um pouco da história do meu território. Uma terra atualmente demarcada. Porém, isso não quer dizer que não há invasão. Porque sim, há.

Como vou pedir a benção dos meus avós !?

Como vou preservar minha cultura, sem praticá-la e sem estar perto de meus grandes livros de aprendizagem, meus anciãos?

Tantos questionamentos surgem acompanhados de lágrimas e uma dor que sentimos toda vez que pensamos que perdemos parentes e anciãos para a Covid-19. Nós, enquanto indígenas, que sempre estivemos juntos nas lutas, fomos obrigados a ficar trancados. E tudo isso me revolta mais ainda.

Isso tira meu sossego, porém me dá a certeza que devo lutar, lutar como meu bisavô, como minha bisavó, como meus avós e meus pais, e assim resistir. Eu sou a continuidade de uma luta de quem me antecedeu.