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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mato Grosso do Sul Mulher Cis Parda Raça/Cor

“Tenho medo e me preocupo com os impactos do futuro”

Sou Agente Comunitário de Saúde em Três Lagoas/MS. Sou profissional da linha de frente na pandemia, mas tão esquecida quanto diversas outras profissões. Desde antes deste período complexo já sofria pela falta de compreensão de muitas pessoas acerca da importância do meu trabalho. Infelizmente, grande parte da população desconhece o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Fato este que continuou quando a pandemia chegou ao Brasil. 

Enfrentei e enfrento muitos obstáculos. Faço parte do grupo de risco por ser hipertensa, no entanto, ocorre que para que eu pudesse me afastar perderia o incentivo pago pelo estado do Mato Grosso do Sul. Assim, para que minha família não fosse prejudicada, decidi continuar.

No início, faltaram Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), a população ficou com medo e também senti medo. Após algum tempo o município reorganizou as funções e o trabalho começou a desenvolver com certa eficácia. Em setembro aumentaram demasiadamente a microárea dos agentes e criaram o monitoramento de pacientes com suspeita e confirmação de Covid-19. Funções necessárias durante o enfrentamento de uma pandemia, mas feitas sem remuneração adicional. Trabalhei em dobro, inclusive aos finais de semana, sem ganhar nada a mais por isto.

Me sinto exausta, mas satisfeita pelo meu trabalho ter contribuído para a população. Temo pelos impactos econômicos, temo pelo futuro. Sigo na esperança da vacina para que possamos recomeçar.

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Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Mulher Cis Parda Raça/Cor Rio de Janeiro

“Sou mãe e consegui sobreviver graças ao tão batalhado auxílio emergencial”

Trabalhava com produção de buffet saudável para festas infantis e também com turismo domiciliar no bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro, onde moro.

Em dezembro de 2019, com a casa cheia de hóspedes de vários países, estava muito feliz. Finalmente havia encontrado uma fórmula de atuação em meu trabalho que se equilibrava entre a baixa temporada de festas e a alta temporada de turismo local! Acreditava que 2021 poderia ser o ano da minha tão sonhada virada de mesa e conquista de estabilização profissional.

Ledo engano. Logo, com a chegada apavorante desta pandemia que nos assola até hoje, estas duas áreas foram cortadas do cenário econômico atual. Assim, sem festejos familiares para produzir e sem poder receber turistas dentro de minha casa, me vi com o chão aberto e sem perspectivas de um retorno.

Mas consegui sobreviver financeiramente a este terrível ano com a estratégia de viver um dia de cada vez. Para tanto, contei com o tão batalhado auxílio governamental para garantir o básico do estrutural da vida e com apoio solidário de família e amigos.

É preciso se reinventar

Também voltei a fazer bolos e quitutes sob encomenda. Sigo tentando entender como me reinventar num cenário de milhões de novos desempregados, milhares de negócios fechando e a negativa do nosso desGoverno Federal de prosseguir dando assistência governamental a quem perdeu sua fonte de renda.

Sinto falta de minha empresa, não apenas porque ela gerava minha própria subsistência, mas porque a cada festa produzida, outras sete pessoas, no mínimo, entre cozinheira, auxiliar, garçons, fretista e faxineira se somavam a mim e formávamos uma equipe potente para realizar nosso trabalho feito com competência, garra e amor. Bons tempos…

Enfim, escrevo esse relato em dezembro de 2020. Mas 2021 se aproxima com suas incertezas de braços abertos para nos receber. Não me sinto mais feliz, mas me sinto viva e sigo lidando com uma questão de cada vez para conseguir ir vivendo. Apesar de tudo e dos desgovernos aos quais estamos submetidos, amanhã vai ser outro dia… Acredito.

Sou Eliz, mãe solo de uma criança de 11 anos, sul-matogrossense de nascença e carioca de coração. Sou uma micro empreendedora individual, ou era…

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Maranhão Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Para mim o mais difícil é ficar longe de quem a gente ama”

Nesse sistema de saúde precarizado, eu como profissional de saúde tenho que dar o meu melhor, mas como mãe também quero estar com minhas filhas, tentar protegê-las. No entanto, o meu trabalho é extremamente necessário no momento. 

Sinto medo, mas preciso estar preparada o suficiente para cuidar das pessoas. É uma insegurança muito grande de chegar um paciente e eu não conseguir fazer nada. Porque com a Covid-19 todo dia é um aprendizado novo, e nenhuma certeza do resultado do que está sendo feito, o que estamos ofertando é pouco diante do gigante que só cresce.

A saída de casa é sempre uma triste despedida. Eu saio de casa na segunda-feira, às 5 horas da manhã. Então, no domingo à noite já chamava minha filhas para conversar, por que era muita insegurança, incerteza. Só de falar já da um nó na garganta, passa um filme na cabeça.

Eu ouvia as pessoas falarem “Helida, vem para casa. Você tem a Thaisa que tem só 2 anos e 10 meses. Tua filha é pequena!”. Sempre há aquela preocupação de se contaminar no trabalho, mesmo sem apresentar sintomas, porque existem os assintomáticos. Mas o trabalho não pode parar.

Amor e cuidado

Então eu sempre segui todos os protocolos de segurança, usei muitas mascaras durante o dia, acho que fui umas das profissionais que dei um grande gasto de materias para o município. Volto para casa no fim de semana seguindo um ritual de: ao chegar em casa, ir direto pra lavanderia, deixar toda a roupa de molho, tomar banho e só depois encontrar minhas filhas.

Nesse momento é uma felicidade, estar viva e estar voltando para casa, olhando as pessoas que mais amo bem. Enfim, com aquela sensação de dever cumprido.

Momentos mais difíceis foram os que fiquei longe das pessoas que amo: mãe, irmãos, minha avó que tem 87 anos. Minha mãe só pude ver depois de 90 dias, era uma saudade gigante, mesmo com as diferenças o medo de perder essas pessoas fez repensar muita coisa, creio que não só a mim, mais acho que é o pensamento da humanidade hoje, a gente passa a valorizar o que antes era irrelevante, como um simples telefonema, uma conversa. Isso ajudou muito a diminuir a saudade mais não era o suficiente.

Tivemos uma diminuição dos casos e o afrouxamento das regras e cuidados, e novamente os noticiários já falam em aumento de casos, e nós continuamos despreparados, já vimos uma doença parar o mundo e não sabemos o que nos espera no futuro, a única esperança é uma vacina que possa nos proteger. Foram muitas vidas perdidas, famílias que praticamente acabaram e até o momento nenhuma certeza de nada. O medo retorna mais uma vez.

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Maranhão Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Para conseguir passar por essa situação busquei ajuda na minha fé”

A princípio eu achei que não chegaria aqui. No entanto, esse meu pensamento passou rápido. Mas logo me lembrei que a Covid-19 se alastrou depressa na China e no mundo. Então, pensei: logo isso aqui tudo estará contaminado! Eu sabia que ela ia chegar e ia causar uma destruição, porque não temos estrutura de saúde preparada para algo desse tamanho e com esse nível de letalidade.

As notícias do coronavírus me trouxeram o medo, uma angústia, quase um desespero. Com o passar do tempo começou a aflição de ver tantas pessoas morrendo e isso acaba refletindo na vida da gente, por mais que esteja distante.

O que me ajudou a passar por isso foi viver melhor com a minha família, por incrível que pareça. Momentos que tivemos que conviver só com a gente e descobrir coisas que talvez nem sabia.

Impactos na vida profissional

Logo em seguida vem a questão profissional. Deixar de trabalhar foi uma coisa muito difícil para mim, o trabalho sempre me ajudou muito por conta dos meus problemas emocionais e tudo o mais. Com esse rompimento, me abati muito, fiquei triste, por vezes cheguei a chorar quando todos iam dormir. Passei por momentos de muita angústia e desespero.

Mas fui buscando ajuda na minha fé, que veio me dando paz espiritual, e força para superar isso tudo. O medo, angústia, dor, esse rompimento com o trabalho e o fato de não poder estar com os amigos… estou passando por isso tudo graças à minha família e à minha fé em Deus.

Hoje eu olho pra trás e vejo tudo isso. Ao mesmo tempo, tenho medo quando vejo o afrouxamento das regras de isolamento. Ver as pessoas levando vidas normais como se a pandemia já estivesse acabado, me faz ter medo de novo que tudo piore.

Novamente me vem a questão do meu trabalho, me bate uma tristeza, porque este ano foi um ano de muito prejuízo para a educação. Eu não considero que funcione essas aulas remotas porque para nossa realidade onde muitos pais têm grande dificuldade de leitura como podem ajudar os filhos?

Eu acredito que vamos ter que conviver com essa doença pra sempre e a única saída vejo é através da vacina, por isso torço e peço a Deus que descubram logo a vacina que nos permita de verdade uma proteção para que as nossas vidas possam de fato voltar à normalidade.

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25 a 39 anos Bahia Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Mulher Cis Raça/Cor

“Não teve dor maior que sentir a despedida do Pataxó de Coroa Vermelha”

Perdemos o primeiro parente Pataxó de Coroa Vermelha para a Covid-19 e não houve despedida. Por isso, foi ainda mais doloroso. Após ficar internado durante um tempo, o nosso Pataxó saiu do hospital com o corpo completamente lacrado. Ou seja, foi tirado de nós o último adeus. Não pudemos nem velar seu corpo, como é de costume na despedida em nossa cultura.

Foram momentos de calamidade esses. Além de não termos tido a chance da despedida do nosso Pataxó, para mim teve outra situação que também é muito difícil. Pois, tenho um filho que tem problemas respiratórios e imunidade baixa. E, devido a essa situação, ele precisou ficar mais tempo na casa da minha mãe. Porque eu sabia que ele precisava de mim por perto, mas minha mãe compreendia que eu precisava, juntamente, com meus colegas ajudar outras famílias em estado de vulnerabilidade.

Nossa equipe se colocou na linha de frente. Arriscamos as nossas vidas e a vidas das pessoas que mais amamos para tentar amenizar os problemas que nossas comunidades enfrentavam, além das saudade e da falta da despedida de seus entes.

Nada de despedidas, mas muitas dificuldades

A gente aqui em Coroa Vermelha, sempre tivemos muitas dificuldades, mas nenhuma se compara à qual estamos lidando nos últimos meses. Meu pai e minha mãe contam sempre das tribulações que tivemos nas épocas da baixa temporada e de inverno. É que aqui a gente já cresce nessa cultura de confeccionar e vender, para se preparar para as épocas ruins.

No início da pandemia, eu chorava muito dentro de casa em ver a situação de muitas famílias dentro da nossa aldeia. A nossa maior fonte de renda e de boa parte das famílias era resultado de vendas de artesanatos, de redes de hotéis e do funcionalismo público. Mas o dinheiro sumia a cada dia e as necessidades só aumentava.

Os hotéis fecharam e muitas pessoas ficaram sem seus respectivos empregos. Os funcionários públicos que trabalhavam na área da educação foram todos dispensados até sem direito ao auxílio emergencial, logo nos 3 primeiros meses. 

Muitos pais e mães de famílias estavam indo para as pedras pescar, pegar mariscos, mas havia dias que voltavam com nada, porque a concorrência passou a ser alta.

Solidariedade

Comecei a mobilizar um grupo menor do CONJUPAB, fizemos nossas primeiras reuniões online para vermos o que poderia ser feito. Então, fomos buscar parceria com alguns apoiadores. Fizemos a campanha do quilo; fomos aos comércios que se encontravam abertos para pedir alimentos, remédios, fraldas descartáveis, produtos de limpeza e máscaras; fizemos rifas, a gente conseguia os alimentos e dividia em cestas para doarmos as famílias que mais necessitavam no momento. Eram muitas, muitas mesmo!

Em algumas casas onde a gente chegava foi preciso doar duas cestas por semana, porque eram cheias de crianças. A gente saia com mais vontade de lutar para enfrentar aqueles dias terríveis, mas que foram de grande aprendizado.

Nosso conselho da juventude conseguiu atender mais 300 famílias vulnerabilizadas. Conquistamos 150 cestas básicas por meio do Instituto Mãe Terra e fizemos um rodízio para ajudar as outras comunidades dos municípios de Porto Seguro, Prado e Itamaraju. Fizemos algumas rifas solidárias: uma foi especifica para um dos nossos guerreiros que semana passada nos deixou, o Arauí Pataxó. Foi quando um parente, o Daniel Pataxó, nos doou um cocar de penas de arara no valor de 700 reais para ser rifado em prol do guerreiro. Fizemos uma mobilização arretada e com a graça de Tupã e força dos nossos encantados conseguimos entregar em mãos para a sua família o valor de R$3.700,00.

Eu sou Taiane Pataxó, nasci e me criei na aldeia Coroa Vermelha, tenho 30 anos de idade. Sou professora formada na área de humanas pelo IFBA- Campus Porto Seguro. Sou a segunda secretária do CONJUPAB -Conselho da Juventude Pataxó da Bahia, atualmente trabalho como secretaria execultiva na SEMAI- Secretaria de Assuntos Indígenas de Santa Cruz Cabrália.

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40 a 59 anos Bahia Ensino Superior Completo Mulher Cis Parda

“É um momento que desencontra o nosso pensamento, no que pensamos sobre a Pedagogia de Terreiro, que aprendemos e construímos juntos”

Sou da comunidade do Caxuté e criadora da Pedagogia de Terreiro. Este é um momento difícil. Não só de hoje, mas de outrora. É um momento de encontro e desencontro. Desencontra o nosso pensamento, no que nós pensamos sobre a Pedagogia de Terreiro, que aprendemos e construímos juntos. Este é um momento que está separando nossos corpos dos nossos filhos e filha, dos nossos passados e antepassados, e dos viventes de hoje, que nos encontramos nessa pandemia.

Nós não podemos dialogar bem, e não podemos sentir o calor do outro. Isto é um momento de muita angústia no coração das comunidades tradicionais, porque as comunidades tradicionais se embasam no afago, no acalento, no colo, no carinho, na mãe.

A troca de experiência e viver e saber: um pesca seu peixe, o outro marisca, e trazem para nós quando não temos dinheiro, assim nós fazemos essa troca. Não podemos mandar ir os pescadores ao mangue; trazer o peixe, o caranguejo, o siri, o aratu para o nosso sustento.

Hoje, nós precisamos estar sempre de longe, sem poder encostar no outro por causa de uma pandemia de branco. E hoje temos um vírus que está virando tudo: virou nossos pensamentos, virou nosso viver, nossos saberes, nossos fazeres das nossas comunidades.

No mês de agosto, muitas pessoas de diversas localidades vêm à comunidade do Caxuté para participar da Kizomba Maianga de Kitengo. Este ano, não pôde ter essa troca de experiência por causa da evitação de aglomeração. Já que não podemos juntar nossos corpos, sentir os nossos calores, estamos vivendo um momento muito triste. Precisamos o tempo todo recorrer à nossa ancestralidade: que a gente se cuide, se fortaleça enquanto comunidade. A gente só tem a gritar ao nosso povo para ir ao mato, para ir para às matas, recorrer à nossa mata atlântica.

É difícil viver essa pandemia para os povos de matriz africana

Aí vem um outro lado: como nossos filhos da cidade podem encontrar esses matos, como é que uma casa com 10 ou 15 pessoas tem como se livrar de uma pandemia? Como é que tem como se alimentar e sair dessa aglomeração? Pois nós sabemos que nossos governantes não vão fazer nada para mudar isso, pois isto é a construção de uma política de derrotar o nosso povo preto, os nossos povos indígenas. É esse olhar que nós, de longe, avistamos quem vem; a gente vê quem vem, porque quando os pássaros gritam nas matas, a gente sabe quais são os pássaros que estão gritando forte ou fraco, nos seus cantos.

Quando nós estamos angustiados, quando nós estamos sofrendo, isso nos mata. Como tem matado nas travessias dos navios negreiros.

Então, a gente vê que isso é uma troca de negociação com nosso povo preto, nós temos que ter muito cuidado, porque é uma negociação que nos faz ver que nossos povos não podem ir ao hospital; então vamos para nossa mata. Corremos muitos riscos, vamos morrer nas casas, nas ruas, nos leitos de hospitais, pois não tem recursos para nós. Então, é difícil compreender, entender e viver nessa pandemia para os nossos povos de matriz africana, nossos povos de terreiro, nossos povos tradicionais. Estamos vivendo em um momento de muita angústia e a pior dor, o que mata, é o coração e a mente. Quando nós estamos angustiados, quando nós estamos sofrendo, isso nos mata. Como tem matado nas travessias dos navios negreiros.

O pós-pandemia não vai trazer o fim disto tudo, vai apaziguar, ela vai continuar; como o sarampo, a rubéola, outras e outras.

O que nós precisamos pensar nessa caminhada?

O que nós precisamos pensar nessa caminhada? Porque não vai acabar. Quando passar esse tempo… Porque há o tempo bom e o tempo ruim, nós estamos vivendo o tempo ruim.

Nós estamos nos fortalecendo com os nossos, começando a nos preparar com os nossos, a dialogar com os nossos, para que nós nos fortaleçamos. Na comunidade do Caxuté, é sempre dito pelo Caboclo, o Caboclo Pena Branca, o Caboclo Correia das Neves, ele diz assim: “Vamos plantar para os nossos filhos comer, para não comer batata de cemitério.”

Quando ele fala batata de cemitério, ele diz que, se não nos fortalecemos enquanto nós, só vai ter mais fracasso, mais derrotas nas nossas caminhadas. Porque, quem não consegue fazer nada dentro de um ano que para tudo, o que vai existir a não ser a pobreza? O que está acontecendo este ano é que no próximo ano vai existir mais pobreza ainda e comunidades mais fracassadas. Quem não tem terra, quem não tem um mecanismo, acesso a água, a plantar e colher, vai ficar difícil. Vão sobreviver de quê? Esse auxílio esse emergencial não vai existir.

Pedagogia de terreiro

A gente precisa auxiliar as comunidades tradicionais; de uma forma ou de outra abrir as escolas, criando outros mecanismos, outros meios de escola, para ensinar às crianças, como a Pedagogia do Terreiro, que abre a sua sala de aula no mar, no rio, no mangue, na terra. Para essa construção de aprendizagem, desse legado que nossos ancestrais deixaram para nós.

Nós vamos continuar o diálogo; que as comunidades, as escolas e as universidades possam estar cada vez mais contribuindo com isto, principalmente dentro dos espaços das universidades, para que se tenha um outro olhar perante nossos povos. 

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25 a 39 anos Bahia Ensino Superior Completo Homem Cis Prta

“Sendo uma bixa preta afeminada, eu já havia vivenciado outros contextos de isolamento social”

Sendo uma bixa preta afeminada, eu já havia vivenciado outros contextos de isolamento social. Entretanto, o isolamento social enquanto única alternativa de proteção contra a Covid-19, durante uma pandemia que tem matado milhares de pessoas no mundo todo, acarreta outras questões. Interpela o contexto socioeconômico, a saúde do corpo e da mente. 

Sendo uma pessoa preta e gay, estou inserido em populações vulnerabilizadas pela sociedade há bastante tempo. De alguma forma, vivenciamos os impactos de isolamento social pelo Estado na negação de nosso acesso aos direitos básicos, principalmente, no que se refere à segurança e à saúde.

Com a pandemia, as desigualdades sociais ficaram mais evidentes para muitas pessoas – mas nunca foram uma novidade para a gente. Temos visto que as principais vítimas da pandemia são justamente as populações mais vulnerabilizadas de sempre. Nem mesmo a pandemia e o isolamento empacaram os números que apontam para o genocídio da juventude negra e de pessoas trans e travestis.

Atividades suspensas, renda suspensa

Eu trabalho nos setores que foram os primeiros a parar por conta pandemia. Sou professor numa escola municipal, que teve as aulas suspensas assim que o primeiro caso foi comprovado em Salvador. Além disso, atuo como produtor artístico e cultural, e tive que cancelar e paralisar projetos voltados para a cena cultural por conta da pandemia.

Pessoalmente, além de ser considerado grupo de risco (o que me deixa muito afetado psicologicamente, com medo de ser contaminado de alguma forma, mesmo tomando todos os cuidados necessários), a questão econômica é um dos fatores que me preocupa. Não tenho um emprego fixo e dependo das atividades que foram suspensas.

Artvismo em contexto de isolamento

Sou um dos idealizadores do Coletivo Afrobapho, um grupo formado por mais de 15 jovens negros LGBT das periferias de Salvador que utilizam as artes como ferramenta de mobilização social e Artvismo. Nós atuamos com ações presenciais como performances, shows, intervenções urbanas, etc.

Com a pandemia, paralisamos as atividades artísticas e culturais. Inclusive, a produção de conteúdo audiovisual. Temos utilizados os aparatos tecnológicos e digitais para comunicação e até mesmo como forma alternativa de continuidade das atividades que desenvolvemos.

Estamos seguindo todas as orientações de isolamento social que a Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou. Nesse período, temos recebido alguns convites de trabalhos online e tentado os auxílios governamentais para sobrevivência.

Que normalidade?

Vejo muita gente falar de um “novo normal”, de uma “volta à normalidade”. Mas nós, corpos dissidentes, sabemos que o problema sempre esteve nesse conceito do que é considerado normal nessa sociedade racista e LGBTfóbica.

Entre utopias e distopias, desejo que o pós-pandemia não seja tão caótico para as populações mais vulnerabilizadas. Sabemos que é a base da pirâmide social que vai ter que segurar o rojão do processo de recuperação socioeconômica. São os corpos dissidentes que têm construído e proposto novas narrativas de vida, desde muito tempo.

Espero que consigamos resistir e existir em comunhão contra o projeto opressor que tem se reconfigurado a cada época pra nos fazer falhar, pra nos eliminar. Venceremos. 

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60 anos ou mais Amapá Ensino Superior Completo Mulher Cis Parda

“Ocupo-me de jardinagem. O confinamento nos inspira a nos reinventarmos”

Ocupo-me de jardinagem. O confinamento nos inspira a nos reinventarmos, a criar novos espaços de cultivo dessa arte verdadeiramente terapêutica.

Regar, eliminar ervas daninhas, adubar, vê crescer e desabrochar lindas flores é muito prazeroso.

Reinventar-se é dar um chega pra lá no tédio. Curando a Alma. O milagre da vida. Cada dia uma descoberta maravilhosa!

Jardinagem; cada dia uma revelação maravilhosa. A vida vale a pena.

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40 a 59 anos Branca Ensino Superior Completo Homem Cis São Paulo

“Assim que as aulas foram suspensas, vivi um terrível período de incerteza”

Desde o surgimento das primeiras notícias sobre o novo vírus em Wuhan, na China, voltei minhas atenções para lá. Por dois motivos. Primeiro, tenho grande interesse em geopolítica. Segundo, porque Campinas tem hoje uma crescente comunidade chinesa, voltada para o comércio de artigos importados de sua terra natal.

O vírus fatalmente deixaria o território chinês, devido ao gigantesco volume de comércio da China com o mundo globalizado, e colocaria populações em risco.

Hoje, sabemos que muitos países do mundo demoraram a entender o que se passava de fato e a Organização Mundial de Saúde (OMS) deveria ter se antecipado à evidente pandemia.

Aulas suspensas e ensino remoto

Durante o início do ano letivo, nas aulas, eu tratei com os estudantes sobre o que eram vírus e das relações do Brasil e do mundo com a China. Já havia um clima de apreensão.

Assim que as aulas foram suspensas, vivi um terrível período de incerteza.

Para “salvar” o ano letivo, o governo de São Paulo cria um plano de atendimento online na educação, com aulas ou atividades através de plataformas online, seguido por muitos municípios. Ação de êxito contestável, num país onde as pessoas têm dificuldade de fazer todas as refeições, em que celulares e computadores, quando se tem, muitas vezes são de uso coletivo nas famílias.

Famílias essas que já enfrentavam problemas como o desemprego. Muitas vezes, colocadas em risco em nome de um falso empreendedorismo, pois as poucas alternativas são entregar fast food e ser motorista de aplicativo, sem direito trabalhista algum.

O decreto sobre o isolamento social autorizado pelo STF mostrou como o governo federal estava perdido e descuidado do povo.

O Auxílio Emergencial, que deveria amenizar o sofrimento, acabou sendo mais um problema. A demora para os saques e ausência de liberação pelo aplicativo acirraram ainda mais as desigualdades.

O negacionismo é algo muito assustador aqui no Brasil: governantes, profissionais de todas as áreas e a população leiga disseminando absurdos, saindo de casa sem necessidade, não usando máscara, atacando imprensa e profissionais de saúde. Isso mostra como somos um arremedo de democracia e na verdade pouco solidários.

Ressalto que fiquei de início, cerca de um mês e meio, sem sair de casa, sem ver familiares, namorada e amigos. Aliás, ainda saio só mesmo só for imprescindível.

E, por fim, me solidarizo diariamente com as famílias dos muitos milhares de mortos que infelizmente teremos.

Que venham logo as vacinas.