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40 a 59 anos Distrito Federal Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Não frequentei a escola Parda Raça/Cor

“Soube de um rapaz que perdeu seis pessoas da família”

Relato de Nilza Soares, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

No começo da pandemia foi difícil, porque a doença nos pegou de surpresa. Muitas pessoas se viram paralisadas diante da notícia.  No começo, no dia 5 de fevereiro, contraí a Covid. Passei por esse processo, assim como minhas irmãs. Meus pais, graças a Deus, não pegaram a doença, pelo fato de eles estarem afastados e não precisarem sair para trabalhar. A gente que trabalha fora, precisa se deslocar de um local para outro. Dessa forma, acabei contraindo o vírus.

Foi um processo difícil de quinze dias que, realmente, não tem explicação. Mas, graças a Deus, a gente conseguiu passar. Meus filhos não contraíram a Covid, acredito que nem o meu esposo tenha pego, porque, segundo os médicos, se pegou não foi o caso de ser internado. Neste caso, o organismo dele teria reagido muito bem. 

Neste momento, milhares de pessoas no Brasil e no mundo inteiro perderam familiares. Ainda bem, não perdemos nenhum familiar ou pessoas conhecidas. Nada que a gente esteja sabendo até agora. Aliás, perdemos a esposa de um primo meu, muito jovem. Ela faleceu aos 26 anos. Graças a Deus, todos que estão aqui já passaram por esse processo. Algumas das minhas irmãs também contraíram, por trabalharem fora. 

“Tem dias que parece que vou paralisar”

Quando tudo estava um caos, a gente tinha que manter a calma, ter paciência e tranquilidade, porque tudo passa. De um jeito ou de outro, tudo vai passar. Eu fiquei com sequelas após a Covid: dores no corpo, começam nas costas e vão se movimentando. Tem dias que parece que vou paralisar. É horrível. Só sabe quem já passou por esse processo.

Voltei a trabalhar normalmente, e minha expectativa é que virão dias melhores pela frente. Se cheguei até aqui, com certeza é porque virão dias melhores. Essa é minha expectativa. Eu sobrevivi a uma doença pela qual muitas pessoas não conseguiram passar. Quantas pessoas próximas perderam parentes, entes queridos, ou até a família inteira? 

Teve um caso  de uma pessoa que trabalha com a gente. Ela é secretária e perdeu o tio, a tia, dois sobrinhos. Eles foram para Maceió e acabaram sendo internados. Dois dias depois, foram entubados e não retornaram.  Soube do caso de outro rapaz que perdeu seis pessoas da mesma família.  

“Minha família me deu forças nesses tempos sombrios”

Então, quando a gente ouve tudo isso que acontece ao nosso redor, e sabe que estamos passando pelo processo, é importante confiar em Deus e acreditar que tudo vai ficar bem. É manter a serenidade, a calma, porque tudo é um processo. Um processo no qual a gente tá vivendo, e por ser algo que é geral, que o mundo inteiro está passando, não adianta a gente entrar em pânico, a gente tem que manter a calma. E acreditar que se há países como a China, a Itália, e outros que se recuperaram, onde a sociedade já leva uma vida normal, para a gente aqui no Brasil não será diferente.  

Essa doença trouxe um grande caos, porque os preços dos alimentos e do combustível aumentaram muito. Muitas pessoas haviam parado de trabalhar. Muitas fábricas, empresas e lojas foram fechadas. Atualmente, as coisas já estão normalizando. Para o mês de novembro está previsto a gente não usar mais máscaras, mesmo assim a gente tem restrições. É que a pandemia não acabou. O vírus ainda está aí e precisamos nos precaver, sempre mantendo a calma.

Quando se tem uma crença, uma fé, ajuda bastante a passar por essa situação. Conto também com a ajuda e colaboração de meus filhos, esposo, netos, porque eles não saíram de casa durante a pandemia. Lógico, tive todos os cuidados necessários também. Ficava em meu quarto e a cada semana, meus filhos e netos faziam os exames para detecção da Covid. Os testes sempre atestavam negativo. Dessa forma , fiquei mais tranquila com a família por perto para a gente superar essa barra juntos. Assim é mais fácil.

   

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60 anos ou mais Branca Distrito Federal Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Não frequentei a escola Raça/Cor

“Comecei a estudar durante a pandemia; quero aprender a ler e escrever”

Relato de João Pereira, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Passei a estudar, durante a pandemia, na Associação de Mulheres de Sobradinho II, onde fui acolhido há cinco meses. Por meio dos estudos, também ganhei novos amigos. Há 48 anos, eu moro em Brasília. Morei de aluguel, por muito tempo. Aqui, comecei a estudar e arrumei uma casinha com a Ivonete, uma pessoa muito legal. Com fé em Deus, a gente vai permanecer na escola. Hoje, ajeitei um local pequeno e estamos aqui. Estou aqui até hoje, onde tem luz. Eu não tenho do que reclamarda minha querida Ivonete.

Eu vou aprender a ler e escrever. Tudo começou quando a ‘tia’ procurava por alunos interessados em estudar. Então, eu me ofereci. Foi assim que comecei a aprender a ler e escrever. O meu amigo, o Daliano, também estuda com a gente.

Antes, eu morava de aluguel, então comecei fazendo uns bicos. Arranjei um local para abrir um barzinho para eu trabalhar, porque nunca fiquei quieto. Então, investi nesse barzinho. Hoje, tenho lugar para morar, onde posso ficar dentro de casa. E, se Deus abençoar e tudo der certo, em breve, voltarei para casa. 

Enfim, penso em retornar. Mas, antes, vou continuar na escola, pois não vou parar de estudar. Sei que preciso continuar os estudos. Eu acredito que Deus vai me abençoar e eu vou ser muito feliz. A gente vai lutando e, aos poucos, tudo dá certo.

Eu nasci na Bahia, saí de lá aos 10 anos de idade. Cheguei em Minas Gerais com a minha madrinha. As pessoas achavam que éramos ciganos, porque a gente não parava em um lugar só. Algumas pessoas tinham até medo de mim, por acharem que eu era cigano! Elas diziam assim: “olha o cigano ali”. Mas, eu dizia: “não tenha medo, não sou cigano”.

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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor

Minha avó dizia: “vêm quatro doenças pra vocês e vai aparecer uma gripe muito forte”

Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Eu já sabia dessa gripe. Minha avó dizia: “vêm quatro doenças pra vocês e vai aparecer uma gripe muito forte”. Acredito que seja essa a gripe a qual ela se referia.

Mudando de assunto, vou falar do que eu gosto. Gosto de plantar, gosto da roça. É boa mesmo. Está cheia de maracujá, abacate, manga, que estão para aflorar. Gosto de plantar, gosto da roça, mas a força não tenho mais. A coragem ainda tenho, mas a força não dá mais, vai se acabando. Eu gostava de caminhar, gosto é de sair. Não gosto de ficar parada não. Mas agora estou plantada, porque se eu sair… Tem um ditado assim:

Felicidade quem planta é um pé de pau. 

Felicidade quem planta é um pé de planta.

Que é o pé de planta para ficar de baixo dele?

Casa de filho não tem como ser casa da gente

Então, eu fiquei enrolando. Durante um tempo, morava lá na casa do meu filho. Noutro tempo, eu alugava um barraco para morar. Mas, até que enfim, esse filho meu apareceu após doze anos, com uma mulher e uma filha, uma menina. 

Olhe, tá difícil! Eu não irei mais ver isso, não. Mas os filhos e netos irão ver coisa brava! Brava de você chorar e não ter mais jeito.  Fora isso, estou gostando daqui, achando bom demais. Tô sossegada. Mas é bem ali, né? Não me aperreando… Aqui, nem digo nem ouço. É verdade! Pois, agora tô tranquila! Graças a Deus e ao meu neto. Ele é muito estudioso! Aos quatro aninhos de idade, ele já dizia que queria “ser professor e pronto”. Virou mesmo! Ele é tranquilo. Gosto muito dele. 

Meu nome é Antônia Ferreira da Costa, tenho 86 anos. Minha mãe é Santilia e meu pai é Cândido José Ferreira. Sou do Piauí, Teresina. Me casei no Piauí, mas o meu marido morreu e fui embora para Nazaré. Tive dois filhos: Maria da Lurdes e José. José ganhou o mundo aos 18 anos.  

Relato de Antônia Ferreira da Costa, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Branca Distrito Federal Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Raça/Cor

“Apenas uma parte da sociedade ficou protegida dentro de casa”

Relato de Valdemar Vasconcelos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Para mim, o momento indiscutivelmente tocante não foi quando a pandemia foi formalizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas foi quando eu vi a sociedade em geral sendo dividida em duas: uma que ficava reclusa e protegida dentro de casa, e a outra que precisava por inúmeros motivos se expor. Eu achei que aquilo era uma coisa muito mal analisada, muito mal cuidada. Foi um impacto que, ainda hoje, eu guardo. Acho que manifestamos, naquela situação, a forma como a gente lida em sociedade até hoje.

Ficou muito evidente que uma boa parte das pessoas tinha que estar na frente, e a outra parte em estado de “proteção”. Se é que isso existiu. Aliás, acabou que isso não existiu, porque é impossível fragmentar a sociedade e colocar um muro na frente dela, e ela não interagir. Mas, sem um julgamento de valores, mas foi impactante ver os ônibus lotados, com uma divisão física, que nem pode-se dizer que é uma divisão de classes, pois muitos, de várias classes precisaram estar nos hospitais, nos caixas, nos Ubers, precisavam fazer entregas por aplicativo. Enfim, sei que outros precisavam estar em casa também. E este muro foi muito chocante para mim. E ainda é.  

“Desafios também podem gerar traumas”

Meu coração diz sempre que todo desafio pode gerar aprendizados, se optarmos pelo aprendizado. No entanto, desafios também podem gerar traumas. Os traumas também, em determinados momentos, podem ser bem-vindos, no sentido de nos frear. É estranho dizer que um trauma é bem vindo, não é bem isso. Enfim, é uma experiência que pode deixar um alerta. 

Minha expectativa, que é meio que um sonho, é que todo esse processo, tudo isso, faça com que a gente olhe para nossa vulnerabilidade. Não com o objetivo de nos sentirmos fracos, mas pra saber que possamos caminhar mais unidos, porque a pandemia veio na experiência deste século, em que a comunicação já estava evoluída a ponto das pessoas se verem e se falarem instantaneamente, por qualquer parte do planeta, por meio de uma videochamada. Porque houve outras pandemias, mas até a noticia chegar… Hoje não, foram fatos horríveis,  aterrorizantes, a começar na Itália,  principalmente, e isso aterrorizou muita gente, gerou muitos traumas. Mas, percebeu-se que não se tratava de se fechar a Itália,  não se tratava de fechar a China, porque era uma questão do mundo lutar junto. 

Então, a minha expectativa é que essa pandemia deixe esse legado, ainda que a humanidade ainda não tenha conseguido, até esse momento da pandemia, olhar numa única direção para todo o planeta, com mesmo cuidado, com mesmo carinho, para que todos possam se proteger. O convite foi esse. A pandemia concedeu um convite muito claro nessa direção. Até o momento isso não aconteceu, inacreditavelmente.  

“Uma oportunidade mal aproveitada de nos tornarmos uma sociedade melhor”

Mas eu acho que o chamado ficou e ele vai estar nos livros de história do ensino médio, como sendo uma oportunidade mal aproveitada de nos tornarmos uma sociedade melhor. Vejo também como um alerta concreto de que para a sociedade ser melhor, é preciso que a humanidade pense como um todo. Que as apartações, de quaisquer níveis, econômicos, sociais, geográficos, tudo isso, sejam vistas de uma outra forma, de um outro lugar, porque não há mais isso. A tecnologia e a dinâmica atropelam os muros que a gente constrói. A pandemia atropelou todos os muros, ela passou como uma grande tsunami sobre esses muros. 

Qual será o mundo que existirá quando a próxima onda voltar, que será edificado sobre os destroços do Tsunami.

Sou de Minas, mas moro em Brasília desde 9 anos, em 1971. Faço parte de uma família de migrantes, dessas clássicas. Viemos à Brasília buscar uma vida melhor e nos encaixamos aqui e construímos uma vida por aqui. Eu sou ex-funcionário público, pedi demissão, então não me aposentei, e hoje faço parte de uma organização não-governamental. Essa é a minha ocupação atual. Ocupação não remunerada, voluntária. Eu tenho três irmãs, duas sobrinhas netas, três sobrinhos netos. Tenho um filho adotivo e um filho de sangue. Tenho dois netos. Alguns não moram mais em Brasília, moram no estado do Rio. Minha mãe e meu pai já faleceram. Era uma família extensa.

Leia também: “O mais dificil foi ser cobrada pelas contas, e não ter como trabalhar”

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40 a 59 anos Distrito Federal Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Não frequentei a escola Prta Raça/Cor

“Não tive Covid, mas perdi amigas, amigos e vizinhos para a doença”

Relato de Eliete dos Santos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Não tive Covid, nem minha família, mas eu perdi muitos amigos, amigas, vizinhos que morreram com Covid, e a gente sofreu muito porque essa doença é um caso sério. Só Deus que pode explicar pra gente. O sofrimento foi muito e para muitas pessoas. Foram muitas perdas e em muitos países no mundo inteiro. Então, não é porque eu não tive Covid, nem minha família, que a gente não sofreu. Eu sofri muito. 

Sou nordestina de Bom Jesus do Gurguéia, no Piauí. Vim para cá trabalhar para os outros. Minha mãe me deixou aqui para trabalhar na casa dos outros. Naquele tempo, era tempo de você ganhar roupa, ganhar calçados,  comida, e trabalhar para as pessoas. Eu vim muito nova. 

O que mais me marcou na pandemia foi ver o sofrimento das pessoas e estar com uma pessoa em um dia, e no outro receber a notícia de que ela estava internada. Quando menos esperava, ficava sabendo da morte da pessoa. De quê? Covid. Então, isso me marcou muito, tanto é que eu não gosto nem de falar porque já me dói o coração, pois sou uma pessoa como açúcar, tudo me desmancha. Essa doença é muito ruim, só Deus quem explica porque ela veio, porque está espalhada no mundo inteiro.

“Estou aprendendo a ler e escrever”

Atualmente, estou feliz porque, graças a Deus, encontrei uma associação, para aprender a ler. Pedi à minha tia para que eu aprendesse a ler e escrever. Porque muitos falam que não sei ler e não entendo nada, que pego os ônibus errados. Quando penso que estou chegando à Brasília, estou chegando à Planaltina. Quando penso que estou chegando em um lugar, estou chegando em outro. Mas, hoje, estou feliz, porque aprendi a fazer meu nome, e nem isso eu sabia.

Graças a Deus tenho o apoio das meninas da associação, da minha tia, da minha professora, que amo de coração, porque ela tem paciência comigo, para me explicar, para me entender. Graças à Deus,  eu quero, eu posso e eu sou. Agora, sou empresária. No entanto, muita gente olhava para mim e pensava: coitadinha, analfabeta e se diz empresária. Então, eu perguntei se elas já viram uma empresária de maquiagem ser analfabeta. As meninas disseram que não, e eu disse que eu era uma. Eu quero, eu posso e eu sou. 

Tem gente apostando nos meus sonhos

A única riqueza que eu tenho é aquele lá de cima. Sou feliz, porque tenho o senhor Jesus comigo, com nós, com todos. Sou maravilhada com o senhor Jesus. Para mim não existe tristeza. E sei, tem gente apostando nos meus sonhos, tem gente apostando em mim. Pois, Lula não sabia ler. Ele veio a aprender depois que ele foi Presidente da República, porque pagou professor particular. Por que eu não posso aprender, não posso ser uma empresária? 

Primeiro vem a saúde, as forças, a força que Deus dá todos os dias para nós vencermos, e ter as mãozinhas para trabalhar. E a primeira vez que vi na minha vida, a tia me falou que eu tinha sido escolhida para maquiar alguém. Então fiquei surpresa, e a professora me respondeu dizendo que estava no curso para aprender a maquiar alguém.

Estou muito feliz. Não tenho explicação de tudo. Não sei ler, não tenho cartão,  não tenho renda, não quero receber benefício do governo, eu quero conseguir as coisas com minhas mãos, as que Deus me deu, pois eu aprendi, já sou uma empresária.  Eu já sou uma empresária e vou mostrar para muitos como uma analfabeta pode. 

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40 a 59 anos Distrito Federal Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor

“O mais difícil foi ser cobrada pelas contas, e não ter como trabalhar”

Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

O mais difícil foi receber faturas, contas a pagar, como o aluguel da casa, sem poder trabalhar. E agora, de onde é que você vai tirar? Foi muito complicado. Teve uns quatro meses que o Auxílio Emergencial me ajudou. Meu namorado me ajudava também, senão não tinha nem como pagar o aluguel. Reabrimos o negócio, se não me engano, em junho ou julho. 

Graças à Deus,  ninguém da minha família pegou a Covid, e isso é o mais vitorioso. A pandemia afetou mesmo nos compromissos no dia-a-dia. Mas, estando com as coisas em dia, é outra coisa. Agora, se não estiver, você fica doida. Não sei se todos pensam igual a mim, mas eu penso assim. O que vale é você honrar os compromissos.

O governo não deixou de nos enviar os boletos de cobrança durante a pandemia

Nós ficamos aqui um tempão e o governo não deixou de nos enviar os boletos, e todos nós tínhamos que pagar e isso afetou muito. Não tivemos nem um mês em que não tivéssemos que pagar os impostos. Mesmo fechados, tivemos que pagar todos os meses e não deixar nenhum atrasar.

Apesar de tudo, a gente tem que pensar em dias melhores. Correr atrás, batalhar, para ver se vêm dias melhores, pois se ficar assim, a gente não consegue nada. Eu corri atrás de dias melhores, pedi a Deus para ver se melhora, porque a cada dia as coisas vão ficando mais difíceis. 

Se vamos ao mercado com R$50, a gente não volta nem com o real de troco mais. Pior: nem compramos o que a gente quer. Está mais difícil por isso. Com uma família de duas ou três pessoas em casa, é preciso saber se organizar, senão a gente passa dificuldades. Quando se é só, dá pra se virar. Mas, se duas pessoas em casa já é difícil, imagina uma família de treze filhos. 

Comecei a trabalhar em Brasília no mesmo ano em que cheguei

Meu nome é Cristina Maria Brito dos Santos, tenho 55 anos. Trabalho aqui na feira desde 1993, e moro no Recanto.  Sou do Maranhão.  Estou em Brasília desde 14 de julho de 1993. No mesmo ano em que cheguei,  comecei a trabalhar. E até hoje estou aqui.  Minha mãe mora no Maranhão com meus dois irmãos. No total, somos treze irmãos. Não sou a caçula,  mas sou a antepenúltima. Ainda têm mais dois depois de mim. Um irmão e uma irmã. Todos os dias converso com eles.

Nesse contexto, não consegui visitar a minha família, porque minha mãe é idosa, tem 93 anos, e a gente preferiu deixar passar um pouco de tempo para ir lá, por causa da Covid. Estou esperando, e agora neste mês de Janeiro quero ir, com fé em Deus. Vai fazer dois anos que não vou por conta da pandemia. Espero que esse negócio já tenha passado até lá. Ela é preferencial, então não tem nem como sair para ir pra lá. Eu preferi ficar, e também pela situação. Ficamos quase sete meses sem trabalhar e aí como é que viaja? Não tem nem como. Financeiramente, não tem nem como viajar.

Relato de Cristina Maria, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

 

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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Parda Raça/Cor

“Para viver aqui, só quem tem Deus, e com muita oração”

Relato de Lídio dos Santos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Essa pandemia… eu vou lhe contar! Ela veio para arrasar com todo mundo, sem dó nem piedade. Para viver aqui, só quem tem Deus, e tem que ser na base da oração, porque a doença está matando mesmo!

Os empregos acabaram, não é verdade? Empresas falidas, fechadas. Então, agora, é na base de Deus. Quem tem Deus, tem vitória; quem não tem, chora. Ele tem cuidado de mim, e tem mesmo! E eu estou aqui, só alegria! A pandemia em nada me atingiu. Ainda bem. Nunca na minha vida tive qualquer doença, nem mesmo um resfriado. Tomei a primeira dose da vacina na segunda-feira e hoje vou tomar a terceira. Vou ficar mais jovem ainda. Mas, é joelho no chão e oração, porque é somente Deus. 

A pandemia fez todo mundo se precaver, se higienizar. Todo mundo, em geral, sem diferença de cor nem raça. Ou vai, ou racha! No mais, agora é com Deus, porque é o seguinte: se não for Deus, não temos outra saída. 

Meu nome é Lídio dos Santos, sou pastor, um novo covertido desde 1977. Que tal? Eu pretendo ir de Brasília direto para o céu, com a permissão de Deus. Nasci na Bahia, em Correntina, mas vim pra cá em 1970. Fui para São Paulo fazer alguns cursinhos, mas voltei para cá, me casei e aqui estou.

É preciso se apegar a Deus

A minha expectativa aqui é ampliar a minha lojinha, o prédio que Deus me deu, e alugar alguns imóveis. As pesssoas vêm aqui orar, a exemplo da irmã da Conceição, entre outras pessoas, que vêm me ajudar a orar. Aqui é só vaso! 

É uma boa expectativa, porque o pouco que a gente sabe fazer a gente dá valor. Importante saber o quanto pesa na balança. Porque se você tiver um gasto esbanjador, não fará mais. Quer dizer, se você pegar mil reais, então você: opa! Se você pegar cem reais, então você: opa, peraí! Porque você sabe a dificuldade de se conseguir dinheiro agora! Não tem dinheiro na praça, nem emprego. Agora é que estão abrindo, mas até chegar lá quantos anos mais? 

E para você que lê o meu relato: fique firme, sem titubear para qualquer lado, mas fique na fé, porque isso vai passar. E temos que tomar muito cuidado com a higienização. Esse vírus está passando, mas têm outros vindo por aí. Tenha cuidado, pois a sua saúde é muito importante. Sem saúde, você não é nada. Você pode não ter um tostão no bolso, mas se você tiver saúde,  você corre atrás. No mais, tem que se apegar a Deus. Se você se apega com Deus, de verdade, a coisa muda de figura. Mas sem Deus, ninguém é nada. Nada mesmo. 

Salmo 133: Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união. 

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40 a 59 anos Distrito Federal Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Pós-Graduação Completa Prta Raça/Cor

“Desenvolvi um projeto de alfabetização para mulheres vítimas de violência”

Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Trabalho na Associação das Mulheres de Sobradinho II, onde são atendidas várias mulheres de diversas faixas etárias. Trabalhamos com vítimas de violência domestica, especificamente, mas também atuamos com ações sociais, de assistência. Não o assistencialismo, porque a gente vem com o viés multidisciplinar. Então, nós prestamos assistência às mulheres, totalmente como pessoas voluntárias. Nós temos consultoria jurídica, nutricionistas, psicólogos, psicoterapeutas, e também professores. Eu sou uma delas.  

Sou professora da Secretaria da Educação. Aposentei-me, mas descobri durante a minha aposentadoria que terei de fazer outras atividades. Então, encontrei na Associação das Mulheres um momento que me ajudou na pandemia. Sou da parte social, oferecemos palestras, palestras temáticas voltadas para mulheres, meninas e mulheres idosas.

Essa vivência trouxe à tona o fato de algumas mulheres serem analfabetas. Comecei a pensar em atender essa demanda, que estava realmente invisível dentro da Associação. Enxergamos essa situação a partir da observação de como elas se comportavam, do receio até mesmo de assinar a lista de frequência. Isso despertou o meu olhar. Surgiu dessa observação, a ideia de desenvolver o projeto Brincando com as Letras e Contando Historias. Dessa forma, eu parto da vivência dessas mulheres para trabalhar a alfabetização.  

Tivemos um trabalho intenso na pandemia, porque as mulheres estudavam para obter, presencialmente, a formação de manicure, maquiagem, fotografia e gastronomia que a gente faz. Trata-se de um trabalho em rede com parcerias, por isso, a gente busca também o apoio de Organizações Não Governamentais do Distrito Federal. As mulheres tiveram, de uma hora para a outra, que se ausentar da Associação por um determinado tempo, porque aqui não poderiam ser atendidas, porque paramos por duas semanas para buscar alternativas para a permanência do nosso trabalho.

Durante a pandemia, pedimos o uso externo da associação para que nós não atendêssemos aqui dentro, no espaço fechado, para evitar aglomeração. Dessa forma, começamos a atender em rodas de conversas, utilizando o espaço da guarda mirim, que fica ao lado da associação. 

Mulheres faltavam ao encontro, por sofrerem violência doméstica

Logo, as mulheres que faziam parte dos encontras levaram a informação para outras mulheres. A notícia de que a gente tinha voltado ecoou nos quatro cantos e nem foi mais necessário ligar para elas. Estamos juntas todas as quartas-feiras em nosso “encontrão”. E, a partir desse momento, às quartas-feiras, a gente percebeu que muitas delas, além de depressão, estavam sofrendo abusos e outras violências.

Muitas sofriam violência psicológica, devido ao confinamento, à baixa renda, à extrema pobreza. A situação era de vulnerabilidade, tanto econômica quanto física. A gente começou fazendo alguns estudos de caso e percebemos que muitas delas quase não estavam vindo, porque haviam sofrido violência doméstica.

Atendemos casos em que tivemos que fazer uma interferência, porque a gente trabalha em rede junto com o Centro de Referência em Assistência Social (Cras), Conselho Tutelar, Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), Secretaria da Mulher e todos os seus equipamentos. Também trabalhamos com as delegacias 13ª e 35ª, que atende toda região de Sobradinho II e toda parte de condomínios, porque a violência não está presente só na classe social baixa, mas em todos os espaços. 

O conhecimento dá condições ao indivíduo de enxergar a vida de outras formas

A transformação na vida das pessoas demora a vir, mas alguém tem que começar a fazer alguma coisa para que essas mulheres deixem de ser violentadas e mortas todos os dias. Encontramos, na escola, um espaço ideal pra levar isso à frente e dizer para essas meninas que elas podem, sim, transformar suas próprias vidas. É um trabalho corpo a corpo. No entanto, a gente deixou de trabalhar a questão do assistencialismo. Não somos mais uma associação pensada em assistencialismo, mas pensamos na assistência do ser humano em todos os sentidos.  

Durante a pandemia, nós percebemos que houve uma demanda crescente em relação à atenção e atendimento. E, particularmente falando da minha vida como professora que atuou durante 30 anos na Secretaria de Educação, digo que, para mim, este momento é impar, singular, porque tenho aprendido muito. Tenho dez alunos e, durante o trabalho como professora, me identifico demais, porque as nossas histórias são muito parecidas. Não no que diz respeito ao conhecimento acadêmico, mas são muito parecidas na vivência, na origem, nordestinos, pais autoritários, patriarcalismo evidente, em que o bater é a solução.

Assim, me identifiquei demais. Parto do princípio da vivência deles e, pra mim, a pandemia trouxe a oportunidade de aprender mais, de buscar mais conhecimentos e isso fez com que eu abrisse meus olhos, pois é um aprendizado pra mim. Expectativas daqui pra frente, em relação a essas mulheres, é que elas tenham acesso ao conhecimento. Conhecimento é tudo. Conhecimento é dar ao individuo a capacidade de discernir o que é acerto, o que não é, dar condições ao individuo de enxergar a vida de outras formas, abrir a janela, conceder outros olhares. Por isso, a gente transforma essas mulheres, acreditando no conhecimento que elas estão adquirindo. E isso elas levarão para o filho, o neto. Enfim, a gente acredita que é chegando na família que a gente vai fazer uma transformação social.  

Relato de Edvalda Paixão, produzido pela associação Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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“O maior impacto foi ter ficado parada e sofrer de ansiedade”

Relato de Lindalva Batista, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Tenho 86 anos e oito meses. Vim morar aqui aos 14 anos. Antes [de morar no Distrito Federal], vivia no Rio de Janeiro. Nós moramos uns 20 anos no Rio de Janeiro. Casei no Rio, tive seis filhos. Nós viemos para procurar coisa melhor. Veio todo mundo, eu, os filhos e o marido. Chegando aqui, tive mais dois filhos. Primeiro, eu tinha sete, aqui tive mais dois. No total, são nove filhos, e estamos aqui até hoje.

A pandemia marcou mais a minha vida por eu ter que ficar parada, por ter que ficar em casa. Antes eu saía, mas nesse período passei o ano todo sem sair, só para ir pro médico. A ansiedade piorou. É que a gente escuta “um morreu lá, outro morreu acolá”, por isso fiquei com muita ansiedade. Tinha dia que eu ia dormir e acordava durante a noite pensando que estava doente. Muita ansiedade mesmo.  

O trabalho parou e isso foi horrível, pois eu era muito ativa. Todo dia ia pra loja. Eu moro na casa de um dos meus filhos. Então, a pandemia atrapalhou a minha rotina. Gostava muito de sair, de festa, não tinha uma festa que eu não estivesse. Tenho uma família muito grande, então cada vez tem um filho para visitar. Eu gostava muito de sair, passear, shopping era toda semana, almoçava fora, tinha uma vida melhor. De repente, parou tudo. Fiquei sem chão. 

Vou receber a terceira dose depois de amanhã.  Agora já não tenho mais ansiedade, passou. Já vou até viajar. O aprendizado que eu tive foi ter muita fé em Deus, muita oração pra conseguir passar essa fase, e graças a Deus consegui. 

“O isolamento me fez lembrar dos tempos da Ditadura”

A expectativa que eu tenho é de que a situação melhore, que tudo volte ao normal. Acho que normal mesmo não volta mais. Essa doença aí deu medo em todo mundo. Não tem como ficar calma. Acho que desses dois anos, só agora que eu estou mais calma. Então, fizemos assim, cada um que fazia aniversário só chamava a família, só os de casa. Mas, eu mesma, só fiquei em casa. 

Passeio de shopping acabou, as festas… Ainda não estou indo na missa. Porque ainda tenho medo. Porque dizem que mesmo quem se vacinou duas vezes ainda pode pegar a doença. Então, assisto a missa na televisão. Vamos ver se essa pandemia acaba nesse ano que vem.  

Essa situação de ficar em casa me fez lembrar da Ditadura, que era quando não podíamos sair na rua. Ficávamos trancafiados dentro de casa, íamos apenas ao mercado fazer compra. Foi uma época bem ruim também que passei. Hoje, o que eu mais quero é saúde para mim e todo o mundo. Que as coisas voltem a ser como eram antes. Acredito que vai melhorar, se Deus quiser, vai melhorar.

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“Nós somos mortais; logo, eu não tenho medo”

Relato de Marcinda Guimarães, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Essas coisas que acontecem no mundo não me assustam, porque sou uma irmã sábia. A gente estuda muito a palavra, ouve muito e, uma vez, ouvi alguém dizer que havia de chegar uma doença que mataria muita gente. Mas, eu não sou muito de acreditar nas coisas. Sou igual a Tomé, só acredito depois que vejo.

Eu não sabia que seria isso! Mas, agora que a minha ficha caiu. Será que é a pandemia? Durante uma conversa com o meu filho, ele falou: “mãe, isso já era previsto.” Mas, eu não sabia o que era, sabia apenas que seria uma coisa terrível para a humanidade. No início, fiquei incrédula e cheguei a pensar: o povo conversa muito, vai que não é nada? Pois é, mas está acontecendo mesmo.

Nós somos mortais, por isso que eu não tenho medo. Aliás, eu não tenho medo de nada! Ah, é cuidado que ele é doente, é isso, é aquilo. Que nada! Olha, eu não sei quem contaminou o primeiro, eu penso logo assim. Então, quem será que contaminou o primeiro? Veio porque tinha de vir. 

A Carmelita e o Silvani, irmãos dos meus primos, morreram de Covid. 

“Trabalho desde os 9 anos de idade”

Não sinto saudade da minha vida antes, porque eu trabalhei desde os meus 9 anos de idade. Hoje, estou aposentada e acredito que se Deus me aposentou é para eu ficar quieta. Agora, só quero me divertir, estar na praia. É sombra, água fresca e água de coco gelada, e pronto. Chega! Eu comecei a trabalhar quando tinha apenas 9 anos! Me tiravam da cama às 2 horas da manhã pra ir bater pasto, bater rapadura, tocar boi, buscar cavalo no pasto.

Vim parar em Brasília e tinha que levantar 4 horas da manhã para ir pra fila pegar leite no carro do leite, caso contrário, não tomava leite. Chega! Cresci trabalhando, trabalhei até 2011. Minha luta foi até 2011, quando, finalmente, me aposentei. Quando vi que eu não aguentava mais, eu disse “chega!” Agora eu não quero mais nada. O que cair na rede, pra mim, é peixe. Não quero mais nada. Somente passear, andar e aproveitar. 

Isso é coisa de Deus, é inexplicável. Só Ele pode explicar para nós. Eu vejo assim, como fim dos tempos, como fala no livro de Gênesis, na Bíblia. Então já está começando ou talvez agora está até terminando, ninguém sabe! Eu já vi muitas pragas. Eu já dormi com leprosos. Minha tia tinha uma doença que ela descascava todinha, ficava feridinha. Tinha que dormir com ela e ela falava assim: “Marcinda você não tem nojo de dormir comigo?”. 

Eu falei: “Nojo porque minha tia? Porque vou ter nojo? Tia, a senhora não queria, mais veio. A doença vem pra gente sem você querer, quando tem que acontecer, vai acontecer, minha filha. Estamos todo mundo aqui dentro de casa, de repente uma bala pode me pegar aqui. Nós estamos conversando, porque eu tinha que morrer baleada, não é não? Eu tinha que morrer daquele jeito. 

“Eu acredito na palavra de Deus, por isso não tenho medo”

Acredito na sorte. Que a gente nasce com ela, porque você já nasce com tudo pronto pra morrer. Você vem, mas já vem trazendo tudo. Deus vai dizer: “você vai viver tanto tempo e com tanto tempo você será recolhida. Você vai morrer assim, e pronto.” Eu acredito na palavra. Por isso, eu não tenho medo de nada, graças a Deus. 

Faça o que tu gosta, mas se cuide. Se cuide muito bem, porque eu me cuido. Não deixe de fazer o que queres. Mas tenha cuidado, porque tudo na vida tem que ter cuidado. Procure também se alimentar bem, porque o que vale é o alimento. Se puder, tome suco de inhame durante o dia e à noite. É ótimo!

Uma coisa eu digo: a vida é luta! Não pense que vamos embora sem lutar.