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25 a 39 anos Branca Distrito Federal Ensino Médio Completo Mulher Cis

“Como vou manter funcionários sem ter nenhum capital na empresa?”

Meu nome é Keilla Rocha, tenho 28 anos e sou mãe de um rapaz pré-adolescente. Quando a pandemia começou, em 2020, eu estava casada, fazendo o curso técnico de enfermagem e trabalhava como comerciante varejista em Shopping Centers.

Com a pandemia, eu passei a não deixar mais meu filho sair pelo condomínio ou brincar na rua e ele não conseguia entender o motivo. Ele, triste, olhava pela janela e dizia: – Olha lá mãe… Todo mundo brincando na rua! Todos meus amigos nas quadras, e eu aqui em casa, já não aguento mais”.

Ele estava exausto, as brincadeiras dentro de casa já não tinham graça, a escola havia fechado e eu estava super amedrontada e não deixava ele nem “piscar” fora de casa. Parecia um filme de terror sem fim. Sabe aquele apocalipse que tanto nos alertavam desde a infância? Sentia que ele realmente havia chegado. 

Ao acordar, o meu marido já estava com a televisão ligada assistindo incansavelmente a mais um noticiário que nos alertava sobre o maior número de mortes a cada minuto. Às vezes eu parava e pensava: “Será que só eu estou realmente levando isso tão a sério? Onde estão os pais dessas crianças que deixam elas ficarem na rua?” E, por fim, eu fico vista como a errada ou a mãe super protetora.

Senti um desespero quando recebi um e-mail da secretária do suposto médico incrível informando que ele havia ido embora de Brasília para ficar com a família, pelo motivo da pandemia

Filho com epilepsia

Quando meu filho fez nove anos, ele foi diagnosticado com epilepsia. A partir de então, ele tem tomado medicamentos controlados e procuramos o melhor neuropediatra que atendia em Brasília. Comecei a pagar um plano de saúde super caro, pois era o que o suposto médico escolhido aceitava na época. As consultas passaram a acontecer por chamada de vídeo. Nós realizávamos a consulta segurando o celular, sentados em nosso próprio sofá, no conforto do nosso lar, conforto este que meu filho já não suportava mais. 

Realmente, senti um desespero quando recebi um e-mail da secretária do suposto médico incrível informando que ele havia ido embora de Brasília para ficar com a família, pelo motivo da pandemia.

Como eu, sendo uma microempresária, vou manter funcionários sem ter nenhum capital na empresa? Como iria alimentar minha família, pagar boletos que estavam para vencer? Foi um desespero sem fim

Fechamento de shoppings centers, fim do trabalho

O tempo passou e o terror continuou. Eu sempre tentei proteger minha família passando álcool em tudo e em todos. Quando eu e meu ex-marido íamos ao mercado, parecia o fim dos tempos: muitas prateleiras vazias, as máscaras em nossos rostos tampando todos os vestígios de sorriso que poderia surgir, olhares assustados, um silêncio que parece que nos havia matado por dentro e a cada instante. 

No momento em que o nosso empreendimento nos Shoppings Centers faria com que conseguíssemos sair do mar de dívidas, recebemos a notícia de que os shoppings deveriam fechar. Como eu, sendo uma microempresária, vou manter funcionários sem ter nenhum capital na empresa? Como iria alimentar minha família, pagar boletos que estavam para vencer? Foi um desespero sem fim. Não havia nenhuma notícia boa e nenhuma esperança desse pesadelo acabar. Sem a cura, sem a esperança de vacinação, com o caos no governo em nosso País, parecia que não iríamos sobreviver.

No curso de enfermagem, os estágios foram suspensos. E, dessa forma, nós, estudantes inexperientes e despreparados, tivemos que ir à guerra.  Adiantaram o diploma, pois a cada dia que passava eram necessários mais “soldados” da saúde para ir à guerra.

Devemos observar e entender o contexto e não perder a fé. Temos que saber que temos que lutar pelos nossos sonhos e objetivos, mas jamais deixar de ser grato pela vida e pela saúde

Fim do casamento: “Seu egoísmo não o deixava enxergar que diante de tudo aquilo que o mundo passava, o bem maior era a própria vida e a família”

Em meio a essa “tempestade” mundial, o meu casamento não resistiu e sucumbiu em meio a tantos conflitos. As pessoas à nossa volta nos julgavam como o casal perfeito. Porém, todo espetáculo é lindo para quem assiste e só quem vive atrás, nos bastidores, sabe a realidade. 

Ao acordar, sempre via o meu marido mal e desesperado e eu dava apoio e alicerce, sejam eles quais fossem necessários. Eu tentava mostrar que mediante a todo ócio mundial, a nossa família estava bem, tínhamos saúde, alimento na mesa. Mas ele se sentia como se estivesse levando um golpe do destino. Seu egoísmo não o deixava enxergar que diante de tudo aquilo que o mundo passava, o bem maior é a própria vida e a família.

Devemos observar e entender o contexto e não perder a fé. Temos que saber que temos que lutar pelos nossos sonhos e objetivos, mas jamais deixar de ser grato pela vida e pela saúde. Do que adianta chegarmos no topo da montanha sem ter com quem compartilhar? O mais importante é saber como lidamos com o próximo ao longo da caminhada, com quem está contigo nos momentos de dificuldade. 

É fácil ser feliz ao valorizar o próximo nos momentos de bonança e alegria. O sábio é aquele que valoriza e entende que nem tudo são flores. Hoje sei que existe arrependimento em seu coração, mas tudo isso me ensinou a ser uma mulher forte, guerreira e independente. Sou grata a Deus por não me desamparar, por me mostrar o caminho e por me guiar em meio ao caos.

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25 a 39 anos Distrito Federal Ensino Médio Completo Mulher Cis Prta

“Eu só pensava em não morrer”

Meu nome é Sindy, tenho 22 anos, sou goiana, empreendedora e moro na Ceilândia Norte, periferia de Brasília-DF. 

Quando começou a pandemia do Covid-19, achei que a quarentena fosse durar apenas 15 dias, porém já estamos há dois anos com ela. Como esses dias têm sido longos! 

No começo, todos os dias pareciam iguais. Eram momentos de muita reflexão. Eu pude perceber durante a quarentena que psicologicamente eu não estava bem. Eu entendi também que não era só eu que não estava bem, mas todo o mundo ao meu redor tampouco estava bem. Por isso, eu tentei encontrar meios para melhorar o meu psicológico, com a prática de exercícios físicos e tentando me auto conhecer.

Antes da pandemia, comecei um relacionamento e foi muito complicado pra mim, principalmente no começo do relacionamento, ter que ficar longe de uma pessoa que eu gosto e ter que conviver de maneira mais próxima aos meus familiares. Por mais que eu estivesse acostumada e que amasse minha família, estar em isolamento por causa da pandemia tornou a convivência muito mais difícil.

“Foram tantas vítimas que não quero ser mais uma estatística!”

Desemprego, auxílio emergencial e redes de apoio

Na pandemia, eu me vi  desempregada, tentando me esforçar pra fazer cursos, para ler livros, mas eu só pensava em não morrer ao mesmo tempo que as contas chegavam. Eu mal tinha dinheiro pra me alimentar. Depois de alguns meses de pandemia, o governo resolveu dar auxílio emergencial. Para conseguir o benefício, tínhamos que fazer um cadastro no aplicativo “Caixa TEM”. Todos os de casa fizemos, porém eu não consegui receber esse auxílio. 

A minha irmã e a minha madrasta receberam o auxílio e a gente conseguiu melhorar a questão da alimentação. As despesas fixas (contas de água, luz, aluguel, internet…) obviamente não eram imensas, então “dava pra se virar”. Além disso, minha família recebeu cestas básicas e auxílio gás de organizações não-governamentais (ONG) que antes da pandemia já ajudavam com a questão do combate à fome, especialmente voltada para as pessoas em situação de rua em Brasília. Tais organizações foram a Rede Solidária Barba na Rua, Tulipas do Cerrado, Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas e Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno/Coalizão Negra por Direito.

Depois desses meses de pandemia, consigo me entender melhor, mas ainda restam sequelas desse Covid-19. Foram tantas vítimas que não quero ser mais uma estatística!

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25 a 39 anos Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Ensino Superior Incompleto Mulher Cis Prta

“Entendo a frase de Clarice Lispector que diz: ‘Brasília, uma prisão ao ar livre’ pois quando caminho no centro percebo que ressoa a dor”

Meu nome é Eveline, mas desde sempre me chamam de Vivi. Nunca entendi, pois não é um apelido derivado do meu nome, mas hoje sei que a Vivi viveu tantas coisas, vivi e estou VIVA, superando as estatísticas.

Tenho nível superior incompleto, cursando Direito. Vim de um lugar de privilégios, mas hoje ocupo o lugar da não existência, onde os nossos direitos são chamados de benefícios, onde o que foi reservado como resolução para nossos problemas foi o direito penal.

Lembro que fui chamada de rato quando estava ainda no espaço da rua, por isso, mesmo hoje estando em processo de não uso, reivindico este lugar, pelas (os) minhas e meus que estão ainda na rua, e têm o direito de estar e de serem respeitados e de acessarem a dignidade humana, que é negada a muitas (os) e muites desde sempre

Vida na rua: uma prisão ao ar livre

Eu moro em Brasília, mas sou nordestina de corpo e alma. Nasci em Teresina (PI), a capital verde do Brasil. Fui atravessada ainda menina nesta mudança de lá para o Distrito Federal. Minha mãe não tinha mais condições de ficar em Teresina, por causa de um processo muito doloroso de separação com meu pai e eu, que era a filha mais nova, tive que vir com ela.

Hoje, depois de muitos anos, entendo a frase de Clarice Lispector que diz: “Brasília, uma prisão ao ar livre!” pois quando caminho no centro da capital, percebo que ressoa a dor. Sou mulher usuária de crack em processo de resistência e enfrentamento há oito anos. 

Não utilizo a palavra limpa porque ela é higienista e nos coloca num lugar de seres imundos, sem humanidade e que é de extrema crueldade. Lembro que fui chamada de rato quando estava ainda no espaço da rua, por isso, mesmo hoje estando em processo de não uso, reivindico este lugar, pelas (os) minhas e meus que estão ainda na rua, e têm o direito de estar e de serem respeitados e de acessarem a dignidade humana, que é negada a muitas (os) e muites desde sempre.Sou uma mulher preta. Eu não sabia que era preta, mas descobri num processo também de muita dor. Sou preta! Sou uma mulher periférica e hoje moro em Ceilândia Norte, onde – segundo o rap Cirurgia Moral, grupo que narra a realidade do nosso cotidiano aqui de baixo, “os versos do reino da morte ditam a sorte, nossa vida já é escassa em Ceilândia Norte”, onde o corre da sobrevivência é duro, onde é comum acordar e dormir pensando no que fazer para não deixar filho, neto, enteado e todos os que estão em torno de nossa vida à mercê da sorte, onde as mulheres resistem.

O sistema prisional é muito caro para nós, as famílias. Somos nós que sustentamos o cárcere, somos nós que fiscalizamos e fazemos o trabalho de recuperação que o Estado deveria fazer, garantindo minimamente a dignidade humana

Vida na rua e no cárcere: cultura punitivista e proibicionista

Eu saí da rua em 2015, meu companheiro de vida e caminhada havia sido privado de liberdade e eu precisa dar suporte a ele, que é um homem negro, pobre e saiu de casa aos nove anos de idade. Foram 34 anos de rua, rua e grades e vice e versa. 

Viver o cárcere foi outra dor extrema. Crescemos dentro de uma cultura punitivista e proibicionista, que faz controle de corpos por meio de uma política de miséria, da qual a guerra e as drogas fazem parte. Todo o tempo que meu esposo ficou naquele lugar, eu fui a chefe de família, a mãe, a avó, a madrasta. 

Passei por um câncer no colo do útero e a cada dia surgia uma nova dificuldade. O sistema prisional é muito caro para nós, as famílias. Somos nós que sustentamos o cárcere, somos nós que fiscalizamos e fazemos o trabalho de recuperação que o Estado deveria fazer, garantindo minimamente a dignidade humana. O que chega para sociedade não é a realidade, nem do processo penal e muito menos da execução da pena. Mas eu somente compreendi isso quando vivi. 

Foram tempos difíceis. Ali meu melhor amigo e parceiro de vida estava submetido a todo tipo de violação. Não só ele como todas as pessoas privadas de liberdade neste país, principalmente as mulheres, que são abandonadas pela sociedade machista e patriarcal. Antes de tudo a sociedade nos pune por sermos mulheres. 

No sistema prisional, nós, familiares, somos também aprisionados e eu estava mesmo adoentada, me virando para poder suprir as necessidades da minha família, me alimentar, ter onde morar, não perecer. Eu fazia faxina, cozinhava para eventos, fazia trabalhos freelancer, de domingo a domingo incessantemente.

São tantas formas de luta, tanta gente diferente, mas unidas nos mesmos propósitos: paz, justiça, liberdade, igualdade e respeito

Luta antiprisional, desencarceradora, abolicionista e antiproibicionista

Em 2019 eu cheguei no limite de minha sanidade mental e fui acolhida pela Agenda Nacional pelo Desencarceramento. Foi nesse espaço que eu senti a potência dos movimentos sociais. Eu não sabia como funcionava e somente acreditei que existia um lugar para familias de pessoas privadas de liberdade e sobreviventes do sistema prisional quando vi com os meus próprios olhos aquelas pessoas que faziam resistência e enfrentamento de forma coletiva. 

Quando cheguei no encontro, realizado no final daquele ano, em Fortaleza -CE , conheci muitos movimentos: o Coletivo Vozes do Cárcere, Elas Existem, EuSouEu, AMPARAR, RENFA e também as Tulipas do Cerrado

Nunca imaginei que ali eu encontraria o abraço, o acolhimento, inclusive a subsistência através do apoio coletivo dos movimentos e organizações que compõem essa luta antiprisional, desencarceradora, abolicionista e antiproibicionista. São tantas formas de luta, tanta gente diferente, mas unidas nos mesmos propósitos: paz, justiça, liberdade, igualdade e respeito. 

Naquele dia minha vida mudou, principalmente em relação à solidão que eu vivia na caminhada do cárcere. Conheci tanta gente incrível e que vem me ensinando tantas coisas. Uma delas foi Juma Santos. Nunca deixarei de citá-la porque as Tulipas do Cerrado é um dos lugares que hoje para mim é vida.

“O medo tomava conta de mim. Vê-lo ali, com tanta dificuldade e sem oportunidade de emprego, sem ensino, sabia que ficaria difícil não ceder à vida errada”

Pandemia: sem emprego, sem perspectivas

Quando a pandemia do Covid-19 chegou, fiquei sem fazer as faxinas, sem os freelancers e, se não fosse por essa rede de apoio, eu e minha família teríamos ficado sem amparo. Através destes movimentos, foi garantido a sobrevivência, a minha e tantas outras mulheres, sobreviventes da rua, do cárcere, o povo LGBTQIAP+ que sofrem e vivenciam grandes violações, abandono e são excluídos de forma muito cruel. 

No início da pandemia, meu esposo voltou para casa, em regime domiciliar. O medo tomava conta de mim. Vê-lo ali, com tanta dificuldade e sem oportunidade de emprego, sem ensino, sabia que ficaria difícil não ceder à vida errada.

“Não imagino minha vida sem essas pessoas e movimentos que trouxeram para mim outro lugar de olhar para além de mim. Enquanto não estiver bom para todos (as) e todes não estará bom para ninguém. Nem fome, nem tiro, nem prisões e nem Covid-19”

Rede de apoio: seguiremos a cada dia cuidando do nosso povo

As Tulipas do Cerrado fizeram uma intervenção que foi crucial na mudança de visão de vida e de amparo na vida de meu esposo. Aliás, acolheu nossa família e estamos seguindo de pé por termos esses lugares de resistência, bem como a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, que vem trazendo também formas de fortalecimento para nós familiares. 

Nada sobre nós sem nós, seguiremos a cada dia cuidando do nosso povo, se cuidando juntas (os) e juntes. E hoje sei a importância da redução de danos nas nossas vidas. Sim, eles “combinaram de nos matar, mas nós combinamos de ficar vivas (os) e vives! ”. 

A pandemia trouxe dificuldades muito piores para nós, mas eu posso falar que não imagino minha vida sem essas pessoas e movimentos que trouxeram para mim outro lugar de olhar para além de mim. Enquanto não estiver bom para todos (as) e todes não estará bom para ninguém. Nem fome, nem tiro, nem prisões e nem Covid-19.

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25 a 39 anos Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Mulher Cis Prta

“Eu não conseguia mais pagar aluguel e fui morar na rua”

Eu me chamo Bruna. Sou mulher cis preta, tenho 26 anos, mineira, resido em Planaltina, no Distrito Federal (DF), possuo ensino fundamental incompleto e sou redutora de danos.

No começo da pandemia do Covid-19, eu achava tudo maravilhoso, já que minha mãe, que trabalhava em um hospital regional pela Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (FUNAP/DF), onde surgiu a primeira vítima do Covid-19 no DF, foi afastada do serviço por ter comorbidade e fazer parte do grupo de risco.

Porém, desse dia em diante, muita coisa mudou. A pandemia se alastrou em Brasília, no Brasil e no mundo, matando milhares de pessoas. A minha vida também passou por transformações: eu não conseguia mais pagar aluguel e fui morar na rua.

Na rua, eu só aprendi coisas ruins: usei drogas, consumi muita bebida alcoólica, caí na farra. Contudo, também tive coisas boas: conheci pessoas legais. Na época em que eu estava na rua, minha mãe estava presa e isso mexeu comigo. Ela era tudo o que eu tinha para me manter firme. Eu queria visitá-la, mas não conseguia. 

“Gostaria de agradecer aos profissionais da saúde, cientistas e governantes que têm trabalhado muito para garantir a saúde e combater a pandemia. Eles têm toda a admiração e apoio desta ex-moradora de rua”

Volta por cima: apoio e trabalho para garantir o sustento da família

Foi uma fase muito difícil até eu conseguir me organizar para o retorno da minha mãe para casa. Nesse período eu conheci algumas pessoas que me deram oportunidade de trabalho, participei de alguns projetos nas Tulipas do Cerrado e no Coletivo Aroeira, que me ajudam, esclarecem minhas dúvidas.

Eu vejo que estou crescendo a cada dia, é crescimento pessoal e foi graças a essas oportunidades que hoje me sinto vitoriosa: eu pago meu aluguel, junto meu dinheiro, cuido da minha mãe e não moro mais nas ruas.

Além disso, com a ajuda de amigos que me orientaram, passei a receber a Bolsa Família, um benefício que eu não sabia que poderia ter e que tem me ajudado muito.

Sou grata a Deus e a essas pessoas, que também têm sido meu apoio para progredir na vida. Mesmo com muitas dificuldades causadas pela pandemia, eu me encontro saudável, cuidando da minha mãe, estudando e trabalhando para garantir o nosso sustento.

Por fim, gostaria de agradecer aos profissionais da saúde, cientistas e governantes que têm trabalhado muito para garantir a saúde e combater a pandemia. Eles têm toda a admiração e apoio desta ex-moradora de rua.

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40 a 59 anos Distrito Federal Ensino Médio Completo Mulher Cis Parda

“Com a chegada do Covid-19, conheci a depressão e a ansiedade”

Eu sou Gilmara, mais conhecida como Juma, apelido que ao longo dos anos se transformou meu nome social. E é assim que prefiro ser chamada. 

Minha história não tem nada a ver com as narrativas mostradas em novelas ou em contos de literatura. Ela vem imbuída de uma realidade incrivelmente assustadora e cativante. Como qualquer criança, também tinha meus sonhos e fantasias. Mas muito cedo, mais precisamente com dez anos, tive de lidar com situações demasiadas complexas para uma criança, como por exemplo o falecimento de minha mãe, que aconteceu durante uma de suas saídas solitárias de Alexânia, local onde morava, próximo a Brasília, cidade que ainda é meu lar.

Passei por uma série de violações de direitos por parte do Estado e tudo se apresentava como um grande obstáculo à minha frente. A mim eram negados os direitos fundamentais: à moradia, à uma boa alimentação, ao lazer, à infância, à segurança, à saúde

Situação de rua

Desde muito cedo tive que aprender a cuidar de mim e, por mais nova que fosse, já entendia a importância de continuar os estudos. Desde aquela época, eu tive a rua como lar e isso durou muitos anos. Ainda em situação de rua, frequentei a escola regularmente até conseguir completar a sexta série do ensino fundamental. Eu passava o dia na instituição, com minha pequena bolsa na qual carregava cadernos, livros, diversos lápis e objetos pessoais, meu verdadeiro “estojo de identidades”.

Morar na rua não era nada fácil, mas eu me reinventava a cada dia e posso dizer que resistência é o meu sobrenome. Passei por uma série de violações de direitos por parte do Estado e tudo se apresentava como um grande obstáculo à minha frente. A mim eram negados os direitos fundamentais: à moradia, à uma boa alimentação, ao lazer, à infância, à segurança, à saúde. Na rua, entendi o motivo pelo qual o uso de drogas se faz tão presente e todas as dores que esse uso esconde.

Posso dizer que ela [minha filha] tem sete pais, pois naquela noite chuvosa sete homens forçaram o livre acesso ao meu corpo. Na época eu tinha apenas 13 anos de idade e os homens eram policiais. Pessoas que, teoricamente, deveriam me proteger, eram os meus algozes

Uma filha, reunião de tudo que era mais bonito e sincero

Neste contexto de violações, tive minha filha, que reunia tudo de mais bonito e sincero que eu tinha dentro de mim. Posso dizer que ela tem sete pais, pois naquela noite chuvosa sete homens forçaram o livre acesso ao meu corpo. Na época eu tinha apenas 13 anos de idade e os homens eram policiais. Pessoas que, teoricamente, deveriam me proteger, eram os meus algozes. 

No ímpeto de querer propiciar um melhor ambiente para o desenvolvimento de minha filha, deixei-a com uma conhecida, com a qual sabia que poderia ofertar um contexto melhor para seu crescimento. Essa foi uma entre tantas decisões difíceis que se materializaram em meu caminho. 

Conheci o trabalho sexual e com ele todo o glamour de se sentir conhecida e bem remunerada. Mas esse período também culminou em uma face mais complexa do uso de drogas. Já estava estabelecendo uma relação problemática com esse consumo e a violência estava cada vez mais presente no meu cotidiano e na rua. 

Justamente neste momento fui presa e digo que, no meu caso, esse fato serviu para despertar em mim a vontade efetiva de mudança. Não existia nada naquele local que me empoderava e eu precisava sair dali, voltar para minha filha.

Foi pensando neste período de minha história que sinto novamente a necessidade de aprofundar meus conhecimentos por meio do ensino superior e vejo neste sonho uma excelente oportunidade para minimizar as vulnerabilidades que passei

Recomeço: trabalho com redução de danos

Ao sair do sistema prisional e, com o passar dos meses, me descobri redutora de danos, profissão que levo comigo até hoje, dezesseis anos depois. A Redução de Danos pegou minha história de vida, experiência, liderança, e sobretudo, a minha vivência com as drogas e fez daquilo um instrumento de trabalho. 

A partir daí comecei a me dedicar ao trabalho com pessoas que fazem uso de drogas. Eu exerço esse trabalho por amor e quero me aprofundar cada vez mais nele. Já com esta grande descoberta de profissão, veio a necessidade de terminar os estudos e consegui. Foi pensando neste período de minha história, que sinto novamente a necessidade de aprofundar meus conhecimentos por meio do ensino superior e vejo neste sonho uma excelente oportunidade para minimizar as vulnerabilidades que passei e uma chance de dar continuidade a outros sonhos.

Com a chegada do Covid-19, conheci a depressão e a ansiedade.(…) Eu não consigo segurar minhas lágrimas e fico agoniada ao pensar em minhas companheiras que estão em situação de rua

Chegada da pandemia e a depressão

Eu sou mãe, avó, ex moradora de rua e ex usuária de drogas. Com a chegada do Covid-19, conheci a depressão e a ansiedade. Passei a usar antidepressivos. Eu não consigo segurar minhas lágrimas e fico agoniada ao pensar em minhas companheiras que estão em situação de rua, com as mulheres que são provedoras de lares tendo que se colocar nas ruas para manter sua sobrevivência. 

Eu, em momento algum, pude me colocar em isolamento pois há um grupo grande de mulheres que são acolhidas por mim. E, apesar de estar nos cuidando desse público, tive a sorte de não me contaminar com o Covid-19. Porém, é grande o sofrimento ao ver algumas de nossas entes queridas morrerem por causa dessa pandemia.

Me nego a ocupar o espaço marginalizado que a sociedade cotidianamente me coloca

Retrato da resistência e da ressignificação de vida

Diante de tudo que aconteceu em minha história, vejo o quão difícil foi chegar aqui, mas não me vitimizo em qualquer momento. Me nego a ocupar o espaço marginalizado que a sociedade cotidianamente me coloca e busco construir um mundo melhor tanto para mim, minha filha e todos os companheiros de rua, tão silenciados pela mediocridade das políticas públicas. Vou seguir realizando meu trabalho na esperança de dias melhores.

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25 a 39 anos Amazonas Ensino Médio Completo Homem Cis Parda

“A pandemia e a enchente em Parintins nos colocou diante da realidade”

Meu nome é Josias Silva, tenho trinta e dois anos e sou natural de Manaus. Há três anos resido em Parintins e em todos eles tenho me dedicado, exclusivamente, à Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso.

Durante esse tempo todo, tivemos felicidades e também muita tristeza, com a chegada da pandemia. Ela pegou todo mundo de surpresa. Infelizmente experimentamos mais a dor da perda do que algum ganho. Ficamos de resguardo em nossas casas, praticamente presos, sem poder fazer nada, sem poder respirar. Infelizmente perdemos muitos amigos e familiares. Porém, com a chegada da vacina, tudo pode voltar ao normal. Não totalmente, mas aos poucos a gente vai voltando ao normal. 

Durante a pandemia, ainda com o cenário de mortes, eu pude ter uma felicidade: a chegada da minha filha Luna, que foi o presente que Deus me deu. Ela é o amor maior da minha vida, a maior felicidade que eu tive.

“Essa fama de o Caprichoso ser o “Boi da elite” é falsa. Na realidade, de perto, vimos as dores, as necessidades do povo da nação azul e branca”

De cara com a realidade: pandemia e enchente em Parintins

Em relação ao Boi Bumbá Caprichoso, o que eu tenho a dizer é só felicidade. Porém, enfrentamos a pandemia e a enchente em Parintins e isso nos colocou frente a frente com a realidade do povo Caprichoso. Essa fama de o Caprichoso ser o “Boi da elite” é falsa. Na realidade, de perto, vimos as dores, as necessidades do povo da nação azul e branca. 

Com a enchente e a pandemia, muitas pessoas que trabalham com artes no Boi-Bumbá Caprichoso não puderam elaborar seus projetos e, com isso, não puderam ter dinheiro para sustentar suas famílias. Então o Boi Caprichoso fez várias ações, como o evento do dia das mães e as atividades com o povo que mora na região alagada pela enchente. Levamos o Boi até as pessoas que sofreram com o isolamento da pandemia para dar um pouco de alegria e esperança. 

E como eu falei anteriormente, a vacina nos trouxe esperança. Há pouco tempo, tivemos uma festa no curral do Boi-bumbá Caprichoso. Nela, pudemos extravasar, dizer que, felizmente, a vencemos, estamos vencendo. Foi aquela mistura de sentimentos: ao mesmo tempo em que a gente estava feliz, extravasando, por estar todo mundo vacinado, também sentimos tristeza por aqueles que já não estão com a gente porque morreram de Covid-19.

Eu peço a todos aqueles que ainda não se vacinaram que se vacinem. A vacina é a única esperança que a gente tem para voltarmos à normalidade. Também peço a você que se vacinou que continue se cuidando: dê conselhos para os amigos e familiares que não se vacinaram para se vacinarem. A vacina é a única esperança que temos de dias melhores.

Temos que ter consciência de tudo aquilo que perdemos e deixamos de valorizar para que possamos, novamente, ver o brilho de nossa festa. Temos que dar mais valor aos outros, ter mais amor em nosso coração e união. 

Espero que em 2022 tenhamos vitórias, prosperidade e que seja um ano de vitória também para o nosso Boi-Bumbá Caprichoso, com a realização do Festival, no qual trabalhadores possam voltar aos galpões e levar o sustento para suas famílias.

Volta do Festival só com vacinação

Estou muito feliz por fazer parte dessa família do Boi Caprichoso e só com a vacina podemos realizar o próximo Festival Folclórico de Parintins e, com ele, fazer com que a economia do nosso município volte a crescer. 

Espero que essa vida [de pandemia] tenha ficado para trás e que, com a vacina, possamos ter dias melhores. Espero que em 2022 tenhamos vitórias, prosperidade e que seja um ano de vitória também para o nosso Boi-Bumbá Caprichoso, com a realização do Festival, no qual trabalhadores possam voltar aos galpões e levar o sustento para suas famílias. Espero que seja um ano de muitas vitórias para nação azul e branca.

Por isso, vacinem-se, continuem se cuidando, cuidem de suas famílias, de seus amigos para que a gente possa se encontrar nesse festival de 2022, que promete ser um dos melhores.

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60 anos ou mais Amazonas Ensino Médio Completo Mulher Cis Parda

“A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico”

Eu sou Maria Auxiliadora Pereira e Silva, mais conhecida como Dora Caprichoso. Trabalho no Curral [da Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso] há vinte anos. Comecei [no setor de] serviços gerais e hoje sou diretora do Curral, desde 2016.

A pandemia me trouxe uma tristeza muito grande pois fui obrigada a me ausentar do Curral. Passar meses fora daqui foi a maior tristeza que senti. Fiquei muito abalada quando vi as pessoas morrerem e deixei de assistir o jornal. Foi um desespero, fiquei muito nervosa e acabei trazendo isso para a minha vida. 

Agora já estamos vivendo momentos melhores e espero que não voltemos mais àquela situação. Ainda que o momento mais crítico da pandemia tenha passado, a gente continua a sentir tristeza pelas pessoas que morreram e, dessa forma, a pandemia deixa marca. Perdi amigos queridos e isso me entristece muito. Eu não gosto muito de falar porque sinto uma dor muito grande no meu coração. 

Espero que isso [a pandemia] termine definitivamente. Por ser uma cidade pequena, Parintins foi bastante afetada. Pessoas como eu ficaram desesperadas por não poder trabalhar.

Minha experiência na pandemia

Quando chegou em agosto de 2021, o presidente [do Boi Caprichoso] me perguntou se era hora de voltar ao trabalho e eu retornei ao Curral porque já não aguentava mais o sofrimento de ficar em casa sem poder fazer nada. Muitos sócios queridos do Caprichoso morreram e ao ficar em casa, sem poder fazer nada, me deixava ainda pior. 

Eu espero que, daqui para frente, tudo volte ao normal. Espero que possamos viver como antes, com alegria, com festas. Quero poder passear, tirar um dia para lazer sem a preocupação de não poder estar em determinado lugar por causa do Covid-19.

“A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico, mas se a gente se respeitar e continuar usando a máscara, a gente vai ter um final muito feliz.”

Eu também espero que as pessoas se respeitem uns aos outros, que continuem usando máscara até que tudo isso passe. Se todos colaborarem, a pandemia acaba. Espero que, na idade que estou, não presencie mais uma pandemia dessas. Ela foi tão triste para nossas vidas. Não só pra mim, para todos.

Agora em diante, gostaria que todo mundo respeitasse uns aos outros, continuasse se distanciando, usando máscara, se prevenindo. A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico, mas se a gente se respeitar e continuar usando a máscara, a gente vai ter um final muito feliz.

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18 a 24 anos Amazonas Ensino Superior Completo Homem Cis Prta

“Com a pandemia, tivemos que parar os ensaios e os eventos do Boi Caprichoso”

Eu sou Fabio Gonçalves Modesto, tenho 24 anos e exerço diversas funções no Caprichoso: Pai Francisco, backing vocal da banda Canto Parintins, produção da TV Caprichoso e trabalho na área de Criação de alguns personagens que fazem parte da história do boi e que o tornaram o que ele é hoje: grandioso.

Minha história na Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso começa em 2009, quando eu tinha apenas 12, 11 anos, quando eu era apenas um personagem cênico conhecido apenas como DCC. Eu fazia o papel de uns bichos, era alguma coisa só pra mexer. Com o tempo, em 2010, eu consegui meu lugar de palco como dançarino, participando de algumas coreografias de alegoria do Caprichoso. 

Lembro muito [da apresentação] de Wãnkõ Fiandeira, de 2010, na segunda noite: tinha uma alegoria maravilhosa, uma indumentária linda. Foi um momento mágico, foi quando eu comecei a dançar no Caprichoso.

Em 2011 foi a mesma coisa e, em 2012, eu tive que parar devido a uma cirurgia para retirada do apêndice. Ainda assim, mesmo não atuando na arena, eu não perdi a emoção e participei do evento junto ao público. Conheci a galera pela primeira vez, naquela emoção, naquela muvuca de ser empurrado e gritar pelo Boi Caprichoso. Aquilo ali para mim foi maravilhoso.

Apesar de ter vivido fortes emoções na galera campeã do Caprichoso, emocionada, que ovaciona o boi Caprichoso, eu não me via na galera. Eu me via dentro da arena, atuando em alguma função. E com o tempo vim atuando como dançarino no departamento cênico do Caprichoso, com o Sandro Assayag, que era o coreógrafo na época, de 2013 a 2016. 

“Eu fazia parte [do setor] de lendas e rituais indígenas. Para mim foi maravilhoso poder ter participado dos rituais, das lendas, de ter encarnado alguns personagens dessa história que o Boi Caprichoso levou para a arena”

Em todas as apresentações eu esperava, dava o meu melhor, aprendia as coreografias, tentava fazer o máximo possível para acertar os passos que o Sandro passava para a gente. Com o tempo, eu me integrei ao grupo seleto do Sandro Assayag dentro do Departamento de Artes Cênicas do Caprichoso. 

Eu fazia parte [do setor] de lendas e rituais indígenas. Para mim foi maravilhoso poder ter participado dos rituais, das lendas, de ter encarnado alguns personagens dessa história que o Boi Caprichoso levou para a arena. Foi um momento maravilhoso, um momento que eu jamais vou esquecer como dançarino do Boi. E, se eu fui de fato dançarino do boi, foi porque eu dei o meu máximo. Fiz o máximo para aprender tudo da maneira que me ensinavam, para poder chegar à arena e poder apresentar uma boa coreografia, fazer uma boa apresentação. Porque, de fato, não é só aquele momento, mas sim representa um todo, apesar de a lenda amazônica, de o ritual ser um item, ela diz respeito a um todo. Afinal, é um espetáculo montado para se ganhar as três noites. Então, a gente tem que se dedicar ao máximo.

Com a saída do Sandro do DCC, ficamos na dúvida sobre quem poderia nos guiar. Foi então que Erivan Tuchê nos encaminhou, nos deu orientações de como seguir. Então montamos um grupo de vinte amigos, que sempre participavam do festival, e definimos os personagens. A cena que mais me lembro é a da corte de Dom Sebastião, durante a segunda noite de 2017. 

Aquele momento foi, para nós, maravilhoso. Lembro que o CD deste ano foi incrível, eu amava todas as músicas da “Poética do Imaginário Caboclo”. Participamos de todas as noites, não apenas uma. Se pudéssemos, faríamos a encenação de todas as lendas e todos os rituais indígenas. Eu me lembro de cada detalhe, de a gente reunindo o grupo e chamando as pessoas que já participavam para dançar, para dar o melhor de si, para fazer a parte cênica. Eu me lembro de cada momento, foi incrível. Momentos que nos possibilitam rever amigos, compartilhar alegrias com eles. Em 2017, 2018 e 2019 serviram para juntar os amigos para dar o melhor de nós para o Boi Caprichoso.

“As pessoas falaram: “você é o cara pra ser o Gazumbá do Boi-Bumbá Caprichoso”. E aquilo me deixava muito emocionado, me dava força de fato para atuar com este personagem. Porém, em 2020, veio a pandemia, e não houve festival”

A pandemia e o desejo frustrado de encenar o Gazumbá

No final de 2019, em uma conversa com Ericky Nakanome em Santarém, aventamos a possibilidade de eu ser o Gazumbá [personagem folclórico] do boi Caprichoso. Foi uma conversa amistosa e eu fiquei na expectativa de representar o personagem e a confirmação disso veio no lançamento do tema “Terra, Nosso Corpo, Nosso Espírito”, em 2020. Na ocasião, as pessoas me viram encarnando o personagem Gazumbá, ao lado de Adria, que fez a Catirina, e o Neto Beltrão, que representou o Pai Francisco. As pessoas falaram: “você é o cara pra ser o Gazumbá do Boi-Bumbá Caprichoso”. E aquilo me deixava muito emocionado, me dava força de fato para atuar com este personagem. Porém, em 2020, veio a pandemia, e não houve festival. 

“Pensamos muito em como os artistas deveriam estar neste ano sem o festival. Eles sofreram demais financeiramente com a falta do festival, já que ele aquece a economia do município”

Os artistas, as lives e a espera por um novo momento

De fato a pandemia representou uma quebra para todos os artistas. Para nós, que somos amantes do festival, aquilo também foi uma quebra. 

Poder realizar o festival é uma maneira de extravasar um amor, uma paixão que a gente tem por um Boi de pano. É um amor genuíno, um amor autêntico. E a pandemia fez a gente pensar demais se era isso mesmo que deveria ocorrer, não ter os Bois. 

Foi então que surgiram as lives. Nessas lives do Boi Caprichoso, a banda Canto Parintins foi muito convidada e, logicamente eu, sendo backing vocal da banda, sempre participava. Foram esses momentos que eu tive para extravasar. 

Ainda assim, fazer de casa não tinha a mesma emoção de estar participando na área. Era só banda, cantores e alguns convidados especiais. Logicamente que havia uma produção por trás das câmeras, mas pensamos muito em como os artistas deveriam estar neste ano sem o festival. Eles sofreram demais financeiramente com a falta do festival, já que ele aquece e faz crescer a economia do município de Parintins. É desse sustento que as pessoas se mantêm ao longo do ano. E, com a pandemia, tivemos que parar os ensaios e os eventos do Boi Caprichoso e aguardar o próximo Festival de Parintins. 

“Que possamos chegar perto e poder amar, de novo, o Boi-Bumbá”

Na expectativa da volta do Festival

Espero que tudo corra tão bem que o próximo Festival possa acontecer. Que a gente possa receber a todos, que os brasileiros e brasileiras possam vir a Parintins e brincar de Boi Bumbá com a gente, que sintam a emoção. De fato, a volta dessa emoção, na verdade, que é o Festival Folclórico de Parintins. E poder chegar perto e poder amar, de novo, o Boi-Bumbá Caprichoso.

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“Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Eu sou Felipe Souza, tenho 23 anos e atuo no Boi-Bumbá Caprichoso há muitos anos. Comecei na Escolinha [de Artes] do Caprichoso cursando percussão. Com o tempo me apaixonei por figurinos de Boi.

Em 2017, aos 17 anos, recebi uma proposta de um amigo para trabalhar como ajudante no Caprichoso. Foi uma experiência muito diferente, eu me senti um pouco realizado ao fazer parte do Festival de Parintins. Em 2018, continuei trabalhando com ele e, no ano seguinte, me convidaram para trabalhar como figurinista: foi mais do que um sonho realizado. Trabalhei com figurinos de ensaio técnico para Cunhã-Poranga [a mulher mais bela da tribo] do Caprichoso, fazendo vários acessórios para ela e foi então que meu nome começou a ser visto.

“O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas”

A pandemia e os eventos on-line

Em 2020 veio a pandemia e nos obrigou a ficar em casa. Foi um momento muito difícil para a vida de muitos artistas e de muitas pessoas que perderam seus entes queridos.

O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas e graças a Deus a minha família não foi afetada e não perdemos nenhum ente querido. Porém, lamento por todas as pessoas que perderam.

Pensávamos que até o final de 2020 as coisas melhorariam. Como o Boi Caprichoso não podia fazer eventos abertos ao público, nós fizemos lives como uma maneira de trazer o Boi-Bumbá para dentro das casas das pessoas, com diversão de forma segura. Foi durante esses eventos que meu nome começou a ser mais conhecido. 

Na live do Festival, por exemplo, eu e meu amigo fizemos a roupa da porta estandarte, Marcela Marialva, e a roupa muito comentada. Fiz uma roupa para Marcielle também, que foi bem falada pelo público e assim o meu nome começou a aparecer. Foi uma felicidade muito grande para mim.

“Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho”

2ª onda da pandemia: reconhecimento do trabalho

Quando achávamos que voltaríamos ao normal, veio a segunda onda da pandemia, que afetou muitas famílias e, novamente, tivemos que ficar em casa para nos proteger. Neste ano fizemos a live do Festival 2021 e nela eu estreei como figurinista solo do Patrick Araújo, que é o atual levantador de toadas. Esse figurino ganhou o prêmio de “figurino destaque” no Caprichoso e eu fiquei muito feliz pela oportunidade. 

Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho. Eu gostaria muito de agradecer a Deus por eu estar aqui e ao Caprichoso por ter me dado essa oportunidade.

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados”

Aprendizado: é preciso valorizar o próximo

Com essa pandemia eu aprendi que é importante valorizar o próximo, valorizar minha família, cuidar das pessoas que eu amo. Percebi que o amanhã só pertence a Deus e que nós precisamos nos cuidar. 

Temos que continuar nos cuidando, usando máscara, álcool gel porque ainda não acabou. Por isso, quem ainda não se vacinou, deve procurar uma unidade de saúde para se vacinar. As vacinas salvam vidas.

Logo logo essa pandemia vai acabar e vamos nos reunir novamente como antes. Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados. Que neste ano consigamos nos unir e fazer um festival maravilhoso e que os artistas possam trabalhar e conseguir o dinheiro que todo mundo conseguia quando nós tínhamos o nosso Festival antes da pandemia.

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“Aprendi a conviver melhor com as pessoas”

Aprendi a conviver mais com os familiares, a entender melhor as dificuldades e anseios das pessoas. Aprendi a olhar pra mim mesmo, fazer uma retrospectiva e buscar uma vida com mais qualidade.

A vacinação, para mim, foi um momento de segurança e esperança: confio plenamente na ciência e na vacina. Meu sentimento ainda é de preocupação, pois as pessoas, a maioria delas, tem um comportamento como se a Covid-19 não existisse mais, o que me faz ficar mais apreensivo.

Por outro lado, o retorno do contato com as pessoas melhora o meu emocional. O futuro vai ser com as pessoas refletindo melhor sobre seus atos, se entendendo melhor e com mais compaixão com os outros. Tenho esperança em ter um controle eficaz da Covid-19.