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18 a 24 anos Distrito Federal Ensino Médio Completo Mulher Cis Prta

“A pandemia me trouxe muito medo, mas me trouxe a esperança”

Meu nome é Sendy. Tenho 22 anos, sou goiana, mulher preta e lésbica. Sou usuária de drogas, filha de moradores de rua, moro em casa alugada na Ceilândia, periferia do Distrito Federal.

Alguns meses antes de começar a pandemia, minha vida estava começando a se alinhar financeiramente, mas, com a chegada do vírus e o distanciamento social, eu acabei sendo dispensada do trabalho. 

Perdi minha mãe muito nova, infelizmente e, com isso, tive muitas responsabilidades desde cedo. Eu e meus irmãos ajudávamos minha avó nos serviços e responsabilidades em casa. Uma das nossas principais responsabilidades era cuidá-la. Minha avó tinha depressão devido ao imenso sofrimento que teve diante das tentativas de tirar minha mãe das drogas e da rua. Infelizmente, essa história acabou em desastre: minha mãe foi assassinada em 2014. 

Na época, eu não conhecia meu pai e com a morte da minha mãe, passei a ter medo de não poder conhecê-lo e esse medo só aumentava com o passar dos anos. Em 2016, minha madrasta encontrou minha irmã e eu pelas redes socias. Ela falou sobre a realidade em que vivia e que meu pai estava privado de liberdade. 

Em 2017, minha avó faleceu. Com isso, eu e minha irmã tivemos que morar com minha madrasta. Moramos juntas de 2017 a 2019, ano em que tentei morar sozinha. Porém, com a pandemia, tive dificuldade em me manter e voltei a morar com elas.

Quando a pandemia começou, em 2020, os riscos do vírus dentro do sistema prisional eram grandes. Por isso, após alguns meses, o meu pai estava em casa morando com a gente. Todos estávamos muito felizes, mas com o vírus circulando e o isolamento social, tivemos que passar a maioria do tempo dentro de casa e com o passar dos meses a convivência foi se tornando complicada. 

A saúde mental de todos estava abalada com tantas dificuldades: dificuldades de pagar as contas em dia; dificuldade de uma fonte de renda fixa…O pouco que conseguíamos receber era para pagar as contas de casa e essa situação ficou assim por um período.

A cada encontro eu aprendo algo com todos, todas e todes. Acredito que da mesma forma aprendem comigo também. É sempre uma troca de experiência e saberes.

Dias melhores virão

Nessa época, a minha madrasta conheceu uma organização não governamental (ONG) Tulipas do Cerrado. Eu sempre via uma alegria muito grande quando minha madrasta falava sobre as Tulipas do Cerrado. Ela sempre me falava que era uma rede de acolhimento entre mulheres, que eu deveria conhecer também. 

Com o passar do tempo, elas começaram a fazer seus encontros de convivência e de autocuidado, seguindo as recomendações de segurança dos Órgãos de Saúde para prevenir a infecção pelo vírus da Covid-19. 

Em um dado momento, decidi participar de um desses momentos. Essa escolha mudou muito a minha vida, positivamente. A cada dia que eu estava junto com as Tulipas, eu tive crescimento pessoal, comecei a ter mais empatia com o outro, olhar para tudo e para todos de uma forma diferente da que eu estava acostumada, estive aberta a entender um pouco da realidade de todas as pessoas assistidas pela ONG: trabalhadoras sexuais, mulheres trans, pessoa em situação de rua, usuários de Drogas, demais pessoas da comunidade LGBTQIAP+. 

A cada encontro eu aprendo algo com todos, todas e todes. Acredito que da mesma forma aprendem comigo também. É sempre uma troca de experiência e saberes. Há alguns meses, estive na minha primeira formação em redução de danos e dali em diante fiquei mais interessada em querer estar mais perto e em ajudar no cuidado de pessoas que conheceram e estiveram junto da minha mãe, na rua.

Hoje faço parte de projetos voltados para o cuidado na perspectiva da redução de danos junto à ONG Tulipas do Cerrado e ao Coletivo Aroeira. O Aroeira trabalha com redução de danos e Agroecologia Urbana. A cada dia me encontro mais nessa caminhada. 

São esses projetos que me ajudam financeiramente para eu conseguir pagar meu aluguel. Como eu tinha dito, a convivência na casa  com meu pai e minha madrasta não estava boa. Conversamos e foi decidido que era melhor eu e minha irmã morarmos juntas em outra casa, pois a situação não estava boa pra ninguém. 

São esses projetos dos quais eu faço parte que me ajudam financeiramente. Posso afirmar que meu ingresso nesses projetos mudou bastante a minha vida. Eles me trouxeram uma melhora pessoal. 

A pandemia me trouxe muito medo de tudo, mas ao mesmo tempo me trouxe a esperança de acreditar que dias melhores virão e que é nisso que temos que acreditar. 

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18 a 24 anos Distrito Federal Ensino Superior Incompleto Mulher Cis Parda

“Na pandemia fiquei desempregada e agora sobrevivo de bicos”

Meu nome é Letícia e tenho 21 anos. Sou mulher cis, parda, lésbica e residente da Ceilândia/Distrito Federal. 

Antes do início da pandemia, trabalhava formalmente e estava me licenciando em geografia. Durante a pandemia, fiquei desempregada e, por motivos principalmente financeiros, precisei trancar a faculdade. 

Durante a pandemia,  tive que me inserir no trabalho informal, no qual fiquei trabalhando por um ano, tendo muitas dificuldades.

A pandemia e o isolamento social para mim foram processos difíceis, que dificultaram as relações, especialmente a convivência dentro de casa. 

Atualmente estou desempregada e sobrevivo de “bicos”, sem contar com o apoio financeiro de ninguém. Estou em busca de me reinserir no mercado de trabalho e na tentativa de voltar a estudar. 

Busco minha independência financeira e em breve ser professora de geografia. Espero que tudo isso acabe, que as pessoas voltem a ter suas vidas como eram antes da pandemia, liberdade e seu sustento. 

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18 a 24 anos Amazonas Ensino Superior Completo Homem Cis Prta

“Com a pandemia, tivemos que parar os ensaios e os eventos do Boi Caprichoso”

Eu sou Fabio Gonçalves Modesto, tenho 24 anos e exerço diversas funções no Caprichoso: Pai Francisco, backing vocal da banda Canto Parintins, produção da TV Caprichoso e trabalho na área de Criação de alguns personagens que fazem parte da história do boi e que o tornaram o que ele é hoje: grandioso.

Minha história na Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso começa em 2009, quando eu tinha apenas 12, 11 anos, quando eu era apenas um personagem cênico conhecido apenas como DCC. Eu fazia o papel de uns bichos, era alguma coisa só pra mexer. Com o tempo, em 2010, eu consegui meu lugar de palco como dançarino, participando de algumas coreografias de alegoria do Caprichoso. 

Lembro muito [da apresentação] de Wãnkõ Fiandeira, de 2010, na segunda noite: tinha uma alegoria maravilhosa, uma indumentária linda. Foi um momento mágico, foi quando eu comecei a dançar no Caprichoso.

Em 2011 foi a mesma coisa e, em 2012, eu tive que parar devido a uma cirurgia para retirada do apêndice. Ainda assim, mesmo não atuando na arena, eu não perdi a emoção e participei do evento junto ao público. Conheci a galera pela primeira vez, naquela emoção, naquela muvuca de ser empurrado e gritar pelo Boi Caprichoso. Aquilo ali para mim foi maravilhoso.

Apesar de ter vivido fortes emoções na galera campeã do Caprichoso, emocionada, que ovaciona o boi Caprichoso, eu não me via na galera. Eu me via dentro da arena, atuando em alguma função. E com o tempo vim atuando como dançarino no departamento cênico do Caprichoso, com o Sandro Assayag, que era o coreógrafo na época, de 2013 a 2016. 

“Eu fazia parte [do setor] de lendas e rituais indígenas. Para mim foi maravilhoso poder ter participado dos rituais, das lendas, de ter encarnado alguns personagens dessa história que o Boi Caprichoso levou para a arena”

Em todas as apresentações eu esperava, dava o meu melhor, aprendia as coreografias, tentava fazer o máximo possível para acertar os passos que o Sandro passava para a gente. Com o tempo, eu me integrei ao grupo seleto do Sandro Assayag dentro do Departamento de Artes Cênicas do Caprichoso. 

Eu fazia parte [do setor] de lendas e rituais indígenas. Para mim foi maravilhoso poder ter participado dos rituais, das lendas, de ter encarnado alguns personagens dessa história que o Boi Caprichoso levou para a arena. Foi um momento maravilhoso, um momento que eu jamais vou esquecer como dançarino do Boi. E, se eu fui de fato dançarino do boi, foi porque eu dei o meu máximo. Fiz o máximo para aprender tudo da maneira que me ensinavam, para poder chegar à arena e poder apresentar uma boa coreografia, fazer uma boa apresentação. Porque, de fato, não é só aquele momento, mas sim representa um todo, apesar de a lenda amazônica, de o ritual ser um item, ela diz respeito a um todo. Afinal, é um espetáculo montado para se ganhar as três noites. Então, a gente tem que se dedicar ao máximo.

Com a saída do Sandro do DCC, ficamos na dúvida sobre quem poderia nos guiar. Foi então que Erivan Tuchê nos encaminhou, nos deu orientações de como seguir. Então montamos um grupo de vinte amigos, que sempre participavam do festival, e definimos os personagens. A cena que mais me lembro é a da corte de Dom Sebastião, durante a segunda noite de 2017. 

Aquele momento foi, para nós, maravilhoso. Lembro que o CD deste ano foi incrível, eu amava todas as músicas da “Poética do Imaginário Caboclo”. Participamos de todas as noites, não apenas uma. Se pudéssemos, faríamos a encenação de todas as lendas e todos os rituais indígenas. Eu me lembro de cada detalhe, de a gente reunindo o grupo e chamando as pessoas que já participavam para dançar, para dar o melhor de si, para fazer a parte cênica. Eu me lembro de cada momento, foi incrível. Momentos que nos possibilitam rever amigos, compartilhar alegrias com eles. Em 2017, 2018 e 2019 serviram para juntar os amigos para dar o melhor de nós para o Boi Caprichoso.

“As pessoas falaram: “você é o cara pra ser o Gazumbá do Boi-Bumbá Caprichoso”. E aquilo me deixava muito emocionado, me dava força de fato para atuar com este personagem. Porém, em 2020, veio a pandemia, e não houve festival”

A pandemia e o desejo frustrado de encenar o Gazumbá

No final de 2019, em uma conversa com Ericky Nakanome em Santarém, aventamos a possibilidade de eu ser o Gazumbá [personagem folclórico] do boi Caprichoso. Foi uma conversa amistosa e eu fiquei na expectativa de representar o personagem e a confirmação disso veio no lançamento do tema “Terra, Nosso Corpo, Nosso Espírito”, em 2020. Na ocasião, as pessoas me viram encarnando o personagem Gazumbá, ao lado de Adria, que fez a Catirina, e o Neto Beltrão, que representou o Pai Francisco. As pessoas falaram: “você é o cara pra ser o Gazumbá do Boi-Bumbá Caprichoso”. E aquilo me deixava muito emocionado, me dava força de fato para atuar com este personagem. Porém, em 2020, veio a pandemia, e não houve festival. 

“Pensamos muito em como os artistas deveriam estar neste ano sem o festival. Eles sofreram demais financeiramente com a falta do festival, já que ele aquece a economia do município”

Os artistas, as lives e a espera por um novo momento

De fato a pandemia representou uma quebra para todos os artistas. Para nós, que somos amantes do festival, aquilo também foi uma quebra. 

Poder realizar o festival é uma maneira de extravasar um amor, uma paixão que a gente tem por um Boi de pano. É um amor genuíno, um amor autêntico. E a pandemia fez a gente pensar demais se era isso mesmo que deveria ocorrer, não ter os Bois. 

Foi então que surgiram as lives. Nessas lives do Boi Caprichoso, a banda Canto Parintins foi muito convidada e, logicamente eu, sendo backing vocal da banda, sempre participava. Foram esses momentos que eu tive para extravasar. 

Ainda assim, fazer de casa não tinha a mesma emoção de estar participando na área. Era só banda, cantores e alguns convidados especiais. Logicamente que havia uma produção por trás das câmeras, mas pensamos muito em como os artistas deveriam estar neste ano sem o festival. Eles sofreram demais financeiramente com a falta do festival, já que ele aquece e faz crescer a economia do município de Parintins. É desse sustento que as pessoas se mantêm ao longo do ano. E, com a pandemia, tivemos que parar os ensaios e os eventos do Boi Caprichoso e aguardar o próximo Festival de Parintins. 

“Que possamos chegar perto e poder amar, de novo, o Boi-Bumbá”

Na expectativa da volta do Festival

Espero que tudo corra tão bem que o próximo Festival possa acontecer. Que a gente possa receber a todos, que os brasileiros e brasileiras possam vir a Parintins e brincar de Boi Bumbá com a gente, que sintam a emoção. De fato, a volta dessa emoção, na verdade, que é o Festival Folclórico de Parintins. E poder chegar perto e poder amar, de novo, o Boi-Bumbá Caprichoso.

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18 a 24 anos Amazonas Branca Ensino Médio Completo Homem Cis Sem categoria

“Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Eu sou Felipe Souza, tenho 23 anos e atuo no Boi-Bumbá Caprichoso há muitos anos. Comecei na Escolinha [de Artes] do Caprichoso cursando percussão. Com o tempo me apaixonei por figurinos de Boi.

Em 2017, aos 17 anos, recebi uma proposta de um amigo para trabalhar como ajudante no Caprichoso. Foi uma experiência muito diferente, eu me senti um pouco realizado ao fazer parte do Festival de Parintins. Em 2018, continuei trabalhando com ele e, no ano seguinte, me convidaram para trabalhar como figurinista: foi mais do que um sonho realizado. Trabalhei com figurinos de ensaio técnico para Cunhã-Poranga [a mulher mais bela da tribo] do Caprichoso, fazendo vários acessórios para ela e foi então que meu nome começou a ser visto.

“O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas”

A pandemia e os eventos on-line

Em 2020 veio a pandemia e nos obrigou a ficar em casa. Foi um momento muito difícil para a vida de muitos artistas e de muitas pessoas que perderam seus entes queridos.

O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas e graças a Deus a minha família não foi afetada e não perdemos nenhum ente querido. Porém, lamento por todas as pessoas que perderam.

Pensávamos que até o final de 2020 as coisas melhorariam. Como o Boi Caprichoso não podia fazer eventos abertos ao público, nós fizemos lives como uma maneira de trazer o Boi-Bumbá para dentro das casas das pessoas, com diversão de forma segura. Foi durante esses eventos que meu nome começou a ser mais conhecido. 

Na live do Festival, por exemplo, eu e meu amigo fizemos a roupa da porta estandarte, Marcela Marialva, e a roupa muito comentada. Fiz uma roupa para Marcielle também, que foi bem falada pelo público e assim o meu nome começou a aparecer. Foi uma felicidade muito grande para mim.

“Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho”

2ª onda da pandemia: reconhecimento do trabalho

Quando achávamos que voltaríamos ao normal, veio a segunda onda da pandemia, que afetou muitas famílias e, novamente, tivemos que ficar em casa para nos proteger. Neste ano fizemos a live do Festival 2021 e nela eu estreei como figurinista solo do Patrick Araújo, que é o atual levantador de toadas. Esse figurino ganhou o prêmio de “figurino destaque” no Caprichoso e eu fiquei muito feliz pela oportunidade. 

Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho. Eu gostaria muito de agradecer a Deus por eu estar aqui e ao Caprichoso por ter me dado essa oportunidade.

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados”

Aprendizado: é preciso valorizar o próximo

Com essa pandemia eu aprendi que é importante valorizar o próximo, valorizar minha família, cuidar das pessoas que eu amo. Percebi que o amanhã só pertence a Deus e que nós precisamos nos cuidar. 

Temos que continuar nos cuidando, usando máscara, álcool gel porque ainda não acabou. Por isso, quem ainda não se vacinou, deve procurar uma unidade de saúde para se vacinar. As vacinas salvam vidas.

Logo logo essa pandemia vai acabar e vamos nos reunir novamente como antes. Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados. Que neste ano consigamos nos unir e fazer um festival maravilhoso e que os artistas possam trabalhar e conseguir o dinheiro que todo mundo conseguia quando nós tínhamos o nosso Festival antes da pandemia.

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18 a 24 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Maranhão Mulher Cis Raça/Cor

“As empresas e os brancos se sentiram no direito de jogar lixo e dejetos hospitalares dentro do território e perto de nossos igarapés”

Sou Djelma Viana Guajajara, do povo Guajajara e especificamente da Família Viana. Minha família descende de meu bisavô, o fundador da Terra Indígena Rio Pindaré, dando início na criação da Aldeia Januária, que hoje é a Aldeia “mãe” ou a maior. Atualmente, na terra indígena Rio Pindaré conta-se 8 Aldeias, obtendo uma quantidade de quase 3 mil indígenas em todo o território. 

Há contaminação e todos os outros problemas que nós enquanto indígenas sofremos diariamente; nessa nova pandemia, isso só nos afetou mais ainda.

Foto de Djelma Guajajara, que acompanha relato que denuncia o lixo e os dejetos hospitalares que jogado dentro do território indígena e perto dos igarapés.

É que empresas e os brancos que moram nas proximidades se sentiram no direito de jogar lixo e dejetos hospitalares dentro do território e perto de nossos igarapés, que é de onde tiramos o nosso sustento.

De mãos atadas para retirar ou barrar o lixo

Isso tudo nos afetou de forma opressora e humilhante. Estávamos lutando contra um monstro invisível que é a Covid-19: para que não chegasse aos nossos anciãos; que não matasse de vez a nossa cultura. Nos sentíamos com as mãos atadas, sem poder tomar nenhuma medida para retirar o lixo. Ou então, ao menos, barrar o lixo.

Além disso, a Covid-19 ainda tirou nossa calma e nos mostrou uma realidade totalmente diferente e sombria dentro das comunidades. Pois estávamos acostumados com o nosso dia-a-dia dentro da aldeia, de brincar com nossos parentes ou até mesmo ir pescar, caçar – isso agora está proibido! Não podemos mais nem ver o parente, não podemos mais praticar nossos rituais e não iremos mais visitar nossos anciãos para aprender ou ouvir mais uma história vividas por eles.

Essa pandemia está sendo, no momento, uma das lutas mais difíceis e dolorosas a enfrentar. Pois, mesmo que lutamos bastante, esse vírus entrou em nosso território retirando três anciãos de nós e deixando todos assustados e ameaçados por algo invisível. Uma luta tão difícil, em que o afeto de amor e carinho está sendo demonstrado da pior forma possível. 

História de luta

Nossa luta vem sendo travada desde a vinda do meu bisavô. Ele veio parar aqui após a fuga de um conflito com madeireiros, fazendeiros e outros invasores da época. Meu pai conta que meu bisavô fugiu do conflito em um forno de fazer farinha, que ele usou para descer o rio junto com seu irmão.

Pois bem, essa é um pouco da história do meu território. Uma terra atualmente demarcada. Porém, isso não quer dizer que não há invasão. Porque sim, há.

Como vou pedir a benção dos meus avós !?

Como vou preservar minha cultura, sem praticá-la e sem estar perto de meus grandes livros de aprendizagem, meus anciãos?

Tantos questionamentos surgem acompanhados de lágrimas e uma dor que sentimos toda vez que pensamos que perdemos parentes e anciãos para a Covid-19. Nós, enquanto indígenas, que sempre estivemos juntos nas lutas, fomos obrigados a ficar trancados. E tudo isso me revolta mais ainda.

Isso tira meu sossego, porém me dá a certeza que devo lutar, lutar como meu bisavô, como minha bisavó, como meus avós e meus pais, e assim resistir. Eu sou a continuidade de uma luta de quem me antecedeu.

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18 a 24 anos Ensino Fundamental Incompleto Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Paraná Parda Raça/Cor

“Espero que logo a gente possa sorrir, e não apenas com os olhos”

Eu sou Diego Ferreira, militante do Movimento Sem Terra (MST) do Estado do Paraná. Para nós do MST, muita coisa mudou por causa da pandemia. Acho que a gente nunca viveu isso , especialmente em ter que adotar o uso da máscara e o uso do álcool em gel. Sentimos falta do aperto de mão, do abraço no companheiro quando a gente se encontrava no meio da rua, da família.

Hoje foi preciso parar de visitar a família e dos parentes nos visitar. A nossa rotina do MST, os acampados e os assentados da reforma agrária, do trabalho, a quarentena, a produção de alimentos… tudo mudou! Pois esses alimentos eram produzidos para a comercialização, consumo e doação. Isso para a campanha de solidariedade que o MST criou no início da pandemia Já doamos, aqui no norte do Paraná, cerca do 100 toneladas de alimentos, por exemplo.

O que eu, Diego, levo de ensinamento da pandemia é a solidariedade e o trabalho voluntário. Tem muita gente cuidando do próximo. Lembrando que é importante cuidar da gente também.

O vírus, que até hoje não sabemos como funciona, como ele age, nos deixa preocupados. Mas vamos fazer a nossa parte e contribuir nos fortalecendo e torcendo para que forças médicos e cientistas evoluam na busca da vacina contra a Covid-19. E que possamos, logo em frente, nos abraçar, apertar as mãos e sorrir, e não apenas com os olhos.

E é isso aí! Um grande abraço e até a próxima!

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18 a 24 anos Bahia Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Mulher Cis Raça/Cor

“Passei a não assistir mais aos jornais e procurava não ler sobre o assunto”

Desde dezembro de 2018 participo do Projeto Cunhataí Ikhã ( Meninas na Luta), do qual sou uma das monitoras da região Norte da Bahia. O objetivo do projeto é estimular que as meninas indígenas reconheçam os seus direitos e deveres, que elas possam lutar por todos eles e façam suas próprias escolhas. E um dos principais objetivos é que a menina indígena tenha os 12 anos de educação escolar completos.

Teríamos a formação de 60 meninas indígenas, porém com a chegada do vírus ao nosso país ficou impossível acontecer, pois são meninas de todo o estado da Bahia. Diante disso estamos realizando encontros onlines todas as quintas, manter o vínculo durante a pandemia, e nossas coordenadores nos traz temas interessantes a serem discutidos. 

Em maio de 2020, aqui em minha comunidade foi realizada uma reunião pelo CONTAM (Conselheiros Tuxá da Aldeia Mãe), que ficaria restrito o acesso à nossa comunidade. No portão ficava uma pessoa para monitorar a entrada somente de indígenas e entregas de alimentos ou gás.

O portão era aberto às 06h da manhã e fechado às 22h da noite. Porém, foi por um período muito curto. Entretanto, algumas famílias tiveram que continuar com suas atividades para assim poderem colocar comida em suas mesas. Já outras tiveram que permanecer em casa, pois suas atividades foram suspensas para evitar aglomerações.

Para suprir as necessidades da comunidade, principalmente de quem ficou desempregado na pandemia, a Funai, em parceria com a Conab, disponibilizou a entrega de cestas básicas para a comunidade e cada família foi contemplada com duas cestas básicas.

Covid-19 na aldeia

Eu achava que esse vírus não chegaria na comunidade, até que chegou, e, a partir de então, começou a mexer com meu psicológico. Eu já estava a morrer de medo, todas as noites tinha pesadelos e não conseguia mais dormir direito. Passei a não assistir mais aos jornais e procurava não ler mais nada que tivesse relação com notícias de mortes sobre o vírus.

Sabemos que todo cuidado é pouco, mas, mesmo com toda cautela, o primeiro caso na nossa aldeia surgiu no mês de setembro. Graças ao bom Deus o homem em questão tomou todas as medidas preventivas para que o vírus não proliferasse e se curou.

Aulas remotas

Em relação à universidade, como as aulas presenciais tinham sido suspensas, a coordenadora, junto com os professores, resolveram fazer um projeto (Ação Pedagógica) com a turma, que durou três meses. Não foi fácil, pois éramos acostumados a nos vermos, a termos contato físico e, de uma hora para outra, estávamos lá nos olhando através de uma tela. Mas cada um conseguiu desenvolver do seu jeito, sendo orientados pelos professores.

No mês de novembro do corrente ano, as aulas voltaram de forma remota e teremos 45 dias de aulas. Um meio que para muitos parecia que seria fácil, está sendo complicado. Muitas pessoas não têm acesso à rede de internet e, mesmo para quem tem, a rede não pega tão bem, prejudicando, assim, o estudante em participar das aulas ou fazer os devidos trabalhos.

Sabemos que vai ser difícil essa pandemia acabar, mas eu anseio que tudo acabe bem, que todos venham a sair com vida e esperança para um mundo melhor.

Me chamo Joana Darc Apako Caramuru Tuxá, tenho 23 anos e sou indígena. Moro na Aldeia Tuxá – Mãe, município de Rodelas, norte da Bahia, nordeste brasileiro. Sou filha de Lucy Meire Sena do Nascimento (indígena) e José Humberto Alvino de Souza (não indígena). Atualmente estou cursando o IV período da Liceei-Uneb (Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena – Universidade do Estado da Bahia – CAMPUS VIII), em Paulo Afonso-BA.

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18 a 24 anos Bahia Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Mulher Cis Raça/Cor

“Meu sonho é voltar formada para cuidar da saúde do meu povo”

Sou estudante de Fisioterapia na Universidade Federal da Bahia e dentro da universidade busco quebrar estereótipos e falar sobre a saúde indígena nos diferentes espaços. Faço parte do grupo de pesquisa PET Comunidades Indígenas, onde debatemos as temáticas indígenas, como saúde, território, educação e outros. No PET, faço parte do Observatório de Saúde Indígena onde fazemos atividades e pesquisas voltadas para essa área.

Neste momento de pandemia me encontro em minha aldeia, aguardando as aulas presenciais para retornar a Salvador. Me formaria este ano, mas devido a pandemia isso não foi possível. Aulas online foram oferecidas pela universidade, porém na área da saúde as últimas disciplinas são práticas, não podendo ser oferecidas no semestre online. 

Atualmente, tenho me focado na minha loja online de artesanatos, criada como forma de divulgar a cultura e beleza da arte indígena e como uma forma de renda para me manter estudando em Salvador. Durante a pandemia a procura pelos artesanatos se tornou maior. 

Hoje, o meu sonho é poder retornar para minha comunidade formada e cuidar da saúde do meu povo, foi o motivo pelo qual escolhi um curso de saúde.

Me chamo Wany Tuxá, sou indígena do povo Tuxá, minha aldeia fica localizada no sertão baiano, às margens do velho Chico. Venho de uma família de lideranças indígenas dentro da minha comunidade e cresci na luta do meu povo que teve seu território inundado pela construção de uma barragem. Hoje ainda lutamos pela demarcação do nosso território.

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18 a 24 anos Ceará Ensino Médio Completo Mulher Cis Prta

“As atividades do MTST nos territórios ficaram mais intensas”

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) sempre atuou nos territórios com diversas ações, fossem elas solidárias ou culturais. Em função da pandemia, essas atividades ficaram mais intensas.

Iniciamos uma vakinha online para que conseguíssemos comprar cestas básicas e produtos de higiene. Contamos também com doações de produtos, fabricamos e distribuímos máscaras, organizamos uma cozinha comunitária e realizamos sarais virtuais.  

Eu sempre fui uma militante ativa: participava de todas as atividades e, na pandemia, também não fiquei parada. Então, participei de todas as atividades, entreguei cesta básica e produtos de higiene, distribuí máscaras, organizei e apresentei quase todos os sarais.  

Antes de mais nada, fazer a distribuição de coisas tão básicas era como levar alegria para aquelas famílias.

Foto enviada por Maria Eduarda Rodrigues, em que aparecem duas pessoas com uma bandeira do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. A foto acompanha relato da Memória Popular da Pandemia sobre as atividades do MTST na como a distribuição de máscaras e cestas.

Não podíamos nos abraçar por conta da pandemia, mas nós comunicávamos através de olhares, sorrisos escondidos pelas máscaras e um “MUITO OBRIGADA!”.

É uma certeza de que não podíamos nos tocar e muito menos nos ver fisicamente, mas esses agradecimentos já enchiam o coração de esperança.  

Em conclusão, a pandemia trouxe o agravamento da falta de coisas que já tinham antes, como a falta da política pública na saúde e na habitação. Mas nada disso nos desanimou, pelo contrário, só nós deu mais motivos pra lutar. 

Leia também:

“Surgiu um convite para a cozinha comunitária. Aceitei na hora. Queria ajudar e fazer parte de algo” – Maria Antonia Rodrigues | Dona de casa – Pacatuba (PE)

“Me aproximei oferecendo o celular pra fazer o pedido do auxilio emergencial do governo” – Luciana Paiva Coronel | Professora – Porto Alegre, RS

“Deixa quem quiser chamar de assistencialismo. Eu digo que é uma emergência, fome tem pressa” – Vânia Rosa | Presidente do Coletivo Rua Solidária – São João de Meriti, RJ

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18 a 24 anos Branca Ensino Superior Incompleto Mulher Cis Pernambuco

“A adaptação não foi fácil. Tive momentos de estresse, nostalgia, e uma sensação de estar dentro de um círculo se fechando ao meu redor”

A princípio, a adaptação a esse novo contexto de distanciamento social e isolamento não foi fácil. Principalmente no início. Sobretudo, tive que me habituar com o fato de não poder abraçar as pessoas que gosto, sendo que o abraço para mim é algo tão natural e espontâneo.  

Por gostar de estar sempre em movimento, engajada com atividades, o período mais difícil para mim foi o isolamento nos meses de pico da pandemia. 

Do mesmo modo, durante o isolamento, tempo em que fiquei praticamente sem sair de casa, no meio rural, sem contato com outras pessoas para além da minha família, tive momentos de muito estresse.

Às vezes, senti nostalgia, e uma sensação de estar dentro de um círculo se fechando ao meu redor. 

Adaptação da rotina

Sou mulher rural, estudante, feminista e integrante do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Pernambuco (MMTR-PE),

O período dentro de casa implicou em muitas coisas. Tive que me readaptar e reorganizar toda minha rotina, seja de estudos ou de trabalho. Não foi fácil, pois tive que assumir parte das atividades domésticas. Além da responsabilidade com meus dois irmãos mais novos, um de 7 e outro de 8 anos. 

Em meio a tudo isso, e enfrentando as limitações e algumas dificuldades, consegui me manter, sempre que possível e mesmo que de forma virtual, participando do movimento, estudando e trabalhando. Isso foi fundamental para preservar tanto minha saúde emocional quanto física.