“Com a pandemia, tivemos que parar os ensaios e os eventos do Boi Caprichoso”

Memória de Fabio Gonçalves Modesto

artista - Parintins, AM
F

Eu sou Fabio Gonçalves Modesto, tenho 24 anos e exerço diversas funções no Caprichoso: Pai Francisco, backing vocal da banda Canto Parintins, produção da TV Caprichoso e trabalho na área de Criação de alguns personagens que fazem parte da história do boi e que o tornaram o que ele é hoje: grandioso.

Minha história na Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso começa em 2009, quando eu tinha apenas 12, 11 anos, quando eu era apenas um personagem cênico conhecido apenas como DCC. Eu fazia o papel de uns bichos, era alguma coisa só pra mexer. Com o tempo, em 2010, eu consegui meu lugar de palco como dançarino, participando de algumas coreografias de alegoria do Caprichoso. 

Lembro muito [da apresentação] de Wãnkõ Fiandeira, de 2010, na segunda noite: tinha uma alegoria maravilhosa, uma indumentária linda. Foi um momento mágico, foi quando eu comecei a dançar no Caprichoso.

Em 2011 foi a mesma coisa e, em 2012, eu tive que parar devido a uma cirurgia para retirada do apêndice. Ainda assim, mesmo não atuando na arena, eu não perdi a emoção e participei do evento junto ao público. Conheci a galera pela primeira vez, naquela emoção, naquela muvuca de ser empurrado e gritar pelo Boi Caprichoso. Aquilo ali para mim foi maravilhoso.

Apesar de ter vivido fortes emoções na galera campeã do Caprichoso, emocionada, que ovaciona o boi Caprichoso, eu não me via na galera. Eu me via dentro da arena, atuando em alguma função. E com o tempo vim atuando como dançarino no departamento cênico do Caprichoso, com o Sandro Assayag, que era o coreógrafo na época, de 2013 a 2016. 

“Eu fazia parte [do setor] de lendas e rituais indígenas. Para mim foi maravilhoso poder ter participado dos rituais, das lendas, de ter encarnado alguns personagens dessa história que o Boi Caprichoso levou para a arena”

Em todas as apresentações eu esperava, dava o meu melhor, aprendia as coreografias, tentava fazer o máximo possível para acertar os passos que o Sandro passava para a gente. Com o tempo, eu me integrei ao grupo seleto do Sandro Assayag dentro do Departamento de Artes Cênicas do Caprichoso. 

Eu fazia parte [do setor] de lendas e rituais indígenas. Para mim foi maravilhoso poder ter participado dos rituais, das lendas, de ter encarnado alguns personagens dessa história que o Boi Caprichoso levou para a arena. Foi um momento maravilhoso, um momento que eu jamais vou esquecer como dançarino do Boi. E, se eu fui de fato dançarino do boi, foi porque eu dei o meu máximo. Fiz o máximo para aprender tudo da maneira que me ensinavam, para poder chegar à arena e poder apresentar uma boa coreografia, fazer uma boa apresentação. Porque, de fato, não é só aquele momento, mas sim representa um todo, apesar de a lenda amazônica, de o ritual ser um item, ela diz respeito a um todo. Afinal, é um espetáculo montado para se ganhar as três noites. Então, a gente tem que se dedicar ao máximo.

Com a saída do Sandro do DCC, ficamos na dúvida sobre quem poderia nos guiar. Foi então que Erivan Tuchê nos encaminhou, nos deu orientações de como seguir. Então montamos um grupo de vinte amigos, que sempre participavam do festival, e definimos os personagens. A cena que mais me lembro é a da corte de Dom Sebastião, durante a segunda noite de 2017. 

Aquele momento foi, para nós, maravilhoso. Lembro que o CD deste ano foi incrível, eu amava todas as músicas da “Poética do Imaginário Caboclo”. Participamos de todas as noites, não apenas uma. Se pudéssemos, faríamos a encenação de todas as lendas e todos os rituais indígenas. Eu me lembro de cada detalhe, de a gente reunindo o grupo e chamando as pessoas que já participavam para dançar, para dar o melhor de si, para fazer a parte cênica. Eu me lembro de cada momento, foi incrível. Momentos que nos possibilitam rever amigos, compartilhar alegrias com eles. Em 2017, 2018 e 2019 serviram para juntar os amigos para dar o melhor de nós para o Boi Caprichoso.

“As pessoas falaram: “você é o cara pra ser o Gazumbá do Boi-Bumbá Caprichoso”. E aquilo me deixava muito emocionado, me dava força de fato para atuar com este personagem. Porém, em 2020, veio a pandemia, e não houve festival”

A pandemia e o desejo frustrado de encenar o Gazumbá

No final de 2019, em uma conversa com Ericky Nakanome em Santarém, aventamos a possibilidade de eu ser o Gazumbá [personagem folclórico] do boi Caprichoso. Foi uma conversa amistosa e eu fiquei na expectativa de representar o personagem e a confirmação disso veio no lançamento do tema “Terra, Nosso Corpo, Nosso Espírito”, em 2020. Na ocasião, as pessoas me viram encarnando o personagem Gazumbá, ao lado de Adria, que fez a Catirina, e o Neto Beltrão, que representou o Pai Francisco. As pessoas falaram: “você é o cara pra ser o Gazumbá do Boi-Bumbá Caprichoso”. E aquilo me deixava muito emocionado, me dava força de fato para atuar com este personagem. Porém, em 2020, veio a pandemia, e não houve festival. 

“Pensamos muito em como os artistas deveriam estar neste ano sem o festival. Eles sofreram demais financeiramente com a falta do festival, já que ele aquece a economia do município”

Os artistas, as lives e a espera por um novo momento

De fato a pandemia representou uma quebra para todos os artistas. Para nós, que somos amantes do festival, aquilo também foi uma quebra. 

Poder realizar o festival é uma maneira de extravasar um amor, uma paixão que a gente tem por um Boi de pano. É um amor genuíno, um amor autêntico. E a pandemia fez a gente pensar demais se era isso mesmo que deveria ocorrer, não ter os Bois. 

Foi então que surgiram as lives. Nessas lives do Boi Caprichoso, a banda Canto Parintins foi muito convidada e, logicamente eu, sendo backing vocal da banda, sempre participava. Foram esses momentos que eu tive para extravasar. 

Ainda assim, fazer de casa não tinha a mesma emoção de estar participando na área. Era só banda, cantores e alguns convidados especiais. Logicamente que havia uma produção por trás das câmeras, mas pensamos muito em como os artistas deveriam estar neste ano sem o festival. Eles sofreram demais financeiramente com a falta do festival, já que ele aquece e faz crescer a economia do município de Parintins. É desse sustento que as pessoas se mantêm ao longo do ano. E, com a pandemia, tivemos que parar os ensaios e os eventos do Boi Caprichoso e aguardar o próximo Festival de Parintins. 

“Que possamos chegar perto e poder amar, de novo, o Boi-Bumbá”

Na expectativa da volta do Festival

Espero que tudo corra tão bem que o próximo Festival possa acontecer. Que a gente possa receber a todos, que os brasileiros e brasileiras possam vir a Parintins e brincar de Boi Bumbá com a gente, que sintam a emoção. De fato, a volta dessa emoção, na verdade, que é o Festival Folclórico de Parintins. E poder chegar perto e poder amar, de novo, o Boi-Bumbá Caprichoso.

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