Meu nome é Lurdes de Andrade de Paula, sou benzedeira, (…), costuro, faço simpatia, (…). As minhas plantinhas tão aqui que eu tenho aqui né, tudo quanto é remedinho eu uso é da terra né. (…). Mas eu continuei, não parei porque não dá pra parar né. Porque eu preciso ganhar (..), então é isso que eu faço.
¨
¨São Sebastião Santo
Dê Deus muito Amado
Nós livrai das pestes
Nosso advogado¨
Pelas vossas chagas
Pelo vosso amor
Nós livrai das pestes
Nosso defensor¨
Relato de Dona Delourdes de Paula, produzido pelo Instituto de Educadores Populares para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Eu me chamo Luciana Lima, tenho 47 anos e sou servidora pública.
Com 68 anos, a minha mãe foi a primeira vítima fatal do Covid-19 em minha família. Foi uma experiência horrível.
Ela era diabética, gostava de sair e não se cuidou. Ela tratou em casa e quando já estava começando a ter consciência, pegou uma gripe forte e foi internada. Ficou 15 dias no hospital de Campanha de Roraima, conseguiu ter alta, mas ficou abatida, se sentiu fraca e voltou ao hospital. Quando fez os exames, estava com 60% do pulmão comprometido e foi pra UTI. Ela só foi entubada nas últimas horas, quando estava perdendo a consciência, porque não queria passar por esse processo. Ficou na UTI por duas semanas e não conseguiu resistir.
Eu acabei pegando Covid-19 da minha mãe, quando eu a acompanhava no hospital. Mas foi leve, fui uma pessoa praticamente assintomática.
No trabalho, alguns colegas morreram. . O primeiro deles morreu bem no começo da pandemia. Era um amigo muito querido por todos, muito amável. Ele acabou morrendo em três dias. É muito triste.
Vacinação
Assim como muitas outras pessoas, minha mãe tinha medo da vacina. A minha mãe seguia o que o presidente dizia e por isso não se vacinou. A gente vê em nosso trabalho, na repartição pública, que muitas pessoas velhas têm medo e não querem se vacinar e tentam fazer tratamento por meio de remédios naturais.
Temos que nos cuidar, tomar a vacina para não acontecer o que aconteceu com nossos entes queridos que morreram. A pandemia ainda não acabou e temos que ter consciência que é preciso continuar se cuidando.
Relato de Luciana Lima, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Luana Lopes Lemos. Tenho 32 anos e sou de Rorainópolis, onde trabalho como servidora pública.
Durante esse período da pandemia eu tive uma perda irreparável, que foi a da minha mãe. Ela era técnica de enfermagem, servidora municipal e estadual, e na pandemia ela esteve afastada de suas funções na rede estadual por apresentar comorbidades e fazer parte do grupo de risco. Porém, na rede municipal ela seguia trabalhando e, em maio de 2020, contraiu a doença.
Quando nós tivemos a confirmação que ela testou positivo para a Covid-19 foi um desespero. Nós sabíamos da gravidade da situação.
No dia 7 de maio de 2020 foi transferida de ambulância para Boa Vista, chegou no hospital da cidade consciente, mas não reagia às medicações e foi entubada. Infelizmente, no dia 22 de maio, ela morreu. Desde então, o meu mundo foi desabando.
Ela foi a primeira profissional da saúde a vir a óbito por Covid-19. Fazia oito anos que ela trabalhava na rede estadual e, no município, ela tinha sido empossada no ano anterior e trabalhava na UBS (Unidade Básica de Saúde), no atendimento de triagem – recepcionar o paciente, preparar seu prontuário, dar seguimento ao atendimento médico. No Estado, ela já trabalhava em toda a área do hospital, fazia escalas e plantões. Trabalhava na enfermaria e na emergência. Além de técnica de enfermagem, ela era pedagoga e sempre trabalhou com muito amor. Ela tinha 53 anos quando morreu.
Luto
Nessa época eu estava grávida e aproveitava muito essa gravidez, que foi planejada, e a morte da minha mãe me pegou de surpresa. Presenciei a situação que ela viveu no hospital, consegui passar o dia das mães com ela, mas ela não resistiu. Não consegui nem me despedir dela.
Infelizmente essa pandemia fez isso com todo mundo. Ninguém teve o seu último adeus. Foi um ano bem difícil, com muita dor, angústia e sofrimento. Ao longo do tempo a gente vai se anestesiando dessa realidade porque tem que seguir em frente, a vida continua, mas foi bem difícil.
A única coisa boa de 2020 é que neste ano meu filho nasceu. Com seu nascimento, consegui preencher o vazio causado pela morte da minha mãe. Foi muito confortante, ele me trouxe alegrias.
Eu acredito que a vacina é a única maneira de a gente conseguir essa imunização tão esperada, o controle pandêmico
Vacinação
Eu e meu esposo nos vacinamos. Além do meu filho que nasceu em 2020, tenho outro de 11 anos que ainda não se vacinou por conta da idade.
Com certeza a vacina ainda é o melhor caminho e é preciso conscientizar a população sobre sua importância. Hoje em dia ainda existe um negacionismo muito grande em relação aos efeitos da vacina.
Eu acredito que a vacina é a única maneira de a gente conseguir essa imunização tão esperada, o controle pandêmico. Não adianta eu tomar a vacina, meu esposo tomar a vacina e no meu próprio local de trabalho outras pessoas não tomarem. Isso aconteceu comigo. Eu trabalho na área da Educação e tenho colegas que não estão vacinadas.
Para que a gente possa voltar ao nosso normal – que nunca mais será normal – as pessoas precisam estar imunizadas. É muito importante as pessoas se vacinarem!
Relato de Luana Lemos, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Josué Ferreira. Eu tenho 25 anos e sou jornalista.Quando eu comecei a cobrir a pandemia, nunca pensei que algo iria acontecer com minha família, mas infelizmente aconteceu.
Foi na pior fase da pandemia que meu irmão morreu, em fevereiro de 2021. Ele era novo, tinha 35 anos. Acabou fazendo aniversário na UTI. Eu fiquei com ele grande parte desse período de internação, revezando com minha cunhada. Ver meu irmão em um estado grave e sem conseguir fazer muita coisa foi bem difícil.
Ele estava internado em um Hospital de Campanha de Roraima e seu estado acabou piorando. Com o agravamento de sua saúde, seu pulmão ficou comprometido e ele foi transferido ao hospital referência em Roraima e precisou ser entubado.
Esse foi o momento mais difícil da pandemia porque foi a última vez que eu falei com ele. Eu disse para ele não se desesperar e ele me respondeu dizendo: “mano, eu estou indo morrer. Adeus”. Ele se despediu em um tom muito desesperador. Ter falado com ele pela última vez, nas circunstâncias que nos falamos, me marcou muito.
Meu irmão era uma pessoa cheia de vida. Tinha planos de ter a casa própria; planos de ver o filho crescer. Ele deixou um filho de 10 anos. Os sonhos foram interrompidos e a família ficou dilacerada.
Muitas pessoas estariam vivas ainda se tivéssemos um sistema de saúde bom. Mas a realidade foi outra: não havia medicamento, equipamento; e não havia profissionais o suficiente para cuidar dos doentes.
Volta ao trabalho
Outro momento complicado foi quando tive que voltar a trabalhar. Eu voltei para fazer cobertura da morte, dos casos de Covid-19. Continuar a falar da morte sabendo que um familiar seu firou estatística, um número, é muito forte.
E isso só aconteceu por negligência. Muitas pessoas estariam vivas ainda se tivéssemos um sistema de saúde bom. Mas a realidade foi outra: não havia medicamento, equipamento; e não havia profissionais o suficiente para cuidar dos doentes.
A morte do meu irmão ainda é uma ferida que está cicatrizando. Não é vida que segue.
Processo de luto
No fim do ano eu viajei para participar de um processo de seleção para uma vaga de Mestrado na Universidade Federal de Roraima e meu irmão foi uma das pessoas que mais me apoiou. Quando eu consegui a vaga de Mestrado, ele ficou super feliz, me mandou uma mensagem me parabenizando e, no mesmo dia em que foi realizada a primeira aula do mestrado, eu não pude participar porque estava no hospital atrás de um exame de tomografia para meu irmão. .
Sei que o tempo vai amenizar a dor, mas precisei procurar uma ajuda de um profissional, um psicólogo. Com ajuda profissional, fui entendendo meu processo de luto.
Não tem como acordar e dizer: “ah, está tudo bem, não aconteceu nada, estávamos sonhando”. Eu só espero que a gente acorde desse pesadelo o quanto antes.
Mortes por negligência
Eu acho que a pandemia tem muitas facetas. Você acaba se deparando com várias delas ao longo de mais de um ano de pandemia. E, mesmo assim, ainda existem muitas pessoas que não acreditam no vírus.
É triste porque muitas pessoas perderam a vida por conta da negligência. O Brasil passou por uma fase de negligência muito grande: havia vacinas para serem compradas e o país não comprou. É a partir desses fatos que eu penso que meu irmão poderia estar vivo hoje.
Não tem como acordar e dizer: “ah, está tudo bem, não aconteceu nada, estávamos sonhando”. Eu só espero que a gente acorde desse pesadelo o quanto antes. As pessoas precisam entender que o vírus mata, que famílias inteiras foram dilaceradas! E é muito grave e preocupante!
E mais uma coisa: fora Bolsonaro! É isso que a gente quer!
Relato de Josué Gomes, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Francisco Belchior. Sou autônomo e tenho 63 anos.
A pandemia afetou não só minha vida, como todas aquelas de pessoas mais vulneráveis. No meu caso, ela afetou principalmente a questão financeira. Eu tinha um pequeno comércio e a situação está muito difícil.
Fome
Um dos momentos mais difíceis da pandemia foi chegar em casa e não ter o que comer. Isso aconteceu comigo mais de uma vez e felizmente contei com a ajuda de um amigo.
Além da questão financeira, perdi uma irmã na pandemia e vários colegas. É triste perder um ente querido, da sua família.
A minha mensagem vai para as pessoas que sobreviveram à pandemia. É preciso ser forte porque não é qualquer um que aguenta passar por essa situação.
Relato de Francisco Belchior, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Erinelson Valentim, tenho 49 anos e vivo em Roraima. Sou o primeiro sobrevivente do Covid-19 em meu Estado.
Eu sou técnico de radiologia e atendi dois pacientes com sintomas de Covid-19 antes de conhecermos casos da doença do Estado. Uma semana depois, os primeiros casos foram declarados e eu comecei a sentir os sintomas: coriza e dor de cabeça.
Mesmo não querendo, minha esposa me levou ao hospital e não queriam me internar porque não havia testes. Eu piorei e voltei ao hospital e fui internado com urgência., já que 80% do meu pulmão estava comprometido pelo Covid-19. Fiquei 18 dias entubado.
Também sofri uma parada cardíaca e um AVC [acidente vascular cerebral , mas consegui resistir. Fui o primeiro do estado a resistir à intubação e ao vírus.
Depois que saí da internação, fiz duas ressonâncias magnéticas para saber o grau da gravidade que o Covid tinha me deixado. Uma sequela da doença é que passei a ser hipertenso e tomo medicamentos para controlar a pressão.
Passei por dois neurologistas e eles disseram que eu já estava apto a trabalhar. Porém, nos primeiros dois meses eu percebi que não estava bem. Passei setenta dias em casa me recuperando e contei com muita ajuda familiar.
Volta ao trabalho
Mas eu digo com toda sinceridade que eu renasci das cinzas. Depois desses 18 dias que eu passei internado, penso que eu quero trabalhar na Saúde, trabalhar com o público e com o pessoal da Saúde.
Acho importante conscientizar as pessoas de que a pandemia é real, existe e temos que nos precaver. Sou muito grato e agradeço a Deus todos os dias por estar vivo e poder ajudar outras pessoas, que vão precisar do nosso trabalho.
Relato de Erinelson Serrão, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Me chamo Dona Fátima, tenho 64 anos e nasci no Igarapé de Nhamundá. Me mudei para Parintins só quando meu pai comprou uma casa. E eu estou aqui até hoje.
Eu tive 10 filhos, mas alguns já são crescidos, então hoje em dia eu tô só com 3 meninas e uma neta. Uma das minhas filhas mora em Manaus, e eu, sempre morei por esse pedaço, conhecido como o reduto do Boi Caprichoso, no lado azul da cidade perto do porto.
Memórias do Boi e da cidade
Contudo, eu não lembro do Boi desde a sua fundação, pois, já pegara aquela animação já andando, no meio do caminho. Antigamente, eu nem me metia nisso, mas, as meninas novas da cidade sempre iam para o Boi, já eu, ficava um pouco de fora. Mas agora, depois de tudo, eu não quero perder nenhum ensaio.
Em algumas memórias, lembro do Boi brincando na rua, na época da lamparina. Era uma briga, tanto que até tinha pedra no meio. A gente andava por toda a cidade, sempre no meio da rua.
Hoje, vou sempre para os ensaios e festas do Boi, principalmente para torcer por ele — inclusive, vou para as festas, mas não danço. Minha filha, Darley, sempre esteve trabalhando nas alegorias do Boi.
Às vezes eu penso sobre outras famílias que perderam entes queridos…
Nestes tempos conturbados, a pandemia levou muito gente, mas, graça a Deus, não levou ninguém da minha família. Às vezes eu penso sobre outras famílias, que perderam seus entes queridos fora da hora, fora do momento — triste.
A minha vida durante a pandemia foi somente em casa. Eu ia para a pia, levava a máscara e álcool em gel, não saía de lá. Quando saia, tomava banho, e sentada, ficava pensando em quem já se foi. A minha mãe partiu durante a pandemia, mas não por conta do vírus, ela se foi por causa de um câncer. Cuidei dela até o final de sua vida, chegando a falecer aqui em casa.
O futuro…
Para o futuro quero assinar a minha carta de aposentadoria, que resta, somente, a minha assinatura para eu já poder receber o meu benefício. Hoje, fiquei com a casa que meu pai comprara. Quero arrumar toda a casa para ela ficar bonita!
Além disso, estou ansiosa para a volta do festival do Boi!
Eu sou Deuzenira de Souza e Souza, conhecida como tia Deca. Eu nasci no interior, vim pra Parintins muito cedo. Estudei no Colégio Aderson de Menezes, no Brandão de Amorim e passei pelo Colégio Batista. E, assim, trabalhei por dois anos como professora, parei porque veio os filhos e não tinha quem cuidasse, mas foi tudo bom.
Também não tenho muitos filhos, só tenho dois, perdi um, só tenho uma. Aí já veio os netos e os bisnetos, e cá estou. Gosto de ajudar as pessoas, me esforço pra ser uma boa pessoa, ser justa e assim vai. Quando veio a pandemia, a gente sentiu muito.
A chegada da pandemia
Eu perdi pessoas queridas, perdi dois cunhados, um primo que tinha sido criado junto comigo na mesma casa. O mais sentido é que foi enterrado naquelas valas, sem ter direito de um enterro digno. Muito triste, mas foi o jeito a gente se acostumar, porque a gente não estava acostumado a ficar em uma prisão, né!? Que a gente não podia sair pra canto nenhum, que era tudo ali naqueles minutos, naquelas horas.
Então tem tudo isso daí, mas não pode ser muito, né!? Porque o vírus ainda está por ai. Tem gente também que até agora não tomou a primeira nem a segunda dose, tem medo. Eu já tomei as duas, se vier a terceira eu tomo.
Vivendo de peixe
Aí quando a pandemia tenta passar, nós, aqui em Parintins, nos deparamos com a doença do peixe da urina preta. Aí, como meu marido é pescador, se tornou novamente difícil, entendeu? Porque aqui ninguém trabalha, a gente depende da pescaria.
Quando pegamos o peixe, não vendemos, porque não tem ninguém que compre. Então, é difícil, não é fácil não. Mas a gente espera em Deus que tudo melhore, que tudo mude, pro mundo, para as pessoas. E espero também que, as pessoas que ainda não tomaram a vacina, que vá, que tome, que obedeça e que use máscara para podermos sair dessa doença maldita.
Eu acho que é uma maldição
É isso que eu tenho de falar, porque não é fácil. Passei horríveis na pandemia, em alguns momentos eu só queria gritar. Mas a gente tem que ter muita fé em Deus mesmo, porque só ele, o socorro vem dele, né?
E aí, se a gente não tiver fé nele, não tem uma outra pessoa. Ele que sabe se a gente possa sair na rua sem máscara, sem um vidro de álcool, sabe? Para a nossa vida voltar ao normal.
Porque aqui na nossa cidade vem o Boi, vem o festival. Para nós pudermos ir olhar, sabe? Já que há dois anos não tem. Então é ruim até para nós, pra todo mundo aqui da cidade. Como é que vai trabalhar? Não foi só eu que sofri, foi todo mundo – artistas inclusive.
Peço a Deus que passe logo, que a gente possa viver a nossa vida normal. Que tem gente que ainda tá teimoso, que vai, que anda, que não usa mais máscara. Mas eu não faço. Eu acho que eu já estou tão acostumada que, se eu sair na rua, tem que ser de máscara.
Então, bora confiar em Deus e a gente tem que fazer também a nossa parte, pois, se não fizer, não anda.
Foi neste momento que começou a pandemia. Antes de tudo, nós estávamos com uma perspectiva muito boa para o Festival de 2020. Sendo que, em 2019, a gente estava com um projeto bem legal de artistas, para fazer umas fantasias para 2020. Desde então, a gente estava fazendo o show de turistas e, quando veio a pandemia, a gente teve que parar.
Meu nome é Diego Cruz Azevedo. Atualmente sou figurinista do Boi-Bumbá Caprichoso. Comecei sendo figurinista em 2017, na gestão do presidente Babá Tupinambá. Mas venho trabalhando desde 1998 com o tio Deco, fazendo tribo e tuxaua, na agremiação.
Então, assim, comecei com ele, depois fui para a Escolinha do Boi-Bumbá Caprichoso e aprendi mais ainda. Fiz desenho, fiz artesanato de luxo e depois eu fiz dança. E depois da Escolinha eu comecei já a ingressar na vida de artista. Então, trabalhando com meu tio e com outros artistas do Boi-Bumbá Caprichoso que sempre me convidaram pra trabalhar. Aí, aprendi muito trabalhando no Festival.
Eu comecei a viajar pra São Paulo, sendo reconhecido pelo meu trabalho. Na gestão do Babá Tupinambá, em 2017, foi que eu fui convidado pelo presidente do Conselho de Artes, Éricky Nakanome, pra ingressar no quadro oficial de artistas, para fazer a Marujada. Desde então, eu estou no quadro de artistas.
“Perdi alguns parentes na pandemia”
Com a pandemia, todo mundo ficou nas suas casas, com os cuidados básicos pra não pegar a doença. Perdi alguns parentes na pandemia. Quando vieram as lives dos Bois, os diretores me convidaram para participar, para fazer fantasia, com o intuito de não ficar parado. Então a gente sempre ficou ajudando aqui na agremiação, nas lives. Quando tinha algum evento do Boi, a gente ia, mas ia sempre prevenido. Então, com isso, a gente teve que aprender a lidar com a pandemia, porque já não voltamos ao normal.
Com a pandemia de Covid-19 que foi acontecendo, nós tivemos que nos renovar. Então, com essas lives do Boi, eu tenho uma equipe de seis pessoas – como eu não podia contratar muitas pessoas, eu sempre ficava revezando com os meninos que sempre me ajudam.
Eu ficava revezando, porque, é claro, sempre dependemos muito do festival. A nossa renda é o Festival. Então, como o evento não aconteceu, a nossa renda ficou muito baixa. Além disso, eu sempre revezava com as pessoas mais carentes que eu, para poder, de alguma forma, ajudar com o sustento de suas famílias.
A esperança da vacina
Com a chegada da vacina, já deu mais uma esperança pra gente. Reuni mais pessoas para o trabalho e isso ajudou mais ainda o Caprichoso a fazer as fantasias – que são os figurinos que a gente começou a fazer com a minha equipe.
Fora as equipes dos outros artistas também que começaram a se juntar. Começou a renovar a nossa vida de novo. Não ao ponto de estar tudo normal, mas a vida já começou a melhorar.
A expectativa que nós estamos tendo é de que para o ano que vem, seja o melhor Festival de todos os tempos. Porque é uma espera de dois anos, e por isso, o Festival vai ser grande! E, com isso, o Caprichoso vem muito bonito. Além do mais, temos conversas corriqueiras com o Conselho, que repassa todos as informações necessárias, portanto, a expectativa é alta para o ano que vem.
Ser mais é abranger o coleguismo, a amizade.
Perdemos muitos amigos na pandemia, mas, os que permaneceram em nosso meio, a gente tem que acolher.
A pandemia veio e mostrou pra gente que a gente tem que gostar do próximo, para podermos ir para a frente. E você que ainda não se vacinou, vacine-se.
Eu já tomei as minhas duas doses, e aqui, o pessoal do Caprichoso, para conseguirmos fazer tudo o que quisermos, precisamos estar completamente vacinados.
A vacinação garante maior tempo de vida para as pessoas.
Minha trajetória no Boi foi tão magnífica, para mim, pois pude contribuir a partir do que eu faço de melhor: dançar. E, ainda, fui reconhecida por isso! Mas além do lado pessoal, é muito bom saber que você está somando – não só no palco do curral, mas também na arena do Bumbódromo, onde acontece o Festival. Cada um de nós é só um pontinho, mas um pontinho que liga os outros e que faz parte de todo o espetáculo.
Meu nome é Fernanda, moro em Parintins (AM) e faço parte do Corpo de Dança Caprichoso, conhecido CDC. Estou à frente do CDC como coordenadora, a convite de Érick Beltrão, e, mesmo ajudando nos bastidores, eu continuo como dançarina, fazendo o que eu gosto.
Comecei a minha trajetória aqui — se eu não estiver enganada — em 2008, através de uma pessoa conhecida, o Érik, que me apresentou o projeto. Recebi o convite, fui muito bem recebida e comecei a frequentar. Antes disso, tentara fazer parte de outro grupo, que não deu certo e, foi então, que o Érik me convidou para fazer parte daquele que, até então, se chamava “Troup Jovem”. De lá para cá, acabei acompanhando todo o processo de mudanças de nomes, até chegarmos ao CDC.
Do curral para a vida
Fiz muitos amigos durante meu tempo no grupo que não dá para dizer serem só “de dentro do curral”, mas para minha vida todinha, que levo para a vida toda. Até meu casamento veio de lá: me casei com um dançarino do Boi, estamos juntos há 10 anos e temos um filho! A Dança do Boi que fazíamos no CDC nos proporcionou muitas viagens para nos apresentarmos e foram nesses momentos que pudemos nos conhecer melhor.
Como em qualquer lugar, a gente tem altos e baixos, alegrias e tristezas. Mas minha trajetória aqui me deixa marcas até hoje, lembro de toda evolução (minha e do grupo) desde o início — tanto na dança, quanto na roupa, quanto na organização. É tão gostoso participar de um grupo, poder vê-lo evoluir e crescer.
A partida dos amigos do Boi
Em todo esse tempo, dói um pouquinho ver pessoas indo embora após quase 15 anos convivendo com elas. Muitos precisam prosseguir a vida, procurar o que é melhor para si — os seus estudos, um trabalho, uma moradia em outra cidade — e, com isso, ter que parar de dançar. Mesmo que doa e cause emoção lembrar dessas pessoas queridas, é a maior felicidade vê-las crescer. Mas há, também, amigos queridos que partiram, que infelizmente nunca mais vão voltar, porque estão junto do Pai.
Mesmo antes da pandemia a gente já perdeu amigos que faziam parte do Boi, fizeram sua história e partiram. Mas, com certeza, serão lembrados — tanto por sua dança quanto por seu carisma e pelas pessoas maravilhosas que eram.
A surpresa da Pandemia
No início de 2020, nós tivemos a grande surpresa: o início da pandemia. Eu, particularmente, nem conhecia esse termo. Conhecia epidemia, mas pandemia não. Foi um impacto muito grande: aquilo que no começo duraria 15 dias, logo saltou para 30, depois 6 meses, um ano… Foi uma coisa muito assustadora, muito impactante. O grupo vinha se preparando, praticamente todos os dias, coreografias novas, apresentações de toadas, montagem pAra lançamento, ensaios da Marujada.
Praticamente todos os dias nós estávamos aqui, na expectativa desse ano de 2020, preparando um ano de apresentações e, de repente, tivemos que parar, sem saber o que esperar o que viria dali para frente. Junto com isso, do nada, começamos a perder muitas pessoas. O desespero foi grande, de você querer se cuidar, querer cuidar do próximo, ao mesmo tempo querer continuar dançando, querer sair, mas vivendo uma vida reclusa, que eu acredito que muita gente não vivia.
Foi um impacto muito grande para o grupo, porque são pessoas em sua maioria jovens, ativas, que querem estar em movimento, estar fora de casa, ter o seu momento de diversão. E aqui dentro, para nós, o grupo também se tornava isso. Tanto ter a responsabilidade como dançarino, de cumprir com nossas obrigações, fazer o seu trabalho, mas, também, era nossa diversão, nosso momento de distração. Então, foi muito assustador, particularmente para mim, foi muito assustador.
Aperto financeiro e outras formas de união
Algo que também abalou muito o grupo foi a parte financeira, porque muita gente ficou sem trabalhar. E, para a nossa tristeza, a dança não é considerada um trabalho essencial para a sociedade e, por isso, não pudemos exercer nosso trabalho, porque não era essencial. Muita gente acabou ficando sem dinheiro.
Infelizmente, vimos amigos perderem seus familiares, perdemos amigos e, mesmo assim, nós estávamos juntos, apoiando um ao outro. E foi aí que o grupo se uniu e que começamos a ver outros meios de continuar interagindo.
Começamos a ajudar as pessoas do grupo que mais precisavam com cestas básicas e outros meios que pudessem ajudar, de alguma forma, a suprir aquele momento que estava sendo difícil financeiramente. O mais legal que surgiu, para mim, foram os vídeos. Fizemos e compartilhamos vários vídeos na internet em que nós dançávamos, desafiando e convidando amigos para a brincadeira. Isso puxou pessoas de outros lugares, com todo mundo mostrando um pouquinho do que gostava de fazer.
“Vai ficar tudo bem e a gente vai voltar a fazer o que a gente ama”
No meio de tudo isso, uma nova notícia chegou como o maior impacto: “não tem festival”. “Cara, como é que não vai ter festival?” Algo que todos da cidade sempre viveram não vai existir? Minha vida todinha, em todos meus 33 anos, fui ao Festival e, naquele momento, não poderíamos tê-lo.
No mês de junho, a cidade está sempre fervendo, fervilhando, agitada, animada, na expectativa do festival. Naquela hora, não: você via uma cidade totalmente calma, parada, porque aqui era obrigatório aqui ficar em casa. Mas o legal é que o CDC deu um jeito de fazer a Festa do Boi: pelas lives. Conseguimos trazer um pouquinho para o público, até mesmo pra gente – eu participei praticamente de todas as lives – essa oportunidade de dançar
Foi gratificante poder dançar um pouquinho, nem que fosse bem pouco. Mas isso levava para “torcedor Caprichoso” aquela energia em que você fala: “Cara, vai ficar tudo bem e a gente vai voltar a fazer o que a gente ama. Não se esqueça que o Boi está aqui: ele precisa de você, você é o nosso torcedor, nosso combustível. Então a gente vai fazer tudo por vocês, para voltar”.
E eu pude estar ali, eu pude sentir essa energia, pude passar essa energia para o público, e a certeza de que tudo passaria e voltaria ao normal.
Segunda onda e a perda de pessoas queridas
Depois que passaram todas as lives, tivemos, infelizmente, a segunda onda. E aí que me pegou. Foi nesse momento que eu realmente perdi pessoas muito queridas. Amigos da minha vida, da faculdade, do Boi, do grupo que eu fazia parte. Um deles foi meu padrinho de formatura… Infelizmente, eu vou me formar e ele não vai estar aqui. Mas levo meus amigos sempre comigo: na vontade de viver, de seguir em frente, e no desejo de dizer “cara, ficou tudo bem, eu consegui, eu cheguei até aqui”.
Você agradece pela sua vida, agradece também pela vida dos seus familiares que estão bem. Eu agradeço porque eu tive… Não sei se foi sorte, ou se eu tive benção de não pegar em nenhum momento essa doença, esse vírus. Mas, ao mesmo tempo, você se sente egoísta de agradecer pela sua vida e saber que teve pessoas do seu lado que praticamente tiveram suas famílias dizimadas.
“Está passando e a gente está conseguindo”
Mas, a vida continua, a gente precisa seguir em frente, mostrar pra essas pessoas: “olha a gente conseguiu, por você, eu vou seguir em frente, por vocês a gente vai continuar”.
Quando veio a vacina, a gente se sentiu muito mais seguro. Os casos, graças a Deus e graças à vacina, diminuíram na cidade. Agora, estamos podendo brincar de Boi. Olha que festa linda que foi feita agora, que o Boi nos proporcionou! Ver pessoas de fora fazendo de tudo para vir, para participar, sentir a energia e, por fim, dizer assim: “cara, tá passando e a gente tá conseguindo”. Foi magnífico.
Agora temos 2022 pela frente. A minha expectativa, eu digo, é: vai bombar! Só pela grandiosa festa que foi feita, pela sede que as pessoas de brincar de boi bumbá, de estar na nossa terra, entrar na arena, sentir a energia de todo mundo e ver o grande espetáculo. Não é pequeno! Pode ter certeza.
O Boi e as ‘estrelas azuladas’
As pessoas estão com uma sede imensa de gritar “eu tô aqui”, de cantar “é o meu Boi, eu vim ver o meu Boi”. Tenho certeza que em 2022 o Festival será magnifico. E eu tenho certeza que o meu Boi vem com um espetáculo imenso, imenso mesmo. Mas, colocando sempre em evidência, homenageando e jamais nos esquecendo das estrelas azuladas que, infelizmente, essa doença levou.
Cada um deixou a sua história, por pouco tempo, por muito tempo que viveu, mas deixou sua história, seu legado. E jamais, eu tenho certeza, que jamais o nosso Boi, a nossa nação azulada, se esquecerá de cada um deles. E eu me sinto muito grata de fazer parte dessa história azulada. Posso chegar aqui e dizer “Fernanda, você é parte dessa história azulada”. E digo mais: “é muito gratificante chegar aqui e poder contar um pouquinho da minha história”.
Então, para 2022, vamos nos cuidar, vamos nos preparar. Infelizmente o vírus ainda está aí. Não como estava antes, que nos assustou, nos devastou. Mas vamos estar aí nos prevenindo, nos cuidando. E vamos nos divertir, porque o que mais queremos é curtir o Festival, o melhor que a nossa cidade pode nos oferecer.
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