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Abraçando a onça

Eu e minha dupla de visita, Sabrina Silva (Palhaça Lupita), encontramos, abraçada à sua onça, a Dona Eliane, uma senhora muito simpática.

Dona Eliane nos contou que trabalha no cemitério e que também é palhaça. Ficamos imaginando-a fazendo palhaçadas no cemitério. Contou-nos ainda que sua tia dançava em cima de um cavalo, já imaginaram? Pois ela e seu tio eram do circo e, entre inúmeras peripécias, amavam-se muito, tanto que, quando ela se foi, ele se foi logo em seguida, para continuarem com seus espetáculos juntinhos.

Paciente em hospital interagindo virtualmente com os palhaços do Nariz Solidário

E a onça? Não quisemos conferir se estava viva. Saímos a bordo de um manequim, ou melhor, de um tablet na cabeça de um manequim – “Se virem uma onça por aí, não diga que fomos por ali”.

Antes da onça

Sou ator e artista há muitos anos, e a pandemia me trouxe ansiedades muito fortes, principalmente por conta de minha profissão ter sido uma das primeiras a saírem de cena, e a última a retornar – inclusive, ainda não retornou por completo.

No meio disso tudo eu, que faço parte da ONG Nariz Solidário, consegui manter o meu ofício por conta de um projeto aprovado, que não só me trouxe um respiro financeiro e emocional, mas também me fez olhar de outra forma para a arte.

Tivemos que nos adaptar e realizar intervenções virtuais, que antes eram presenciais, em hospitais do SUS. No começo foi difícil, novo e estranho. Mas ao longo do tempo fomos percebendo que, mesmo no ambiente tecnológico, era possível promover encontros artísticos que também pudessem gerar transformações mútuas.

Depois da onça

“Enquanto houver vida, há sempre espaço para um leve respirar e brincar”

O isolamento social e as diversas problemáticas causadas pela pandemia e que explodem na saúde física e mental de cada pessoa, ainda podem ser suspensos por instantes, em estados brincantes, ainda que a dor supere a razão e a intenção. Nos hospitais sempre existiram isolamentos temporários, no entanto, o que vivemos se tornou algo longo e duradouro, que nos encaixotou em uma tela pequena, de reflexões sobre realidades dolorosas.

Porém, repito: enquanto houver vida, há sempre espaço para um leve respirar e brincar.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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Esperança de esperançar

Duas palavras tão parecidas que confesso que demoro para entendê-las e, então, diferenciá-las. Ocorreu-me não faz muito tempo. Podemos escolher apenas ter esperança ou acrescentar ao verbo o “r” e fazer com que ele seja ação; a ação de esperançar.

Vou tentar explicar melhor trazendo apenas uma pequena história pessoal.

Esperança dormente

Meu nome é Tatiane, tenho 39 anos e sou professora. Trabalho atualmente em uma escola de Ensino Fundamental I e II da Prefeitura Municipal de Curitiba. Meu trabalho me traz muitas versões de mim, entre elas a possibilidade de trazer um estresse muito desenfreado que pode se manifestar através de um comportamento muito calmo ou então, por meio de uma doença psicossomática.

Mas, como trabalhar as emoções de uma forma que não nos traga algo pior, e sim que a cura venha, ou pelo menos, que amenize os danos? Então paramos e nos deparamos com o trabalho remoto e, até então, nada de dominá-lo, ainda mais com uma profissão em que o presencial é melhor.

O pesadelo se instalou e a esperança diminuiu. Esses sentimentos se misturaram-se com notícias de pessoas conhecidas e que, em algum momento foram colegas de trabalho – morrendo, outras se contaminando, cumprindo quarentena, e relatando, através das reuniões on-line, como era a experiência em contrair ou conviver com a Covid-19.

A situação do desemprego, a necessidade de ter algumas coisas em casa que antes tínhamos, mas que naquele momento não era possível mais ter.

A incrível experiência de ficar com a família mais em casa do que apenas utilizar sua casa para descanso. E, assim, fui me acostumando com a nova forma de estar e de ser a protagonista de uma nova.

A necessidade de esperançar começou a crescer e, antes da pandemia, alguns projetos que estavam acontecendo, já não conseguiam mais continuar como antes.

 Faço parte de um grupo maravilhoso, conhecido como Nariz Solidário. Atuo no elenco voluntariamente como ‘Clona’, uma palhaça que vive azeda, adora se maquiar e que, ao mesmo tempo, traz uma sensibilidade e gosta muito de ajudar no que for preciso.

A esperança de ter comigo meus novos irmãos

O raio de esperança e de sorte, foi ter meus novos irmãos ali comigo neste momento. Este grupo não é simplesmente um grupo de narizes, mas de corpos inteiros. Um grupo que, mesmo durante a pandemia, não parou com suas atividades porque se reinventou.

Nesse momento, os caminhos, ao invés de se fecharem e ficarem aguardando, abriram um caminho de esperança e fé.

Iniciamos as visitas on-line por meio de um manequim, adaptado com rodinhas, e um tablet no lugar da cabeça. Sim, um boneco! Melhor dizendo, uma boneca, mais conhecida como ‘Covidina’ (carinhosamente apelidada pela equipe de enfermagem do hospital).

Participamos de histórias, de sinais com as mãos e os pés. Pessoas que passaram a nos aguardar toda semana na esperança de saírem vivos!

Essa vivência nos trouxe entrevistas, pois os jornais começaram a se interessar por esse grupo tão potente que não havia parado.

Comecei a fazer parte de uma nova organização, aquela que trouxe o projeto “De Nariz para Nariz”, em que as visitas foram reorganizadas, e com isso, pude participar e garantir que elas acontecessem, por meio de agendamentos.

Tivemos vários cursos oferecidos, o que trouxe uma nova versão para a minha personagem. Aquela que, mesmo sem o nariz, permanece comigo diariamente em meu trabalho, em casa com minha família e amigos.

Confesso que a parte dos encontros presenciais faz muita falta, aos poucos vamos retornando, mas quando temos a parte on-line, mesmo assim, conectamo-nos e tornamos este momento muito proveitoso.

 Recentemente tivemos um curso com profissionais que admiro e que, com certeza, eu não teria a oportunidade de participar se eu não estivesse fazendo parte dessa família.

Esperança, vacina e emoção

O tempo passou e retornei ao meu trabalho presencial, muitas coisas têm acontecido nestes últimos meses. Agora, novamente, tentamos retornar e nos adaptar ao novo normal. Não poderia deixar de citar a emoção em me vacinar – a sensibilidade de poder fechar os olhos e ser grata por essa oportunidade.

Como aos poucos as coisas vão retornando, fica a expectativa do retorno das visitas aos hospitais – estar ali me conecta ainda mais com a escolha que fiz em ser Nariz. Poderia passar horas relatando tantas outras coisas que já tive a oportunidade de participar juntamente com o Nariz Solidário, contudo, deixo aqui este registro de que não paramos! Ouvimos, expressamo-nos e, através disso, pudemos perceber que: ou paramos no tempo, ou traçamos uma meta para passar diante das diversidades da vida nesse momento de pandemia.

 Ainda não acabou, mas estamos sempre em busca do novo, vi e vejo possibilidades de me reinventar e não perder a esperança,

Esperancei

Então volto para o começo em que relatei a diferença entre essas duas palavras tão parecidas e, mesmo assim, cada uma tem sua importância na vida da gente. É assim a minha relação com o Nariz Solidário, com essa pandemia que nos trouxe muitas coisas e, entre essas coisas, a importância de refletirmos sobre a presença e o carinho um do outro.

Sempre vamos precisar cuidar para além do nosso nariz, do meu próximo e de mim mesma. Isso me trouxe afago e a capacidade de parar, respirar e refletir a cada situação.

Não sou perfeita, nem tenho a intenção de ser. Hoje estou mais segura e mais certa que estou no caminho certo.

“Que nunca percamos a esperança em esperançar” – Paulo Freire


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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“Sim, momentos trágicos, mas também de resiliência”

Sim, momentos trágicos, mas também de resiliência e de experiências nunca vividas.

Amizades eternizadas, projetos iniciados e abortados, de lágrimas, sorrisos mascarados, apertos de mãos escondidos e tapinhas nas costas, quando a vontade era dar um baita abraço naquele pai que perdeu o filho, naquela colega de trabalho exausta, ou nos palhaços que tiveram que se ausentar e sobre os quais as crianças perguntavam repetidamente.

Este desabafo é apenas para abrir um diálogo sobre nós, profissionais da saúde, que tivemos nossas vidas reviradas, esculhambadas e arriscadas diariamente durante esse momento histórico.

Hoje, estamos mais esperançosos com a vitória da ciência.

O cuidado continua, o trabalho também. Por isso, decidi dar uma oportunidade ao leitor curioso (modesta, eu?) que, durante esse período, ouviu e viu tudo de fora de um hospital. E dar um raio de esperança aos que não tiveram a mesma sorte.

Aos que estiveram internados como pacientes, aos que sofreram feridas que ainda não estão cicatrizadas, mas que podem se interessar pelo lado humano, pela mão-de-obra, pelo funcionalismo, pelo profissional que protagonizou (e ainda se encontra na linha de frente), de lados opostos ou não, na luta contra a Covid-19.

“Meu querido paciente obeso”

Sou fisioterapeuta do Hospital Infantil Waldemar Monastier (Campo Largo-PR), e minha vida virou de cabeça para baixo. Os filhos em casa (aulas on-line, sério isso?), sem ajuda da família ou de amigos pois, inicialmente, o medo de transmissão gerou um isolamento social intenso e, ainda por cima, trabalhando na linha de frente.

Maridão no pós-operatório de cirurgia de reconstrução da articulação interfalangeana da mão (essa é outra história) trabalhando de home office, falta d’água, máquina de lavar quebrada, e blá blá blá. Tudo que qualquer mulher adoraria, só que não.

A resiliência se faz necessária

Pelo menos não estava desempregada. Isso foi um alento ao qual tentei me agarrar inicialmente, porque a vontade de chorar era avassaladora. Bem, no hospital, os casos começaram a surgir lentamente, mas os protocolos foram criados e nós nos esforçamos muito para aprender a colocar em prática todas as mudanças que o vírus trouxe na maneira de atender, nos quartos, enfermarias e nas UTIs.

A precaução beirava quase ao absurdo que nunca usei tanto álcool em minha vida (minha intenção foi gerar uma interpretação dúbia!). Os EPIs (equipamentos de proteção individual) estavam escassos na UTI, pois todos resolveram ler no Google que a máscara N95 era a única que prevenia contra a Covid-19, além de a matéria-prima vir da China, país que ainda estava com o surto em larga escala.

Então, entre idas e vindas o atendi: G.B.N., nove anos. Um rapazinho obeso, prostrado, em máscara de oxigênio, que estava internado na enfermaria.

Um cara peculiar?

Ele era peculiar, parecia apresentar um leve atraso no desenvolvimento cognitivo e respirava com dificuldade, mas era uma simpatia. Usei toda a paramentação necessária conforme o protocolo, mas tinha certeza que era uma crise de asma típica.

Apesar de ter esse pressentimento, recolhi-me à minha insignificância e continuei com meus atendimentos até que, em um belo dia, encontro outro paciente em seu quarto.

Toda alegre, corro para perguntar aos colegas se ele havia recebido alta hospitalar, mas meu desespero foi ouvir que ele fora transferido para a UTI pediátrica devido ao agravamento do quadro. Sim, era Covid-19. Estava entubado, apresentando alterações respiratórias e cardíacas graves.

Nessas horas nós nos confrontamos com várias questões morais e éticas, mas canalizei minha energia na possibilidade de que ele sairia dessa. Eu disse à mãe dele, no último atendimento, que ele estava melhorando. O que foi que eu fiz? Após dias na UTI, ele melhorou, e encontrei-o na enfermaria.

Ele estava muito animado, incrivelmente falante e um pouco confuso devido à medicação, porém, ainda ofegante, perguntou várias vezes o meu nome. Realizamos uma partida de futebol no quarto, com uma bexiga de luva improvisada.

Amparo, fé, e resiliência

Lembrei-me dos ensinamentos do Grupo Nariz Solidário, que trouxe sempre ludicidade e alegria aos nossos corredores, tendo que se reinventar em meio ao caos, deixando seus vídeos ali na TV, leito a leito.

O olhar de satisfação da mãe era excepcional e fiquei muito contente ao vê-lo respirando bem em “ar ambiente”. Ao fim do atendimento, após perguntar novamente o meu nome, ele me pediu um abraço.

Fiquei paralisada, toda paramentada, vendo aquele cara gentil e sorridente parado na minha frente, ainda no período de precaução, e não tive dúvidas. Abracei-o com força, despedi-me e segui meus atendimentos, conforme o protocolo.

Quando o veria de novo?

“Um carinho precavido em meio a pandemia”

Somos capazes de fazer a diferença na vida dos que nos rodeiam quando nos desarmamos do egocentrismo, nos colocando no lugar do outro. Com um pequeno gesto, um olhar carinhoso, uma postura cordial, temos a chance de ser mais do que apenas coadjuvante de histórias remotas, para nos tornarmos sujeitos atuantes de novos momentos.


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Um mergulho musical na UTI

Enquanto a psicóloga hospitalar nos conduzia a bordo da ‘Covidina’ (manequim adaptado para visitação remota do Nariz Solidário), para fazermos um mergulho musical na UTI. Cantávamos ao som de ‘Kazoo’, com um pandeiro e com os sons produzidos em nosso próprio corpo.

Adentrando na UTI

Tivemos uma percepção nítida do impacto do palhaço na UTI, ainda que de forma remota. Ali, do outro lado da tela, profissionais exaustos, com seus múltiplos EPIs, proporcionando-nos apenas um contato com os olhos e sua expressão corporal.

Em um determinado momento, em resposta ao nosso completo desajuste e desafinação de nosso mergulho musical — sorriram, cantaram e dançaram conosco.

Foi quando nos deparamos com um desafio: esquecemos aquela música grudada em nossa cabeça desde dezembro do ano passado, quando cantamos no mergulho musical. Depois de algum esforço — “meu coração, não sei por que, como é grande, o meu amor, por você!”


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Visitamos uma princesa

Sou voluntário na Associação Nariz Solidário, onde trabalho como palhaço em hospitais de Curitiba e região. Há cerca de um ano e meio que não sentíamos mais a energia e o amor das visitas presenciais, dos encontros, olhares e sorrisos.

De volta aos hospitais..

No mês de outubro voltamos para a nossa rotina de visitas aos hospitais. No meu primeiro dia foi difícil conter as emoções geradas pelos risos e olhares nos corredores do hospital.

Entrando nos quartos, não conseguia conter a vontade de passar pelos batentes das portas e me mudar para lá, ficar com as crianças até elas melhorarem e irem para casa.

“De palhaços para alteza”

Palhaço Frutoso e palhaça Jupira em um quarto no Hospital em Curitiba (PR).

Batemos em uma das portas para ver se podíamos entrar. Surpreendemo-nos com um olhar calmo, de uma moça que abriu a porta bem devagar para nós. Ao entrar, vimos uma princesa sentada em sua cama, com um arco que se parecia muito com uma coroa, ruiva, lembrando aquelas princesas da Disney.

Será uma princesa?

No início, ela estava tímida, e eu, na característica do Palhaço Frutuoso, ao lado de minha colega, Danila (Palhaça Jupira), começamos a conversar com ela, dizendo termos achado uma princesa.

Conversamos sobre a história de reis e rainhas, e seus olhos, sorriram por trás da máscara, como se sua alegria tivesse se transformado em um grande conto de fadas. Ao sair, descobrimos que quem abrira a porta havia sido a rainha, a mãe da nossa querida princesa. Reverenciamos a majestade e, ao fechar a porta, pudemos ouvir risos que ecoaram pelas paredes rochosas do castelo.


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“A pandemia isolou minha gestação”

A gestação de minha filha foi ainda antes de todo esse contexto de pandemia, mas fiquei bastante frustrada por ter que vivenciar algo tão desejado, como a gravidez, em isolamento, distante até mesmo de minha família. Foi, então, que, durante um desabafo com o Eduardo, fundador da ONG Nariz Solidário, ele me provocou dizendo: “você é palhaça, seja criativa!”. Fiquei com aquilo na cabeça e pensava: “mas como?”

Tenho 33 anos, sou pedagoga, contadora de histórias, e trabalho de forma voluntária como palhaça na ONG Nariz Solidário, espaço em que busquei doar meu tempo e que me proporciona crescimento em cada uma das ações.

A arte sempre me colocou sob a necessidade de escutar o outro, mas, primeiramente, precisava ouvir a mim mesma. Foi assim que os treinamentos do Nariz Solidário me ensinaram sobre aceitação pessoal. Entre encontros e oficinas, redescobri a essência de minha palhaça: reencontrei-me enquanto pessoa, reconciliando-me com a minha infância e descobrindo uma nova mulher. Só a partir daí realizei um dos meus maiores sonhos: a maternidade.

Paracegover: Nesta foto, Elenice está sentada na grama ao lado de Eduardo. Ela está de calça preta com bolinhas brancas, usando nariz de palhaço e tiara laranja na cabeça. Elenice veste um top que cobre apenas seus seios e deixa sua barriga amostra. Ao seu lado, Eduardo está agaixado e fitando sua esposa com um largo sorriso no rosto. Eduardo é um homem branco de meia estatura, veste uma camiseta preta, calça jeans, óculos e boina preta.

Mas aí veio a pandemia…

Queria exibir meu barrigão e minha alegria para o mundo e não podia nem sequer sair de casa. Fui refletindo e, um dia, me veio a ideia de fazer autorretratos em casa, para não perder cada fase do crescimento daquela vida que vinha crescendo em mim.

Antes, minha ideia era fazer um book de gestação na montanha, já que sou montanhista e minha gravidez estava tranquila e saudável. Mas, com a necessidade de cumprir com o distanciamento social por conta da pandemia, meu mundo passou a girar em torno de quatro paredes.

Além disso, a provocação de Edu fez surgir em mim a ideia de registrar uma das atividades que compunham parte de meu trabalho remoto: a contação de histórias. Realizava duas vezes por semana lives para crianças da educação infantil e, ao final de cada enredo, eu me fotografava. Foi lindo. Usava figurinos e elementos específicos para cada temática. O tempo passava mais rápido e mais leve. Em agosto de 2020, minha Ana Clara nasceu.

Outro misto de alegrias e dores

Estava muito feliz por, enfim, ver meu bebê. Mas triste por ter que evitar contatos externos. Mesmo durante a licença maternidade, preferi não me afastar da família Nariz Solidário, mantendo contatos remotos, devido à pandemia. E, apesar de ter menos tempo devido às novas demandas exigidas pela maternidade, não abandonei as oficinas oferecidas pela ONG. As aulas trouxeram um sentido para o meu viver, já que, através delas, e por meio da “arte da palhaçaria”, consegui levantar diariamente com entusiasmo para enfrentar os obstáculos do isolamento social.

Com 22 semanas de gestação, hoje, uma nova vida cresce em mim, e sinto-me a pessoa mais realizada do mundo. Tudo isso devo às oficinas do projeto “De Nariz para Nariz”. Ao realizar os treinamentos em casa, brinco com a minha pequena e improviso cenas simples, que me divertem e a fazem rir.

Paracegover: A foto mostra Elenice, uma mulher branca com cabelos curtos de coloração castanha, sentada em uma poltrona, com um violão ao lado. Na parede, há corações rosas colados e um urso panda apoiado  sobre a almofada da poltrona. Elenice veste uma tiara de laço vermelho com bolinhas brancas, mesmas cores de sua camiseta polo. Na foto, Elenice está sorrindo e com a mão apoiada em sua barriga grávida de aproximadamente 5 meses.

Ana Clara tem menos de dois anos, mas sua pureza e encantamento com pequenas coisas a fazem rir de situações que, geralmente, nós adultos, reclamamos. Cada gargalhada que ela solta quando eu bato o cotovelo sem querer na mesa, por exemplo, me permite refletir e fazer daquilo um jogo lúdico, repetindo a ação apenas para ver seu sorriso.

A arte me prepara

A arte me prepara e me ensina. Sua presença em nossas vidas transborda tanto amor, que eu e meu esposo escolhemos ter nosso segundo bebê. Hoje, temos o Francisco a caminho! Nos últimos tempos, aprendi que a vida está aí para ser vivida: intensamente, dentro de qualquer possibilidade!


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“Hoje o meu quarto é minha sala de aula e lugar de estudo”

“Eu sou Tamile Rizmann Fronczak e o meu quarto agora é minha sala de aula e lugar de estudo. Sou natural de Curitiba – PR, tenho vinte e seis, e dois grandes sonhos acalentados desde criança: ser professora e conhecer Paris. Escolhi o curso de pedagogia e estou firme no propósito. Eu tenho Síndrome de Down e acredito na inclusão das pessoas com deficiências na escola regular e na sociedade. A formação universitária é uma opção minha e conta com o apoio da mãe e do pai.

Antes, já havia feito três de anos de pedagogia em uma Instituição de Ensino Superior privada. Minha mãe diz que o primeiro ano foi um investimento financeiro perdido porque a IES não ofereceu os apoios que ela precisava. Porém, foi uma grande vitória de sua tenacidade e persistência: ela se superou, provou o seu valor e ganhou paulatinamente o respeito de todos/as. Isso tudo marcado por significativo desgaste emocional e físico, inclusive. Nos dois anos que se seguiram, foram sendo adequados os apoios e os arranjos necessários para o sucesso nas disciplinas matriculadas”, conta Tamile.

Diante do quadro de instabilidade financeira familiar, em 2020 e após passar no vestibular (2019) optamos pela escola pública para que a Tamile não adiasse ainda mais a realização de seu sonho. Ela mudou de IES muito a contragosto, mas obediente. Como todo mundo, ela tem dificuldade em lidar com a mudança. Sente muita falta dos/as amigos/as e do ambiente escolar já conhecido na IES anterior.

Isolamento

Nos primeiros quinze dias de isolamento (março/2020), Tamile mostrava, pela primeira vez na vida, desinteresse pelos estudos e nenhuma vontade de retornar à universidade, por vários fatores desde a comodidade de estar em casa ou pela total falta de vínculos com a nova Instituição de Ensino.

Figura 2: Chocolate quente no café da manhã de mãe e filha

Quando chegou a primeira informação, por e-mail, sobre alguma atividade não presencial ficamos muito apreensivas com as demandas e imediatamente entramos em contato com a Coordenação do Curso e com Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidade Educacionais Especiais.

A nova rotina de vida estabelecida em casa era algo a ser explorado: a família toda em casa todos os dias e não só nos finais de semana éramos duas, mas essa era toda a nossa família; um pouquinho mais de tempo para dormir pela manhã; trabalho diário nas tarefas da casa: secar a louça, ajudar a preparar as refeições, arrumar o quarto; cuidar de si, desenhar, pintar, dançar, ouvir música, tomar sol pela janela; mais tempo de TV e celular também. Portanto, voltar ao ritmo de estudos parecia desgastante.

Figura 3: Tamile “sous-chef” na nossa casa – 1º semestre

Nova rotina

A partir do citado e-mail e da primeira reunião virtual com a IES  (professores e alunos) e dos contatos frequentes por telefone com quatro professoras, as dúvidas foram sendo esclarecidas e os combinados construídos. As conversas virtuais das segunda-feira foram trazendo a universidade mais para perto e o ânimo e compromisso com o estudo foi retomado. Então, Tamile passou a ler com afinco o livro indicado pela IES e presenteado pelo pai “Pedagogia do Oprimido”. Fez seus resumos e seus mapas mentais com o apoio somento das conversas familiares à mesa a partir de suas demandas.

Com o início das atividades pedagógicas não presenciais e o apoio da professora designada para acompanhá-la estabeleceu-se uma rotina e dinâmica organizadora não só dos estudos, mas também com influencia positiva no equilíbrio emocional, pois minimizava as perdas de contato impostas pelo isolamento social devido à pandemia Covid19. A chegada de um tablet emprestado pela IES também ajudou muito em toda a dinâmica.

Figuras 4, 5, 6 , 7 e 8: “Qualquer um pode cozinhar”, mas somente um paladar apurado sabe apreciar uma boa comida. Essa é a Tamile! 

Destaque na Figura 5 é o omelete preparado pela Tamile (somente com supervisão da  mãe) – 1º semestre/2020.

“Qualquer um pode cozinhar” é uma frase famosa do Filme “Ratatouille”, dita pelo Chef Gusteau como expressão de suas crenças pessoais. E nós também acreditamos que qualquer um pode realizar coisas maravilhosas, pode sim ser um artista, ser bem sucedido e alcançar os seus sonhos. O rato Rémy simboliza alguém simples e pobre, que sofre preconceito e perseguição e mesmo assim consegue realizar o seu maior sonho, contra todas as expectativas e contra todos. 

Consultado em 15/08/2020, às 14h, em: clique aqui.

Mudanças

Muitas coisas mudaram nas nossas vidas desde que participei do vídeo convocatório da Campanha Memória Popular da Pandemia. A partir de setembro/2020 a dinâmica da nossa casa mudou bastante com a chegada da Vovó Gertrudes. E o nosso espaço de vida que parecia aconchegante ficou pequeno demais.

Em novembro/2020 mudamos para Ilhéus, na Bahia. Moramos, hoje, em frente à Praia de Olivença, margeando o Território Indígena Tupinambá de Olivença. O lugar de fato é um paraíso, mas toda mudança exige um esforço nas adaptações. Vovó Gertrudes, de fato, melhorou muito.

  1. As minhas produções e a nossa vida:

Figuras 9, 10 e 11: Comemoração familiar dos 169 anos da chegadada Família Ritzmann ao Brasil – 12/07/1857 – 2020

Figuras 14 e 15: Produções artísticas da Tamile – 1º semestre/2021 

Para mim, a educação é simultaneamente um ato de conhecimento, um ato político e um  ato de arte” (Paulo Freire) 

Acesse o teaser da Campanha que contou com a participação da Tamile em: encurtador.com.br/ktwCZ

Leia também: “Minha casa e meu espaço de trabalho se fundiram em um mesmo lugar”

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“Durante o isolamento, vi o quanto o ser humano é importante”

Quando chegou essa pandemia, foi uma relação de todos nós, do mundo todo, acabamos nos afastando, e durante o isolamento vi o quanto o ser humano é importante. Pois em nossa vida, o que é importante é ser solidário. Se um estiver caindo, segurar pela mão, é repartir o pouco que temos para conseguirmos ter uma boa vivência.

A pandemia chegou e rompeu a antiga dedicação de promover eventos durante doze anos. A nossa luta da Reforma Agrária ensinou sobre a transformação da sociedade. Ensinou a ir atrás de nossos objetivos, ser humilde com as pessoas, lutar por igualdade para todos e a ser uma família.

Nossa vivência ficou muito restrita, pois estamos no isolamento para proteger os nossos. Porque para nós, o ser humano, está em primeiro lugar. Nós que estamos acampados temos uma vivência muito perto e muito unida. Se um vizinho tivesse uma dor de cabeça, nós também a sentíamos, pois isso a Reforma Agrária ensinou a nós. O espaço onde vivemos ensinou que nós temos que sentir a mesma dor, pois nós estamos acampados atrás dos mesmo objetivos.

Convivência x Isolamento

Antes do isolamento, tínhamos um calendário de nosso convívio em nosso espaço social. Nos somávamos com outras comunidades aos sábados para um Bingo. Todas as famílias estavam presentes neste mesmo espaço, onde nós mesmo construímos, onde nós mesmos fizemos a doação de nossas prendas. Então era uma relação de harmonia com as famílias.

Após a pandemia, quebrou tudo isso. Nós não conseguimos fazer a festa junina, nós não conseguimos fazer uma formatura para nossos filhos. Várias coisas se perderam durante esse período.

Então para as mulheres foi muito mais difícil, pois acabaram sendo mães, pais, professoras (para ajudar seus filhos a ter um estudo digno). Mas não temos esta formação, e não estávamos preparadas para isso.

Então, neste período, somos muito mais forte do que ser mãe, do que ser só mulher, do que ser só militante desta organização. Procuramos ter mais habilidades, ser mais amorosas, mais dedicadas, ser forte, guerreira de verdade, para atravessar este momento… Ajudar na produção alimentar da casa, e para a grande doação de alimentos até mesmo para cidades, temos que ser ser humanas, e nos fortalecer ainda mais. Pois a pandemia mostrou a carência que um vizinho, por exemplo, tem. E essa pandemia veio para mostrar isso.

Sou Cláudia, estou acampada no Acampamento Herdeiros da Luta de Porecatú, da região Norte do Paraná. Há 12 anos estamos nesta área ocupada por 250 famílias.

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“O distanciamento nos ensinou a valorizar as pessoas que amamos”

Durante quase um ano de pandemia, a minha maior dificuldade é o distanciamento dos meus filhos, dos meus netos, dos amigos, da minha família que a gente não se vê com mais frequência não se via como se via antes. Nem pode, porque agora exige um cuidado mais cauteloso.


Eu aprendi que o único projeto capaz de combater a fome no mundo é o projeto da reforma agrária, produção de alimentos. Minha rotina, na quarentena, foi a quarentena produtiva. Isso é o coletivo, produção de alimentos. Esses alimentos são comercializados e boa parte vai para doação para as famílias carentes.

Nós já ajudávamos várias famílias. Entretanto, com essa pandemia, a necessidade foi maior de ajudar muito mais. E surgiu a Campanha Solidária do MST, onde todos abraçaram essa causa, para expandir mais as necessidades, porque nas cidades e nas periferias há bastantes pessoas que passam por necessidades, e nós aqui conseguimos suprir boa parte ajudar essas pessoas com nossa produção, não doando o resto que está dentro da casa, mas partilhando aquele que nós produzimos.

Vou deixar um recado para vocês. Vamos enxergar mais o ser humano, não os seres humanos, mas o ser humano, a pessoa em si, e isso aprendi bastante. Enxergar com outros olhos, aprender a ouvir mais. Agora, infelizmente, devido ao distanciamento social, a gente não pode dar um abraço, mas uma palavra amiga. Por isso, quero deixar uma frase para vocês: “viva o agora, porque o depois, a Deus pertence. Valorize o outro enquanto há tempo”.

Meu nome é Zilda. Sou militante do MST e estou acampada no campamento Lírios na luta de Porecatu, no Norte do Paraná.

Veja mais: “Descobri a doença da minha filha em meio à Pandemia”

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“Espero que logo a gente possa sorrir, e não apenas com os olhos”

Eu sou Diego Ferreira, militante do Movimento Sem Terra (MST) do Estado do Paraná. Para nós do MST, muita coisa mudou por causa da pandemia. Acho que a gente nunca viveu isso , especialmente em ter que adotar o uso da máscara e o uso do álcool em gel. Sentimos falta do aperto de mão, do abraço no companheiro quando a gente se encontrava no meio da rua, da família.

Hoje foi preciso parar de visitar a família e dos parentes nos visitar. A nossa rotina do MST, os acampados e os assentados da reforma agrária, do trabalho, a quarentena, a produção de alimentos… tudo mudou! Pois esses alimentos eram produzidos para a comercialização, consumo e doação. Isso para a campanha de solidariedade que o MST criou no início da pandemia Já doamos, aqui no norte do Paraná, cerca do 100 toneladas de alimentos, por exemplo.

O que eu, Diego, levo de ensinamento da pandemia é a solidariedade e o trabalho voluntário. Tem muita gente cuidando do próximo. Lembrando que é importante cuidar da gente também.

O vírus, que até hoje não sabemos como funciona, como ele age, nos deixa preocupados. Mas vamos fazer a nossa parte e contribuir nos fortalecendo e torcendo para que forças médicos e cientistas evoluam na busca da vacina contra a Covid-19. E que possamos, logo em frente, nos abraçar, apertar as mãos e sorrir, e não apenas com os olhos.

E é isso aí! Um grande abraço e até a próxima!