Olá, meu nome é Milene Aparecida Padilha Galvão, eu sou historiadora, sou graduada e mestra em história aqui pela Universidade estadual do centro-oeste do campus de Irati aqui no Paraná a Unicentro e eu atuo dentro do movimento aprendiz da sabedoria desde o ano de dois mil e nove, desde dezembro de dois mil e nove.
Então já faz mais de uma década que eu acompanho o movimento das benzedeiras e que pra mim é uma honra fazer parte de movimento tão especial e tão singular não apenas aqui na nossa região, mas que a partir das suas ações tem tomado proporções gigantescas. E o movimento aprendiz da sabedoria ou o movimento das benzedeiras como é conhecido por aqui ele surge em dois mil e oito a partir dos sobre as construções dos povos e comunidades tradicionais mais especificamente os povos dos faxinais e é dentro das discussão dos povos tradicionais que surge o Movimento Aprendizes da Sabedoria e todo o processo de mapeamento social dos ofícios tradicionais.
O processo de mapeamento social dos ofícios tradicionais e das benzedeiras propriamente dito, é um processo muito enriquecedor, porque a partir dele é permitido a gente conhecer uma cultura que está aí diariamente no nosso cotidiano, pelo menos pra nós aqui da região centro-sul do Paraná e que acreditava-se que era alguns ofícios que não existiam mais como benzedeiras,benzedores, parteiras, rezadeiras e com o mapeamento nós vimos desde dois mil nove que é uma cultura que tá crescendo e as pessoas estão procurando, que é muito importante, tanto a um mais de uma década atrás, quanto agora.
Se vocês tiverem mais interesse em conhecer o mapeamento dos ofícios tradicionais de cura, o processo que originou o movimento aprendiz da sabedoria, eu indico pra vocês que sigam as nossas redes sociais, temos o Movimento Aprendiz da Sabedoria no Instagram e no Facebook é aprendiz da sabedoria, um perfil e também temos uma página.
Eu estou aqui pra falar pra vocês como foi importante as práticas das benzedeiras e tudo aquilo que elas representaram nesses dois anos de pandemia que foi o momento em que nós tivemos que nos recolher para dentro das nossas casas e da fé dar um novo sentido pras nossas vidas. As benzedeiras foram um símbolo não apenas de resistência, mas um símbolo de fé e de que a gente pode na fé encontrar motivos pra seguir adiante.
Além de nós termos um movimento muito forte e que respaldou o dom de cada benzedeira de cada benzedor, de cada costureira, machucadura e rendidura de cada parceira, de cada romeiro de São Gonçalo, nós temos um movimento que num período muito difícil, que foram esses dois últimos anos, elas continuam em movimento, elas não pararam, embora todas as nossas reuniões, os nossos encontros físicos, presenciais, eles não pudessem existir, houve através da tecnologia, através de todo cuidado do uso da máscara e do álcool, uma ressignificação de tudo aquilo que as brasileiras representam nos últimos dois anos e participamos seis ou sete.
Pelas redes sociais, movimento foi premiado por três vezes em dois prêmios no projeto e trajetórias de vida e um nesse projeto em que a gente tá fazendo esses vídeos pra plataforma então essas premiações mostram o quanto é importante o movimento se ressignificar, ressurgir exatamente como a Fênix. O movimento ressurge a partir de um novo contexto, a partir de uma doença que vem que é invisível.
Mas que nos tranca dentro de casa e que somente a fé e as práticas de cura, das práticas tradicionais a gente pode dar um novo sentido pra vida. Vocês podem entrar em contato, seja através das redes sociais ou através dos nossos WhatsApp. Podem vir nos conhecer e eu acredito que vai ter um dois mil e vinte e dois muito mais esperançosos. Com a fé de que a gente possa presencialmente. Um abraço a todos e todas e até mais.
Relato de Milene Galvão, produzido pelo Instituto de Educadores Populares para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Vilso Junior Santi, eu sou professor da Universidade Federal, coordenador do Amazoom e responsável, aqui em Roraima, por operacionalizar a coleta de depoimentos para o Memória Popular da Pandemia.
Primeiro, é muito legal participar de uma iniciativa como essa. Acho que no contexto da pandemia, até na universidade, a gente tinha pensado em realizar alguns projetos para dar suporte, principalmente no esclarecimento das dúvidas, em relação às notícias falsas que estavam circulando sobre a pandemia. Infelizmente, por uma série de questões, a gente não conseguiu operacionalizar isso.
Quando apareceu a oportunidade do projeto, de registrar essas memórias, também foi uma oportunidade para a gente retomar essas ideias. E tentar, de alguma forma, contribuir para o registro e discussão desse momento que a gente está vivendo, desse momento trágico que estamos vivendo.
É importante aproveitar a oportunidade para trazer os relatos a partir de Roraima. As pessoas que a gente buscou para dar esses depoimentos no projeto foram pessoas que representam o que é Roraima hoje, o que é Boa Vista hoje, o que é o Estado hoje. Quem é de Roraima talvez não se dê conta disso, ou talvez não goste de pensar nisso, mas, Roraima é um estado de migrantes, um estado indígena por excelência. A gente quis representar essas populações nos depoimentos que a gente colheu.
Buscamos falar com representantes dos povos indígenas, presentes no estadoe conseguimos obter depoimentos muito interessantes das populações indígenas e também representantes da população migrante, principalmente dos indígenas da Venezuela; dos venezuelanos em si; dos haitianos, para dar conta do que é esse contexto migrante de Roraima.
Nós todos, praticamente, que estamos em Roraima somos migrantes! E Roraima precisa lembrar disso porque essa é a cara de Roraima!
Projetos interrompidos na pandemia
Aproveitando o que a gente ouviu, é preciso dizer que a maioria dos relatos deixam claro que a pandemia interrompeu projetos! Muitos projetos! Projetos de vida, inclusive!
As pessoas morreram! Várias pessoas, inclusive pessoas próximas da gente. No meu caso, a pandemia chegou “metendo o pé” na porta de alguns projetos. Um deles foi o projeto de pós-doutorado.
Depois de ter passado oito anos, seis anos de gestão na coordenação do curso e na direção do centro aqui da UFRR, eu fui para o pós-doutorado no México. Eu viajei para o México no final de fevereiro e fiquei exatamente 30 dias no país até tudo ser fechado por conta da pandemia. Acabei ficando no México, em isolamento, até o início de agosto, quando eu consegui voltar para casa. Foi uma situação bem complicada, porque, enfim, estava em um outro país, longe das pessoas que conhecia. Estar longe de casa, das pessoas mexe com o psicológico. Comecei a questionar um monte de coisas e me revoltar, inclusive, com a situação. Eu não aguentava mais estar lá! Eu queria voltar para casa e, felizmente, isso deu certo. Consegui retornar alguns meses depois para casa e aí sim viver o resto do processo em casa.
O governo do Estado não fez o que é o seu papel; o governo federal não fez o seu papel; o sistema de saúde não tinha capacidade para absorver e as pessoas ficaram jogadas, sem renda, sem trabalho, sem ter o que comer
Negligência do Estado
Meu retorno deu um pouco mais de tranquilidade por um lado, mas, por outro, também causou muita apreensão. Porque a gente vivia uma situação terrível em Manaus e uma situação terrível aqui em Roraima. Quem é daqui sabe que o sistema de saúde é caótico. Não é culpa da migração, é culpa sim de anos de negligência do Estado, da falta de investimento público! A pandemia deixou isso escancarado, evidente!
Inclusive as pessoas se aproveitaram disso para superfaturar compra de respirador, por exemplo. Coisa que também demonstra um pouco do que é a cara do estado de Roraima e das pessoas que gerenciam as políticas públicas do Estado.
O governo do Estado não fez o que é o seu papel; o governo federal não fez o seu papel; o sistema de saúde não tinha capacidade para absorver e as pessoas ficaram jogadas, sem renda, sem trabalho, sem ter o que comer. Elas precisaram ir para a rua e se contaminaram.
A vacina demorou em chegar e com essa negligência muitas pessoas morreram. Isso revolta a gente porque a gente fica imobilizada, sem saber o que fazer.
Por mais que a gente diga que está preparado para a morte, ver alguém morrendo é horrível
Perdas na família
Meus pais moram no Rio Grande do Sul e a pandemia demorou em chegar na região onde vivem, já que são lugares isolados e com pouco trânsito de pessoas. Quando a pandemia chegou, as pessoas já tinham comprado a versão de que não era muito grave e não era muito sério.
Porém, pouco depois, as pessoas conhecidas começaram a morrer: vizinho, tio avô, avô dos meus sobrinhos, amiga que era técnica de enfermagem, e minha tia, que chegou a ficar internada por 90 dias na UTI e não resistiu.
No meio desse contexto, perdemos meu avô de 93 anos. Dizem os médicos que não foi por Covid-19, mas nossa família desconfia. Meu avô morreu logo depois das eleições municipais e meu avô teve contato com pessoas que viajaram para participar da votação. Agora já não tenho mais nenhum dos meus avós vivos. A geração toda se foi.
Por mais que a gente diga que está preparado para a morte, ver alguém morrendo é horrível. Minha tia, por exemplo, não tinha doença nenhuma, não tinha complicação, não tinha histórico clínico grave. Ela não morreria agora se não fosse a pandemia e esse conjunto de negligências.
Oportunidade de contribuir
Chamo a atenção para a questão de oportunizar a chance de contribuir com o registro da Memória Popular da Pandemia, da memória das pessoas que sofreram com a pandemia. É uma oportunidade para pensar como que a gente, usando o jornalismo, pode intervir na vida das pessoas de uma maneira mais ativa para tentar construir uma realidade melhor do que essa que a gente vive. Esse é o grande sentido do que está por trás do que a gente tenta fazer.
Relato de Vilso Santi, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Daniela Esther. Eu tenho 49 anos, sou farmacêutica e estudante de jornalismo – estou quase concluindo o curso. Sou servidora municipal e estadual e trabalho em posto de saúde e também na Vigilância Sanitária do Estado.
A pandemia me afetou em todos os aspectos, com exceção do financeiro porque eu sou funcionária pública. Mas, em relação aos aspectos emocionais e estruturais, ela me afetou.
Eu presenciei os primeiros casos de Covid-19. Ainda em fevereiro de 2020, quando fui a Fortaleza (CE) para passar o carnaval eu já previa que essa pandemia chegaria ao Brasil e seria um sufoco.
Ao voltar de viagem, em março do mesmo ano, tivemos o primeiro caso aqui em Roraima. Em maio de 2020, recebi um telefonema de uma tia avisando que meu pai estava com Covid-19 e que não havia vagas no hospital para interná-lo. Meu pai morava em um abrigo de idosos no Rio de Janeiro e ele morreu sem atendimento. Não consegui viajar para ajudá-lo. Eu fiquei desesperada. Nem o direito de viajar e ver meu pai eu tive porque não havia voos disponíveis.
Essa foi a minha primeira perda. Depois, vi pais de minhas amigas e pessoas do meu ciclo de amizades morrerem.
Comecei a ter muita ansiedade e me automedicar achando que os remédios iriam me proteger. Tomei inclusive ivermectina, mesmo sabendo que não tinha efeito algum contra o vírus
Medo da contaminação por Covid-19
Há dois anos eu fiz cirurgia bariátrica e trabalhei durante a pandemia com muito medo, com pavor. Trabalhar no atendimento, recebendo documentos, receita médica, com medo de se contaminar é complicado. Eu passava álcool em gel a todo momento, era quase um TOC [ transtorno obsessivo-compulsivo]. Às vezes eu dormia com máscara de tão acostumada que eu estava a usá-la. Era muita tensão. Eu não sabia se iria sobreviver ou não.
Comecei a ter muita ansiedade e me automedicar achando que os remédios iriam me proteger. Tomei inclusive ivermectina, mesmo sabendo que não tinha efeito algum contra o vírus.
Vacina: menos sintomas e nenhuma sequela do Covid-19
Em janeiro de 2021 eu me vacinei e tomei a segunda dose em fevereiro. E, em junho do mesmo ano, eu peguei o Covid-19. Foi uma situação muito complicada, mas graças à ciência eu não tive sequelas e os sintomas foram mais fracos.
Porém, o isolamento social me causou muita dor, já que a minha vida é muito dinâmica: das 7h às 22h eu faço muita coisa e tive que mudar totalmente esta dinâmica durante os 15 dias de isolamento.
Outras mortes por causa do vírus
Quando voltei ao trabalho, meu chefe, que era um homem sozinho e tinha problemas de diabetes, morreu de Covid-19. Eu acompanhei todo o processo: eu o levei ao hospital e os exames que ele fez. Mas, em uma semana ele estava morto. Eu senti muito a sua morte. Convivia diariamente com ele. Ele tinha 65 anos, praticamente a idade do meu pai, que morreu com 68. Eu sempre dava carona a ele.
Em abril de 2021, o esposo da minha tia mais nova também morreu. Ele não se vacinou porque ainda não havia vacinas para a idade ele. Fiquei muito abalada com sua morte porque ele era uma pessoa de luz. É muito grande a dor de perder uma pessoa pela falta da vacina.
Assim como eu reconheci minhas fragilidades e procurei ajuda, é importante que outras pessoas possam procurar ajuda. É importante conversar, desabafar. E, além disso, é importante se vacinar e conscientizar outras pessoas sobre a importância da vacinação
Retorno ao tratamento psicológico e psiquiátrico
Com todas essas perdas, eu me desestruturei. Fiquei com um nível altíssimo de ansiedade, voltei a beber e a comer – mesmo não podendo por causa da cirurgia bariátrica. Então eu decidi voltar a fazer tratamento psicológico.
Alguns meses depois, em julho de 2021, percebi que o acompanhamento psicológico não era suficiente porque eu estava com depressão. Então fui a um psiquiatra. Conversamos bastante e entrei com medicação para melhorar a ansiedade.
Estou bem melhor e nesta quarta-feira vou tomar a terceira dose da vacina. Estou muito feliz.
A esperança está na vacinação. Com o avanço da vacina, há menos vítimas do Covid-19. Vamos superar, vamos conseguir passar por isso.
Gostaria de dizer que, assim como eu reconheci minhas fragilidades e procurei ajuda, que outras pessoas possam procurar ajuda. É importante conversar, desabafar. E, além disso, é importante se vacinar e conscientizar outras pessoas sobre a importância da vacinação. Temos que ouvir a ciência, ouvir a razão. Vacinem-se!
Relato de Daniela Xavier, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
A essa altura já estava bastante envolvido, mas vi o Festival pela internet por conta da pandemia. E em 2020 e 2021 não teve Festival. Então nunca passei por um Festival como Conselho, de verdade, na arena.
Meu nome é Diego Omar da Silveira. Sou professor da Universidade do Estado do Amazonas, aqui em Parintins, na divisa do estado com o Pará. Cheguei aqui há quase dez anos, na minha aventura amazônica.
Quando vim, recém-aprovado no concurso, tudo era muito novo. Desembarquei aqui com meu filho – apenas eu e ele – e era uma nova vida que começava. De lá para cá, muita coisa mudou. Conheci já nos primeiros dias a Priscila, minha companheira, com que estou desde então e com quem tive uma filha, a Maria Bethânia, uma menininha amazonense. Aos poucos fomos construindo juntos uma vida.
Gosto da cidade e desde cedo achei a festa dos Bois rica e interessante. Demorou um pouco para que aquilo me interessasse como tema de pesquisa ou como um lugar de atuação. Mas tudo se encaminhou para que eu escolhesse o Caprichoso… na verdade, a minha chegada se deu em uma “semana azul” – como dizem aqui, quando toda a cidade se preparava para a gravação do DVD do Centenário do Caprichoso, em 2013. Tudo muito lindo e que me capturou.
Sou Caprichoso e não pretendo mudar
Desde então sou Caprichoso e não pretendo mudar. Na medida em que comecei a guinar meus temas de pesquisa fui me aproximando mais do Bumbá também. Sempre gostei do ambiente, da construção, das referências sonoras e estéticas do Caprichoso. Elas têm uma brasilidade que escapa ao contrário e, talvez por isso, sempre me senti muito acolhido aqui. Mas fiquei uns anos sendo apenas torcedor mesmo.
Fui conhecendo as pessoas, orientando alguns trabalhos, lendo a bibliografia sobre folclore e Boi-Bumbá, mas sem muitas pretensões. Os contatos com quem fazia o Boi nunca foi muito próximo até 2017, acho. Foi quando conheci o Ericky Nakanome e passamos a trocar algumas ideias.
Em 2018 ele me convidou para olhar alguns textos, num exercício de revisão e no final daquele ano me chamou pra fazer parte do Conselho – foi um susto e uma alegria. Ajudei como pude em 2019, em meio a um momento familiar difícil, já que a minha filha faria uma cirurgia de relativa complexidade às vésperas do Festival e em Brasília.
Imprevistos da pandemia
Esse “título” foi entregue aos Bumbás em 2019 e depois não teve mais festa. Mas tínhamos que pensar em políticas de salvaguarda, precisávamos dialogar com a sociedade e começamos a discutir estratégias. Vieram as lives e, depois, com a Lei Aldir Blanc, a ideia de publicar alguns livros e organizar o Centro de Documentação e Memória do Boi. Tiramos nossas intenções do papel e isso permitiu, inclusive, que a gente fizesse o registro da memória das pessoas ligadas ao Caprichoso nesse edital da DHESCA Brasil.
Como a gente já estava construindo um banco de memória, esse se tornou um projeto paralelo. E é isso… estamos nessa luta. Quando o Caprichoso suspendeu o funcionamento de todos os setores para que a gente evitasse os riscos e não colocasse ninguém em risco.
Mas discutimos muito nossos projetos, aprofundamos as pesquisas, pensamos nossa história e articulamos os livros que estão saindo agora, nesse fim de ano. Foi difícil ver a situação dos artistas, dos trabalhadores do Boi de uma forma geral. Muita gente do setor da cultura ficou desamparada – mas travamos juntos essa batalha. E a ideia é continuar… O CEDEM tem uma tarefa enorme pela frente e queremos tratar com mais carinho a memória do Boi.
Não vamos parar de receber, tratar e divulgar esse enorme legado que ainda é pouco visibilizado.
Estava sendo exaustivo trabalhar no segundo e no terceiro setor e, ao mesmo tempo, senti estar sem suporte — ambos os trabalhos estavam exigindo muito de minha parte.
Trabalhei com vendas durante muito tempo, sempre na área da gestão. Após idealizar e co-fundar a ONG Nariz Solidário, percebi que já não conseguia mais realizar às duas coisas.
A Covid-19 tirou o meu suporte
Comecei a perceber que, minha energia era muito maior quando se falava no social, meu interesse era o dobro, e bingo!O universo conspirou, e me fez perder o emprego.
Por dois anos desisti de vagas, reprovei em outras, vi-me vulnerável, e coloquei minha família em vulnerabilidade.
Foi aí que decidi focar no terceiro setor e na ONG. Consegui até uma bolsa para me especializar mais na área, trabalhei brevemente em outra ONG, e adquiri mais experiência.
No início de 2020, decidi ficar 100% dedicado ao trabalho social. Tudo ia bem, de forma muito promissora, até que uma bomba chamada Covid-19, explodiu.
Sem suporte e sem emprego, a Covid-19 chegou
Estou acostumado a trabalhar em ambientes de pressão, mas, poucas vezes, me vi com tanta ansiedade.
Era uma pressão no meu peito e, uma sensação indescritível; golpeava-me com muita força.
Essa situação se tornou extremamente exaustiva quando, precisei me manter firme, pela minha família, e por todos os voluntários da ONG.
Não me permiti sofrer para ser suporte, ser refúgio, mas, gradualmente, fui percebendo que não estava funcionando.
Eu poderia estar empregado, ganhando bem, sem aquela loucura social, ou quem sabe, já teria sido cortado e estaria, no mínimo, recebendo auxílio emergencial.
De certa forma, não dava para prever e nem para mudar. Minha filha, na época com 12 anos, até entendia algumas questões, já o meu filho de três anos, só entendia querer leite com chocolate, e quando o papai estava feliz, ou nervoso.
Ficamos um ano confinados em um buraco que parecia não ter fim. Ele, querendo brincar, e eu, tentando me organizar entre o meu inferno interior e o equilíbrio de ser um pai para ele e tantas outras coisas para tanta gente.
Nesse período, minha esposa ainda conseguiu manter seu trabalho, mesmo autônoma. Nesse período, também, a saudade da minha filha que mora com a mãe em outro estado me doía. Eu estava falido, sem saída.
Não foi conselho, foi suporte e cuidado
Alguns meses depois, convoquei uma reunião com os facilitadores da ONG. Minha intenção era de pedir ajuda, mas também, estava em busca de alguém que me convencesse a desistir, pois, não estava conseguindo engajar os voluntários afetados pelas problemáticas sociais.
Eu sabia que nosso público-alvo estava ainda mais vulnerável e, nós tínhamos que estar lá, afinal, nascemos do caos e para ele.
Mas eu também estava sem forças. Em uma pausa de desabafo, o Thiago, do Marketing, me salvou.
“Du, respira, grandes CEOs de grandes empresas, com profissionais de alta desempenho, não estão sabendo o que fazer.”
Os demais também manifestaram apoio. Foi uma fala tão simples, mas tão potente para mim naquele momento, que me desacelerou e me fez reorganizar as minhas emoções.
O acolhimento emocional
Larguei o computador por uns dias, minhas dores diminuíram, já que eu acordava com o computador ligado e praticamente dormia em cima dele.
Passei a brincar mais com meu filho, peguei novamente no violão, comecei a cuidar de mim e da minha esposa. Fiz umas ligações despretensiosas, assisti a filmes, e desacelerei.
Após esse momento de relaxamento, comecei a analisar o que poderia dar certo: as tendências, urgências, demandas, parcerias, e as amizades de valor.
Em uma tentativa arriscada de fazer lives, já que eu tinha medo de dar opiniões tão abertamente, deu certo. Fomos um dos primeiros grupos artísticos a fazer lives e a abordar assuntos específicos sobre nosso contexto — coloquei tudo para fora.
Esse movimento culminou em cursos ‘on-line’, e na criação de fóruns inéditos no país.
Os recursos começaram a entrar, e com isso, chegou-se a um estágio de eu estar contribuindo para ajudar colegas a saírem do mesmo buraco em que estive.
O que mais me chamou a atenção, foi que à medida que, os problemas sociais e globais iam aumentando, e o nosso trabalho, ia tomando ainda mais força.
Minha mente conseguiu canalizar toda aquela dor e me fez organizar tudo que eu já estudara na vida.
Como um sopre de apoio
Como um sopro de esperança, alguns projetos foram aprovados e, conseguimos gerar empregos para artistas voluntários que, também se encontravam vulneráveis.
Em meio ao caos, conseguimos manter nosso trabalho nos hospitais em um momento em que, praticamente 100% das atividades semelhantes em todo o país, haviam sido bloqueadas.
Recentemente, fiz uma análise dessa trajetória, em busca de entender quais foram os pontos que me tiraram daquele abismo, e me trouxeram a ser corresponsável por impactar mais de 40 mil pessoas na pandemia.
Percebi que, ainda fraco, mantive o propósito e, quando estava prestes a perdê-lo, ele me encontrou e floresceu de dentro daqueles que ajudei de alguma forma, que, assim como eu, estavam aflitos, exaustos e que, por meio da arte, encontraram forças para continuar.
Isso me fez perceber na prática, a lei do retorno. “Do buraco ao solo”
Quem cuida de quem cuida?
A pandemia me fez perder incontáveis amigos e familiares. Contudo, é estranho dizer que o luto, virou cotidiano. Mesmo quando todos em casa positivaram, pareceu não mais causar medo e, até hoje, ainda reflito sobre esse sentimento.
Penso que, é uma utopia sofrer com a esperança de que algo retorne, pois não vai, e essa fase do luto, acabei apaticamente vencendo.
Por outro lado, tudo isso também me fez ser melhor, mais humano, mais forte, um melhor pai, esposo, amigo, profissional. Aprendi a conviver melhor com meu ego, e a ter mais paciência e tolerância de meus medos.
Ainda não está favorável, continuamos nossa luta, fazemos isso com arte. Talvez nunca esteja favorável, embora lutemos para isso – é um paradoxo que permeia quem mergulha muito na lógica e na tentativa de acabar com a nossas mazelas.
Quanto a isso, não tenho respostas, somente o momento presente.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Sou psicóloga residente em um programa de Saúde da Família, e também adoeci.
Atuo em um núcleo de Atenção Primária em Saúde: a UBS, o querido “postinho”. Nesse espaço, atuo com os usuários do SUS que são encaminhados à avaliação e atendimentos psicológicos breves, além de realizar encaminhamentos a outros serviços da rede.
Dei início à residência e à minha prática profissional em sua totalidade em 2021, já em um contexto pandêmico.
Passei 8h diárias, escutando a dor e acolhendo o sofrimento.
Após alguns dias atuando na UBS, em um momento de maiores restrições sanitárias, houve importantes mudanças no meu processo de trabalho: minha atuação se restringiu aos teleatendimentos.
Durante alguns meses, passei 8h diárias, seis dias por semana, escutando a dor e acolhendo o sofrimento individual, atravessado pelo contexto da pandemia.
Fui tomada pela angústia e, por fim, eu também adoeci. E como poderia ter sido diferente? A dor do isolamento social, da saudade, das restrições no repertório de vida, da morte, das implicações financeiras, políticas e sociais… Todas me atravessaram. Foram tempos nebulosos, duvidei da minha própria capacidade de (re)existir.
Um sono patológico que tomava conta dos meus dias, um pedido de socorro. Meu corpo e minha mente tinham adoecidos.
Só-depois
Afastei-me de coisas que considero importantes, como o trabalho com o Nariz Solidário, em que, inclusive, atuava em prol do incentivo ao cuidado da saúde mental. Hoje, olho para tudo isso e percebo o quanto fui capaz de superar, de reinvestir no mundo, de estar retomando projetos, apesar de ainda não ter compreendido totalmente minhas reações frente a esse período. Mas não tenho pressa.
Freud tem um conceito muito interessante para isso: “nachträglich”, palavra alemã que não possui tradução literal, mas implica uma ideia: só-depois.
Tem coisas que só vêm depois.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
O grupo que ameniza dores, que leva sorrisos, que escuta, estava longe.
Logo no início, quando ainda nem se podia projetar ou vislumbrar tudo o que estava por vir, todo esse grupo, inclusive eu, começou a desenvolver atividades de casa.
Durante a pandemia, eu trabalhava com um grupo de voluntários muito especial, dentro de um hospital.
Dores da distância
Justamente quando um hospital mais precisava dessa leveza, desse olhar sensível à dor do próximo, desse acolhimento! O que fazer? Como voltar a conectar as pessoas em um momento em que, mesmo os voluntários e seus corações generosos, estavam sofrendo?
Com o medo, com as limitações, com o desconhecido e, cada um, com si, e com tudo o que essa pandemia fez em nós.
“Eu me vi sozinha, em uma sala onde cabia muito amor”
Eis que a criatividade e a vontade de ultrapassar barreiras, mesmo desconhecidas, foram surgindo. Atividades adaptadas, uso da tecnologia e, principalmente, a vontade de ajudar.
Pouco a pouco fomos, juntos, descobrindo como apoiar uns aos outros. Com o passar dos meses, eu voltei presencialmente ao hospital, mas “o meu time”, como passei a chamá-lo, não.
E eu, mesmo já realizando algumas atividades, vi-me sozinha, em uma sala onde cabia muito mais amor, onde entravam e saiam durante todo o dia pessoas entusiasmadas e prontas para ajudar.
Quem preencheu esse silêncio foram colegas maravilhosos. Esses que, aliás, sempre perguntavam “quando os voluntários voltam?”
Entre as dores e a criatividade
Áudios com leitura, visitas virtuais, costuras, doações, e muito mais. Além de todas essas propostas que foram sendo feitas à distância com o apoio de outros colegas e grupos parceiros, como o Nariz Solidário.
Eu também procurava fazer companhia, ouvir, ser prestativa e estar presente para esse “meu time” que sentia muita saudade, pois compartilhavam comigo, um querer imenso de poder estar fazendo as atividades de antes da pandemia.
Algum tempo depois, em meio a tantos cenários, desabafos e adaptações – eu testei positivo para o novo coronavírus.
As dores da Covid-19
Meus primeiros sentimentos foram de frustração, medo, revolta e tristeza. Eu sempre estava me cuidando, trocando máscaras, e usando álcool. Mas estava em um hospital, o que aumentava muito as chances de contrair o vírus.
Ele ainda me incomoda, um ano depois. Por algumas alterações no meu olfato e paladar.
Eu sou formada em Relações Públicas, amo minha profissão e adoro lidar com pessoas. Por isso, fui lidar com pessoas, em uma causa, para servir. Nunca imaginei que estaria dentro de um hospital e, nunca mesmo, durante uma pandemia.
Basta o sentimento de querer, e a atitude para realizar
Com tudo isso, eu aprendi muito sobre paciência, medo, solidão, futuro e pessoas. Ah! As pessoas… Trocar com cada uma e aprender, mesmo que de uma forma nem sempre fácil, — é o que me move.
E, mais do que isso, o sentimento de que podemos sempre mais.
Depois dor vem a resiliência
De tudo, não tem conclusão; ainda vamos levar muito tempo para absorver tudo isso, para lidarmos com o que sentimos e seguirmos.
Mas, eu espero que meu relato ajude as pessoas a continuarem se cuidando, para não se contaminarem e nem ficarem, por tanto tempo, com alguma alteração em seu corpo.
Espero também que sirva para saberem que, sempre é tempo de ajudar, sempre há lugares e pessoas precisando.
Para sermos mais fraternos, e mais humanos uns com os outros, não há tempo, ocasião ou doença — basta o sentimento de querer, e a atitude, para realizar.
Em tempo, como na foto abaixo, mesmo diante de um cenário tão delicado, sempre que podia, eu colocava um “sorriso no rosto”, para alegrar tudo ao meu redor. Mesmo que, através de uma máscara.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
A constatação de que estaríamos isolados por conta de uma pandemia, me chocou. No meu caso, em dobro, pois descobri uma gravidez inesperada.
Estou no Nariz Solidário desde fevereiro de 2016. Caí de paraquedas e fui acolhida de uma maneira tão única, como nunca pensei que seria em um grupo.
Gravidez, Nariz Solidário e pandemia
Antes de entrar, passei por muitos perrengues pessoais, enfrentei a depressão, a ansiedade e a bulimia.
O Nariz Solidário teve um papel super importante durante a minha recuperação.
Hoje eu digo que, graças ao Nariz Solidário, eu sou uma pessoa muito mais evoluída, com autoestima e empatia, e sei que pude passar por essa pandemia com muito mais leveza por conta disso.
Uma gravidez solitária
Passar por todo esse momento isolada foi bem complicado. Tive de me afastar do trabalho por ser grupo de risco; deixei de ter a presença dos meus pais, familiares e amigos.
Ter uma gravidez e ganhar um “bebê pandêmico” não foi fácil. Nos primeiros dias tivemos de ser somente eu, meu noivo, e nosso filho. Era tudo novo para nós três, e mal sabíamos ser só o começo de diversos altos e baixos.
Minha irmã teve um bebê quatro dias antes de eu ganhar o meu. Foram meses distantes e sem poder ter o convívio entre os primos.
Agora, eles podem ter mais contato, sendo lindo observar a alegria de ambos quando se veem. Quando acabou a licença maternidade, voltei ao trabalho, mas pedi para sair em dois dias, pois o Nicolas, nosso filho, ainda era um bebê de apenas quatro meses.
Para a minha sorte, sempre tivemos uma boa rede de apoio, e a empresa do meu noivo vai bem.
Consigo participar de vários aspectos na vida do bebê que eu perderia se precisasse ficar longe dele durante o dia.
Depois da gravidez, tive que reaprender a ser
Tive que reaprender a ficar em casa, e nesse aspecto, vem o papel crucial que o voluntariado me proporciona: conseguir usar a arte para poder levar a vida de maneira mais leve.
Consigo usar a música, e os ensinamentos ‘palhacísticos’, diariamente com meu filho. A arte da palhaçaria tornou nossos dias mais leves e alegres.
Gostaria de agradecer imensamente por fazer parte desta família. Se não fosse pela ONG, não sei como teria passado por todo esse período de gravidez pandêmica.
Claro que, não poder participar presencialmente, me gerou um impacto por não poder estar nos hospitais.
Saber que teríamos um retorno e estaríamos mais fortes do que nunca, me dava ânimo para prosseguir e lembrar de que logo, minha palhaça estaria levando o seu jeito único, de impactar as pessoas.
Esperança
Hoje, com a esperança de que logo voltaremos ao normal, percebo que a pandemia serviu de muitos aprendizados a todos. Infelizmente, perdemos meu sogro, e tantas outras pessoas para essa doença.
Agora, nos resta seguir, e nos reinventarmos mais a cada dia, sem perder a esperança.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Com a pandemia, a saudade das visitas e dos olhares dos pacientes era grande.
Sou perito contador e advogado, funções que mesmo antes da pandemia já possuíam a característica de ser um trabalho solitário.
Durante esse isolamento, o trabalho foi me consumindo e, se tornando, uma das únicas atividades do meu dia.
A saudade de visitar crescia
Por outro lado, crescia em mim a vontade de poder estar em contato com pessoas, e poder contribuir, de alguma forma, com um trabalho solidário.
Eu já realizava esse trabalho em um ONG, atuando como palhaço em hospitais. Porém, como voltar aos hospitais nesse momento, se eles eram o olho do furacão?
A esperança de poder visitar
Por mais que ainda hoje não tenhamos uma data prevista para o fim desse momento delicado em que vivemos, nunca deixei de acreditar que esse período conturbado da pandemia, fosse acabar.
A ONG continuou firme com os seus objetivos e, em parceria com os hospitais, encontrou uma forma de continuar presente na rotina dos pacientes.
Algo que, antes, era realizado presencialmente pelos voluntários da ONG, passou a ser feito de forma remota, com o auxílio de um robô, que era guiado por um assistente do hospital até os quartos dos pacientes.
A partir disso, conseguimos continuar a interagir com um dos nossos principais públicos-alvo.
Adeus, saudade
A atividade fim da ONG não deixou de ser cumprida, mas agora a forma era bem diferente.
Durante esse período, tive o prazer de acompanhar o crescimento de diversos amigos que lhe tomaram essa missão, e a desempenharam incrivelmente.
Eles realmente fizeram a diferença nesse período, tão inusitado. Eu, por outro lado, não consegui embarcar nessa mesma onda, mas o desejo de continuar atuando como palhaço não diminuiu nem um pouco.
A pandemia ainda não acabou, e precisamos continuar com todos os cuidados e protocolos de proteção, mas já conseguimos ver uma luz no final do túnel.
O tempo continuou passando dia após dia, por vezes, de forma bem lenta, e a esperança de voltar a atuar nos hospitais parecia algo muito distante.
Foi então que, de repente, li em nosso grupo de mensagens, que teríamos a oportunidade de voltar a estar presentes em um dos nossos hospitais parceiros.
Na hora, o coração acelerou muito, acompanhado de uma sensação de desespero só por lembrar que eu não estava em dia com os meus estudos da palhaçaria.
Isso tudo foi agravado, pois, o evento aconteceria no local onde estou lotado como voluntário (meu querido Hospital do Idoso).
Ao ler a postagem, tomei ciência de que o evento para o qual fomos convidados, ocorreria durante a semana, em horário comercial, o que diminui a quantidade de voluntários disponíveis.
Apesar de continuar ativo na ONG ajudando em rotinas administrativas, a vontade de voltar a visitar era absurda.
A maioria das conversas em tempos de pandemia, giram em torno de um só assunto: será que já estamos seguros para voltar a nos encontrar?
A saudade e o reencontro
O evento foi realizado no auditório do hospital, e contou com a presença de diversas pessoas, sendo nossa função, recepcionar esses participantes.
Assim que coloquei os pés no hospital, as lembranças dos diversos momentos ali vividos começaram a visitar a minha memória.
É incrível como aquilo que nos faz bem, volta com uma força gigantesca e nos motiva.
No início da preparação, as mãos estavam trêmulas pela falta de prática em arrumar o figurino, fazendo a preparação demorar muito mais do que o normal.
Foi importantíssimo poder contar com a ajuda dos dois parceiros nessa preparação. Enfim, depois do figurino pronto, fomos recepcionar nossos participantes.
A energia que o palhaço carrega dentro de si, é algo incrível. Ela contagia a quase todos por onde passa. É maravilhoso conseguir olhar nos olhos das pessoas e sentir o carinho transbordar.
“Esse período de reclusão nos ensinou muitas coisas, e penso que, uma das principais, é o fato de percebemos que humanos gostam, e precisam, estar com outros humanos.”
A receptividade dos participantes foi espetacular, e mesmo que os jogos e a dupla não tenham apresentado a sua melhor performance, o resultado foi muito bom.
Depois de um bom tempo interagindo com os participantes, finalizamos nossa atuação entregando o auditório para a palestrante principal.
Eu pensava que já tínhamos terminado a nossa participação, quando recebemos mais um convite.
Matando a saudade na ala do hospital
Agora a missão era visitar todas as alas do hospital, convidando os colaboradores a participarem do evento que estava acontecendo, um evento muito importante que trazia várias técnicas que auxiliavam no gerenciamento da dor.
Não preciso nem dizer que aceitamos de pronto. Voltar a entrar nas alas, trouxe-me um misto de emoções, tais como saudade, alegria e euforia.
Durante os caminhos percorridos, foi inevitável olhar para determinados quartos procurando por pacientes que, por diversas vezes, visitamos. Infelizmente ou felizmente, não consegui encontrar ninguém que já conhecia.
Mas também estava curioso para reencontrar a equipe de enfermagem que sempre me recebeu com sorrisos maravilhosos.
Assim que chegamos ao primeiro posto de enfermagem, o astral subiu para as alturas.
Fomos recebidos com muita euforia e a alegria foi se espalhando por todo o ambiente.
De forma natural e harmoniosa, gradualmente, fomos nos comunicando, brincando. Era como se o tempo não tivesse passado.
Após visitar vários postos de enfermagem, com muita interação, nos despedimos, e fomos ao Centro de Terapia Intensiva.
O reencontro na CTI
O Centro de Terapia Intensiva é um local de cuidados especiais, onde, geralmente, os pacientes ficam por um longo tempo, apenas com a companhia da equipe hospitalar.
Nem sempre é possível termos contato com esses pacientes, seja devido ao seu estado de saúde, pois vários estão desacordados, seja por inspirarem cuidados muito especiais, sem que a aproximação seja possível.
Nessa nossa visita, ao adentrarmos o CTI com todas as precauções possíveis, fomos direto ao posto de enfermagem convidar os colaboradores, e fomos mais uma vez recebidos com sorrisos e com muito carinho.
A grande surpresa veio quando eu já estava saindo. Ao me despedir dos colaboradores, quando me virei para sair do CTI, meu olhar cruzou com uma paciente que estava acamada em um dos leitos.
A conexão dos olhares foi instantânea. Naquele momento, a minha conexão com o meu parceiro de visita se quebrou e me concentrei naquele olhar. Ela me olhava de um jeito tão especial que me prendia em seu olhar.
Não tinha como não retribuir aquele sorriso e aquele olhar. O reflexo foi imediato e, mesmo estando a uma certa distância física, comecei a retribuir com olhares e gestos de carinho.
Novamente, pude comprovar que a palavra e a fala, não são as únicas formas que temos para nos comunicarmos.
Não sei precisar exatamente o tempo que essa conexão durou, mas tenho a certeza de que as trocas de olhares e os gestos de carinho que trocamos alimentaram nossos corações e tornaram nosso dia mais alegre.
E que saudade que estávamos desse reencontro
O tempo de duração não foi grande, mas a intensidade foi gigantesca. Despedi-me dela com vontade de continuar ali por mais tempo, mas meu parceiro de visita já estava saindo e não podia deixá-lo mais sozinho.
E foi assim que me despedi e retomei a minha visita. No fim, embora a visita não tivesse o objetivo de interagir com os pacientes, acabei me conectando com vários.
Sei que ainda não há previsão de retorno da visitação aos pacientes, mas essa pequena visita me fez sentir, mais uma vez, o quanto é bom poder atuar como palhaço no ambiente hospitalar.
Agora, é retomar as minhas rotinas de estudos da palhaçaria e esperar que, em breve, eu possa voltar à rotina de visitas.
Agradeço aos meus parceiros de visita, ao Hospital do Idoso Zilda Arns, por nos proporcionar esse momento, e agradeço especialmente a todas as pessoas que interagiram conosco com tanto amor e carinho.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
O contexto da minha história se passa no Hospital Municipal do Idoso Zilda Arns (HMIZA), especificamente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde leitos foram abertos para atender à demanda de casos de Covid-19, durante a pandemia sanitária.
Na UTI, os profissionais de saúde e voluntários atuam em conjunto visando proporcionar um cuidado integral ao paciente e a seus familiares. As alterações da rotina dos profissionais se iniciaram em março de 2020, em virtude da pandemia da Covid-19.
Dentro da UTI
Essas alterações podem ser exemplificadas, por exemplo, pelo uso de mais Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Assim, deixamos de utilizar o jaleco branco para fazer o uso de aventais, máscaras N95, ‘face shield’, touca e luvas descartáveis para evitar a contaminação do vírus na UTI.
Além disso, as Unidades de Internação foram transformadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), havendo a necessidade de contratação de mais profissionais de saúde, do fechamento de atendimentos ambulatoriais e da limitação de visitas presenciais.
No início da pandemia, muitos profissionais de saúde expressaram reações emocionais de ansiedade diante da falta de conhecimento acerca do novo coronavírus, como o medo de se contaminarem e passarem para os seus familiares, bem como o medo de morrer, de perder entes queridos e colegas de trabalho.
A pandemia foi um desafio para os profissionais de saúde
Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes. Diante disso, gostaria de narrar a história da atuação da psicologia durante a pandemia de Covid-19.
A nossa prática foi modificada nesse período. No início da pandemia, criamos um serviço de atendimento psicológico aos profissionais de saúde, visto que identificamos o sofrimento psíquico de muitos profissionais.
Claro que nós, psicólogos, também estávamos com medo e ansiosos, mas, percebemos caber à nossa profissão, oferecer apoio psicológico aos demais profissionais.
Ausência e tratamentos na UTI
Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes em decorrência do processo de adoecimento, da hospitalização e do distanciamento dos familiares.
Por outro lado, os familiares ficavam ansiosos e passavam o dia esperando a ligação telefônica do boletim médico para receber notícias do paciente, já que este não podia ficar com o próprio celular.
Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida
Diante desse distanciamento entre pacientes e familiares, nós, psicólogos e assistentes sociais, com o apoio da gestão do hospital, começamos a realizar videochamadas com o intuito de aproximar os pacientes e seus familiares, como substituição das visitas presenciais.
Além disso, foi muito comum realizarmos videochamadas, a pedido dos pacientes, antes do processo de intubação orotraqueal na UTI. Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida, já que o paciente não sabia se sobreviveria ao tratamento invasivo.
Essa situação me deixava angustiada e triste, principalmente quando alguns desses pacientes faleciam. Frente aos diversos óbitos, especialmente no “pico da pandemia”, percebemos que muitos familiares não tiveram a oportunidade de se despedir do paciente e, no caso da morte por Covid-19, não podiam realizar velório.
Para a psicologia, são muito importantes os rituais de despedida, visando evitar que os entes queridos constituam um luto complicado.
A partir da relevância dos rituais de despedida, foi acordado com a equipe de saúde, a liberação de algumas visitas especiais de familiares aos pacientes em processo ativo de morte na UTI.
Essas visitas eram geralmente assistidas pelos profissionais de psicologia ou assistentes sociais. Durante a pandemia, vi muitos pacientes jovens, adultos e idosos falecerem, diversos membros de uma mesma família partirem em um pequeno intervalo de tempo.
O psicólogo, muitas vezes, acompanhava o familiar para dar a difícil notícia do falecimento de um ente querido por Covid-19 para o paciente. Face a esse sofrimento de diversas perdas, percebemos a necessidade de comemorar a recuperação de cada
Paciente que sai da UTI, porque, significava uma conquista para a equipe de saúde. Tivemos algumas situações de alta hospitalar com comemorações, onde familiares aguardavam o paciente do lado de fora do hospital com bexigas e cartazes, e até tivemos pedido de casamento.
Isso me deixava feliz
Perante os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde durante a pandemia, os vídeos do Nariz Solidário, os agradecimentos de pacientes, familiares e empresas, nos motivavam a dar continuidade ao nosso trabalho.
Vocês, voluntários, nutrem a nossa energia, tornam o ambiente hospitalar mais leve e alegre, proporcionando atendimentos humanizados. Vocês são essenciais e especiais! Muito obrigada pelos vídeos em um momento tão difícil das nossas vidas.
A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e o nosso sentido de vida
Para nós, psicólogos, percebemos a importância da humanização do atendimento no contexto hospitalar.
No pós-pandemia, algumas estratégias são: retornar as atividades de humanização e as visitas presenciais de familiares.
A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e nosso sentido de vida. Aprendemos a valorizar a importância das nossas relações sociais, dos afetos, da saúde e do trabalho saudável. Passamos por um luto coletivo, pois nossas vidas foram modificadas pela perda do nosso “mundo normal”.
Sofremos e nos solidarizamos com a dor do outro nesse período.
Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
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