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Descobri o meu diagnóstico de HIV aos 48 anos

Descobri o meu diagnóstico positivo para HIV em 2 de fevereiro de 2007, aos 48 anos. Tanto eu, quanto a minha esposa, nunca soubemos como pegamos.

Meu nome é Robson, tenho 52 anos, e fui criado em Salvador. Fugi de casa aos 7 anos, pois passava por diversos conflitos. Sou fruto de uma relação da minha mãe com um homem casado, por isso, ela foi mãe solteira.

Com o passar dos anos, ela conheceu — e passou a morar — com um cidadão que se tornou o meu padrasto, o mais próximo que tive de um pai.

Naquele tempo, a ideia era de que “um bom psicólogo é uma boa surra”. Fui criado numa família com base evangélica, que apontava tudo como pecado. Eu apanhava bastante.

Fugindo de casa

A partir disso, comecei a ensaiar fugas: fugia para a esquina, depois, de Candeias para Salvador, de Salvador para Itabuna e, com 11 anos, eu estava em São Paulo, sozinho.

Fugia porque apanhava. Depois, comecei a fugir porque não conseguia mais trabalhar. E foi assim que eu aprendi a viver. Por isso, sempre disse para mim mesmo que, quando eu pensasse em colocar filhos no mundo, eles jamais seriam criados por padrastos, mas por mim. Para que eles não passassem pelo que passei.

Conheci minha esposa na Praça José Ferreira, em Fortaleza. Eu, com 22 anos, e ela, com 17. Ela também vivia em situação de rua, e estava toda suja de cola de sapateiro — tinha uma história de vida muito parecida com a minha.

Pelos caminhos da vida

Tivemos 3 filhos. Tenho uma filha lésbica e, acho importante dizer isso porque, apesar da criação evangélica, e de ser evangélico, eu não concordo com o que dizem sobre pessoas como a minha filha — que são lésbicas ou que são ‘diversas’.

Eu entendo que eu devo dar a ela o mesmo que Deus dá: amor e respeito. É nisso que eu acredito.

Aprendi a pensar assim depois que um amigo meu me mostrou o quanto eu era ignorante, quando pensava que minha filha tinha que corresponder às minhas expectativas. Ele dizia:

“Veja tudo o que você esperava que sua filha fosse; uma mulher inteligente, bem-educada, com caráter, estudiosa, trabalhadora. Ela é tudo isso! Você também quer escolher com quem ela deve amar e namorar? Isso não lhe cabe! Você está perdendo a sua filha”.

Aquilo me fez mudar…

Descobrindo o HIV

Descobri o meu diagnóstico positivo para HIV em 2 de fevereiro de 2007, aos 48 anos. Tanto eu, quanto a minha esposa, nunca soubemos como adquirimos, ou de quem adquirimos.

Quando ainda planejávamos os filhos — que são HIV negativo — eu disse-lhe que, caso nos separássemos, eles ficariam comigo. E quando a separação aconteceu, meus próprios filhos escolheram ficar comigo.

Não conhecia e nem sabia o que era ter HIV. Nesta época, pensei que teria apenas mais 2 ou 3 meses de vida. Cheguei a pensar em suicídio.

Vivendo com HIV

Um dia, em Belo Horizonte, na Praça Afonso Pena, um lugar que passa ônibus a todo minuto, eu cogitei me lançar na frente de um daqueles transportes coletivos, mas, por incrível que pareça, em quase uma hora esperando, não passou um ônibus sequer.

 A partir daquele momento, passei a tomar um litro de conhaque por dia. Depois, já de volta a minha cidade, meu filho me chamou e disse:

“O HIV não vai lhe matar, mas o senhor está se matando”.

Então, ele me deu o endereço de um Serviço de Atendimento à Pessoas Vivendo com HIV — as nomenclaturas na época eram outras. Lá, conheci uma mulher que me disse viver com o vírus há 25 anos — foi quando eu entendi que iria sobreviver, que havia, ainda, muita vida por vir.

Tive a melhor faculdade que qualquer ser humano poderia ter: o mundo; e o melhor professor: o sofrimento.

Aprendi a me virar de diversas formas, exceto cometer crimes. Sempre trabalhei. Cheguei a levar compras de pessoas do mercado até em casa, lavar carros, vender picolé, e jornal.

 Foi com os jornais que aprendi a ler. Tinha muita curiosidade de entender o que eu estava vendendo. E lendo jornais, vendo as notícias, — entendi a importância de estar informado, para ir à luta.

O lugar de fala de uma pessoa com HIV

Entendo meu lugar como uma pessoa que vive com HIV, mas também como negro, e, ainda, entendo as relações entre o racismo e o classicismo, que oprimem de forma conjunta.

O preto sofre discriminação por ser preto, mas também, de forma agravada por ser pobre. Sei bem o que é isso. Mas venci. Meu filho se formou jornalista, e eu, até na área de caldeiraria trabalhei; e, trabalhando nesse setor, tive a oportunidade de viajar e conhecer 26 capitais do Brasil e 6 países.

Cheguei a ir para a África. Fiquei em São Paulo, passei por Curitiba. Contudo, meu projeto era encontrar o meu filho em Salvador, pois tínhamos planos de abrir um hostel em Fortaleza — em Canoa Quebrada.

A chegada da pandemia

Estava tudo programado para isso. Quando ouvimos sobre as notícias do coronavírus, ainda fora do país. Pensávamos que a pandemia seria apenas mais uma daquelas viroses que sempre nos acometem logo após a época de carnaval. Pensávamos que duraria uma semana.

Mas a pandemia destruiu todos os meus projetos, visto que acabou com o turismo. Retornei para São Paulo, para a casa do meu irmão, na tentativa de redirecionar a vida, mas quando cheguei lá, tive de ficar preso e com medo, transtornado, como todo o mundo.

Com a vida parada, precisei pensar em formas de me manter durante todo aquele momento que se iniciava. Com isso, comecei a trabalhar como motorista de aplicativo. Usava um carro que não era meu e, infelizmente, tive que devolvê-lo quando parei de trabalhar.

E isso não aconteceu apenas comigo, mas com muitos que trabalhavam como motorista de aplicativo, porque já não era mais viável, dado que, com o lockdown, as pessoas não utilizavam mais o serviço.

De volta à Salvador

Voltei à Salvador para tentar atuar como motorista, mas, encontrei uma grande dificuldade. Não perdi ninguém próximo durante a pandemia.

Acredito que não me infectei, ou que fui assintomático. Não segui a quarentena porque não tinha saída: eu precisava trabalhar diariamente.

O máximo que podia era me afastar um pouco mais das pessoas. Não tive dificuldades para conseguir os medicamentos antirretrovirais, mas foi bem difícil ter acesso aos médicos infectologistas. Foi muito difícil fazer os exames e marcar as consultas.

Não tive medo de morrer porque fui treinado pela vida. Eu dormia debaixo da ponte, entrava em baldes de lixo para conseguir ter o que comer.

Vivo com HIV em um país com um governo que não me assiste. O que mais poderia temer?

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25 a 39 anos Branca Homem Cis Paraná Pós-Graduação Completa

Não me permiti sofrer para ser suporte

Estava sendo exaustivo trabalhar no segundo e no terceiro setor e, ao mesmo tempo, senti estar sem suporte — ambos os trabalhos estavam exigindo muito de minha parte.

Trabalhei com vendas durante muito tempo, sempre na área da gestão. Após idealizar e co-fundar a ONG Nariz Solidário, percebi que já não conseguia mais realizar às duas coisas.

A Covid-19 tirou o meu suporte

Comecei a perceber que, minha energia era muito maior quando se falava no social, meu interesse era o dobro, e bingo! O universo conspirou, e me fez perder o emprego.

Por dois anos desisti de vagas, reprovei em outras, vi-me vulnerável, e coloquei minha família em vulnerabilidade.

Foi aí que decidi focar no terceiro setor e na ONG. Consegui até uma bolsa para me especializar mais na área, trabalhei brevemente em outra ONG, e adquiri mais experiência.

No início de 2020, decidi ficar 100% dedicado ao trabalho social. Tudo ia bem, de forma muito promissora, até que uma bomba chamada Covid-19, explodiu.

Sem suporte e sem emprego, a Covid-19 chegou

Estou acostumado a trabalhar em ambientes de pressão, mas, poucas vezes, me vi com tanta ansiedade.

Era uma pressão no meu peito e, uma sensação indescritível; golpeava-me com muita força.

 Essa situação se tornou extremamente exaustiva quando, precisei me manter firme, pela minha família, e por todos os voluntários da ONG.

Não me permiti sofrer para ser suporte, ser refúgio, mas, gradualmente, fui percebendo que não estava funcionando.

Eu poderia estar empregado, ganhando bem, sem aquela loucura social, ou quem sabe, já teria sido cortado e estaria, no mínimo, recebendo auxílio emergencial.

De certa forma, não dava para prever e nem para mudar. Minha filha, na época com 12 anos, até entendia algumas questões, já o meu filho de três anos, só entendia querer leite com chocolate, e quando o papai estava feliz, ou nervoso.

Ficamos um ano confinados em um buraco que parecia não ter fim. Ele, querendo brincar, e eu, tentando me organizar entre o meu inferno interior e o equilíbrio de ser um pai para ele e tantas outras coisas para tanta gente.

Nesse período, minha esposa ainda conseguiu manter seu trabalho, mesmo autônoma. Nesse período, também, a saudade da minha filha que mora com a mãe em outro estado me doía. Eu estava falido, sem saída.

Não foi conselho, foi suporte e cuidado

Alguns meses depois, convoquei uma reunião com os facilitadores da ONG. Minha intenção era de pedir ajuda, mas também, estava em busca de alguém que me convencesse a desistir, pois, não estava conseguindo engajar os voluntários afetados pelas problemáticas sociais.

 Eu sabia que nosso público-alvo estava ainda mais vulnerável e, nós tínhamos que estar lá, afinal, nascemos do caos e para ele.

Mas eu também estava sem forças. Em uma pausa de desabafo, o Thiago, do Marketing, me salvou.

 “Du, respira, grandes CEOs de grandes empresas, com profissionais de alta desempenho, não estão sabendo o que fazer.”

Os demais também manifestaram apoio. Foi uma fala tão simples, mas tão potente para mim naquele momento, que me desacelerou e me fez reorganizar as minhas emoções.

O acolhimento emocional

Larguei o computador por uns dias, minhas dores diminuíram, já que eu acordava com o computador ligado e praticamente dormia em cima dele.

Passei a brincar mais com meu filho, peguei novamente no violão, comecei a cuidar de mim e da minha esposa. Fiz umas ligações despretensiosas, assisti a filmes, e desacelerei.

Após esse momento de relaxamento, comecei a analisar o que poderia dar certo: as tendências, urgências, demandas, parcerias, e as amizades de valor.

Em uma tentativa arriscada de fazer lives, já que eu tinha medo de dar opiniões tão abertamente, deu certo. Fomos um dos primeiros grupos artísticos a fazer lives e a abordar assuntos específicos sobre nosso contexto — coloquei tudo para fora.

Esse movimento culminou em cursos ‘on-line’, e na criação de fóruns inéditos no país.

Os recursos começaram a entrar, e com isso, chegou-se a um estágio de eu estar contribuindo para ajudar colegas a saírem do mesmo buraco em que estive.

O que mais me chamou a atenção, foi que à medida que, os problemas sociais e globais iam aumentando, e o nosso trabalho, ia tomando ainda mais força.

Minha mente conseguiu canalizar toda aquela dor e me fez organizar tudo que eu já estudara na vida.

Como um sopre de apoio

Como um sopro de esperança, alguns projetos foram aprovados e, conseguimos gerar empregos para artistas voluntários que, também se encontravam vulneráveis.

Em meio ao caos, conseguimos manter nosso trabalho nos hospitais em um momento em que, praticamente 100% das atividades semelhantes em todo o país, haviam sido bloqueadas.

Recentemente, fiz uma análise dessa trajetória, em busca de entender quais foram os pontos que me tiraram daquele abismo, e me trouxeram a ser corresponsável por impactar mais de 40 mil pessoas na pandemia.

Percebi que, ainda fraco, mantive o propósito e, quando estava prestes a perdê-lo, ele me encontrou e floresceu de dentro daqueles que ajudei de alguma forma, que, assim como eu, estavam aflitos, exaustos e que, por meio da arte, encontraram forças para continuar.

Isso me fez perceber na prática, a lei do retorno. “Do buraco ao solo”

Quem cuida de quem cuida?

A pandemia me fez perder incontáveis amigos e familiares. Contudo, é estranho dizer que o luto, virou cotidiano. Mesmo quando todos em casa positivaram, pareceu não mais causar medo e, até hoje, ainda reflito sobre esse sentimento.

Penso que, é uma utopia sofrer com a esperança de que algo retorne, pois não vai, e essa fase do luto, acabei apaticamente vencendo.

Por outro lado, tudo isso também me fez ser melhor, mais humano, mais forte, um melhor pai, esposo, amigo, profissional. Aprendi a conviver melhor com meu ego, e a ter mais paciência e tolerância de meus medos.

 Ainda não está favorável, continuamos nossa luta, fazemos isso com arte. Talvez nunca esteja favorável, embora lutemos para isso – é um paradoxo que permeia quem mergulha muito na lógica e na tentativa de acabar com a nossas mazelas.

Quanto a isso, não tenho respostas, somente o momento presente.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Branca Mulher Cis Paraná Prefiro não informar

Foi um dos dias mais importantes da pandemia

Trabalho com vendas e automóveis, em uma rotina muito intensa e que durante toda a pandemia sofreu uma grande instabilidade, o que impactou diretamente em minha vida.

Precisei de muita resiliência para conseguir continuar caminhando. Outro trabalho que realizo, de forma voluntária, porém muito profissional, é como palhaça, em hospitais, através da ONG Nariz Solidário.

Ficamos envoltos naquele imenso presente. Foi um dos dias mais importantes da pandemia.

É algo que sempre me ajudou a me perceber e perceber o outro de maneira singular e potente. Algo que também, devido à pandemia, foi amplamente afetado, já que as intervenções presenciais deixaram de acontecer.

Dias de acolhimento

Após longos meses parados, mas não tão parados assim, pois estivemos em constante estudo remotamente, — tivemos a oportunidade de retornar aos hospitais no mês de outubro de 2021, para uma ação de Dia das Crianças.

Tive ansiedade, calafrios, e um certo receio de estar ali mais uma vez, — mas agarrei novamente a oportunidade desse retorno tão importante para mim, e para aquelas crianças, seus familiares, e profissionais da saúde.

Para o retorno, o Nariz Solidário criou um jogo único no Brasil, para ressignificar a experiência hospitalar — uma espécie de jogo de cartas com elementos hospitalares como, por exemplo, luva que vira polvo, máscara que vira paraquedas, seringa que vira saxofone, e muito mais.

O dia finalmente chegou

Ali no Hospital Infantil Waldemar Monastier em Campo Largo, onde foi realizada a ação, estávamos em três pessoas: eu, com minha palhaça Jupira, meu amigo, palhaço Frutuoso e o Edu, da ONG.

A cada passo que, íamos evoluindo nos corredores, fomos notando que era uma visita diferente.

De longe, os olhares se abriam por trás das máscaras, curiosos — crianças acompanhadas de seus pais, pequenos pacientes obtendo sua alta médica, e, outros dando entrada no hospital.

Recepções calorosas foram nos envolvendo leito a leito, dentre pacientes, familiares, e funcionários de todas as áreas do hospital.

Ficamos envoltos naquele imenso presente. Foi um dos dias mais importantes para mim depois que começou a pandemia.

Em dias de olhar profundo

Em um dos encontros que realizamos, acabamo-nos por entrar em um quarto com quatro pequenas crianças acompanhadas de suas mães, que nos receberam com um grande sorriso.

Neste momento, enquanto eu e o Frutuoso fazíamos nossa aproximação sutil, segura e ‘palhacística’ – pares de olhos iam nos buscando e nos seguindo; olhos frágeis e ingênuos, mas também, muito fortes por conseguirem superar aqueles momentos.

Utilizamos uma língua muito conhecida pelos nenéns, o “Nenenêis”. As mães falam outra língua, a do “Mamanês”. Nesse papo poliglota fomos saindo, deixamos o jogo, mais uma frase em “Nenenêis”, e até aprendemos mais algumas em “Mamanês”.

Nesses encontros os olhos nos explodem por fora e nos implodem por dentro, algo que não se mensura no peito. Trouxe-me lembranças de uma infância cheia de amor, mas talvez, pouco explorada.

A importância dos acompanhantes para dias difíceis

Pude perceber como podemos estar tão rodeados de pessoas, mas tão sozinhas ao mesmo tempo, precisando de alguém como companhia. Percebi isso em um quarto com uma pré-adolescente, que estava muito triste. Havia passado há poucos minutos por um procedimento e estava naquele momento tão frágil, sem ter alguém do seu universo próximo.

Dias de acolhimento e 'palhaçaria' no Hospital

Ao entrar no quarto, sentimos a frieza da solidão em nosso paladar. Vi-me diante de um paradoxo gigante: o pensamento, a proposição ou o argumento que contraria os princípios   básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano, ou desafiam a opinião concebida, a crença ordinária e compartilhada pela maioria das pessoas do que é estar, “antes só, do que mal acompanhado”

Se tem algo que, aprendemos com essa pandemia, é olhar para o próximo com mais empatia. Ver muitas pessoas passando necessidade, ou em situações inimagináveis, mexe com nossa sensibilidade e com a vontade de oferecer ajuda a quem precisa.

Pequenas atitudes, como a doação de tempo, podem fazer toda a diferença para quem está em dificuldades.

Levarei comigo a percepção e a necessidade de estarmos mais juntos, estarmos mais ali, ao lado ou do lado, mais aqui, ao lado de mim mesma também, presente a qualquer momento e, considerando as necessidades do outro, e a minha, sendo ele próximo, ou não.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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18 a 24 anos Branca Mulher Cis Paraná Pós-Graduação Completa

Eu também adoeci

Sou psicóloga residente em um programa de Saúde da Família, e também adoeci.

Atuo em um núcleo de Atenção Primária em Saúde: a UBS, o querido “postinho”. Nesse espaço, atuo com os usuários do SUS que são encaminhados à avaliação e atendimentos psicológicos breves, além de realizar encaminhamentos a outros serviços da rede.

Dei início à residência e à minha prática profissional em sua totalidade em 2021, já em um contexto pandêmico.

Passei 8h diárias, escutando a dor e acolhendo o sofrimento.

Após alguns dias atuando na UBS, em um momento de maiores restrições sanitárias, houve importantes mudanças no meu processo de trabalho: minha atuação se restringiu aos teleatendimentos.

Durante alguns meses, passei 8h diárias, seis dias por semana, escutando a dor e acolhendo o sofrimento individual, atravessado pelo contexto da pandemia.

Fui tomada pela angústia e, por fim, eu também adoeci. E como poderia ter sido diferente? A dor do isolamento social, da saudade, das restrições no repertório de vida, da morte, das implicações financeiras, políticas e sociais… Todas me atravessaram. Foram tempos nebulosos, duvidei da minha própria capacidade de (re)existir.

Um sono patológico que tomava conta dos meus dias, um pedido de socorro. Meu corpo e minha mente tinham adoecidos.

Só-depois

Afastei-me de coisas que considero importantes, como o trabalho com o Nariz Solidário, em que, inclusive, atuava em prol do incentivo ao cuidado da saúde mental. Hoje, olho para tudo isso e percebo o quanto fui capaz de superar, de reinvestir no mundo, de estar retomando projetos, apesar de ainda não ter compreendido totalmente minhas reações frente a esse período. Mas não tenho pressa.

Freud tem um conceito muito interessante para isso: “nachträglich”, palavra alemã que não possui tradução literal, mas implica uma ideia: só-depois.

Tem coisas que só vêm depois.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Branca Mulher Cis Paraná Pós-Graduação Completa

O grupo que ameniza dores estava longe

O grupo que ameniza dores, que leva sorrisos, que escuta, estava longe.

Logo no início, quando ainda nem se podia projetar ou vislumbrar tudo o que estava por vir, todo esse grupo, inclusive eu, começou a desenvolver atividades de casa.

Durante a pandemia, eu trabalhava com um grupo de voluntários muito especial, dentro de um hospital.

Dores da distância

Justamente quando um hospital mais precisava dessa leveza, desse olhar sensível à dor do próximo, desse acolhimento! O que fazer? Como voltar a conectar as pessoas em um momento em que, mesmo os voluntários e seus corações generosos, estavam sofrendo?

Com o medo, com as limitações, com o desconhecido e, cada um, com si, e com tudo o que essa pandemia fez em nós.

“Eu me vi sozinha, em uma sala onde cabia muito amor”

Eis que a criatividade e a vontade de ultrapassar barreiras, mesmo desconhecidas, foram surgindo. Atividades adaptadas, uso da tecnologia e, principalmente, a vontade de ajudar.

Pouco a pouco fomos, juntos, descobrindo como apoiar uns aos outros. Com o passar dos meses, eu voltei presencialmente ao hospital, mas “o meu time”, como passei a chamá-lo, não.

E eu, mesmo já realizando algumas atividades, vi-me sozinha, em uma sala onde cabia muito mais amor, onde entravam e saiam durante todo o dia pessoas entusiasmadas e prontas para ajudar.

Quem preencheu esse silêncio foram colegas maravilhosos. Esses que, aliás, sempre perguntavam “quando os voluntários voltam?”

Entre as dores e a criatividade

Áudios com leitura, visitas virtuais, costuras, doações, e muito mais. Além de todas essas propostas que foram sendo feitas à distância com o apoio de outros colegas e grupos parceiros, como o Nariz Solidário.

Eu também procurava fazer companhia, ouvir, ser prestativa e estar presente para esse “meu time” que sentia muita saudade, pois compartilhavam comigo, um querer imenso de poder estar fazendo as atividades de antes da pandemia.

Algum tempo depois, em meio a tantos cenários, desabafos e adaptações – eu testei positivo para o novo coronavírus.

As dores da Covid-19

Meus primeiros sentimentos foram de frustração, medo, revolta e tristeza. Eu sempre estava me cuidando, trocando máscaras, e usando álcool. Mas estava em um hospital, o que aumentava muito as chances de contrair o vírus.

Ele ainda me incomoda, um ano depois. Por algumas alterações no meu olfato e paladar.

Eu sou formada em Relações Públicas, amo minha profissão e adoro lidar com pessoas. Por isso, fui lidar com pessoas, em uma causa, para servir. Nunca imaginei que estaria dentro de um hospital e, nunca mesmo, durante uma pandemia.

Basta o sentimento de querer, e a atitude para realizar

Com tudo isso, eu aprendi muito sobre paciência, medo, solidão, futuro e pessoas. Ah! As pessoas… Trocar com cada uma e aprender, mesmo que de uma forma nem sempre fácil, — é o que me move.

 E, mais do que isso, o sentimento de que podemos sempre mais.

Depois dor vem a resiliência

De tudo, não tem conclusão; ainda vamos levar muito tempo para absorver tudo isso, para lidarmos com o que sentimos e seguirmos.

Mas, eu espero que meu relato ajude as pessoas a continuarem se cuidando, para não se contaminarem e nem ficarem, por tanto tempo, com alguma alteração em seu corpo.

Espero também que sirva para saberem que, sempre é tempo de ajudar, sempre há lugares e pessoas precisando.

Para sermos mais fraternos, e mais humanos uns com os outros, não há tempo, ocasião ou doença — basta o sentimento de querer, e a atitude, para realizar.

Em tempo, como na foto abaixo, mesmo diante de um cenário tão delicado, sempre que podia, eu colocava um “sorriso no rosto”, para alegrar tudo ao meu redor. Mesmo que, através de uma máscara.

Samantha alegra e tranquiliza as dores sentidas pelo isolamento em pacientes hospitalizados.

Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Branca Mulher Cis Paraná Pós-Graduação Completa

Uma gravidez pandêmica

A constatação de que estaríamos isolados por conta de uma pandemia, me chocou. No meu caso, em dobro, pois descobri uma gravidez inesperada.

Estou no Nariz Solidário desde fevereiro de 2016. Caí de paraquedas e fui acolhida de uma maneira tão única, como nunca pensei que seria em um grupo.

Gravidez, Nariz Solidário e pandemia

Antes de entrar, passei por muitos perrengues pessoais, enfrentei a depressão, a ansiedade e a bulimia.

O Nariz Solidário teve um papel super importante durante a minha recuperação.

Hoje eu digo que, graças ao Nariz Solidário, eu sou uma pessoa muito mais evoluída, com autoestima e empatia, e sei que pude passar por essa pandemia com muito mais leveza por conta disso.

Uma gravidez solitária

Passar por todo esse momento isolada foi bem complicado. Tive de me afastar do trabalho por ser grupo de risco; deixei de ter a presença dos meus pais, familiares e amigos.

 Ter uma gravidez e ganhar um “bebê pandêmico” não foi fácil. Nos primeiros dias tivemos de ser somente eu, meu noivo, e nosso filho. Era tudo novo para nós três, e mal sabíamos ser só o começo de diversos altos e baixos.

 Minha irmã teve um bebê quatro dias antes de eu ganhar o meu. Foram meses distantes e sem poder ter o convívio entre os primos.

Agora, eles podem ter mais contato, sendo lindo observar a alegria de ambos quando se veem. Quando acabou a licença maternidade, voltei ao trabalho, mas pedi para sair em dois dias, pois o Nicolas, nosso filho, ainda era um bebê de apenas quatro meses.

 Para a minha sorte, sempre tivemos uma boa rede de apoio, e a empresa do meu noivo vai bem.

 Consigo participar de vários aspectos na vida do bebê que eu perderia se precisasse ficar longe dele durante o dia.

Depois da gravidez, tive que reaprender a ser

Tive que reaprender a ficar em casa, e nesse aspecto, vem o papel crucial que o voluntariado me proporciona: conseguir usar a arte para poder levar a vida de maneira mais leve.

Consigo usar a música, e os ensinamentos ‘palhacísticos’, diariamente com meu filho. A arte da palhaçaria tornou nossos dias mais leves e alegres.

Gostaria de agradecer imensamente por fazer parte desta família. Se não fosse pela ONG, não sei como teria passado por todo esse período de gravidez pandêmica.

Claro que, não poder participar presencialmente, me gerou um impacto por não poder estar nos hospitais.

Saber que teríamos um retorno e estaríamos mais fortes do que nunca, me dava ânimo para prosseguir e lembrar de que logo, minha palhaça estaria levando o seu jeito único, de impactar as pessoas.

Esperança

Hoje, com a esperança de que logo voltaremos ao normal, percebo que a pandemia serviu de muitos aprendizados a todos. Infelizmente, perdemos meu sogro, e tantas outras pessoas para essa doença.

 Agora, nos resta seguir, e nos reinventarmos mais a cada dia, sem perder a esperança.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Branca Homem Cis Paraná Pós-Graduação Completa

A saudade de visitar era maior que o risco

Com a pandemia, a saudade das visitas e dos olhares dos pacientes era grande.

Sou perito contador e advogado, funções que mesmo antes da pandemia já possuíam a característica de ser um trabalho solitário.

 Durante esse isolamento, o trabalho  foi me consumindo e, se tornando, uma das únicas atividades do meu dia.

A saudade de visitar crescia

Por outro lado, crescia em mim a vontade de poder estar em contato com pessoas, e poder contribuir, de alguma forma, com um trabalho solidário.

Eu já realizava esse trabalho em um ONG, atuando como palhaço em hospitais. Porém, como voltar aos hospitais nesse momento, se eles eram o olho do furacão?

A esperança de poder visitar

Por mais que ainda hoje não tenhamos uma data prevista para o fim desse momento delicado em que vivemos, nunca deixei de acreditar que esse período conturbado da pandemia, fosse acabar.

A ONG continuou firme com os seus objetivos e, em parceria com os hospitais, encontrou uma forma de continuar presente na rotina dos pacientes.

 Algo que, antes, era realizado presencialmente pelos voluntários da ONG, passou a ser feito de forma remota, com o auxílio de um robô, que era guiado por um assistente do hospital até os quartos dos pacientes.

A partir disso, conseguimos continuar a interagir com um dos nossos principais públicos-alvo.

Adeus, saudade

A atividade fim da ONG não deixou de ser cumprida, mas agora a forma era bem diferente.

Durante esse período, tive o prazer de acompanhar o crescimento de diversos amigos que lhe tomaram essa missão, e a desempenharam incrivelmente.

Eles realmente fizeram a diferença nesse período, tão inusitado. Eu, por outro lado, não consegui embarcar nessa mesma onda, mas o desejo de continuar atuando como palhaço não diminuiu nem um pouco.

A pandemia ainda não acabou, e precisamos continuar com todos os cuidados e protocolos de proteção, mas já conseguimos ver uma luz no final do túnel.

O tempo continuou passando dia após dia, por vezes, de forma bem lenta, e a esperança de voltar a atuar nos hospitais parecia algo muito distante.

Foi então que, de repente, li em nosso grupo de mensagens, que teríamos a oportunidade de voltar a estar presentes em um dos nossos hospitais parceiros.

Na hora, o coração acelerou muito, acompanhado de uma sensação de desespero só por lembrar que eu não estava em dia com os meus estudos da palhaçaria.

Isso tudo foi agravado, pois, o evento aconteceria no local onde estou lotado como voluntário (meu querido Hospital do Idoso).

Ao ler a postagem, tomei ciência de que o evento para o qual fomos convidados, ocorreria durante a semana, em horário comercial, o que diminui a quantidade de voluntários disponíveis.

Apesar de continuar ativo na ONG ajudando em rotinas administrativas, a vontade de voltar a visitar era absurda.

A maioria das conversas em tempos de pandemia, giram em torno de um só assunto: será que já estamos seguros para voltar a nos encontrar?

A saudade e o reencontro

O evento foi realizado no auditório do hospital, e contou com a presença de diversas pessoas, sendo nossa função, recepcionar esses participantes.

Assim que coloquei os pés no hospital, as lembranças dos diversos momentos ali vividos começaram a visitar a minha memória.

É incrível como aquilo que nos faz bem, volta com uma força gigantesca e nos motiva.

No início da preparação, as mãos estavam trêmulas pela falta de prática em arrumar o figurino, fazendo a preparação demorar muito mais do que o normal.

Foi importantíssimo poder contar com a ajuda dos dois parceiros nessa preparação. Enfim, depois do figurino pronto, fomos recepcionar nossos participantes.

A energia que o palhaço carrega dentro de si, é algo incrível. Ela contagia a quase todos por onde passa. É maravilhoso conseguir olhar nos olhos das pessoas e sentir o carinho transbordar.

“Esse período de reclusão nos ensinou muitas coisas, e penso que, uma das principais, é o fato de percebemos que humanos gostam, e precisam, estar com outros humanos.”

A receptividade dos participantes foi espetacular, e mesmo que os jogos e a dupla não tenham apresentado a sua melhor performance, o resultado foi muito bom.

Depois de um bom tempo interagindo com os participantes, finalizamos nossa atuação entregando o auditório para a palestrante principal.

Eu pensava que já tínhamos terminado a nossa participação, quando recebemos mais um convite.

Matando a saudade na ala do hospital

Agora a missão era visitar todas as alas do hospital, convidando os colaboradores a participarem do evento que estava acontecendo, um evento muito importante que trazia várias técnicas que auxiliavam no gerenciamento da dor.

Não preciso nem dizer que aceitamos de pronto. Voltar a entrar nas alas, trouxe-me um misto de emoções, tais como saudade, alegria e euforia.

Durante os caminhos percorridos, foi inevitável olhar para determinados quartos procurando por pacientes que, por diversas vezes, visitamos. Infelizmente ou felizmente, não consegui encontrar ninguém que já conhecia.

Mas também estava curioso para reencontrar a equipe de enfermagem que sempre me recebeu com sorrisos maravilhosos.

Assim que chegamos ao primeiro posto de enfermagem, o astral subiu para as alturas.

Fomos recebidos com muita euforia e a alegria foi se espalhando por todo o ambiente.

De forma natural e harmoniosa, gradualmente, fomos nos comunicando, brincando. Era como se o tempo não tivesse passado.

Após visitar vários postos de enfermagem, com muita interação, nos despedimos, e fomos ao Centro de Terapia Intensiva.

O reencontro na CTI

O Centro de Terapia Intensiva é um local de cuidados especiais, onde, geralmente, os pacientes ficam por um longo tempo, apenas com a companhia da equipe hospitalar.

Nem sempre é possível termos contato com esses pacientes, seja devido ao seu estado de saúde, pois vários estão desacordados, seja por inspirarem cuidados muito especiais, sem que a aproximação seja possível.

Nessa nossa visita, ao adentrarmos o CTI com todas as precauções possíveis, fomos direto ao posto de enfermagem convidar os colaboradores, e fomos mais uma vez recebidos com sorrisos e com muito carinho.

A grande surpresa veio quando eu já estava saindo. Ao me despedir dos colaboradores, quando me virei para sair do CTI, meu olhar cruzou com uma paciente que estava acamada em um dos leitos.

 A conexão dos olhares foi instantânea. Naquele momento, a minha conexão com o meu parceiro de visita se quebrou e me concentrei naquele olhar. Ela me olhava de um jeito tão especial que me prendia em seu olhar.

Não tinha como não retribuir aquele sorriso e aquele olhar. O reflexo foi imediato e, mesmo estando a uma certa distância física, comecei a retribuir com olhares e gestos de carinho.

Novamente, pude comprovar que a palavra e a fala, não são as únicas formas que temos para nos comunicarmos.

Não sei precisar exatamente o tempo que essa conexão durou, mas tenho a certeza de que as trocas de olhares e os gestos de carinho que trocamos alimentaram nossos corações e tornaram nosso dia mais alegre.

E que saudade que estávamos desse reencontro

O tempo de duração não foi grande, mas a intensidade foi gigantesca. Despedi-me dela com vontade de continuar ali por mais tempo, mas meu parceiro de visita já estava saindo e não podia deixá-lo mais sozinho.

E foi assim que me despedi e retomei a minha visita. No fim, embora a visita não tivesse o objetivo de interagir com os pacientes, acabei me conectando com vários.

Sei que ainda não há previsão de retorno da visitação aos pacientes, mas essa pequena visita me fez sentir, mais uma vez, o quanto é bom poder atuar como palhaço no ambiente hospitalar.

Agora, é retomar as minhas rotinas de estudos da palhaçaria e esperar que, em breve, eu possa voltar à rotina de visitas.

Agradeço aos meus parceiros de visita, ao Hospital do Idoso Zilda Arns, por nos proporcionar esse momento, e agradeço especialmente a todas as pessoas que interagiram conosco com tanto amor e carinho.  


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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Mil e uma noites de solidão

O início de 2021 foi uma eterna noite de solidão. Eu passei por um grande sufoco emocional, em que descobri que meu relacionamento com minha “melhor amiga” era extremamente tóxico.

Lidar com isso foi algo demorado, pois eu não me afastei dela de um dia para o outro, até porque, morávamos sob o mesmo teto.

Esse empecilho fez com que eu vivesse dias e noites, durante seis meses, dividindo a casa com uma pessoa que me odiava, e fazia de tudo para eu me sentir mal, chegando a relatar várias vezes que o motivo da vida miserável dela, era culpa minha. Não podia sair de casa, pois estávamos no auge da pandemia.

Mesmo sendo ela que me xingava, gritava, ignorava, e quebrava as coisas.

Noite sem fim…

Como se isso não fosse ruim o bastante, ela ainda fazia a cabeça das pessoas, para que eu parecesse um monstro. Essas dificuldades de 2020 me abalaram muito, mas, 2021 me reservou uma nova surpresa.

No início do ano eu fui diagnosticada com distimia. Essa doença é diferente da depressão, apesar de serem semelhantes.

Um paciente com distimia sofre de mau-humor, irritação constantes, personalidade difícil, e nossos organismos têm dificuldade em produzir serotonina.

Essa é uma doença crônica. E por conta das minhas dificuldades em 2020, meu estado emocional era sério.

Precisei começar a me medicar, o que também foi uma aventura. Cada medicamento me dava um efeito colateral. Até que então, encontrei o medicamento certo para o meu organismo.

Esse processo só foi possível devido ao apoio de minha família, e de uma luz que acabou com as minhas noites de solidão.

Depois da noite, vem o dia

Uma ex-colega de faculdade mandou uma mensagem no grupo da nossa antiga sala, pedindo ajuda com um projeto voluntário. Eles precisavam de pessoas para editarem vídeos, e eu, precisava de algo que me desse força para conseguir levantar da cama e não desistir.

 Foi quando eu mandei uma mensagem pedindo para me juntar ao grupo. Quando fui aceita na equipe, não sabia se estava mais feliz ou desesperada, pois meu medo de fazer algo errado era enorme, mas a alegria de fazer parte de um novo projeto era maravilhosa.

Assim, eu me juntei ao Nariz Solidário. Não demorou muito para eu perceber que o grupo era muito divertido e organizado. Eu sempre achei engraçadas as diferenças dos editores para os palhaços.

Dias de Nariz Solidário

Um grupo é todo reservado, enquanto o outro saltita de alegria. O famoso caso dos introvertidos e extrovertidos tendo que dividir o mesmo ambiente.

E, mesmo com tanta diferença, todos se entendiam e se respeitavam, pois, estávamos ali com o mesmo objetivo.

Minha missão no Nariz Solidário é receber vídeos produzidos pelos palhaços, adaptar para o ambiente hospitalar e colocar elementos que auxiliem na compreensão de cada tema, como, por exemplo, a sonoplastia.

Daphane com seu livro de animação durante a edição dos vídeos do Nariz Solidário

Eles estavam me salvando…

Se me perguntassem hoje, se eu voltaria no tempo para nunca fazer amizade com aquela pessoa, minha resposta seria não.

É verdade que essa amizade me trouxe muita dor, mas, foi por conta disso, que eu busquei ajuda profissional, e soube do meu caso. Foi por conta desse estado emocional que eu entrei para o Nariz Solidário.

Loucamente eles me recrutaram pensando que eu ia ajudá-los, mas eram eles que estavam me salvando.

Sou uma pessoa muito tímida, eu não me envolveria em um grupo tão alegre como o de palhaços, se eu não estivesse em um momento tão complicado. E foi graças a isso que eu percebi, que mesmo que uma pessoa pareça muito diferente de você, é possível que vocês se deem bem.

Que mesmo que o mundo esteja desabando, vai ter alguém do seu lado para ajudar. Seja a sua família, ou até uma mensagem de ajuda enviada pelo WhatsApp.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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As Unidades de Internação se transformaram em UTIs

O contexto da minha história se passa no Hospital Municipal do Idoso Zilda Arns (HMIZA), especificamente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde leitos foram abertos para atender à demanda de casos de Covid-19, durante a pandemia sanitária.

 Na UTI, os profissionais de saúde e voluntários atuam em conjunto visando proporcionar um cuidado integral ao paciente e a seus familiares. As alterações da rotina dos profissionais se iniciaram em março de 2020, em virtude da pandemia da Covid-19.

Dentro da UTI

Essas alterações podem ser exemplificadas, por exemplo, pelo uso de mais Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Assim, deixamos de utilizar o jaleco branco para fazer o uso de aventais, máscaras N95, ‘face shield’, touca e luvas descartáveis para evitar a contaminação do vírus na UTI.

 Além disso, as Unidades de Internação foram transformadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), havendo a necessidade de contratação de mais profissionais de saúde, do fechamento de atendimentos ambulatoriais e da limitação de visitas presenciais.

No início da pandemia, muitos profissionais de saúde expressaram reações emocionais de ansiedade diante da falta de conhecimento acerca do novo coronavírus, como o medo de se contaminarem e passarem para os seus familiares, bem como o medo de morrer, de perder entes queridos e colegas de trabalho.

A pandemia foi um desafio para os profissionais de saúde

Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes. Diante disso, gostaria de narrar a história da atuação da psicologia durante a pandemia de Covid-19.

A nossa prática foi modificada nesse período. No início da pandemia, criamos um serviço de atendimento psicológico aos profissionais de saúde, visto que identificamos o sofrimento psíquico de muitos profissionais.

Claro que nós, psicólogos, também estávamos com medo e ansiosos, mas, percebemos caber à nossa profissão, oferecer apoio psicológico aos demais profissionais.

Ausência e tratamentos na UTI

Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes em decorrência do processo de adoecimento, da hospitalização e do distanciamento dos familiares.

Por outro lado, os familiares ficavam ansiosos e passavam o dia esperando a ligação telefônica do boletim médico para receber notícias do paciente, já que este não podia ficar com o próprio celular.

Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida

Diante desse distanciamento entre pacientes e familiares, nós, psicólogos e assistentes sociais, com o apoio da gestão do hospital, começamos a realizar videochamadas com o intuito de aproximar os pacientes e seus familiares, como substituição das visitas presenciais.

Realização de videochamadas na UTI no Hospital Zilda Arns

Além disso, foi muito comum realizarmos videochamadas, a pedido dos pacientes, antes do processo de intubação orotraqueal na UTI. Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida, já que o paciente não sabia se sobreviveria ao tratamento invasivo.

Essa situação me deixava angustiada e triste, principalmente quando alguns desses pacientes faleciam. Frente aos diversos óbitos, especialmente no “pico da pandemia”, percebemos que muitos familiares não tiveram a oportunidade de se despedir do paciente e, no caso da morte por Covid-19, não podiam realizar velório.

Para a psicologia, são muito importantes os rituais de despedida, visando evitar que os entes queridos constituam um luto complicado.

A partir da relevância dos rituais de despedida, foi acordado com a equipe de saúde, a liberação de algumas visitas especiais de familiares aos pacientes em processo ativo de morte na UTI.

Essas visitas eram geralmente assistidas pelos profissionais de psicologia ou assistentes sociais. Durante a pandemia, vi muitos pacientes jovens, adultos e idosos falecerem, diversos membros de uma mesma família partirem em um pequeno intervalo de tempo.

O psicólogo, muitas vezes, acompanhava o familiar para dar a difícil notícia do falecimento de um ente querido por Covid-19 para o paciente. Face a esse sofrimento de diversas perdas, percebemos a necessidade de comemorar a recuperação de cada

Paciente que sai da UTI, porque, significava uma conquista para a equipe de saúde. Tivemos algumas situações de alta hospitalar com comemorações, onde familiares aguardavam o paciente do lado de fora do hospital com bexigas e cartazes, e até tivemos pedido de casamento.

Isso me deixava feliz

Perante os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde durante a pandemia, os vídeos do Nariz Solidário, os agradecimentos de pacientes, familiares e empresas, nos motivavam a dar continuidade ao nosso trabalho.

Vocês, voluntários, nutrem a nossa energia, tornam o ambiente hospitalar mais leve e alegre, proporcionando atendimentos humanizados. Vocês são essenciais e especiais! Muito obrigada pelos vídeos em um momento tão difícil das nossas vidas.

A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e o nosso sentido de vida

Para nós, psicólogos, percebemos a importância da humanização do atendimento no contexto hospitalar.

No pós-pandemia, algumas estratégias são: retornar as atividades de humanização e as visitas presenciais de familiares.

A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e nosso sentido de vida. Aprendemos a valorizar a importância das nossas relações sociais, dos afetos, da saúde e do trabalho saudável. Passamos por um luto coletivo, pois nossas vidas foram modificadas pela perda do nosso “mundo normal”.

Sofremos e nos solidarizamos com a dor do outro nesse período.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Branca Ensino Superior Completo Mulher Trans Paraná

Familiares recuperados da Covid-19

Após quase dois anos de pandemia, trabalhando na linha de frente em um Hospital de Campanha em atendimento à Covid-19, pude vivenciar diversas histórias trágicas com a perda de familiares, porém, em contrapartida, algumas histórias de sucesso me marcaram, como a de uma paciente de 35 anos.

Resiliência em momentos conturbados

Internada por dois meses, após ser entubada, ‘traqueostomizada‘, dialisada e submetida a diversos procedimentos invasivos, conseguiu se recuperar.

Saiu da ventilação mecânica, retomou suas lembranças e retornar à sua casa, junto de seus familiares, agradecendo a toda a equipe pelos cuidados.

Nós, médicos, psicólogos e enfermeiras, vibramos por cada vitória de devolver mais uma mãe, um pai, um filho ou um irmão aos seus entes queridos. Viva a família e os familiares.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia