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18 a 24 anos Ensino Médio Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“Além de estarem presos, eles não falavam português, (…) não sabiam porque estavam isolados”

Meu nome é Deirys Ramos e pertenço à etnia indígena Warao. Sou da Venezuela e durante esse tempo tenho trabalhado como mediadora cultural.

Eu tive Covid-19 e me contagiei no meu trabalho, atuando com migrantes venezuelanos, com meus conterrâneos. Meu trabalho consistia em explicar como fazer a prevenção contra o vírus, mas com a proximidade física que tínhamos diariamente eu acabei tendo Covid-19. 

No momento que peguei Covid-19 eu não me dei conta, pensava que era cansaço por causa do trabalho, mas pouco tempo depois meus olhos já não me deixavam trabalhar porque ardiam muito. Fiz um teste rápido e deu positivo. Nunca imaginei ficar contagiada por Covid-19. 

Eu não me sentia cansada, tinha ânimos para seguir trabalhando. Eu respirava bem e fisicamente não me doía nada, mas não conseguia ver bem e isso me afetou bastante.

Tivemos que estar fechados em um lugar que fazia muito calor e a minha filha de cinco anos se sentia como se estivesse presa. Ela me perguntava se havia feito algo de mal

Isolamento

Como eu estava com Covid-19 e vivia em um abrigo, minha família e eu tivemos que ficar em isolamento. Isso nos afetou bastante, principalmente a minha filha de cico anos porque tivemos que estar fechados em um lugar que fazia muito calor e a minha filha de cinco anos se sentia como se estivesse presa. Ela me perguntava se havia feito algo de mal. Foi muito traumático. 

Ela teve que ir a psicólogos também, chorava bastante e pensava que não gostavam dela por causa do isolamento, porque ainda que não estivesse com Covid-19, como ela estava com nós, ela teve que ficar isolada também. 

Além de nós, outra família estava isolada. Era uma mãe e seu filho que passavam por um periodo e luto por causa da morte do esposo/pai. Eles estavam sofrendo o luto pela morte de um familiar muito próximo.

Além de estarem presos, eles não podiam se comunicar porque não falavam português. Por isso, não sabiam a razão pela qual seu esposo/pai havia morrido e tampouco sabiam porque estavam isolados. Eu tentava explicar, mas a comunicação não era boa. Ao vê-los chorar, minha filha, a mais velha, ficou traumatizada. Ela pensava que as pessoas não gostavam de nós. Foi muito traumático para ela. 

Essa experiência me fortaleceu bastante porque conseguimos atuar rápido. Em menos de três dias soube que tinha me contagiado e tomei as medidas necessárias para evitar mais contágios e superar a doença. A experiência me encheu de muita fé, fé e esperança ao ver que nem minha filha, nem meu esposo apresentavam os sintomas do Covid-19. 

Em alguns momentos eu senti medo de que a doença pudesse ficar mais grave e isso me ensinou a não esquecer das medidas de proteção, de manter sempre a máscara, de respeitar as pessoas que estão com máscara também. Agora entendo  e estou muito feliz de ver que as pessoas usam o álcool gel nas mãos e se cuidam.

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Observação: o relato acima, em português, foi uma tradução livre do relato feito originalmente em espanhol. Abaixo está o conteúdo original.

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“Aparte de estar encerrados, ellos no entendían el portugués.  (…) No sabían por qué estaban aislados” 

Mi nombre es Deirys Ramos y pertenezco a la etnia indígena Warao. Soy de Venezuela y en estos momentos he trabajado como mediadora cultural.

Yo tuve Covid-19 y me contagié en mi trabajo con los migrantes venezolanos, con mis paisanos. Mi trabajo consistía en explicarles cómo hacer la prevención contra el virus pero el acercamiento diario a ellos hizo que yo también tuviera Covid-19. 

Al momento no me di cuenta, pensaba que el cansancio era normal, pero al poco tiempo mis ojos ya no me permitían trabajar, me ardían mucho. Hice la prueba rápida y dió positivo. Nunca imaginé estar contagiada de Covid-19.

No me sentía cansada, tenía ánimos de seguir trabajando.Yo respiraba bien y físicamente no me dolía nada, pero lo en los ojos se me notaban, no podía ver bien y me afectó bastante.

Tuvimos que estar encerrados en un lugar que hacía mucho calor y mi hija de cinco años se sentía como si estuviera presa y me preguntaba si había hecho algo malo

Aislamiento

Como yo estaba con Covid-19 y vivía en un abrigo, mi familia y yo tuvimos que estar aislados. Eso nos afectó bastante, principalmente mi hija de cinco años porque tuvimos que estar encerrados en un lugar que hacía mucho calor y ella se sentía como si estuviera presa, me preguntaba si había hecho algo malo. Fue muy traumático. 

Ella tuvo que estar con los psicólogos también, lloraba bastante, creía que no la querían por el aislamiento, porque aunque no estuviera con Covid-19, ella estaba con nosotros y tuvo que ser aislada también. 

Además de nosotros, otra familia estaba aislada. Era una madre y su hijo que sufrían el duelo por la muerte de su esposo. Ellos estaban sufriendo el duelo de haber fallecido a un familiar muy cercano. 

Aparte de estar encerrados, ellos no podían comunicarse porque no entendían el portugués.  No sabían la razón por la cuál su esposo y padre había muerto y tampoco por qué estaban aislados. Yo les trataba de explicar, pero la comunicación no se daba. Al verlos llorar, mi hija, la mayor, se traumó. Ella pensaba que las personas no nos querían. Fue muy, muy traumático para ella.

Esa experiencia me fortaleció bastante porque logramos actuar rápido. En menos de tres días me di cuenta de que estaba contagiada y tomé las medidas necesarias para evitar más contagios y lograr superar la enfermedad.  La experiencia me llenó de mucha fe también, Fe y esperanza al ver que ni mi hija ni mi esposo presentaban síntomas. 

En algunos momentos sentí miedo a que la enfermedad pudiera agravarse y fue lo que me ha dejado una gran enseñanza: de no olvidar las medidas de protección; de mantener siempre el tapabocas; de respetar aquellas personas que lo tienen. Ahora entiendo y estoy muy contenta de ver que las personas se echan gel en la mano y se cuidan.

Relato de Deirys Ramos, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“Nós, indígenas Kariña, só tivemos acesso aos remédios naturais”

Meu nome é Zulay Martínez, tenho 45 anos e sou indígena Kariña. Faz três anos qu estou no espaço Ka’Ubanoko e, sim, tive Covid-19. 

Eu fui atendida por representantes da organização “Médicos Sem Fronteiras”. Eles fizeram o primeiro atendimento que incluíma me levar a um espaço que fica atrás da Petrix e eu não aceitei. 

Na minha família, minha mãe, minhas filhas e eu tivemos Covid-19 e meu pai cuidou de nós com remédio caseiro. Nós, indígenas Kariña, só tivemos acesso aos remédios naturais.

Passei 21 dias com febre e acho que estive a ponto de morrer. Não conseguia respirar, perdi o olfato e não comia. Tudo foi muito crítico para mim. 

O pior momento foi quando eu não conseguia nem sequer ir ao banheiro porque não respirava bem, não conseguia me levantar. Minhas filhas tiveram que me dar banho. 

Todos os dias meu pai preparava remédios caseiros, de diferentes formas e eu consegui vencer o Covid-19. Ele preparava: sálvia com limão. Fazia uma espécie de poção e colocava um pouco de mel. Eu não usei medicamentos recomendados pelos médicos porque não quis. 

Mensagem

Tanto para os migrantes indígenas como para os que não são, para todos os venezuelanos, eu digo que tomem todas as precauções necessárias para a prevenção do Covid-19. 

Quando estive com Covid-19, nós vivíamos em um abrigo e vejo que é preciso se cuidar porque nem todas as pessoas levam isso a sério, usam máscaras. Mas é muito importante usar máscaras, álcool em gel e lavar as mãos. 

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Observação: o relato acima, em português, foi uma tradução livre do relato feito originalmente em espanhol. Abaixo está o conteúdo original.
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Versión original en español: Nosotros, indígenas Kariña, solo teníamos acceso a unos remedios naturales”

Mi nombre es Zulay Martínez, tengo 45 años y soy indígena Kariña. Hace tres años que estoy en el espacio Ka’Ubanoko y sí, ¡tuve Covid-19! 

Fui atendida por representantes de la organización “Médicos Sin Fronteras”. Ellos hicieron los primeros auxilios que incluía recogerme en el espacio que queda detrás de Petrix y no lo acepté. 

En mi familia, mi madre, mis hijas y yo tuvimos Covid-19 y mi padre nos cuidó con remedio casero. Nosotros, indígenas Kariña, solo teníamos acceso a unos remedios naturales.

Durante 21 días, tuve fiebre y creo que estuve a punto de morirme. No podía respirar, había perdido el olfato, no comía. Todo fue muy crítico para mí. 

El peor momento fue cuando no lograba ni siquiera ir al baño porque no respiraba bien. No podía levantarme. Mis hijas tenían que irse entre las dos a bañarme. 

Todos los días mi padre preparaba remedios caseros, de diferentes formas y logré superar el Covid-19. Él preparaba: sábila y limón. Era algo como un brebaje con un poco de miel. No consumí medicinas recomendadas por el médico porque no quise. 

Sobre la vacuna, ya voy por la segunda dosis. Pero superé todo con las medicinas naturales que mi padre preparaba.

Mensaje

Tanto para los migrantes indígenas como para los criollos, para todos los venezolanos, les digo que tomen todas las provisiones necesarias, todas las provisiones necesarias para la prevención del Covid-19. 

En la época que estaba con Covid-19 vi que es importante que nos cuidemos. Hay personas no toman en cuenta a raíz de las mascarillas. Pero es muy importante usar las mascarillas, el alcohol en gel y lavarse las manos. 

Relato de Zulay Romana, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Ensino Médio Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“Tudo da pandemia foi algo alarmante e inesperado para as comunidades indígenas”

Meu nome é Yoli Silva, sou indígena Warao, de Amacuro, na Venezuela, e tenho 34 anos. Faço parte do grupo de Tuxauas aqui em Boa Vista, no abrigo Jardim Floresta.

Vivo no Brasil há três anos, mas em Boa Vista estou há oito meses, desde dezembro do ano passado, quando me transferiram de Pacaraima. 

Tudo da pandemia foi algo alarmante e inesperado para as comunidades indígenas. Algo que nenhum ser humano estava esperando. No início da pandemia, em 2020, foi terrível. O medo consumiu todas as pessoas dentro do abrigo de Pacaraima, onde eu estava com outros indígenas.

Ida a Boa Vista

No dia 15 de abril de 2020, meu pai testou positivo para a Covid-19 e foi transferido de Pacaraima para Boa Vista, no Hospital Geral (HGR). Eu o acompanhei e fui levada para outro alojamento do Exército, onde estavam as pessoas ou familiares que eram trazidos de Pacaraima para cá. 

No abrigo para acompanhante das pessoas contaminadas, em Boa Vista, o exército nos proibiu de irmos à cidade, de fazer compras. Sempre tínhamos que usar máscaras, manter distância. Então nós mesmos começamos a preparar remédios, com as plantas medicinais e limão. Esses medicamentos naturais foram muito bons para curar os sintomas do Covid-19 e eu, graças a Deus, nunca fui contaminada. 

Meu pai ficou 15 dias internado e foi entubado. Eu só soube disso quando tinha voltado a Pacaraima por um tempo para cuidar dos meus filhos que estavam sozinhos. Quando meu pai voltou para casa, ele estava muito magrinho, muito delicado. Ele se cansava muito e tinha dificuldade para respirar. 

Vacinação

Estou vacinada com a primeira dose e me falta a segunda. Minha esperança é a de que tudo melhore, que todos se previnam, tenham um cuidado maior com a saúde.

Relato de Yoli Silva, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Ensino Médio Completo Homem Cis Indígena Roraima

“Nem todas as pessoas se vacinaram. Nossos parentes que fazem parte de missões evangélicas não tomaram a vacina”

Meu nome é Maurício Ye’kwana, sou diretor da Hutukara Associação Yanomami. Sou do povo Ye’kwana, morador da Terra Indígena Yanomami. Tenho 36 anos. 

A pandemia foi o maior pesadelo de todo mundo. Ela chegou a nós indígenas pelos invasores da Terra Indígena Yanomami, que trabalham no garimpo ilegal. Em um segundo momento, o Covid-19 chegou via profissionais de saúde que entram a cada quinzena, a cada mês em nossas comunidades. 

A pandemia nos trouxe um impacto muito grande, alterou o comportamento de toda a comunidade. Nós moramos em casa de família, com todos juntos e tivemos que nos separar para evitar contágio. 

Mortes na comunidade

Em nossa comunidade, quatro pessoas morreram, entre eles dois sábios que tinham idade mais avançada. Nós indígenas não temos o costume de registrar o que se fala, o que acontece. Para nós, quem faz anotações é quem tem preguiça, é quem tem facilidade de esquecer. A pessoa que entende, que sabe, não registra, aprende de memória para justamente multiplicar depois. Então as mortes das pessoas sábias é algo que não se recupera em um curto espaço de tempo. 

Perdemos também profissionais que nós confiávamos, que eram guardas que trabalharam desde 1990. Ficamos de luto, a comunidade geral parou. Ficamos quase um mês sem fazr nada, ser ir para a roça. Temos que respeitar esse processo. 

Quando acontece isso na comunidade, nós não consumimos carne, né?! Essas coisas assim. De peixe também. Tem que ter todo respeito! Ficar de dieta geral.

Vacinação x missão evangélica

Nós acreditamos na vacina. No começo, falaram que a vacina era ilusão, mas depois que todos tomaram a segunda dose da Corona Vac, as mortes cessaram. Aí vimos a importância da vacinação.

Nem todas as pessoas se vacinaram. Nossos parentes que fazem parte de missões evangélicas não tomaram a vacina. Essa corrente negacionista deixa a nossa situação ainda mais complicada. 

Os invasores entram e saem a hora que quiserem de nossas terras. Isso acontece também porque a Funai está parada.

Na pandemia, tudo parou. Só o garimpo que avançou

A pandemia trouxe mais problemas. Houve um aumento de invasores nas Terras Yanomamis e, com o aliciamento de jovens e lideranças para atuarem no garimpo e, os nossos povos ficam ainda mais vulneráveis à Covid-19. Nossos parentes se contaminam no garimpo e trazem a doença para nossa comunidade. 

Os invasores entram e saem a hora que quiserem de nossas terras. Isso acontece também porque a Funai [Fundação Nacional do Índio] está parada. Na pandemia, tudo ficou parado, menos o garimpo ilegal.

“Fora Garimpo, Fora Covid”

No ano passado nós fizemos a campanha virtual “Fora Garimpo, Fora Covid”. Fizemos diversas entrevistas com pessoas que tinham popularidade, convidamos atrizes, atores e pessoas com influência. 

Fui a Boa Vista (RR) e Manaus (AM) para seguir desenvolvendo campanhas contra o garimpo. Quando denunciamos o garimpo, os garimpeiros nos perseguem, aliam nossos jovens para que indiquem onde estamos. Temos que ter bastante cuidado. 

A nossa luta não vai parar. Vamos continuar denunciando o Estado Brasileiro porque ele não tem o mínimo respeito com os povos indígenas

Não podemos abaixar nossas cabeças

Nós sabíamos que a pandemia viria. Nossos pajés sempre diziam isso. E nós, como lideranças, aprendemos com os sábios que não podemos abaixar nossas cabeças. 

Essa doença não era para nós, era para pessoas que não respeitam a natureza. Porém, todas seremos afetadas. Então a nossa luta aqui é chamar a atenção das pessoas que causam a pandemia. Chamar atenção das pessoas do próprio Governo e do Estado também, que é causador de tudo isso que está acontecendo. 

O Movimento Indígena está ativamente defendendo nossos direitos e as nossas conquistas. Os nossos direitos, que sejam reconhecidos pelo Estado, pelo governo próprio também. E a nossa luta não vai parar. Vamos continuar denunciando o Estado Brasileiro porque ele não tem o mínimo respeito com os povos indígenas. O que ele quer é que nos integremos ao Estado, mas nós temos nossa cultura, danças, tradições e não vamos deixar de ser indígenas.

Relato de Maurício Ye’kwana, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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60 anos ou mais Indígena Mulher Cis Prefiro não informar Roraima

“Com 100 anos minha mãe venceu o Covid-19”

Eu sou Anita de Almeida, tenho 75 anos, sou indígena da etnia Wapichana e estou ao lado da minha mãe. Minha mãe tem 100 anos e venceu o Covid-19. 

Ela ficou com Covid-19 em junho de 2020. Teve muita diarreia, febre e cansaço. Eu e minha irmã a curamos com remédio caseiro. Ninguém soube onde ela pegou a doença. Ela não saía de casa. Ela tinha 99 anos quando contraiu a doença e agora ela vai completar 101. 

Mesmo vencendo a doença, ela ficou com sequelas: sente muita dor no quadril e toma remédio todos os dias para diminuir essa dor. Além disso, está perdendo a visão e a audição. Buscamos especialistas para analisar sua visão e eles disseram que a retina da minha mãe está comprometida. Ela não vai mais conseguir recuperar a visão. 

Além disso, depois que a minha mãe adoeceu, não podemos mais deixá-la sozinha. Contratamos uma menina para fazer almoço, limpar a  casa porque minha mãe não pode fazer nada.

Superação: kit Covid-19 e remédios caseiros

Eu também fiquei com Covid-19. Devo ter pego a doença da minha mãe e foi a minha filha que cuidou de mim. Não cheguei a ficar internada. Fui ao médico e ele receitou ivermectina e cloroquina e eu tomei. Mas me curei mesmo após tomar o remédio caseiro. Era uma mistura de sálvia do campo com mel. Também tomávamos, tanto eu quanto minha mãe, água de coco com inhame e maçã. Assim fomos curadas. 

Em nenhum momento ficamos tristes porque nós temos um médico que é o médico dos médicos. Em nenhum momento a gente se desesperou.

Mas perdemos muito também. A minha irmã morreu de Covid-19 em 1° de junho. A gente fica triste por perder uma pessoa, um ente querido. Mas minha mãe é forte e hoje estamos aqui.

O jovem não acredita na pandemia

Já tomei a segunda dose da vacina. Temos que acreditar na medicina. Eu conheço gente que não acredita, que não vai tomar a vacina. Meu filho e minha nora pegaram o Covid-19 e mesmo assim se negam a tomar a vacina. 

O pessoal que mora aqui não acredita na pandemia. Ignora os hospitais lotados. O povo quer saber de sair, de farrear, de beber e não é assim. Tem muita gente morrendo e o povo não acredita, principalmente a juventude. O jovem não acredita, mas nós temos que acreditar porque essa pandemia ainda não acabou, ainda não passou e temos que nos resguardar.

Relato da mãe

Meu nome é Helena Leocádio da Silva, tenho 100 anos. Fiquei com as cadeiras doendo, depois as costelas. Mas tomei remédio e passou. Quando minha filha morreu, eu senti sua falta. Ainda estou sentindo muito a sua falta. Ela era tão nova.

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18 a 24 anos Ensino Médio Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“A pandemia tirou o meu abraço”

Meu nome é Glauciely Castro, eu tenho 19 anos e sou da etnia Macuxi. 

Quando penso na pandemia, a primeira coisa que me vem à cabeça é a morte da minha tia Margarida. Eu era muito próxima dela e foi muito doído porque foi muito rápido. Um dia ela estava falando que sentia falta de ar e, de repente, foi ao hospital. Lá, ficamos orando por ela, para que ela melhorasse. Porém, veio a notícia de sua morte. Foi muito triste. Ela foi a primeira pessoa que eu perdi!

Eu já tinha pegado Covid-19 e foi horrível. Não conseguia respirar. E a partir de então, vi que em tudo a gente tem que dar valor, até o ar que a gente respira. Quando minha tia estava no hospital, eu pensava: “eu estou respirando e ela está agonizando”. Por isso, eu tenho que dar mais valor para a minha vida.

Tomamos todos os cuidados para não pegar a doença: usava máscaras, quase não saíamos, passávamos álcool em gel em tudo, seguíamos todas as orientações, mas aconteceu.

Eu fico pensando: “meu Deus, pedi tanto por isso?” É assim como outros parentes meus. Mas eu costumo pensar que quando a gente está triste ou com muita raiva, a gente não consegue ver Deus em momento algum. 

Eu fiquei procurando onde me segurar e me segurei na minha fé, em mim mesma. Eu busquei a esperança, acreditar que essa situação possa melhorar.

Luto

Minha tia morreu em um domingo de agosto. Desde então, todos os domingos pensamos nela. Quando eu soube de sua morte, eu soube que nunca mais a vida voltaria a ser como era antes. A gente fica com uma cicatriz, ainda que siga em frente. 

Minha tia amou todas as vezes que podia amar, ela se se jogou na vida. Agora quando eu penso nela, penso em momentos felizes. 

Penso também nos abraços que a pandemia nos tirou. Abraçar era algo que ela gostava muito de fazer e eu não pude abráça-la. O abraço é uma coisa muito importante!

Antes eu conseguia me concentrar nas coisas que eu ia estudar, agora eu perco muito fácil a concentração

Síndrome pós-Covid

Não sei se a gente pode falar que é síndrome pós-Covid, mas depois que tive a doença, fiquei com muita ansiedade. Isso piora e é um cansaço o tempo todo. A gente rende menos do que a gente rendia antes! Antes eu conseguia me concentrar nas coisas que eu ia estudar, agora eu perco muito fácil a concentração. Eu me esforço muito para fazer o meu melhor, mas eu sei que prejudicou de alguma forma o meu rendimento!

Fora Bolsonaro!

O que eu tenho a dizer é: fora Bolsonaro! 

E, também, queria falar que é para as pessoas não perderem a esperança na vida. Nunca todo mundo vai estar totalmente bem, mas é preciso se cuidar. E, se puder, buscar a ajuda de um psicólogo, fazer terapia! Isso é algo que eu quero fazer.

Relato de Glaucielly Castro, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Indígena Mulher Cis Roraima

“Só com a vacina todos estarão imunizados”

Olá, meu nome é Francivania Leocaldio, tenho 41 anos e sou da etinia Wapixana. Trabalho como auxiliar administrativo e tenho dois filhos.

O principal impacto da pandemia na minha vida foi a morte da minha mãe, em junho de 2021. Ainda que sua morte tenha ocorrido em junho de 2021, ela teve Covid-19 em maio do ano anterior e conseguiu se recuperar. Porém, ela teve várias sequelas e com o tempo acabou não resistindo. 

Sua morte mudou totalmente a rotina da família, porque ela era a base de tudo. Ficamos sem chão e ainda estamos encontrando forças para seguir a vida, tentando lembrar dos momentos bons com ela, de seus ensinamentos. 

Além da minha mãe, que morreu das sequelas do Covid-19, perdi também um tio. Ele chegou a ser internado, intubado e não resistiu à doença. Isso foi em março de 2021, quando ainda não havia vacinas. Por isso, é importante que haja vacinas para todos, para que essa pandemia acabe logo. 

Contaminação

Ainda que só meu tio e minha mãe tenham morrido em decorrência do vírus, em casa todos fomos contaminados e eu fui a que mais sentiu a doença. Eu fiquei quase um mês sem andar e por opção, não quis ir ao hospital. Na minha cabeça, ir ao hospital era morrer lá. 

Então eu me mediquei com remédios naturais e industrializados. Durante esse tempo, fiquei muito cansada, não aguentava andar, eu me arrastava para ir ao banheiro.

No momento mais crítico, eu me preocupei por meus filhos. Mas, graças a Deus, ainda estou aqui para contar essa história.

Futuro: medos e esperanças

Com a morte de pessoas queridas por causa da doença, passamos a valorizar mais a família. Houve uma união maior entre nós e sempre falamos: “Ninguém sabe o amanhã! Ninguém sabe se vai estar aqui, então vamos viver o hoje!”.

O meu filho mais novo tem seis meses de vida  e nasceu prematuro. Meu medo é que, com a volta às aulas, ele possa pegar a doença de alguém, dos outros filhos meus que vão à escola. Se isso acontecer, ele não vai resistir porque o pulmão dele é muito fraco.

Eu penso muito nos meus filhos, já que a criança não sabe o perigo que está correndo. Nós, adultos, ainda nos protegemos com álcool gel, mas não se pode controlar as crianças na escola. Lá elas vão brincar e interagir com outras pessoas e podem ser contaminadas com o Covid-19. 

A mensagem que deixo aqui é sobre a importância da vacinação. Só com a vacina todos estarão imunizados.

Relato de Francivânia Leocádio, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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14 a 17 anos Ensino Fundamental Incompleto Indígena Mulher Cis Roraima Sem categoria

“Só com a vacina é nosso dia a dia pode voltar ao normal”

Meu nome é Elen Lorraine Leocádio da Silva, eu tenho 14 anos e sou da etnia Wapixana.

A pandemia chegou de repente. Foi um susto! A primeira coisa que fizemos quando vimos que os primeiros casos de Covid-19 tinham chegado em Roraima foi ir ao interior do Estado para se isolar. Fomos eu e os meus primos e ficamos no interior por cerca de duas semanas.

Não só eu, mas muitas outras pessoas presenciaram a morte de pessoas queridas e, com tudo isso, deveriam ter consciência. A gente vê por aí muitas pessoas que não estão se importando com a pandemia, como se ela não existisse.

Contaminação

Depois desse tempo, voltamos para a cidade porque queríamos voltar às nossas casas. E, quando voltamos, todo mundo pegou Covid-19. 

O meu caso não foi tão grave, mas foi forte. Eu fiquei com vários sintomas como dor de cabeça, febre e calafrios. Eu acredito que tenha me contaminado pela minha mãe, que é jornalista e teve que acompanhar a situação da pandemia nos hospitais. 

Como todos em casa estavam com Covid-19, minha avó trouxe um chá, um remédio caseiro e foi assim que me recuperei. Porém, outras pessoas da minha família não tiveram a mesma sorte: meu tio e meus avós morreram. Meu tio chegou a ser internado e entubado, mas não resistiu e meu avô morreu recentemente também. 

Porém, a morte da minha avó foi a que mais me doeu. É muito difícil a gente perder alguém que ama e a minha avó foi uma das pessoas mais importantes na minha vida. Ela tinha apenas 63 anos, era muito nova. 

Não só eu, mas muitas outras pessoas presenciaram a morte de pessoas queridas e, com tudo isso, deveriam ter consciência. A gente vê por aí muitas pessoas que não estão se importando com a pandemia, como se ela não existisse. Talvez porque não tiveram nenhuma perda, porque se elas tivessem perdido alguém, elas teriam mais consciência sobre isso!

Eu acho muito bonito tudo que os profissionais estão fazendo e já vinha pensando em fazer medicina. Depois que a minha avó adoeceu, eu tive certeza que eu queria fazer medicina!

Educação e pandemia

Seguir estudando durante a pandemia, com o fechamento das escolas, foi muito difícil. Praticamente não se aprende nada nas aulas pelo celula. A gente tem aula pelo Google Meet, todos os dias, de diferentes matérias. É uma dificuldade participar das aulas! Eu quase não aprendo nada, mas eu tento. Eu leio muitos livros para tentar compreender a atividade. Estou cursando o nono ano do Ensino Fundamental e as aulas na escola onde estudo voltaram apenas para os anos do Ensino Médio. Houve muitos casos da Covid-19 lá e por isso eles tiveram que fechar a escola. Estudo na Escola Estadual Monteiro Lobato. 

No futuro, eu penso em fazer faculdade de medicina! Eu acho muito bonito tudo que os profissionais estão fazendo e já vinha pensando em fazer medicina. Depois que a minha avó adoeceu, eu tive certeza que eu queria fazer medicina!

A esperança está na vacinação

Quando começou a pandemia eu tive muitas crises de ansiedade. Eu não saia, não via pessoas, eu não conversava e isso afetou o meu psicológico. Acredito que muitas pessoas estão passando pelo que eu passei, mas quando todos se vacinarem, esse contexto será minimizado. 

Eu já tomei a segunda dose da vacina já. Na minha família nem todos acreditam na vacina. Isso é um problema! A vacina é muito importante em nossa vida e só com a vacinação é que nosso dia a dia vai voltar ao normal. Ainda que minha família não acredite nos efeitos da vacina, eu estou colocando toda minha confiança nela! Espero que a gente possa viver como era antes.

Relato de Elen Lorraine, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Amazonas Ensino Médio Completo Indígena Mulher Cis Sem categoria

A pandemia afetou as mulheres indígenas

A pandemia chegou e não conseguimos mais ter esse lucro de vendas. E, também, nós da comunidade, para tentar prevenir à Covid-19, acabamos usando muitos remédios caseiros, como raízes, sementes, plantas e folhas.

Meu nome é Gabriele Maraguá Otero, sou do povo Baré. Meu nome indígena é Yra, que significa mel. Sou do município de São Gabriel da Cachoeira (AM), um município onde há a maior predominância de indígenas do Brasil. Onde têm 23 etnias. Eu nasci e cresci no meio da Amazônia, perto do Rio Negro e nos verdes da Amazônia.

Defendo o meu povo como uma Yauaretê, como uma onça. Não só o meu povo, mas as 23 etnias. Sou Técnica de Enfermagem e, atualmente, eu estudo teatro. Sou do Corpo de Dança – CDC Caprichoso, sou ativista e defendo a causa das mulheres artesãs indígenas. No meu município não tem festa de Boi, lá as festas são organizadas por tribo: tribo Baré, tribo Tukano e tribo Filhos do Rio Negro.

Para eu amar o Boi, do jeito que amo hoje… é uma longa história.

Cheguei aqui em Manaus em 2017, e um amigo me chamou pra eu fazer parte da Raça Azul. Eu queria viver essa experiência, queria conhecer mais o Boi. E eu fui lá, participei da galera… e fui amando cada vez mais. E hoje, eu sou uma das dançarinas do CDC. É muito lindo escutar música de Boi, escutar um ritual, os maracás, as flautas, as histórias, contos e lendas, ainda mais as lendas que são esquecidas – aí o Boi levanta e traz a identidade dos povos indígenas.

Eu achei isso muito lindo.

A música do Boi traz a originalidade de cada povo, de cada nação. Nosso passo, em São Gabriel, é um passo tribal, o nome que eles falam aqui é o Oca-Oca, – e para eu aprender foi uma dificuldade imensa.

Eu tive que ensaiar muito, mais ou menos um ano, pra eu poder pegar o gingado, o bailado. Eu ia fazer o teste e falei para a coordenadora, Edinalda. Disse que eu não tinha tanto esse movimento. E ela falou com um amigo dela, o Carlos Vieira, para me ensinar um pouco do ritmo de Boi. Aí foi quando eu fui aprendendo e me adaptando com o gingado, ficando mais solta a jogada de perna.

 A partir disso comecei a me desenvolver na dança. Atualmente, eu moro na comunidade Parque das Tribos, primeiro bairro indígena de Manaus, onde existem mais de 30 etnias. Lá existem as etnias Toto, Munduruku, Tukano, Baré, Dessana e diversas outras.

A pandemia afetou diversas pessoas do meu povo

A pandemia afetou as mulheres indígenas, os senhores artesãos e trabalhadores em vendas. As pessoas que vivem de vendas e artesanato precisam ir para à cidade divulgar e vender os seus produtos. É uma das únicas formas de conseguirmos nosso sustento.

Infelizmente, aqui na comunidade, tiveram várias mortes por causa da Covid-19, como a do nosso Cacique Geral, Messias Kokama – que logo no começo da invasão da comunidade lutou com os policiais do começo ao fim.

Entramos em pânico.

Como é uma doença nova, ninguém sabia como fazer e o que fazer. Nossa única opção era evitar que nosso povo pegasse a doença.

Ainda não estamos em 100%, mas estamos em 40, 50%. Dessa forma, vamos evitar a exposição, usar máscara e colocar álcool em gel.

Ainda espero que, logo quando tudo isso acabar, nós possamos nos abraçar e nos reunir novamente para cartar, dançar e receber aquele calor forte que só o Boi Caprichoso possui.

Se reunir, e todo mundo vacinado, para podermos curtir sem nenhuma preocupação.

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25 a 39 anos Indígena Mulher Cis Prefiro não informar Roraima

“Minha sogra sempre me apoiava e morreu no mesmo dia em que eu consegui um emprego”

Eu sou a Ana Pereira e tenho 26 anos. Eu sou da etnia Wapichana e nasci na Guiana Inglesa. Vim ao Brasil quando tinha cinco anos com minha mãe, depois que meu pai morreu, em busca de uma vida melhor. 

Eu estudei na Tabalascada, onde aprendi a falar português, já que eu falava inglês. Hoje em dia eu falo português, mas esqueci o ingles, é engraçado. 

Quando a pandemia chegou, eu já estava desempregada há três ano e ficou muito mais difícil encontrar trabalho. Com a pandemia, eu não conseguia arranjar emprego por não poder sair. Isso prejudicou a minha vida e a dos meus filhos.Tudo parou: trabalho, estudos.

Fiz faxina, fiz outros trabalhos pontuais para sobreviver. Meu marido pegou Covid e ficou desempregado. Ninguém queria contratá-lo por medo de se contagiar e então a situação ficou ainda mais difícil. 

O que nos ajudou foi a alimentação que a Escola distribuiu. Não tinha tudo o que queríamos, mas não faltou o pão de cada dia na mesa. 

Momento crítico

O pior dia da pandemia foi quando minha sogra morreu. Ela era uma segunda mãe para mim. Era ela que me ajudava com tudo. Ela ajudava todas as pessoas que chegavam pedindo ajuda em sua casa. Ela era muito guerreira. 

Nunca pensei que um dia pudesse passar por isso. Minha sogra era uma ótima pessoa. Ela sempre falava para eu não desistir de procurar emprego e morreu no mesmo dia em que eu consegui um trabalho. Foi muito difícil. Ela não estava com a gente para comemorar. 

Eu e o meu marido estamos tentando levar a vida, já que minha sogra sempre dizia que a vida continua, que não podemos parar. E é por isso que eu vou tomar a segunda dose da vacina e falo para todo mundo se vacinar. Afinal, temos que nos prevenir!

Relato de Ana Pereira, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia