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“A Covid-19 fez com que sentíssemos medo de todos, até dos amigos e parentes”

A vacina chegou bem na época da minha mudança para Santa Catarina. Então fiz 534 km de volta para ser vacinada. Sai às 5 horas da manhã e cheguei em Portão às 14h30. Fui direto tomar a vacina: foi tanta alegria que não senti nada. Minha expectativa para o futuro é que tenhamos um governo que preze pela vida e pelo social e que olhe para todos.

Na verdade, ficamos com medo uns dos outros – era esse o sentimento que eu tinha – até dos amigos e dos parentes. A gente tinha medo de se encostar, de se aproximar. Foi um período muito triste… nojo e medo foi o que mais senti. …Isso fez que refletíssemos sorbe o que realmente e a resposta foi a vida, a saúde, a família, a liberdade.

Outra coisa marcante foram as filas nas portas dos supermercados, coisa nunca vista. E a neurose em limpar as compras, limpar as mãos, trocar de roupas e de calçados a cada vez que sair na rua. Foi estressante, ainda é, pois não estamos livres da contaminação. Parece um filme de ficção científica.

Famílias puderam fortalecer seus laços, enquanto outras não suportaram as suas diferenças e se desconstituíram. O que todo mundo sente falta é de abraço, de aconchego, de aglomeração e de proximidade – coisas que tínhamos, eram comuns, mas nem dávamos tanta importância. 

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“Muitos dos igarapés que alimentam o Xingu – como o Altamira, Panelas e Ambé -estão secando”

Aqui no Xingu, em primeiro lugar, o isolamento tem sido apenas físico. Porque estamos com mais conexão do que nunca para ajudar os nossos a ficar bem nesse contexto da pandemia.

Em segundo lugar, ficamos com muita preocupação com as pessoas de nossa cidade, com as nossas famílias na cidade, aldeias e nas reservas extrativistas. Por isso, realizamos vários vídeos informativos sobre a importância de usar máscaras, lavar as mãos e evitar aglomerações.

Pelo coletivo “Juventudes por Justiça Social e Ambiental” – que tem por objetivo lutar pelas políticas públicas sociais e ambientais do médio Xingu, colocando as juventudes (negra, periférica, indígena, ribeirinha e extrativista) como protagonistas – a gente continua lutando por aqui, seguindo as recomendações de cuidado.

Durante a pandemia, criamos um Instagram para dar visibilidade ao nosso coletivo e principalmente para comunicar com as pessoas. Tendo em vista a negligência do Estado na publicidade sobre a importância do isolamento social e na aplicação de políticas públicas de combate e prevenção, o Juventudes procurou usar os meios de comunicação alternativos, como o Zap, para informar a comunidade local sobre a importância dos cuidados preventivos à Covid-19.

Mas observamos que, no período da campanha eleitoral, pessoas fizeram campanha sem nenhuma preocupação com a saúde pública.

Tememos o aumento de casos de Covid-19 em nossa Altamira. 

Protestar e dar visibilidade à seca no Xingu

Temos uma articulação e mobilização com a pauta ambiental aqui no médio Xingu. O Rio Xingu tem a maior seca das últimas cinco décadas. Essa seca tem ligação direta com a instalação de Belo Monte em nosso Rio.

Belo Monte tem provocado a morte das árvores nas margens do Rio, mudanças nos depósitos de sedimentos por causa da mudança da cheia e vazante do Xingu… (a lista é extensa).

Em relação ao ano passado, o volume de água do rio sofreu uma diminuição de quase 40% no mês de outubro, e muitos dos igarapés que alimentam o Xingu – como o Altamira, Panelas e Ambé – estão secando.

Foi aí que decidimos fazer agendas de visibilidade ao caso. Nos organizamos com todos os cuidados preventivos à Covid-19 e fomos protestar no igarapé Altamira – seco – e em frente ao Ibama, escritório de Altamira.

Utilizamos uma metodologia de protesto criativo para chamar a atenção das pessoas e deixar as nossas vidas mais leves, porque a realidade tem sido dura ultimamente.

Nossa mobilização foi importante: gerou repercussão na imprensa local e a população começou a se posicionar nas redes sociais sobre o caso compartilhando memórias sobre suas vivências com os igarapés. 

Belo Monte é um mau exemplo!!!

#DerrubaBeloMonte 

#LiberteoFuturo 

#XinguVivo 

#AmazoniaCentrodoMundo

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“A Covid-19 agravou violações de direitos sofridas pelas pessoas que vivem com HIV”

A Covid-19 agravou as situações de violação de direitos sofridos pelas pessoas que vivem com HIV, porque é profunda a desigualdade social e econômica dessas pessoas.

Por exemplo, a população trans é uma população que vive em grande parte da prostituição. Sem poder ir à rua, muitas ficaram numa situação dramática, sem comida, medicamento, sem condições de se prevenir de DSTs.

Campanhas de prevenção e setor privado

É terrível notar, com a Covid-19 a nível federal, que não temos campanha de prevenção. Aqui no Rio, quem faz a campanha de prevenção que tem mais alcance é O Globo e o Itaú. É o poder privado. O mundo dos negócios é que esta fazendo a prevenção. Isso é muito perigoso, a coordenação é deles próprios, se uma hora eles não quiserem financiar, podem falar:

“Meu negócio é banco, dinheiro, mundo financeiro, tô fazendo isso por um favor. Não quero mais colocar dinheiro nisso”, acabou a campanha de prevenção.

As pessoas ficam desbaratadas, não sabem o que fazer exatamente. Eu critico o pessoal do Leblon que vai para os bares, as pessoas de Campo Grande que não se protegem. Mas temos que nos perguntar o que o Estado tem dado para essas pessoas, onde elas estão se informando.

É na Globo pelo Drauzio Varella – não é esse o caminho. Isso mina a confiança, não trás realmente mudanças no comportamento. E usando somente o poder punitivo, se elas não sabem exatamente o que seria correto. Isso leva à violência e aos estranhamentos que estamos vendo.

Foi porque não se cuidou…

Fora a questão do ônibus cheio – acaba que se a pessoa contraiu foi porque não se cuidou. Isso é um passo para agredir direitos. Uma empresa pode demitir um funcionário que contraiu Covid-19 alegando que “pegou porque não se cuidou”. Mas fez prevenção no local de trabalho? A responsabilidade do transporte urbano com a prevenção deveria ter um posicionamento. O que a Fetranspor, Secretaria de Estado declara? Qual é a sua campanha? Não era apenas da prefeitura e sim em coletivo. 

Neste momento, precisávamos primeiro de uma política de prevenção clara, não essa confusão que está aí. Isso seria fundamental, até como uma maneira de demonstrar cuidado e atenção. Ter as secretarias de estado e município e também do nível federal trabalhando de forma coordenada. Inclusão da sociedade civil nos conselhos.

São Paulo tem um conselho, mas não participa a sociedade civil. Não tem pacientes, familiares. Só empresas participam desse conselho social. E um ou dois cientistas. Aqui no Rio, na prefeitura, a gente nem sabe quem compõe. Isso resulta em bagunça como vimos nos hospitais de campanha que foram prometidos e não foram entregues, roubos, prejuízos para a sociedade. Uma preocupação com os mais vulneráveis, inclusive as pessoas historicamente vulneráveis.

Pessoas que vivem com HIV, ONGs e pressão por políticas assistencialistas

Grande parte das ONGs no campo das pessoas que vivem com HIV está sendo demandada cada vez mais para um posicionamento assistencialista de ofertar cestas básicas. O que é compreensível. A gente entende que essa demanda aumenta muito.

Mas, por outro lado, as ONGs estão muito fragilizadas. E assumir nas costas grandes tarefas de assistencialismo em médio prazo pode ser um problema institucional grave. Por falta de pessoas, de fundos. Fora um abandono de uma agenda de força política e social para mudanças, de agente de mudanças, e não somente um mitigador de problemas.

Sobre a pressão pela questão humanitária, precisamos discutir com eles que isso não deveria substituir a força política e social, capaz de manter políticas democráticas de Estado, como, por exemplo, a distribuição universal de medicamentos. Não é possível trabalhar só com ajuda humanitária, mas sim com força política para manutenção da política de Estado, que é o acesso universal. As populações vão continuar vulneráveis devido a uma crise econômica que não se recupera tão fácil. E hábitos e estilos de vida que será difícil modificar.  

Pós-pandemia e filantropia

No pós-pandemia, precisaremos de uma mudança na filantropia de apoio: alianças, políticas de solidariedade entre as organizações, como projetos intersetoriais – seria muito importante.

Acho que, mais do que nunca, as políticas de solidariedade que o Betinho falou são um desafio de como vai ser a nossa habilidade – enquanto movimentos sociais e sociedade civil – de formar alianças e encontrar denominadores comuns. E ter quem apoie.

Filantropia apoia um tema como meio ambiente, gênero, educação popular. Mas talvez vá precisar de agências que financiem meio ambiente e saúde (como o Betinho deslumbrou uma hora, quando a ABIA 92 participou do Eco 92).

O que tem a AIDS a ver com Eco 92? Na época do Betinho, tinha tudo a ver. Porque as condições ambientais fomentam doenças e favorecem epidemias – elas não surgem porque um vírus simplesmente surgiu. A cultura filantrópica intersetorial ainda é pouca na questão de políticas de solidariedade; mas é essencial para mudar o que queremos mudar. 

“Betinho” é uma referência ao sociólogo e defensor de direitos humanos Herbert de Souza. Betinho foi um dos articuladores da Campanha Nacional pela Reforma Agrária e tornou-se um símbolo de cidadania no Brasil ao liderar a Ação da Cidadania contra a Fomes, a Miséria e pela Vida. Em 1986, depois de saber que convivia com o vírus HIV, ajudou a fundar a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).