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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor

Minha avó dizia: “vêm quatro doenças pra vocês e vai aparecer uma gripe muito forte”

Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Eu já sabia dessa gripe. Minha avó dizia: “vêm quatro doenças pra vocês e vai aparecer uma gripe muito forte”. Acredito que seja essa a gripe a qual ela se referia.

Mudando de assunto, vou falar do que eu gosto. Gosto de plantar, gosto da roça. É boa mesmo. Está cheia de maracujá, abacate, manga, que estão para aflorar. Gosto de plantar, gosto da roça, mas a força não tenho mais. A coragem ainda tenho, mas a força não dá mais, vai se acabando. Eu gostava de caminhar, gosto é de sair. Não gosto de ficar parada não. Mas agora estou plantada, porque se eu sair… Tem um ditado assim:

Felicidade quem planta é um pé de pau. 

Felicidade quem planta é um pé de planta.

Que é o pé de planta para ficar de baixo dele?

Casa de filho não tem como ser casa da gente

Então, eu fiquei enrolando. Durante um tempo, morava lá na casa do meu filho. Noutro tempo, eu alugava um barraco para morar. Mas, até que enfim, esse filho meu apareceu após doze anos, com uma mulher e uma filha, uma menina. 

Olhe, tá difícil! Eu não irei mais ver isso, não. Mas os filhos e netos irão ver coisa brava! Brava de você chorar e não ter mais jeito.  Fora isso, estou gostando daqui, achando bom demais. Tô sossegada. Mas é bem ali, né? Não me aperreando… Aqui, nem digo nem ouço. É verdade! Pois, agora tô tranquila! Graças a Deus e ao meu neto. Ele é muito estudioso! Aos quatro aninhos de idade, ele já dizia que queria “ser professor e pronto”. Virou mesmo! Ele é tranquilo. Gosto muito dele. 

Meu nome é Antônia Ferreira da Costa, tenho 86 anos. Minha mãe é Santilia e meu pai é Cândido José Ferreira. Sou do Piauí, Teresina. Me casei no Piauí, mas o meu marido morreu e fui embora para Nazaré. Tive dois filhos: Maria da Lurdes e José. José ganhou o mundo aos 18 anos.  

Relato de Antônia Ferreira da Costa, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Branca Distrito Federal Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Raça/Cor

“Apenas uma parte da sociedade ficou protegida dentro de casa”

Relato de Valdemar Vasconcelos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Para mim, o momento indiscutivelmente tocante não foi quando a pandemia foi formalizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas foi quando eu vi a sociedade em geral sendo dividida em duas: uma que ficava reclusa e protegida dentro de casa, e a outra que precisava por inúmeros motivos se expor. Eu achei que aquilo era uma coisa muito mal analisada, muito mal cuidada. Foi um impacto que, ainda hoje, eu guardo. Acho que manifestamos, naquela situação, a forma como a gente lida em sociedade até hoje.

Ficou muito evidente que uma boa parte das pessoas tinha que estar na frente, e a outra parte em estado de “proteção”. Se é que isso existiu. Aliás, acabou que isso não existiu, porque é impossível fragmentar a sociedade e colocar um muro na frente dela, e ela não interagir. Mas, sem um julgamento de valores, mas foi impactante ver os ônibus lotados, com uma divisão física, que nem pode-se dizer que é uma divisão de classes, pois muitos, de várias classes precisaram estar nos hospitais, nos caixas, nos Ubers, precisavam fazer entregas por aplicativo. Enfim, sei que outros precisavam estar em casa também. E este muro foi muito chocante para mim. E ainda é.  

“Desafios também podem gerar traumas”

Meu coração diz sempre que todo desafio pode gerar aprendizados, se optarmos pelo aprendizado. No entanto, desafios também podem gerar traumas. Os traumas também, em determinados momentos, podem ser bem-vindos, no sentido de nos frear. É estranho dizer que um trauma é bem vindo, não é bem isso. Enfim, é uma experiência que pode deixar um alerta. 

Minha expectativa, que é meio que um sonho, é que todo esse processo, tudo isso, faça com que a gente olhe para nossa vulnerabilidade. Não com o objetivo de nos sentirmos fracos, mas pra saber que possamos caminhar mais unidos, porque a pandemia veio na experiência deste século, em que a comunicação já estava evoluída a ponto das pessoas se verem e se falarem instantaneamente, por qualquer parte do planeta, por meio de uma videochamada. Porque houve outras pandemias, mas até a noticia chegar… Hoje não, foram fatos horríveis,  aterrorizantes, a começar na Itália,  principalmente, e isso aterrorizou muita gente, gerou muitos traumas. Mas, percebeu-se que não se tratava de se fechar a Itália,  não se tratava de fechar a China, porque era uma questão do mundo lutar junto. 

Então, a minha expectativa é que essa pandemia deixe esse legado, ainda que a humanidade ainda não tenha conseguido, até esse momento da pandemia, olhar numa única direção para todo o planeta, com mesmo cuidado, com mesmo carinho, para que todos possam se proteger. O convite foi esse. A pandemia concedeu um convite muito claro nessa direção. Até o momento isso não aconteceu, inacreditavelmente.  

“Uma oportunidade mal aproveitada de nos tornarmos uma sociedade melhor”

Mas eu acho que o chamado ficou e ele vai estar nos livros de história do ensino médio, como sendo uma oportunidade mal aproveitada de nos tornarmos uma sociedade melhor. Vejo também como um alerta concreto de que para a sociedade ser melhor, é preciso que a humanidade pense como um todo. Que as apartações, de quaisquer níveis, econômicos, sociais, geográficos, tudo isso, sejam vistas de uma outra forma, de um outro lugar, porque não há mais isso. A tecnologia e a dinâmica atropelam os muros que a gente constrói. A pandemia atropelou todos os muros, ela passou como uma grande tsunami sobre esses muros. 

Qual será o mundo que existirá quando a próxima onda voltar, que será edificado sobre os destroços do Tsunami.

Sou de Minas, mas moro em Brasília desde 9 anos, em 1971. Faço parte de uma família de migrantes, dessas clássicas. Viemos à Brasília buscar uma vida melhor e nos encaixamos aqui e construímos uma vida por aqui. Eu sou ex-funcionário público, pedi demissão, então não me aposentei, e hoje faço parte de uma organização não-governamental. Essa é a minha ocupação atual. Ocupação não remunerada, voluntária. Eu tenho três irmãs, duas sobrinhas netas, três sobrinhos netos. Tenho um filho adotivo e um filho de sangue. Tenho dois netos. Alguns não moram mais em Brasília, moram no estado do Rio. Minha mãe e meu pai já faleceram. Era uma família extensa.

Leia também: “O mais dificil foi ser cobrada pelas contas, e não ter como trabalhar”

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40 a 59 anos Distrito Federal Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Não frequentei a escola Prta Raça/Cor

“Não tive Covid, mas perdi amigas, amigos e vizinhos para a doença”

Relato de Eliete dos Santos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Não tive Covid, nem minha família, mas eu perdi muitos amigos, amigas, vizinhos que morreram com Covid, e a gente sofreu muito porque essa doença é um caso sério. Só Deus que pode explicar pra gente. O sofrimento foi muito e para muitas pessoas. Foram muitas perdas e em muitos países no mundo inteiro. Então, não é porque eu não tive Covid, nem minha família, que a gente não sofreu. Eu sofri muito. 

Sou nordestina de Bom Jesus do Gurguéia, no Piauí. Vim para cá trabalhar para os outros. Minha mãe me deixou aqui para trabalhar na casa dos outros. Naquele tempo, era tempo de você ganhar roupa, ganhar calçados,  comida, e trabalhar para as pessoas. Eu vim muito nova. 

O que mais me marcou na pandemia foi ver o sofrimento das pessoas e estar com uma pessoa em um dia, e no outro receber a notícia de que ela estava internada. Quando menos esperava, ficava sabendo da morte da pessoa. De quê? Covid. Então, isso me marcou muito, tanto é que eu não gosto nem de falar porque já me dói o coração, pois sou uma pessoa como açúcar, tudo me desmancha. Essa doença é muito ruim, só Deus quem explica porque ela veio, porque está espalhada no mundo inteiro.

“Estou aprendendo a ler e escrever”

Atualmente, estou feliz porque, graças a Deus, encontrei uma associação, para aprender a ler. Pedi à minha tia para que eu aprendesse a ler e escrever. Porque muitos falam que não sei ler e não entendo nada, que pego os ônibus errados. Quando penso que estou chegando à Brasília, estou chegando à Planaltina. Quando penso que estou chegando em um lugar, estou chegando em outro. Mas, hoje, estou feliz, porque aprendi a fazer meu nome, e nem isso eu sabia.

Graças a Deus tenho o apoio das meninas da associação, da minha tia, da minha professora, que amo de coração, porque ela tem paciência comigo, para me explicar, para me entender. Graças à Deus,  eu quero, eu posso e eu sou. Agora, sou empresária. No entanto, muita gente olhava para mim e pensava: coitadinha, analfabeta e se diz empresária. Então, eu perguntei se elas já viram uma empresária de maquiagem ser analfabeta. As meninas disseram que não, e eu disse que eu era uma. Eu quero, eu posso e eu sou. 

Tem gente apostando nos meus sonhos

A única riqueza que eu tenho é aquele lá de cima. Sou feliz, porque tenho o senhor Jesus comigo, com nós, com todos. Sou maravilhada com o senhor Jesus. Para mim não existe tristeza. E sei, tem gente apostando nos meus sonhos, tem gente apostando em mim. Pois, Lula não sabia ler. Ele veio a aprender depois que ele foi Presidente da República, porque pagou professor particular. Por que eu não posso aprender, não posso ser uma empresária? 

Primeiro vem a saúde, as forças, a força que Deus dá todos os dias para nós vencermos, e ter as mãozinhas para trabalhar. E a primeira vez que vi na minha vida, a tia me falou que eu tinha sido escolhida para maquiar alguém. Então fiquei surpresa, e a professora me respondeu dizendo que estava no curso para aprender a maquiar alguém.

Estou muito feliz. Não tenho explicação de tudo. Não sei ler, não tenho cartão,  não tenho renda, não quero receber benefício do governo, eu quero conseguir as coisas com minhas mãos, as que Deus me deu, pois eu aprendi, já sou uma empresária.  Eu já sou uma empresária e vou mostrar para muitos como uma analfabeta pode. 

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40 a 59 anos Distrito Federal Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor

“O mais difícil foi ser cobrada pelas contas, e não ter como trabalhar”

Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

O mais difícil foi receber faturas, contas a pagar, como o aluguel da casa, sem poder trabalhar. E agora, de onde é que você vai tirar? Foi muito complicado. Teve uns quatro meses que o Auxílio Emergencial me ajudou. Meu namorado me ajudava também, senão não tinha nem como pagar o aluguel. Reabrimos o negócio, se não me engano, em junho ou julho. 

Graças à Deus,  ninguém da minha família pegou a Covid, e isso é o mais vitorioso. A pandemia afetou mesmo nos compromissos no dia-a-dia. Mas, estando com as coisas em dia, é outra coisa. Agora, se não estiver, você fica doida. Não sei se todos pensam igual a mim, mas eu penso assim. O que vale é você honrar os compromissos.

O governo não deixou de nos enviar os boletos de cobrança durante a pandemia

Nós ficamos aqui um tempão e o governo não deixou de nos enviar os boletos, e todos nós tínhamos que pagar e isso afetou muito. Não tivemos nem um mês em que não tivéssemos que pagar os impostos. Mesmo fechados, tivemos que pagar todos os meses e não deixar nenhum atrasar.

Apesar de tudo, a gente tem que pensar em dias melhores. Correr atrás, batalhar, para ver se vêm dias melhores, pois se ficar assim, a gente não consegue nada. Eu corri atrás de dias melhores, pedi a Deus para ver se melhora, porque a cada dia as coisas vão ficando mais difíceis. 

Se vamos ao mercado com R$50, a gente não volta nem com o real de troco mais. Pior: nem compramos o que a gente quer. Está mais difícil por isso. Com uma família de duas ou três pessoas em casa, é preciso saber se organizar, senão a gente passa dificuldades. Quando se é só, dá pra se virar. Mas, se duas pessoas em casa já é difícil, imagina uma família de treze filhos. 

Comecei a trabalhar em Brasília no mesmo ano em que cheguei

Meu nome é Cristina Maria Brito dos Santos, tenho 55 anos. Trabalho aqui na feira desde 1993, e moro no Recanto.  Sou do Maranhão.  Estou em Brasília desde 14 de julho de 1993. No mesmo ano em que cheguei,  comecei a trabalhar. E até hoje estou aqui.  Minha mãe mora no Maranhão com meus dois irmãos. No total, somos treze irmãos. Não sou a caçula,  mas sou a antepenúltima. Ainda têm mais dois depois de mim. Um irmão e uma irmã. Todos os dias converso com eles.

Nesse contexto, não consegui visitar a minha família, porque minha mãe é idosa, tem 93 anos, e a gente preferiu deixar passar um pouco de tempo para ir lá, por causa da Covid. Estou esperando, e agora neste mês de Janeiro quero ir, com fé em Deus. Vai fazer dois anos que não vou por conta da pandemia. Espero que esse negócio já tenha passado até lá. Ela é preferencial, então não tem nem como sair para ir pra lá. Eu preferi ficar, e também pela situação. Ficamos quase sete meses sem trabalhar e aí como é que viaja? Não tem nem como. Financeiramente, não tem nem como viajar.

Relato de Cristina Maria, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

 

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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Parda Raça/Cor

“Para viver aqui, só quem tem Deus, e com muita oração”

Relato de Lídio dos Santos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Essa pandemia… eu vou lhe contar! Ela veio para arrasar com todo mundo, sem dó nem piedade. Para viver aqui, só quem tem Deus, e tem que ser na base da oração, porque a doença está matando mesmo!

Os empregos acabaram, não é verdade? Empresas falidas, fechadas. Então, agora, é na base de Deus. Quem tem Deus, tem vitória; quem não tem, chora. Ele tem cuidado de mim, e tem mesmo! E eu estou aqui, só alegria! A pandemia em nada me atingiu. Ainda bem. Nunca na minha vida tive qualquer doença, nem mesmo um resfriado. Tomei a primeira dose da vacina na segunda-feira e hoje vou tomar a terceira. Vou ficar mais jovem ainda. Mas, é joelho no chão e oração, porque é somente Deus. 

A pandemia fez todo mundo se precaver, se higienizar. Todo mundo, em geral, sem diferença de cor nem raça. Ou vai, ou racha! No mais, agora é com Deus, porque é o seguinte: se não for Deus, não temos outra saída. 

Meu nome é Lídio dos Santos, sou pastor, um novo covertido desde 1977. Que tal? Eu pretendo ir de Brasília direto para o céu, com a permissão de Deus. Nasci na Bahia, em Correntina, mas vim pra cá em 1970. Fui para São Paulo fazer alguns cursinhos, mas voltei para cá, me casei e aqui estou.

É preciso se apegar a Deus

A minha expectativa aqui é ampliar a minha lojinha, o prédio que Deus me deu, e alugar alguns imóveis. As pesssoas vêm aqui orar, a exemplo da irmã da Conceição, entre outras pessoas, que vêm me ajudar a orar. Aqui é só vaso! 

É uma boa expectativa, porque o pouco que a gente sabe fazer a gente dá valor. Importante saber o quanto pesa na balança. Porque se você tiver um gasto esbanjador, não fará mais. Quer dizer, se você pegar mil reais, então você: opa! Se você pegar cem reais, então você: opa, peraí! Porque você sabe a dificuldade de se conseguir dinheiro agora! Não tem dinheiro na praça, nem emprego. Agora é que estão abrindo, mas até chegar lá quantos anos mais? 

E para você que lê o meu relato: fique firme, sem titubear para qualquer lado, mas fique na fé, porque isso vai passar. E temos que tomar muito cuidado com a higienização. Esse vírus está passando, mas têm outros vindo por aí. Tenha cuidado, pois a sua saúde é muito importante. Sem saúde, você não é nada. Você pode não ter um tostão no bolso, mas se você tiver saúde,  você corre atrás. No mais, tem que se apegar a Deus. Se você se apega com Deus, de verdade, a coisa muda de figura. Mas sem Deus, ninguém é nada. Nada mesmo. 

Salmo 133: Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união. 

Leia também: “Nesses momentos difíceis, Tupã tem nos ajudado”

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40 a 59 anos Distrito Federal Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Pós-Graduação Completa Prta Raça/Cor

“Desenvolvi um projeto de alfabetização para mulheres vítimas de violência”

Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Trabalho na Associação das Mulheres de Sobradinho II, onde são atendidas várias mulheres de diversas faixas etárias. Trabalhamos com vítimas de violência domestica, especificamente, mas também atuamos com ações sociais, de assistência. Não o assistencialismo, porque a gente vem com o viés multidisciplinar. Então, nós prestamos assistência às mulheres, totalmente como pessoas voluntárias. Nós temos consultoria jurídica, nutricionistas, psicólogos, psicoterapeutas, e também professores. Eu sou uma delas.  

Sou professora da Secretaria da Educação. Aposentei-me, mas descobri durante a minha aposentadoria que terei de fazer outras atividades. Então, encontrei na Associação das Mulheres um momento que me ajudou na pandemia. Sou da parte social, oferecemos palestras, palestras temáticas voltadas para mulheres, meninas e mulheres idosas.

Essa vivência trouxe à tona o fato de algumas mulheres serem analfabetas. Comecei a pensar em atender essa demanda, que estava realmente invisível dentro da Associação. Enxergamos essa situação a partir da observação de como elas se comportavam, do receio até mesmo de assinar a lista de frequência. Isso despertou o meu olhar. Surgiu dessa observação, a ideia de desenvolver o projeto Brincando com as Letras e Contando Historias. Dessa forma, eu parto da vivência dessas mulheres para trabalhar a alfabetização.  

Tivemos um trabalho intenso na pandemia, porque as mulheres estudavam para obter, presencialmente, a formação de manicure, maquiagem, fotografia e gastronomia que a gente faz. Trata-se de um trabalho em rede com parcerias, por isso, a gente busca também o apoio de Organizações Não Governamentais do Distrito Federal. As mulheres tiveram, de uma hora para a outra, que se ausentar da Associação por um determinado tempo, porque aqui não poderiam ser atendidas, porque paramos por duas semanas para buscar alternativas para a permanência do nosso trabalho.

Durante a pandemia, pedimos o uso externo da associação para que nós não atendêssemos aqui dentro, no espaço fechado, para evitar aglomeração. Dessa forma, começamos a atender em rodas de conversas, utilizando o espaço da guarda mirim, que fica ao lado da associação. 

Mulheres faltavam ao encontro, por sofrerem violência doméstica

Logo, as mulheres que faziam parte dos encontras levaram a informação para outras mulheres. A notícia de que a gente tinha voltado ecoou nos quatro cantos e nem foi mais necessário ligar para elas. Estamos juntas todas as quartas-feiras em nosso “encontrão”. E, a partir desse momento, às quartas-feiras, a gente percebeu que muitas delas, além de depressão, estavam sofrendo abusos e outras violências.

Muitas sofriam violência psicológica, devido ao confinamento, à baixa renda, à extrema pobreza. A situação era de vulnerabilidade, tanto econômica quanto física. A gente começou fazendo alguns estudos de caso e percebemos que muitas delas quase não estavam vindo, porque haviam sofrido violência doméstica.

Atendemos casos em que tivemos que fazer uma interferência, porque a gente trabalha em rede junto com o Centro de Referência em Assistência Social (Cras), Conselho Tutelar, Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), Secretaria da Mulher e todos os seus equipamentos. Também trabalhamos com as delegacias 13ª e 35ª, que atende toda região de Sobradinho II e toda parte de condomínios, porque a violência não está presente só na classe social baixa, mas em todos os espaços. 

O conhecimento dá condições ao indivíduo de enxergar a vida de outras formas

A transformação na vida das pessoas demora a vir, mas alguém tem que começar a fazer alguma coisa para que essas mulheres deixem de ser violentadas e mortas todos os dias. Encontramos, na escola, um espaço ideal pra levar isso à frente e dizer para essas meninas que elas podem, sim, transformar suas próprias vidas. É um trabalho corpo a corpo. No entanto, a gente deixou de trabalhar a questão do assistencialismo. Não somos mais uma associação pensada em assistencialismo, mas pensamos na assistência do ser humano em todos os sentidos.  

Durante a pandemia, nós percebemos que houve uma demanda crescente em relação à atenção e atendimento. E, particularmente falando da minha vida como professora que atuou durante 30 anos na Secretaria de Educação, digo que, para mim, este momento é impar, singular, porque tenho aprendido muito. Tenho dez alunos e, durante o trabalho como professora, me identifico demais, porque as nossas histórias são muito parecidas. Não no que diz respeito ao conhecimento acadêmico, mas são muito parecidas na vivência, na origem, nordestinos, pais autoritários, patriarcalismo evidente, em que o bater é a solução.

Assim, me identifiquei demais. Parto do princípio da vivência deles e, pra mim, a pandemia trouxe a oportunidade de aprender mais, de buscar mais conhecimentos e isso fez com que eu abrisse meus olhos, pois é um aprendizado pra mim. Expectativas daqui pra frente, em relação a essas mulheres, é que elas tenham acesso ao conhecimento. Conhecimento é tudo. Conhecimento é dar ao individuo a capacidade de discernir o que é acerto, o que não é, dar condições ao individuo de enxergar a vida de outras formas, abrir a janela, conceder outros olhares. Por isso, a gente transforma essas mulheres, acreditando no conhecimento que elas estão adquirindo. E isso elas levarão para o filho, o neto. Enfim, a gente acredita que é chegando na família que a gente vai fazer uma transformação social.  

Relato de Edvalda Paixão, produzido pela associação Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor

“O maior impacto foi ter ficado parada e sofrer de ansiedade”

Relato de Lindalva Batista, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Tenho 86 anos e oito meses. Vim morar aqui aos 14 anos. Antes [de morar no Distrito Federal], vivia no Rio de Janeiro. Nós moramos uns 20 anos no Rio de Janeiro. Casei no Rio, tive seis filhos. Nós viemos para procurar coisa melhor. Veio todo mundo, eu, os filhos e o marido. Chegando aqui, tive mais dois filhos. Primeiro, eu tinha sete, aqui tive mais dois. No total, são nove filhos, e estamos aqui até hoje.

A pandemia marcou mais a minha vida por eu ter que ficar parada, por ter que ficar em casa. Antes eu saía, mas nesse período passei o ano todo sem sair, só para ir pro médico. A ansiedade piorou. É que a gente escuta “um morreu lá, outro morreu acolá”, por isso fiquei com muita ansiedade. Tinha dia que eu ia dormir e acordava durante a noite pensando que estava doente. Muita ansiedade mesmo.  

O trabalho parou e isso foi horrível, pois eu era muito ativa. Todo dia ia pra loja. Eu moro na casa de um dos meus filhos. Então, a pandemia atrapalhou a minha rotina. Gostava muito de sair, de festa, não tinha uma festa que eu não estivesse. Tenho uma família muito grande, então cada vez tem um filho para visitar. Eu gostava muito de sair, passear, shopping era toda semana, almoçava fora, tinha uma vida melhor. De repente, parou tudo. Fiquei sem chão. 

Vou receber a terceira dose depois de amanhã.  Agora já não tenho mais ansiedade, passou. Já vou até viajar. O aprendizado que eu tive foi ter muita fé em Deus, muita oração pra conseguir passar essa fase, e graças a Deus consegui. 

“O isolamento me fez lembrar dos tempos da Ditadura”

A expectativa que eu tenho é de que a situação melhore, que tudo volte ao normal. Acho que normal mesmo não volta mais. Essa doença aí deu medo em todo mundo. Não tem como ficar calma. Acho que desses dois anos, só agora que eu estou mais calma. Então, fizemos assim, cada um que fazia aniversário só chamava a família, só os de casa. Mas, eu mesma, só fiquei em casa. 

Passeio de shopping acabou, as festas… Ainda não estou indo na missa. Porque ainda tenho medo. Porque dizem que mesmo quem se vacinou duas vezes ainda pode pegar a doença. Então, assisto a missa na televisão. Vamos ver se essa pandemia acaba nesse ano que vem.  

Essa situação de ficar em casa me fez lembrar da Ditadura, que era quando não podíamos sair na rua. Ficávamos trancafiados dentro de casa, íamos apenas ao mercado fazer compra. Foi uma época bem ruim também que passei. Hoje, o que eu mais quero é saúde para mim e todo o mundo. Que as coisas voltem a ser como eram antes. Acredito que vai melhorar, se Deus quiser, vai melhorar.

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“Nós somos mortais; logo, eu não tenho medo”

Relato de Marcinda Guimarães, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Essas coisas que acontecem no mundo não me assustam, porque sou uma irmã sábia. A gente estuda muito a palavra, ouve muito e, uma vez, ouvi alguém dizer que havia de chegar uma doença que mataria muita gente. Mas, eu não sou muito de acreditar nas coisas. Sou igual a Tomé, só acredito depois que vejo.

Eu não sabia que seria isso! Mas, agora que a minha ficha caiu. Será que é a pandemia? Durante uma conversa com o meu filho, ele falou: “mãe, isso já era previsto.” Mas, eu não sabia o que era, sabia apenas que seria uma coisa terrível para a humanidade. No início, fiquei incrédula e cheguei a pensar: o povo conversa muito, vai que não é nada? Pois é, mas está acontecendo mesmo.

Nós somos mortais, por isso que eu não tenho medo. Aliás, eu não tenho medo de nada! Ah, é cuidado que ele é doente, é isso, é aquilo. Que nada! Olha, eu não sei quem contaminou o primeiro, eu penso logo assim. Então, quem será que contaminou o primeiro? Veio porque tinha de vir. 

A Carmelita e o Silvani, irmãos dos meus primos, morreram de Covid. 

“Trabalho desde os 9 anos de idade”

Não sinto saudade da minha vida antes, porque eu trabalhei desde os meus 9 anos de idade. Hoje, estou aposentada e acredito que se Deus me aposentou é para eu ficar quieta. Agora, só quero me divertir, estar na praia. É sombra, água fresca e água de coco gelada, e pronto. Chega! Eu comecei a trabalhar quando tinha apenas 9 anos! Me tiravam da cama às 2 horas da manhã pra ir bater pasto, bater rapadura, tocar boi, buscar cavalo no pasto.

Vim parar em Brasília e tinha que levantar 4 horas da manhã para ir pra fila pegar leite no carro do leite, caso contrário, não tomava leite. Chega! Cresci trabalhando, trabalhei até 2011. Minha luta foi até 2011, quando, finalmente, me aposentei. Quando vi que eu não aguentava mais, eu disse “chega!” Agora eu não quero mais nada. O que cair na rede, pra mim, é peixe. Não quero mais nada. Somente passear, andar e aproveitar. 

Isso é coisa de Deus, é inexplicável. Só Ele pode explicar para nós. Eu vejo assim, como fim dos tempos, como fala no livro de Gênesis, na Bíblia. Então já está começando ou talvez agora está até terminando, ninguém sabe! Eu já vi muitas pragas. Eu já dormi com leprosos. Minha tia tinha uma doença que ela descascava todinha, ficava feridinha. Tinha que dormir com ela e ela falava assim: “Marcinda você não tem nojo de dormir comigo?”. 

Eu falei: “Nojo porque minha tia? Porque vou ter nojo? Tia, a senhora não queria, mais veio. A doença vem pra gente sem você querer, quando tem que acontecer, vai acontecer, minha filha. Estamos todo mundo aqui dentro de casa, de repente uma bala pode me pegar aqui. Nós estamos conversando, porque eu tinha que morrer baleada, não é não? Eu tinha que morrer daquele jeito. 

“Eu acredito na palavra de Deus, por isso não tenho medo”

Acredito na sorte. Que a gente nasce com ela, porque você já nasce com tudo pronto pra morrer. Você vem, mas já vem trazendo tudo. Deus vai dizer: “você vai viver tanto tempo e com tanto tempo você será recolhida. Você vai morrer assim, e pronto.” Eu acredito na palavra. Por isso, eu não tenho medo de nada, graças a Deus. 

Faça o que tu gosta, mas se cuide. Se cuide muito bem, porque eu me cuido. Não deixe de fazer o que queres. Mas tenha cuidado, porque tudo na vida tem que ter cuidado. Procure também se alimentar bem, porque o que vale é o alimento. Se puder, tome suco de inhame durante o dia e à noite. É ótimo!

Uma coisa eu digo: a vida é luta! Não pense que vamos embora sem lutar.

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60 anos ou mais Branca Distrito Federal Ensino Fundamental Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Raça/Cor

“Eu não podia chegar perto de ninguém, porque tive leucemia”

Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Pra mim, o mais difícil foi não poder ir à igreja, tendo de ficar confinada dentro de casa. Eu não podia chegar perto de ninguém, nem conversar com alguém pessoalmente, porque eu tive leucemia. Ainda hoje, os meus filhos têm um cuidado especial comigo. Eu viajo muito com eles, mas eles não me deixam chegar perto de ninguém. Até os talheres, que são entregues para mim junto à comida, eles pegam antes e esterelizam tudo. Eu não fico perto de ninguém, porque eles me afastam de todo mundo.

No começo, eu me sentia um pouco fragilizada ao ponto de não poder ter a vida que eu tinha antes, já que eu saia muito. Eu fiquei um ano e tanto sem ir à Caldas Novas, por exemplo, porque a cidade foi fechada. Não tinha nenhum lugar aberto, porque fecharam as entradas. Eu poderia até entrar, pois eu tenho residência lá. Mas, o que eu ia fazer lá, se estava em pandemia e tudo fechado?

De reflexão, ficou pra mim o seguinte: hoje em dia, a gente deve ter cuidado. Perdi muitas amizades por Covid. Muitas amigas, amigos do meu marido, dos meus filhos. Morreram todos jovens. Morreu o cunhado do meu filho que tinha apenas quarenta anos! Muita gente faleceu por causa da Covid.

Isolamento

Além disso, não havia a possibilidade de sair, de parar no meio das estradas para almoçar, encostar em um restaurante para comer, devido à minha doença. Vai que eu estou servindo a comida, passa uma pessoa perto de mim ou chega perto de mim para se servir? Tudo isso é perigoso. 

O meu dia a dia está mais livre, agora, as coisas voltaram ao normal. Vou para onde eu quero. Inclusive, viajei no ano passado. Fui para o Arraial D’Ajuda, na Bahia. Agora, estou viajando sempre. Não paro em casa, não. 

No início, fiquei apavorada com esse negócio. Nem saía de dentro de casa! Nem pra descer no térreo, onde fica a loja que alugo. Mas, agora, eu vou para onde quero: à garagem, ao jardim. Vez em quando, até saio aqui na minha rua.

Primeiro, comecei descendo para o jardim. Sempre acompanhada dos meus filhos e do marido. Era aquela coisa toda, e eu não podia estar sem máscara, não olhava pra canto nenhum, não podia pegar nada. Só descia quando não tinha muita gente. Meu marido ia lavando a calçada, desinfectando o local com álcool, borrifava o produto em todo local por onde eu passaria. Era desse jeito, um terror. 

Pensando no futuro, eu quero viver muitos anos de vida, em nome de Jesus Cristo. Quero pregar a palavra de Deus. Peço que Ele me abençoe ricamente cada dia mais. Sempre conto meu testemunho de que já vi Jesus três vezes. Não é pra qualquer pessoa ver Jesus. Ninguém consegue ver Jesus, mas eu já vi Jesus arrebatado no sonho. Orei a Deus pedindo para esquecer. No entanto, um mês depois, sonhei às cinco da manhã com aquele homem de branco, bem alto, em pé na cabeceira da minha cama, com uma espada e uma fumaça que não me deixava enxergá-lo direito.

O diagnóstico: leucemia crônica

Eu vim morar em Brasília no dia 10 de maio de 1964. Eu tive leucemia crônica e, há quatro anos atrás, quase perdi a vida. Mas, Deus não deixou e eu nunca baixei a cabeça para essa doença que me deixou branca como o algodão. Foi quando o médico disse ao meu filho caçula: “doutor Robson, não vou liberar sua mãe, porque eu tenho muito medo de ela emagrecer. Pode sofrer uma trombose, alguma coisa no coração, então não vou liberar. Sua mãe deve ter leucemia. E, se for na medula, não tem cura. Porque sua mãe já é de idade, não tem transplante.” 

Então, o meu filho cancelou a viagem. Logo depois, sairam dois resultados da biopsia apontando que o meu caso não era grave. Então, fui liberada para viajar. Fui para o Rio de Janeiro, fiquei lá, não tive nada. Passeei à vontade no Rio, voltei e não senti coisa nenhuma. Quando cheguei aqui, peguei o resultado do exame e levei para o médico.

“Jesus vai me curar”

O médico leu o resultado, olhou sorrindo pra mim e me disse assim:

“Você é a mulher mais feliz do mundo. Você teve uma leucemia da mais branda que existe, a que não mata ninguém! Só tem que tomar remédio, viu, dona Dulce Maria? Para o resto da vida.”

Eu disse ao médico: “não vou tomar nada, Jesus vai me curar, pode deixar”. É que eu já estava sabendo disso, Deus já tinha me revelado em um sonho em que eu ia à São Paulo. No sonho, Ele me mostrou a estrada, um asfalto preto e com umas catingueiras na cor verde que faziam um arco.

Do lado esquerdo, no sonho, havia uma cratera como se fosse da altura do teto da minha casa. E eu dizia assim: “Senhor, o que é que vai ser de mim, ninguém sabe que eu estou aqui. Se eu gritar ninguém vai ver, ninguém vai me tirar daqui agora.” Eu não vi como entrei, também não vi como saí. No entanto, Deus me deixou ver uma coisa.

Nas bordas da cratera, havia mato verde. E, eu me lembro bem que eu tocava o mato, encostava a barriga nas bordas da cratera e saía me arrastando. E, caminhava naquela grama bem verdinha. Sabemos que verde é esperança. Eu pegava o asfalto e ia embora.

Por fim, disse ao médico: “Doutor, eu já sabia que eu ia passar por isso, também estou sabendo que eu não vou morrer por isso, porque Deus já tinha me dito tudo isso, então já sei que eu ei de vencer a doença”. 

Relato de Dulce Maria, produzido pela associação Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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“A falta de um abraço é o mais difícil durante a pandemia”

Relato de Nilo Sérgio, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Pra mim, a pandemia não afetou muita coisa, continuo descendo. Mesmo assim, mantenho a distância de dois metros das pessoas. No entanto, eu gosto do contato com o povo, de estar onde tem gente. Não sei ficar isolado, não dou conta. Sinto falta de um bom abraço, de bater papo com os meus colegas. Pra mim, o difícil é a falta de um abraço, de estar no meio de pessoas próximas, de quem gosto. Isso sim faz falta.

Porque eu acho que é costume a pessoa chegar, abraçar, dar um beijo na pessoa. Agora, com esse negócio, já tivemos de romper esse costume. Então, é o mais difícil, pra mim. Manter a distância, a pessoa vai manter, sim. Lavar as mãos, se cuidar, todo mundo vai fazer isso, normalmente. No entanto, a falta do contato físico é difícil. O resto não, o resto a gente leva de boa.

O que mais me marcou foram os falecimentos. Uma menina, que morava no primeiro andar do bloco ao lado do meu, faleceu de Covid. Era colega da minha mãe. Acho que ela foi infectada por um pessoal que veio de fora para trabalhar. Então, é um desses questionamentos que a gente faz depois que a pessoa pega, depois que acontece. A gente tenta arrumar uma explicação, mas é o que tinha que acontecer mesmo.

Eles também se cuidavam, mas de quê adiantou? A pessoa mantém uma proteção, mantém tudo, mas não tem garantia, a exemplo daquela atriz, a Nicette Bruno. Pessoal se cuidou, mas foi alguém visitar. E eu te garanto que deve ter muita gente que pegou a doença e não sabe. Teve gente que pegou, se recuperou, ficou em casa, e passou. Deve ter acontecido muito por aí. 

Distanciamento, máscara e a falta do afeto

Pra ser sincero, eu nem dei conta dessa pandemia. Me protegi, respeitei os outros, usei a máscara. Mas, senti saudade de encontrar as pessoas, de fazer aquela rodinha dos amigos, bater um bom papo, trocar ideias. De ir ao supermercado, a uma feira. Manter esse negócio de isolamento é meio chato. Uma pessoa olha pra outra, é vista, e às vezes vemos alguém sem a máscara.

Já cansei de ver aqui. A pessoa vem lá do outro lado, até que alguém está sem mascara. Logo, a pessoa que está de máscara passa para o outro lado! A gente não fala nada, lógico, mas sente que a pessoa está se afastando porque a outra está sem a máscara. Mas, estou me protegendo, mantendo o distanciamento, e a vida continua. Ah, sinto falta de festa também. Mas falta, de verdade, só do abraço mesmo.

É porque as pessoas são um pouco rígidas para o afastamento. Eu vi, presenciei, uma pessoa falando com a outra assim: “poxa, você mantém a distância, não é?” E a pessoa continua: “Não é por você não, é por mim”. E o outro tão distraído. O coitado tentou pedir desculpas, mas não adiantou nada. Acho que o ser humano, às vezes, por pouca coisa, faz uma confusão danada. Mas, em termo, assim, de prejudicial, que até quando meu pai estava internado eu ia ao hospital.

Acredito que importante é viver cada dia, cada momento. Cada dia é um dia. É um dia que Deus nos dá, isso que é bom. Bom também é ser feliz. O resto a gente toca o barco. A pessoa que citei é o meu ex cunhado Rodrigo. A mãe dele mesmo disse: “tudo que tu quiser fazer pra mim, tu faz em vida, que depois não adianta chorar”. Então, ontem à noite, eu e meu irmão comentamos com ele: “pois é, a gente te diz o mesmo.”