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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Maranhão Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Para conseguir passar por essa situação busquei ajuda na minha fé”

A princípio eu achei que não chegaria aqui. No entanto, esse meu pensamento passou rápido. Mas logo me lembrei que a Covid-19 se alastrou depressa na China e no mundo. Então, pensei: logo isso aqui tudo estará contaminado! Eu sabia que ela ia chegar e ia causar uma destruição, porque não temos estrutura de saúde preparada para algo desse tamanho e com esse nível de letalidade.

As notícias do coronavírus me trouxeram o medo, uma angústia, quase um desespero. Com o passar do tempo começou a aflição de ver tantas pessoas morrendo e isso acaba refletindo na vida da gente, por mais que esteja distante.

O que me ajudou a passar por isso foi viver melhor com a minha família, por incrível que pareça. Momentos que tivemos que conviver só com a gente e descobrir coisas que talvez nem sabia.

Impactos na vida profissional

Logo em seguida vem a questão profissional. Deixar de trabalhar foi uma coisa muito difícil para mim, o trabalho sempre me ajudou muito por conta dos meus problemas emocionais e tudo o mais. Com esse rompimento, me abati muito, fiquei triste, por vezes cheguei a chorar quando todos iam dormir. Passei por momentos de muita angústia e desespero.

Mas fui buscando ajuda na minha fé, que veio me dando paz espiritual, e força para superar isso tudo. O medo, angústia, dor, esse rompimento com o trabalho e o fato de não poder estar com os amigos… estou passando por isso tudo graças à minha família e à minha fé em Deus.

Hoje eu olho pra trás e vejo tudo isso. Ao mesmo tempo, tenho medo quando vejo o afrouxamento das regras de isolamento. Ver as pessoas levando vidas normais como se a pandemia já estivesse acabado, me faz ter medo de novo que tudo piore.

Novamente me vem a questão do meu trabalho, me bate uma tristeza, porque este ano foi um ano de muito prejuízo para a educação. Eu não considero que funcione essas aulas remotas porque para nossa realidade onde muitos pais têm grande dificuldade de leitura como podem ajudar os filhos?

Eu acredito que vamos ter que conviver com essa doença pra sempre e a única saída vejo é através da vacina, por isso torço e peço a Deus que descubram logo a vacina que nos permita de verdade uma proteção para que as nossas vidas possam de fato voltar à normalidade.

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25 a 39 anos Estado Pará Prefiro não informar Prta

“Organizamos uma campanha virtual para atender famílias chefiadas por mulheres”

Desde o início da pandemia de Covid-19, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade de Altamira, com apoio da Fundação Viver Produzir e Preservar, pautou ações para contribuir com as mulheres em situação de vulnerabilidade social.

A princípio, no mês de abril de 2020, junto com outras organizações, participamos de uma vakinha virtual, em que foram arrecadados R$60 mil. Como resultado, os movimentos compraram alimentos saudáveis produzidos pelas comunidades das três unidades de conservação da Terra do Meio e da Agricultura Familiar. Desse recurso, compramos 250 mega cestas e distribuímos às famílias. 

Além disso, o Movimento de Mulheres organizou outra campanha virtual para atender 50 famílias chefiadas por mulheres. A partir dessa campanha, arrecadamos R$30 mil para contribuir com as mulheres durante três meses. Da mesma campanha, já fizemos duas entregas, faltando uma, que será no começo de novembro.

Foto do Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira acompanha relato que aborda as distribuições de cestas básicas e ações políticas realizadas na pandemia.

Por fim, a gente conseguiu se articular com a Rede de Cantinas da Terra do Meio, a Associação dos Pequenos Produtores e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), através do Projeto Somos Todos Amazônia, e conseguimos muitos produtos da agricultura familiar para doar às famílias. Além das cestas básicas, levamos também material de limpeza e material com informações de prevenção.

Mulheres periféricas são mais afetadas pela desigualdade

Percebemos, nesse tempo, a dura realidade da desigualdade que se abate sobre as famílias. Sobretudo, às mulheres da periferia.

O fato apenas confirma o que falamos a vida toda: os grandes projetos da Amazônia não produzem riquezas nem renda para seus habitantes.

Recurso de multa vira cesta básica

Além disso, participamos de outras campanhas que foram coordenadas pela Promotora Juliana. Nessa campanha a promotora recebeu 150 mil de uma multa. O Ministério do Trabalho tinha multado a Norte Energia, e todo o recurso foi revertido em cestas básicas. O Movimento de Mulheres, a Fundação Viver, Produzir e Preservar, entre outros, receberam as cestas e fizeram a entrega. Isso foi muito importante. Nessa mesma articulação da Promotora, a Empresa Equatorial de Energia doou 400 cestas e a promotora repassou para os movimentos fazerem as entregas.

Ação política

Além dessas ações de cidadania, nós participamos em ações políticas: enviamos documentos de reivindicações para o enfrentamento à Covid-19; apoiamos ações de comunidades ribeirinhas e indígenas e iniciativas de médicos e médicas de Altamira e região no combate à Covid-19; fizemos muitas intervenções na busca de leitos para as pessoas.

Diante de todo esse processo, enfrentamos a fúria dos negacionistas bolsonaristas.

Perdemos pessoas valiosas. Lutamos muito para a implantação do Hospital de Campanha, que chegou tarde e fechou cedo.

Mesmo com a diminuição dos casos, ainda estamos muito apreensivos. Considerando a abertura total do comércio, temos medo de uma segunda onda forte. Por fim, a única atividade que ainda não voltou presencial foram as escolas de ensino médio e fundamental.

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40 a 59 anos Homem Cis Parda Pós-Graduação Completa Rio de Janeiro

“Como professor de uma escola pública, pude perceber como as aulas remotas serviram para aumentar ainda mais as distâncias sociais”

Inicialmente, a instauração da pandemia trouxe algumas mudanças em meu estado emocional. Fez também com que eu tivesse que me adaptar à nova ordem mundial, instituída pela Organização Mundial de Saúde

Além de lidar com as mudanças que surgiram e com as emoções provenientes desse momento, percebi alterações comportamentais em meus filhos, que perderam o convívio com colegas de escola e aspectos da rotina, como saídas de casa para passeios e viagens. 

Somado à perda de contato com as pessoas, as crianças tiveram que lidar com as aulas remotas. Isso foi complexo para mim também, devido à falta de interação nas salas de aula e outros ambientes.  Apesar das dificuldades, as crianças se adaptaram bem durante esse processo.

Como professor de uma escola pública, pude perceber como as aulas remotas serviram para aumentar ainda mais as distâncias sociais. Devido ao fato de não possuírem acesso à internet, ou até mesmo computador em casa, muitos alunos não conseguiam acessar a plataforma.

Insegurança financeira

Perdi muitas possibilidades de realizar trabalhos devido ao fechamento provisório e, mesmo, permanente de espaços culturais durante o a pandemia. Mas ser funcionário público me permitiu trabalhar em casa e manter o meu salário. Assim, me sinto privilegiado, especialmente diante de tantos profissionais autônomos que perderam completamente os seus ganhos.

Foto montagem com três pessoas olhando através de visores de máquinas fotográficas acompanha relato do professor Alexandre Freitas para a Memória Popular da Pandemia. Relato aborda as dificuldades enfrentadas por ele, seus filhos e estudantes com o fim das aulas presenciais.

Porém, a insegurança financeira permanecia, já que apenas o salário do estado não seria suficiente para manter o orçamento familiar equilibrado. De certo modo, esse cenário profissional instável foi compensado pela necessidade das empresas em se adaptar aos novos desafios impostos, que fez com que passassem a inserir projetos de produção de vídeoaulas e vídeos institucionais de veiculação remota. Isso permitiu que eu pudesse realizar alguns trabalhos extras nessa área.

Retomada das aulas presenciais

Agora é esperar para ver o que nos reserva o próximo ano. Me preocupo bastante com o que ocorrerá com as escolas, no sentido da possibilidade de retomada das aulas presenciais. Pois, apesar das dificuldades referentes a esse processo de adaptação, me sinto inseguro com a ideia de meus filhos voltarem a frequentar uma sala de aula.

Como professor, falo também por mim: sinto muita falta da aula presencial. No entanto, compreendo a necessidade de ainda nos mantermos distanciados, em quarentena, nos preservando o máximo possível. Especialmente, quando há milhões de pessoas em todo o mundo perdendo suas vidas por causa desse vírus. Entre elas, o diretor da escola onde leciono.

Sou solteiro, tenho 46 anos, sou carioca e pai de Artur (de 12 anos) e Olívia (de 6 anos), filhos provenientes de 2 casamentos. Sou professor de Arte da rede estadual do Rio de Janeiro e ministro cursos e palestras sobre cinema e fotografia em diversos espaços culturais, além de realizar trabalhos de fotografia e vídeos institucionais. Anteriormente à pandemia, minha rotina consistia em sair para lecionar na escola e nos espaços culturais e, eventualmente, realizar trabalhos como fotógrafo e videomaker.  Como nos últimos anos os serviços nas áreas de foto e vídeo estavam mais escassos, priorizei o meu ofício como professor, dividindo-me entre os trabalhos e os cuidados de meus filhos, já que possuo uma guarda compartilhada com as suas mães. 

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40 a 59 anos Ceará Ensino Fundamental Incompleto Mulher Cis Parda

“Surgiu um convite para a cozinha comunitária. Aceitei na hora. Queria ajudar e fazer parte de algo”

Acompanhei o início da pandemia pela televisão e via a preocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em achar maneiras de ajudar as famílias próximas. Nós aqui de casa – a qual conquistei na luta do movimento – recebemos ajuda com cestas básicas e máscaras.  

A princípio, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto montou uma cozinha comunitária. Logo, surgiu um convite para que eu fosse ajudar na cozinha. Aceitei na hora, pois queria ajudar e fazer parte de algo.

Foto de duas mulheres cozinhando com uma panela de pressão acomapnha relato da Memória Popular da Pandemia, que mostra como ajudar na cozinha comunitária do MTST trouxe a esperança de dias melhores à Maria Antônia.

Ajudar na cozinha comunitária foi um misto de sentimentos: me senti útil e feliz ao ver várias e várias pessoas comendo o que eu mesma preparei junto a algumas companheiras.  

A pandemia é grave, ela pode até matar. Mas o movimento faz com que tenhamos esperança no amanhã.

Sou dona de casa e há cinco anos tive meu primeiro contato com o MTST. Minha filha é militante do movimento e agradeço demais por tudo o que o movimento acrescentou em nossas vidas.  

Leia também:

“As atividades do MTST nos territórios ficaram mais intensas” – Maria Eduarda Rodrigues | Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – Pacatuba, PE

“Deixa quem quiser chamar de assistencialismo. Eu digo que é uma emergência, fome tem pressa” – Vânia Rosa | Presidente do Coletivo Rua Solidária – São João de Meriti, RJ

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Bahia Mulher Cis Pós-Graduação Incompleta Prta

“Por aqui ser uma comunidade da zona rural, muita gente vinha do centro da cidade para cá para poder ir para bares e continuar uma socialização”

Eu estava acompanhando a pandemia desde o início, desde que começaram os primeiros casos na China. E estava um pouco apreensiva desde lá. Minha família até brincava comigo que eu estava sendo precipitada.

À medida que as coisas começaram a avançar e começaram a surgir os primeiros casos da pandemia aqui na Bahia, em Feira de Santana e depois em Salvador, eu já comecei a tomar os cuidados.

Porque Salvador é uma cidade que a gente precisa de transporte público, enfim, na própria universidade a gente acaba tendo contato com muitas pessoas no dia a dia. Então, quando foram chegando os primeiros casos, eu já comecei a tomar os cuidados. Inicialmente, eram o uso de álcool em gel, chegar em casa tirar a roupa e tomar logo banho, esses cuidados assim. Ainda não estava inserido o uso de máscara e dessas questões.

Infodemia

Mas o primeiro impacto que eu senti quando começou mesmo o isolamento social foi psicológico. Eu me lembro que, nos primeiros dias da quarentena, eu ficava ali imersa nas notícias.

Eu acordava e a primeira coisa que eu fazia…eu pegava meu celular, entrava nas redes sociais, no Twitter, no Instagram, nos sites de notícias que eu costumo ver pela manhã, ouvia podcast. Geralmente meu pai estava também com a televisão ligada, então eu acabava consumindo essas notícias assim que eu acordava. E, durante o dia, eu ia atualizando o número de casos, quantas pessoas morreram, enfim, estava totalmente imersa e isso estava me fazendo um mal muito grande.

Até que minha mãe falou para mim: “você só fala disso agora, para de falar disso!”. Foi até engraçado na época, que ela só faltou me dar um sacode. E foi quando eu vim cair na real que aquilo estava me fazendo mal, porque eu estava muito ansiosa.

Eu não estava conseguindo fazer nada além de vivenciar a pandemia. Tomando os cuidados, mas vivenciar que eu digo a nível de informação. Então eu estava totalmente imersa nesse contexto e, depois que minha mãe falou isso, eu falei: “realmente, eu tenho que tomar algumas medidas de cuidado mesmo, para que eu não adoeça nesse processo”.

Uma pausa nas redes

E aí eu comecei a silenciar as palavras nas redes sociais. Comecei a silenciar no Twitter, no Instagram, parei de seguir algumas páginas também – que durante os “tempos normais”, digamos assim, tem um um conteúdo jornalístico diferente, mas que nesse período não tem como os veículos não estarem dando uma atenção maior a questão da pandemia.

Então eu fui adotando essas medidas mesmo de consumir menos notícias possíveis sobre a pandemia. Eu passei a ver umas duas vezes no dia, mais ou menos, para ver o que estava acontecendo. Não me deixando de me informar, porque é importante também, mas não deixando que as notícias chegassem a mim de qualquer forma.

Incialmente, eu achei que ia durar menos tempo do que tem durado. A gente já está avançado para uns quatro meses, mas inicialmente eu acreditava que seria uma coisa de uns dois meses. Enfim, eu estava acompanhando a realidade dos outros países também, então eu estava com um pouco mais assim de esperança, mas, ao mesmo tempo, com muito medo do que estava acontecendo. E de quando isso ia chegar na minha família, quando ia chegar nas pessoas mais próximas.

Da cabeça para o corpo

No início do ano, eu tinha iniciado uma psicoterapia que estava me ajudando bastante. Era presencial, agora é através das vídeo chamadas. Nos primeiros dias, eu falei assim “ah, eu acho que eu não vou continuar, porque acho que não vai funcionar, acho que vai durar pouco tempo também”. Mas, de fato, essa tem sido uma ferramenta que tem me ajudado muito, porque as coisas continuam acontecendo.

Nas nossas famílias, vão acontecendo problemas e, enfim, o mestrado, tantas outras coisas vão acontecendo também para além da pandemia, fora as milhares de notícias ruins que vem acontecendo nos últimos meses.

Então é um acúmulo de coisas muito grande, que eu tenho aprendido ainda a lidar, mas que o principal impacto que eu senti inicialmente foi isso – psicológico – mas que depois se reverteu no meu corpo também. Um cansaço físico enorme. Mesmo que eu não estivesse em um movimento muito grande de sair.

Mudanças na rotina

Minha vida é ir para universidade, fazer as coisas em Salvador, uma mobilidade muito grande durante o dia, não costumava ficar dois dias sem sair de casa. Ficava um dia, era o máximo. Então eu comecei a ter um cansaço físico muito grande, tive até um problema dermatológico, que eu acredito que tenha sido por conta disso. Porque eu nunca tinha tido, e aí, enfim, foram essas coisas assim que aconteceram.

Primeiro impacto que eu senti foi em relação ao meu psicológico, depois eu senti o meu corpo respondendo a isso, e à medida do tempo, fui tentando traçar estratégias para poder amenizar esses impactos sobre mim.

Universidade, estudo e militância

Atualmente faço mestrado no programa Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, na Universidade Federal da Bahia. Sou formada em serviço social pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Quando a pandemia começou, estava bem no início das aulas, tanto na UFBA, quanto na UFRB. As atividades estavam sendo retomadas. Inclusive, eu só fui à universidade dois dias se não me engano.

Atualmente, faço parte do Portal Black Fem, um portal de artigos, notícias, conteúdos nas redes sociais, que é formado também por jovens negras de vários lugares do Brasil. A gente produz conteúdos que são publicados nosso site e Instagram, que são as duas ferramentas de comunicação sociais que a gente utiliza.

Também faço parte, desde 2018, do Coletivo Angela Davis, um grupo de pesquisa e ativismo em gênero, raça e subalternidades que se propõe, para além de estudar e fazer as pesquisas acadêmicas, também praticar um ativismo político junto a outros grupos e organizações, principalmente de mulheres negras.

Reuniões eram também socialização…

Quando começou a pandemia, o coletivo estava nesse processo de retomar as atividades. Semestralmente, a gente faz um calendário de atividades, já para o semestre inteiro, e a gente estava nesse processo ainda.

Anteriormente, nossas reuniões eram quinzenais, presenciais. Então quem não morava em Cachoeira se deslocava até Cachoeira. Além de ser um momento de reunião, era também um momento de confraternização, de troca mesmo. Depois, a gente saia para tomar uma cerveja, para almoçar, para fazer alguma coisa. Os laços se estreitavam a cada vez que a gente se encontrava.

…e passaram a ser online

A primeira estratégia que a gente encontrou, assim como outros grupos, foi de fazer as reuniões online. E as reuniões passaram a ser semanais. No cotidiano não teria como ser semanal, não daria tempo das pessoas se deslocarem. E como atualmente estamos todas em casa, ficou um pouco mais fácil de fazer as reuniões semanalmente.

Durante esse percurso, a gente foi encontrando formas de fazer as reuniões. A gente também foi pensando algumas ações que não deram certo e tiveram que ser reorganizadas. Muito porque é tudo muito novo. Embora a maioria das pessoas tenha acesso à tecnologia, já tenham mais familiaridade no uso das plataformas, ainda assim é tudo muito novo.

E tem acontecido muita coisa na internet, no Instagram, nas redes sociais, tem acontecido uma grande produção de conteúdo. A gente também estava tentando se inserir e pensar o que fazer para que as nossas reuniões não ficassem só entre nós.

O coletivo normalmente propõe ações e atividades para fora das pessoas que fazem parte do grupo. Foi um processo de adaptação, que teve erros, percalços, e, à medida do tempo, a gente foi encontrando alternativas. Nossa principal forma de comunicação hoje são as reuniões e o grupo no whatsapp, que já era bastante utilizado para mandar os informes.

Webinários e formações

Nós estamos com um projeto promovendo alguns webinários nas temáticas que envolvem o tema do racismo e do antirracismo atrelados a outras questões no contexto do Brasil e dos Estados Unidos. Pensando nos últimos acontecimentos, na morte do George Floyd, e em algumas outras coisas que o coletivo já queria propor, foi formada a Rede de Estudo e Formação em Racismo e Antirracismo. Atualmente, a rede vem desenvolvendo atividades.

Outra coisa que a gente tem promovido é um curso de formação nos estudos de gênero e raça. É um curso que costuma ser proposto para os integrantes do coletivo e que, nesse contexto de pandemia, curso foi aberto para mais pessoas.

Estou como aluna do curso também, então tem sido um momento muito interessante de aprendizado. Para ouvir outras pessoas do coletivo que são facilitadoras das temáticas, para ter contato com os textos, e também para ampliar a rede de pessoas. A gente percebe que tem muitas pessoas de outros estados, outros movimentos sociais, e algumas estudantes da graduação, que estão se interessando ou iniciando as pesquisa nesse campo de gênero e raça.

Viver a pandemia em zona rural

Meus pais moram na zona rural de Cachoeira, o que me traz de certa forma um pouco mais de tranquilidade. Porque aqui a gente não fica restrito ao espaço físico da casa. A gente tem um quintal grande, uma área grande. Durante o dia, meus pais, que são do grupo de risco, conseguem realizar outras atividades.

Aqui na minha comunidade, no início, as coisas não tinham mudado tanto, por conta do baixo índice de casos que tinha aqui em Cachoeira. Mas, à medida que o tempo foi passando, e as próprias pessoas da comunidade foram diagnosticadas com Covid-19, as coisas mudaram um pouco.

As pessoas passaram a ter uma outra articulação. Por ser uma comunidade de zona rural, as pessoas têm muito costume de dar uma coisa a outra, o que é produzido é compartilhado entre os vizinhos, ou de ir muito na casa dos vizinhos, ou de parar para conversar. Essa realidade tem sido um pouco mudada. A rua que eu moro é uma rua em que moram pessoas mais velhas, então passou-se a ter esse cuidado.

Por aqui ser uma comunidade da zona rural – como Cachoeira no início estava com os bares fechados – muita gente vinha do centro da cidade para cá para poder ir para bares e continuar uma socialização. Isso foi algo que estava me preocupando bastante, estava preocupando meus familiares e outras pessoas, porque era uma forma da comunidade estar um pouco mais vulnerável.

Aqui também a questão de transporte era muito específica, tem transporte com horário específico para sair, horário para voltar, isso também mudou.

Zona rural, reorganização financeira e novas tecnologias

Muitas pessoas que moram aqui vivem da feira, e tiveram que se reorganizar vender seus produtos. Conheço algumas pessoas que, por serem mais velhas, tiveram que dar um tempo de realizar a venda e comercializar os produtos que costumam vender, porque isso se tornou perigoso. Algumas pessoas da comunidade rural também implantaram o delivery, que era algo que antes não tinha.

Percebi que as pessoas foram buscando estratégias para conseguir uma renda. Muita gente aqui vive do que produz na roça, ou de algum trabalho não fixo. E agora que a gente está vivendo o contexto de pandemia, muitos trabalhos que não são fixos tiveram que parar ou diminuir. Por isso, de maneira gradual, as pessoas foram buscando essas estratégias de sobrevivência financeira.

Minha mãe, por exemplo, é professora. É uma pessoa de referência aqui na comunidade, é professora dos filhos dos alunos dela de vários anos atrás, porque ela já é professora há mais de 25 anos. E a vida dela de educação no campo é complemente diferente do que tem sido agora. Então ela está nesse processo de aprendizado e de tentar usar as tecnologias, que é algo que ela não utilizava. E eu tenho que auxiliar ela nesse processo de enviar atividade, de produzir atividade – ainda que seja difícil inclusive para mim, que não tenho nenhum domínio pedagógico, mas tem sido assim uma troca. Isso também impacta na vida dos alunos dela e das famílias. Porque acho que a escola aqui é muito um lugar de encontro, onde tem mais contato com as famílias e com as crianças.

No meio rural, ao ar livre, precisa de máscara?

O principal momento em que as pessoas passaram a se conscientizar e tomar medidas um pouco mais severas, como o uso da máscara…porque aqui a gente está ao ar livre, então algumas pessoas diziam que não precisa. Por estar está ao ar livre, no meio de árvore, encontramos poucas pessoas. Se eu estou aqui fora de casa, vejo uma pessoa passar agora e outra daqui a 10/15 minutos. Não tem uma quantidade de gente muito grande, principalmente na rua em que eu moro.

Planejamento de um futuro incerto

Antes da pandemia, eu nunca fui uma pessoa de me organizar muito para o futuro, pensar: “ah, minha vida daqui a 5 anos vai estar de certa forma”. Por exemplo, quando eu sai da graduação, não tinha tanto um projeto de vida traçado. Sabia que queria fazer um mestrado, a temática, mas, com o passar do tempo, eu comecei a pensar numa perspectiva mesmo de futuro

Tenho que escolher algo que vai me trazer um retorno. Claro que tem que ser algo que eu goste, mas estou caminhando para frente e preciso traçar um futuro assim do que eu quero, até porque traçar um futuro vai permitir traçar estratégias para chegar onde você almeja – pensava. Então na minha cabeça estava isso bem planejado.

Então, à medida que eu fui amadurecendo, ficando mais velha, entrei no mestrado, eu tinha um plano de vida traçado. Estava pesquisando programas de doutorado, pensando um projeto que eu pudesse encaixar.

Altos e baixos

Aí, quando chegou a pandemia, à princípio, eu estava pensando que ia ser uma coisa de dois meses . “Vou aproveitar para estudar, aprofundar minha pesquisa, ler mais” – pensava.

Mas, durante a pandemia, foi exatamente acontecendo o inverso. Muitos momentos de altos e baixos. Tinha semanas que eu super focada nos estudos. E outras semanas em que ficava sem fazer nada. Pegava algo para ler e não conseguia. Tentava assistir alguma coisa e não conseguia.

Eu perdi durante um tempo essa capacidade de articular um futuro. Ficava vivendo uma dia atrás do outro. Cheguei naquele momento de pensar: todos os dias são iguais, não sei quando vou sair disso, não tenho mais motivação para planejar nada, porque eu não sei quando é que as coisas vão voltar a acontecer.

Mas eu acho que, à medida que as coisas foram acontecendo, eu vi que algumas estratégias estavam dando certo, que as pessoas estavam encontrando estratégias para fazer as coisas acontecerem. Obviamente, não da mesma maneira que antes, mas as coisas estavam acontecendo. Eu precisava de alguma forma acompanhar isso; não podia parar e esperar a pandemia passar.

Atualmente eu tento encontrar uma perspectiva de quando as coisas vão melhorar. Porque passar vai demorar um tempo. Eu acredito que as coisas vão mudar muito, já tem mudado. Eu, pelo menos, sou uma pessoa muito afetiva, de encontrar as pessoas, abraçar, beijar, de ter o toque mesmo, então eu fico pensando muito sobre isso, de encontrar algumas pessoas e pensar “abraço ou não abraço?”.

De perto e de longe

Uma coisa que aconteceu ontem. Eu tenho um primo que eu considero como irmão. E ele já está aqui há três meses. Assim que começou a pandemia, demorou umas duas semanas, e ele veio para cá e está passando a pandemia meio com a gente.

E todas as vezes em que a gente se encontra, a gente se abraça. Só que dessa vez a gente não pode se abraçar. Foi a primeira vez que a gente se encontrou, ficou junto e não pode se abraçar. A gente tem uma relação muito próxima de carinho, de abraçar, de beijar. E aí quando foi ontem, foi um momento em família mesmo, eu estava indo para o banheiro e ele passou e me abraçou. Aí não teve como não abraçar de volta.

E minha dinda falou “e pode abraçar?”. Eu falei: “ai, tia, é a primeira vez que a gente passa três meses juntos e a gente não tinha se abraçado ainda”. A gente deu aquele abraço forte como se a gente estivesse há muito tempo sem se ver, quando na verdade a gente está passando a quarentena juntos, mas não podia ter esse momento do toque, do abraço. E eu sinto que foi algo que me marcou muito na hora, eu fiquei presa no abraço pensando “nossa, como isso era comum e agora não é… como de alguma forma a gente tem que se privar de viver isso, ainda que a gente esteja passando a quarentena inteira juntos na mesma casa”.

Isso aconteceu com o meu pai também, mais no início da quarentena.

Eu não tinha bolsa de mestrado e minha bolsa de mestrado chegou nesse processo de quarentena. Isso me deu um certo gás para pensar meu futuro. E no momento em que eu dei a notícia para o meu pai ele me abraçou. Eu não tive como não abraçar de volta. Porque isso era algo que era muito esperado por mim, por ele, por minha mãe, por minhas irmãs.

E eu fico muito pensando como a gente vai lidar com os afetos, com essa falta de abraçar as pessoas, de lidar com as pessoas que a gente ama. Eu fico pensando muito nisso e, ao mesmo tempo, não consigo chegar a uma resposta de como as coisas vão acontecer.

Eu sei que as coisas não vão ser da mesma forma, pelo menos eu não consigo imaginar, mas, ao mesmo tempo, eu não consigo pensar em viver sem encontrar as pessoas, encontrar meus amigos. E não ter aquele toque.

Minha irmã está em Salvador atualmente trabalhando. E isso tem sido uma falta muito grande para mim e para meus pais, porque a gente nunca ficou tanto tempo sem se ver. Tem sido muito difícil. E ela teve uma oportunidade de vir até aqui. Mas ela não veio. Porque ela disse que não ia conseguir chegar aqui e ficar de longe. Chegar e ficar no carro acenando. Para ela seria muito mais doloroso ver a gente de perto e não poder abraçar, do que ela distante fisicamente que é como a gente tem estado nesses últimos meses.

Planejamento sem cronograma

Eu tenho tentado planejar o meu futuro, mas sem pensar muito no tempo, em quando as coisas vão acontecer. Mas voltar aos meus planos antigos. Voltar a por a minha cabeça no lugar. Eu também tenho tentando escrever muitos dos meus pensamentos. Eu passo muito tempo sozinha, às vezes no quarto ouvindo música ou lendo uma coisa, e têm me surgido muitos questionamentos.

Chega uma hora que a gente não tem nenhuma coisa para fazer e o que resta é pensar. Então eu tenho me perguntado muito, feito várias perguntas para mim mesma, escrito as perguntas, lido depois e tentado encontrar respostas. E outras vezes não. Só deixando de registro para que futuramente eu possa acessar isso e tentar ver se o tempo me deu alguma resposta.

Mas, ao mesmo tempo, eu tenho tentado não me cobrar tanto. Porque, no início da pandemia, uma coisa que eu estava me cobrando muito era a produtividade. Tentar fazer as coisas, tentar acordar cedo e fazer isso e fazer aquilo. De certa forma eu consegui adquirir hábitos bons, que eu não tinha antes da pandemia, mas, por outro lado, eu ficava assim: “ah, eu tenho que fazer tudo, tenho que dar conta de tudo, esse é o momento que vou tirar para aprender todas as coisas que eu não tive tempo de aprender”. Só isso que não funcionou, pelo menos para mim. Chegou um momento em que eu não tinha mais energia para fazer as coisas, que eu trocava o dia pela noite, acordava de tarde, aí ficava tentando regular isso e não conseguia.

Tudo o que eu faço agora, me proponho a fazer ou não fazer, isso vai impactar no meu futuro.

Eu tenho aproveitado alguns espaços para fazer algumas coisas que antes eu não tinha coragem de fazer, ou que tinha mais vergonha – tipo aqui, gravar o vídeo, que é algo que eu não tenho nenhuma familiaridade. Durante os webinários eu mediei mesas e para mim foi muito angustiante, porque eu ficava muito com medo de errar, de fazer alguma coisa errada.

E tem muito essa coisa de necessitar da internet. Você combina uma coisa e no dia não tem internet acabou, você desmobiliza tudo.

Ainda tem isso. Além das inseguranças normais acontecem essas que estão fora do nosso alcance mesmo, que a gente não consegue controlar. Então eu fiquei muito angustiada. Mas eu contei com a ajuda de várias pessoas, que têm sido muito importantes nesse momento também. As redes de pessoas com quem eu me relaciono, meus amigos, meus familiares. A gente tem feito muita chamada de vídeo ou conversado muito nos grupos, tentado se ajudar muito, e isso tem me dado uma força. Mas eu tenho tentando usar esse momento também para romper. E isso também é fruto muito do que eu tenho tratado e conversado nos momentos de terapia, que sempre me fazem pensar e buscar algum tipo de estratégia para lidar com algumas questões.

Um alerta

Algumas pessoas costumam dizer que tem o lado bom da pandemia. Não vou dizer que isso em algum momento não passe pela cabeça da gente. Mas eu, particularmente, não consigo ver tanto um lado bom. Mas, ao mesmo tempo, a gente tem tentado encontrar estratégias para amenizar o momento que a gente tem vivido.

A pandemia é algo extremamente ruim em todos os níveis possíveis. Mas, ao mesmo tempo, é um alerta. É um alerta para o nosso corpo, para o nosso tempo, para a forma que a gente se relaciona com o meio ambiente, com a natureza, com o que a gente come.

Agora muita gente entrou nessa de “ah, vou ter uma alimentação melhor, faz minhas coisas em casa, deixar um hábito ruim, porque eu posso estar mais vulnerável na pandemia”. Eu estava vendo e pesquisando bastante coisa nesse sentido da imunidade. Que é uma corrida para conquistar algo que você não conquista em um mês, tem que ser algo gradual, que se conquista com bons hábitos.

Acho que a pandemia trouxe esse alerta, da forma que a gente se relaciona com as pessoas e de alguns hábitos. Eu não consigo me imaginar mais sem o tempo todo limpar meu celular. Mas isso era uma coisa que eu nem fazia antes . Eu via algumas pessoas falando “ah, tem que limpar o celular”. Eu pegava o celular, botava na bolsa, fazia todo esse movimento sem nenhuma preocupação. Então isso para mim não existe mais. Eu não consigo pensar mais em alguns hábitos que antes eram comuns como normais e isso vai acabar perdurando por mais tempo. Eu acho que a pandemia trouxe isso como alerta.

E uma nova forma de se organizar

Acho que trouxe também isso de criar uma nova forma de se organizar. Pensar as organizações, os grupos, da gente criar um sentido maior de comunidade. Eu acho que isso é algo muito importante, que os coletivos de pessoas negras geralmente tentam propor de se articular num contexto de comunidade. E a pandemia traz essa reflexão de comunidade. Por exemplo: eu moro em uma comunidade rural, mas, se eu for sair sempre, se for atender todos os meus desejos e minhas vontades, eu não vou estar pensando no senso comunitário. Porque a partir do momento que eu saio de casa, que eu saio sem máscara, que eu deixo de tomar algum cuidado, eu estou impactando na vida não só da minha família, mas de várias outras pessoas.

Então eu acho que trás para a gente esse sentido de comunidade – para além das paredes da nossa casa, para além dos nossos familiares e das pessoas mais próximas – de pensar num senso maior, pensar no coletivo, pensar de construir isso para um momento que não só esse.

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25 a 39 anos Mulher Cis Parda Pernambuco Pós-Graduação Completa

“Para nós, mulheres rurais, um dos desafios foi continuar nos articulando”

Antes de mais nada, moro em um município pequeno e para mim esse contexto da pandemia tem sido de grandes desafios:

Desafios quanto a ser mulher chefe de família, quanto a ser mãe de duas adolescentes, desafios enquanto militante em movimentos. Além de desafios frente aos encontros e desencontros da vida.

Acredito que vivemos aqui no Brasil um verdadeiro caos. A maioria das pessoas ignora o fato de estarmos passando por um momento muito sério, em que o vírus da Covid-19 já tirou a vida de milhares de seres humanos.

Durante essa pandemia, para nós, mulheres rurais, um dos desafios foi continuar nos articulando. Com o distanciamento social, nos vimos cada vez mais dependentes das mídias digitais como forma de continuarmos nos comunicando e nos articulando enquanto movimento social. 

Foi a partir daí, das dificuldades de muitas companheiras de não saber lidar com esse mundo digital, que percebi que nós, mulheres rurais, ainda somos totalmente analfabetas digitais e pessoas alheias a esse mundo digital. Mesmo frente a tudo isso, acredito que vamos sair desse período de pandemia mais fortalecidas(os).

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“A adaptação não foi fácil. Tive momentos de estresse, nostalgia, e uma sensação de estar dentro de um círculo se fechando ao meu redor” – Andréia das Neves | Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais – Angelim (PE)

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“As atividades do MTST nos territórios ficaram mais intensas”

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) sempre atuou nos territórios com diversas ações, fossem elas solidárias ou culturais. Em função da pandemia, essas atividades ficaram mais intensas.

Iniciamos uma vakinha online para que conseguíssemos comprar cestas básicas e produtos de higiene. Contamos também com doações de produtos, fabricamos e distribuímos máscaras, organizamos uma cozinha comunitária e realizamos sarais virtuais.  

Eu sempre fui uma militante ativa: participava de todas as atividades e, na pandemia, também não fiquei parada. Então, participei de todas as atividades, entreguei cesta básica e produtos de higiene, distribuí máscaras, organizei e apresentei quase todos os sarais.  

Antes de mais nada, fazer a distribuição de coisas tão básicas era como levar alegria para aquelas famílias.

Foto enviada por Maria Eduarda Rodrigues, em que aparecem duas pessoas com uma bandeira do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. A foto acompanha relato da Memória Popular da Pandemia sobre as atividades do MTST na como a distribuição de máscaras e cestas.

Não podíamos nos abraçar por conta da pandemia, mas nós comunicávamos através de olhares, sorrisos escondidos pelas máscaras e um “MUITO OBRIGADA!”.

É uma certeza de que não podíamos nos tocar e muito menos nos ver fisicamente, mas esses agradecimentos já enchiam o coração de esperança.  

Em conclusão, a pandemia trouxe o agravamento da falta de coisas que já tinham antes, como a falta da política pública na saúde e na habitação. Mas nada disso nos desanimou, pelo contrário, só nós deu mais motivos pra lutar. 

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“Surgiu um convite para a cozinha comunitária. Aceitei na hora. Queria ajudar e fazer parte de algo” – Maria Antonia Rodrigues | Dona de casa – Pacatuba (PE)

“Me aproximei oferecendo o celular pra fazer o pedido do auxilio emergencial do governo” – Luciana Paiva Coronel | Professora – Porto Alegre, RS

“Deixa quem quiser chamar de assistencialismo. Eu digo que é uma emergência, fome tem pressa” – Vânia Rosa | Presidente do Coletivo Rua Solidária – São João de Meriti, RJ

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18 a 24 anos Branca Ensino Superior Incompleto Mulher Cis Pernambuco

“A adaptação não foi fácil. Tive momentos de estresse, nostalgia, e uma sensação de estar dentro de um círculo se fechando ao meu redor”

A princípio, a adaptação a esse novo contexto de distanciamento social e isolamento não foi fácil. Principalmente no início. Sobretudo, tive que me habituar com o fato de não poder abraçar as pessoas que gosto, sendo que o abraço para mim é algo tão natural e espontâneo.  

Por gostar de estar sempre em movimento, engajada com atividades, o período mais difícil para mim foi o isolamento nos meses de pico da pandemia. 

Do mesmo modo, durante o isolamento, tempo em que fiquei praticamente sem sair de casa, no meio rural, sem contato com outras pessoas para além da minha família, tive momentos de muito estresse.

Às vezes, senti nostalgia, e uma sensação de estar dentro de um círculo se fechando ao meu redor. 

Adaptação da rotina

Sou mulher rural, estudante, feminista e integrante do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Pernambuco (MMTR-PE),

O período dentro de casa implicou em muitas coisas. Tive que me readaptar e reorganizar toda minha rotina, seja de estudos ou de trabalho. Não foi fácil, pois tive que assumir parte das atividades domésticas. Além da responsabilidade com meus dois irmãos mais novos, um de 7 e outro de 8 anos. 

Em meio a tudo isso, e enfrentando as limitações e algumas dificuldades, consegui me manter, sempre que possível e mesmo que de forma virtual, participando do movimento, estudando e trabalhando. Isso foi fundamental para preservar tanto minha saúde emocional quanto física. 

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18 a 24 anos Ensino Médio Completo Minas Gerais Prta

“Vi minha família ser exposta ao vírus no auge da incerteza da pandemia, e presenciei uma nova faceta de medo”

Eu sou Steffane, mulher negra feminista e jovem pesquisadora. Nesse ano estranho, me deparei com medos outros, vi minha família ser exposta ao vírus no auge da incerteza da pandemia, e presenciei uma nova faceta de medo. 

Há muitos medos que nos cercam quando somos mulheres negras em uma sociedade racista e sexista, mas presenciar a ânsia de ver minha família ser contaminada por um vírus desconhecido tomou, e ainda tem tomado, conta de mim ao longo desses meses em que tudo tem estado incerto. 

Assistindo à minha família sendo obrigada a sair para trabalhar todos os dias, eu me reconectei com a minha espiritualidade na medida em que me vi pedindo por proteção.

Escancarando desigualdades, a pandemia impulsionou o massacre sobre nossos corpos e corpas negros.

Enxergando muitos de nós se contaminando por estarem em postos de trabalho de base e sobre a visualização de outras maneiras genocidas sobre nossos corpos. Por isso, eu digo que senti medo de outras formas. Na verdade, é muito porque eu temo o luto. 

Tenho medo de perder os meus, os que estão comigo, os muitos de nós que tem suas vidas cooptadas. Eu temo. Vendo a casa não me caber, me dei conta que vida se faz agora e todo esse aparato supressor capitalista que roubou de nós, os nossos, não os trará de volta.

Que nossos corpos precarizados valem menos que outros eu já sabia. 

Operacionalizar o medo

Esse momento assustador me deu ânsia de continuar lutando, me organizando e estando junto aos nossos. Só é possível continuar se formos juntas, juntes e juntos. A pandemia me apresentou outras formas de medo, mas me lembrou como que é preciso operacionalizar. 

O resistir para nós, é o continuar, sobretudo porque ainda estamos distantes de uma ruptura que nos salve. Através dos desafios que não temos como contornar, nós inventamos novas formas de viver, porque há muito em jogo, porque nossa família não espera, o cuidado não espera. Cada vez mais eu tenho certeza que alguém em alguma medida olha por nós. 

Sigamos reexistindo e nos cuidando.

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25 a 39 anos Bahia Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Mulher Cis Raça/Cor

“Não teve dor maior que sentir a despedida do Pataxó de Coroa Vermelha”

Perdemos o primeiro parente Pataxó de Coroa Vermelha para a Covid-19 e não houve despedida. Por isso, foi ainda mais doloroso. Após ficar internado durante um tempo, o nosso Pataxó saiu do hospital com o corpo completamente lacrado. Ou seja, foi tirado de nós o último adeus. Não pudemos nem velar seu corpo, como é de costume na despedida em nossa cultura.

Foram momentos de calamidade esses. Além de não termos tido a chance da despedida do nosso Pataxó, para mim teve outra situação que também é muito difícil. Pois, tenho um filho que tem problemas respiratórios e imunidade baixa. E, devido a essa situação, ele precisou ficar mais tempo na casa da minha mãe. Porque eu sabia que ele precisava de mim por perto, mas minha mãe compreendia que eu precisava, juntamente, com meus colegas ajudar outras famílias em estado de vulnerabilidade.

Nossa equipe se colocou na linha de frente. Arriscamos as nossas vidas e a vidas das pessoas que mais amamos para tentar amenizar os problemas que nossas comunidades enfrentavam, além das saudade e da falta da despedida de seus entes.

Nada de despedidas, mas muitas dificuldades

A gente aqui em Coroa Vermelha, sempre tivemos muitas dificuldades, mas nenhuma se compara à qual estamos lidando nos últimos meses. Meu pai e minha mãe contam sempre das tribulações que tivemos nas épocas da baixa temporada e de inverno. É que aqui a gente já cresce nessa cultura de confeccionar e vender, para se preparar para as épocas ruins.

No início da pandemia, eu chorava muito dentro de casa em ver a situação de muitas famílias dentro da nossa aldeia. A nossa maior fonte de renda e de boa parte das famílias era resultado de vendas de artesanatos, de redes de hotéis e do funcionalismo público. Mas o dinheiro sumia a cada dia e as necessidades só aumentava.

Os hotéis fecharam e muitas pessoas ficaram sem seus respectivos empregos. Os funcionários públicos que trabalhavam na área da educação foram todos dispensados até sem direito ao auxílio emergencial, logo nos 3 primeiros meses. 

Muitos pais e mães de famílias estavam indo para as pedras pescar, pegar mariscos, mas havia dias que voltavam com nada, porque a concorrência passou a ser alta.

Solidariedade

Comecei a mobilizar um grupo menor do CONJUPAB, fizemos nossas primeiras reuniões online para vermos o que poderia ser feito. Então, fomos buscar parceria com alguns apoiadores. Fizemos a campanha do quilo; fomos aos comércios que se encontravam abertos para pedir alimentos, remédios, fraldas descartáveis, produtos de limpeza e máscaras; fizemos rifas, a gente conseguia os alimentos e dividia em cestas para doarmos as famílias que mais necessitavam no momento. Eram muitas, muitas mesmo!

Em algumas casas onde a gente chegava foi preciso doar duas cestas por semana, porque eram cheias de crianças. A gente saia com mais vontade de lutar para enfrentar aqueles dias terríveis, mas que foram de grande aprendizado.

Nosso conselho da juventude conseguiu atender mais 300 famílias vulnerabilizadas. Conquistamos 150 cestas básicas por meio do Instituto Mãe Terra e fizemos um rodízio para ajudar as outras comunidades dos municípios de Porto Seguro, Prado e Itamaraju. Fizemos algumas rifas solidárias: uma foi especifica para um dos nossos guerreiros que semana passada nos deixou, o Arauí Pataxó. Foi quando um parente, o Daniel Pataxó, nos doou um cocar de penas de arara no valor de 700 reais para ser rifado em prol do guerreiro. Fizemos uma mobilização arretada e com a graça de Tupã e força dos nossos encantados conseguimos entregar em mãos para a sua família o valor de R$3.700,00.

Eu sou Taiane Pataxó, nasci e me criei na aldeia Coroa Vermelha, tenho 30 anos de idade. Sou professora formada na área de humanas pelo IFBA- Campus Porto Seguro. Sou a segunda secretária do CONJUPAB -Conselho da Juventude Pataxó da Bahia, atualmente trabalho como secretaria execultiva na SEMAI- Secretaria de Assuntos Indígenas de Santa Cruz Cabrália.