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25 a 39 anos Amazonas Ensino Médio Completo Homem Cis Parda

“A pandemia e a enchente em Parintins nos colocou diante da realidade”

Meu nome é Josias Silva, tenho trinta e dois anos e sou natural de Manaus. Há três anos resido em Parintins e em todos eles tenho me dedicado, exclusivamente, à Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso.

Durante esse tempo todo, tivemos felicidades e também muita tristeza, com a chegada da pandemia. Ela pegou todo mundo de surpresa. Infelizmente experimentamos mais a dor da perda do que algum ganho. Ficamos de resguardo em nossas casas, praticamente presos, sem poder fazer nada, sem poder respirar. Infelizmente perdemos muitos amigos e familiares. Porém, com a chegada da vacina, tudo pode voltar ao normal. Não totalmente, mas aos poucos a gente vai voltando ao normal. 

Durante a pandemia, ainda com o cenário de mortes, eu pude ter uma felicidade: a chegada da minha filha Luna, que foi o presente que Deus me deu. Ela é o amor maior da minha vida, a maior felicidade que eu tive.

“Essa fama de o Caprichoso ser o “Boi da elite” é falsa. Na realidade, de perto, vimos as dores, as necessidades do povo da nação azul e branca”

De cara com a realidade: pandemia e enchente em Parintins

Em relação ao Boi Bumbá Caprichoso, o que eu tenho a dizer é só felicidade. Porém, enfrentamos a pandemia e a enchente em Parintins e isso nos colocou frente a frente com a realidade do povo Caprichoso. Essa fama de o Caprichoso ser o “Boi da elite” é falsa. Na realidade, de perto, vimos as dores, as necessidades do povo da nação azul e branca. 

Com a enchente e a pandemia, muitas pessoas que trabalham com artes no Boi-Bumbá Caprichoso não puderam elaborar seus projetos e, com isso, não puderam ter dinheiro para sustentar suas famílias. Então o Boi Caprichoso fez várias ações, como o evento do dia das mães e as atividades com o povo que mora na região alagada pela enchente. Levamos o Boi até as pessoas que sofreram com o isolamento da pandemia para dar um pouco de alegria e esperança. 

E como eu falei anteriormente, a vacina nos trouxe esperança. Há pouco tempo, tivemos uma festa no curral do Boi-bumbá Caprichoso. Nela, pudemos extravasar, dizer que, felizmente, a vencemos, estamos vencendo. Foi aquela mistura de sentimentos: ao mesmo tempo em que a gente estava feliz, extravasando, por estar todo mundo vacinado, também sentimos tristeza por aqueles que já não estão com a gente porque morreram de Covid-19.

Eu peço a todos aqueles que ainda não se vacinaram que se vacinem. A vacina é a única esperança que a gente tem para voltarmos à normalidade. Também peço a você que se vacinou que continue se cuidando: dê conselhos para os amigos e familiares que não se vacinaram para se vacinarem. A vacina é a única esperança que temos de dias melhores.

Temos que ter consciência de tudo aquilo que perdemos e deixamos de valorizar para que possamos, novamente, ver o brilho de nossa festa. Temos que dar mais valor aos outros, ter mais amor em nosso coração e união. 

Espero que em 2022 tenhamos vitórias, prosperidade e que seja um ano de vitória também para o nosso Boi-Bumbá Caprichoso, com a realização do Festival, no qual trabalhadores possam voltar aos galpões e levar o sustento para suas famílias.

Volta do Festival só com vacinação

Estou muito feliz por fazer parte dessa família do Boi Caprichoso e só com a vacina podemos realizar o próximo Festival Folclórico de Parintins e, com ele, fazer com que a economia do nosso município volte a crescer. 

Espero que essa vida [de pandemia] tenha ficado para trás e que, com a vacina, possamos ter dias melhores. Espero que em 2022 tenhamos vitórias, prosperidade e que seja um ano de vitória também para o nosso Boi-Bumbá Caprichoso, com a realização do Festival, no qual trabalhadores possam voltar aos galpões e levar o sustento para suas famílias. Espero que seja um ano de muitas vitórias para nação azul e branca.

Por isso, vacinem-se, continuem se cuidando, cuidem de suas famílias, de seus amigos para que a gente possa se encontrar nesse festival de 2022, que promete ser um dos melhores.

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60 anos ou mais Amazonas Ensino Médio Completo Mulher Cis Parda

“A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico”

Eu sou Maria Auxiliadora Pereira e Silva, mais conhecida como Dora Caprichoso. Trabalho no Curral [da Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso] há vinte anos. Comecei [no setor de] serviços gerais e hoje sou diretora do Curral, desde 2016.

A pandemia me trouxe uma tristeza muito grande pois fui obrigada a me ausentar do Curral. Passar meses fora daqui foi a maior tristeza que senti. Fiquei muito abalada quando vi as pessoas morrerem e deixei de assistir o jornal. Foi um desespero, fiquei muito nervosa e acabei trazendo isso para a minha vida. 

Agora já estamos vivendo momentos melhores e espero que não voltemos mais àquela situação. Ainda que o momento mais crítico da pandemia tenha passado, a gente continua a sentir tristeza pelas pessoas que morreram e, dessa forma, a pandemia deixa marca. Perdi amigos queridos e isso me entristece muito. Eu não gosto muito de falar porque sinto uma dor muito grande no meu coração. 

Espero que isso [a pandemia] termine definitivamente. Por ser uma cidade pequena, Parintins foi bastante afetada. Pessoas como eu ficaram desesperadas por não poder trabalhar.

Minha experiência na pandemia

Quando chegou em agosto de 2021, o presidente [do Boi Caprichoso] me perguntou se era hora de voltar ao trabalho e eu retornei ao Curral porque já não aguentava mais o sofrimento de ficar em casa sem poder fazer nada. Muitos sócios queridos do Caprichoso morreram e ao ficar em casa, sem poder fazer nada, me deixava ainda pior. 

Eu espero que, daqui para frente, tudo volte ao normal. Espero que possamos viver como antes, com alegria, com festas. Quero poder passear, tirar um dia para lazer sem a preocupação de não poder estar em determinado lugar por causa do Covid-19.

“A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico, mas se a gente se respeitar e continuar usando a máscara, a gente vai ter um final muito feliz.”

Eu também espero que as pessoas se respeitem uns aos outros, que continuem usando máscara até que tudo isso passe. Se todos colaborarem, a pandemia acaba. Espero que, na idade que estou, não presencie mais uma pandemia dessas. Ela foi tão triste para nossas vidas. Não só pra mim, para todos.

Agora em diante, gostaria que todo mundo respeitasse uns aos outros, continuasse se distanciando, usando máscara, se prevenindo. A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico, mas se a gente se respeitar e continuar usando a máscara, a gente vai ter um final muito feliz.

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25 a 39 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor Santa Catarina

“Tenho mais medo da violência do que das doenças”

Acho que hoje tenho muito mais medo da violência do que das doenças. Por sorte, vivemos em um lugar ainda bastante seguro.

Mas meus anseios são quanto à segurança, principalmente com meu filho. Durante a pandemia, eu até certo ponto fiquei tranquila em saber que ele estava ali, dentro de casa, protegido não somente do vírus, mas do mundo.

Consegui me desligar um pouco do mundo e entender um pouco mais sobre o que eu gostava de fazer. A pandemia me trouxe isso, saber o que eu gosto, quais são os meus interesses e as minhas prioridades.

Na pandemia eu me dei prioridade.

É claro que essa doença avassaladora destruiu o emocional da população. Muitas baixas. Mas vejo como um sinal do mundo dizendo: “hei, pessoas, parem, respirem, vejam o céu azul, o vento…”

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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor

“Durante a pandemia eu orava pedindo a Deus que me acalmasse”

Relato de Marilza Xavier, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

quando começou a pandemia, eu fiquei com muito medo. Fiquei nervosa, então quando eu ia dormir assim na noite, nossa eu falei assim: ai meu Deus, se eu amanhecer com essa coisa né, aí eu ficava orando pra Deus me dar calma, porque eu fiquei muito nervosa, eu chegava parecia que eu tava andando assim nas nuvens, pisando assim. Foi de nervoso né, e até hoje ainda eu estou nervosa. 

Eu tenho medo, eu falo assim: “ôh meu Deus, a gente não tem com essa doença traiçoeira, né? a gente não tem, sei lá , segurança”. Imagina, eu tomei as duas doses e vou tomar no dia 04 agora de novembro o reforço, a terceira dose. 

Os acontecimentos que mais marcaram esse processo da pandemia, foram as mortes das pessoas. Todo dia vendo notícia da televisão que informava: morreram tantos! Isso daí me impressionou muito, e pressiona muito, né? Foi quando eu deixei mais, assim, de ir na reunião da igreja, sabe, vejo mais tudo pela televisão, os cultos que vai ter, né? Não vou mais quase em feira, em mercado. 

Diminui a ida aos cultos na igreja

É porque eu gostava muito de ir à igreja, eu ia quarta, sexta, aí eu diminuí, tenho tudo aqui dentro de casa.  Porque eu tenho cisma, sabe? Se eu cismar com uma coisa, aí que eu fico nervosa, parece até que eu estou doente já, de nervoso. Depois que eu ainda perdi essas pessoas, né, os entes queridos, ainda que me dá mais angustia! Aí eu não saio muito não, porque se eu sair e se aparecer mais de dez pessoas, nossa aquilo pra mim já estou vendo um povão, sem tá vendo, parece que é na minha mente né, ai eu deixo vim embora. 

Cheguei aos 81. Em maio, eu faço outro aniversário, se Deus quiser. As meninas farão um bolo. Eu vivo assim mais estou vivendo bem. Eu me alimento bem direitinho, faço as coisas nada assim, como só quando eu devo, não fico me enchendo de besteira, comendo bobagem, doce. Que eu gostava muito de comer doce. Agora eu mesmo, por mim, estou cortando, porque às vezes a gente se sente mal. E assim eu estou vivendo. Se eu fiquei sem Joãozinho, sem a Ju, foi porque Deus quis. 

Eu até que não chorei muito porque eu pedir tanto a Deus, Deus eu não quero, eu sei que eles faleceram, a morte não tem volta, a gente tem que pedir isso a Deus. Quando bate uma saudade boa, eu lembro que eu passeava muito com ela, ela me levava para passear, me levava no shopping. Então aí eu vou. 

Quando a pandemia passar eu também vou à ceia da igreja, se Deus quiser, quando eu estiver bem segura assim que eu possa ir nos lugares. Todos os anos eu ia à ceia.

Perspectivas para o futuro

Eu tenho assim né mais pra frente, eu acho assim que eu já perdi, eu não sei né, eu acho que era só esses agora, então aí vou ver se eu vivo melhor né, não ficar assim pensamento só em morte, coisa ruim né, nem nessa pandemia passando, aí pronto, eu acho que eu vou viver bem! Até no dia que eu tiver ter que ficar aqui nessa terra né. E sempre eu sou assim mesmo, eu sou sempre eu fui caseira, eu saia assim com a minha neta que se foi sabe, viajava saia muito. Mais eu sempre fui muito caseira assim, não fui muito de ficar assim passeando sabe, em festas, mais nisso tudo eu vivo bem. Está entendendo. 

É, boas expectativas do futuro né. Vamos ver, entrando o ano dos meus 82, 83, como vai ser né. Se eu vou ficar assim forte como eu ainda estou né. Eu não ando não é porque eu não posso é porque eu não gosto e pra mim eu não posso ver muita gente, tumulto eu não posso porque ataca meus nervos e parece que aquilo já é uma coisa muito ruim para mim. Então, eu prefiro ficar mais isolada. E assim nós vamos vivendo chegando na nossa idade feliz, porque a morte não traz muitos,  não é feliz, mais deu pra me superar bem né, que eu não fiquei assim com a minha cabeça doente, que eu acho digo assim na minha cabeça me atormentando né, porque eu só tenho saudade boa. 

Eu vou levando agora quando eu falo né, agora a gente tem que levando a vida né, que a vida se segue né. Cada um de nós tem uma missão e ela acaba no momento certo. Se vai um mais velho, se vai um mais novo e fica mais velho, é porque era o seu destino.


Leia também o relato de Joana Apako Caramuru Tuxá, do município de Rodelas, na Bahia: “Passei a não assistir mais aos jornais e procurava não ler sobre o assunto”

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40 a 59 anos Distrito Federal Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Não frequentei a escola Parda Raça/Cor

“Soube de um rapaz que perdeu seis pessoas da família”

Relato de Nilza Soares, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

No começo da pandemia foi difícil, porque a doença nos pegou de surpresa. Muitas pessoas se viram paralisadas diante da notícia.  No começo, no dia 5 de fevereiro, contraí a Covid. Passei por esse processo, assim como minhas irmãs. Meus pais, graças a Deus, não pegaram a doença, pelo fato de eles estarem afastados e não precisarem sair para trabalhar. A gente que trabalha fora, precisa se deslocar de um local para outro. Dessa forma, acabei contraindo o vírus.

Foi um processo difícil de quinze dias que, realmente, não tem explicação. Mas, graças a Deus, a gente conseguiu passar. Meus filhos não contraíram a Covid, acredito que nem o meu esposo tenha pego, porque, segundo os médicos, se pegou não foi o caso de ser internado. Neste caso, o organismo dele teria reagido muito bem. 

Neste momento, milhares de pessoas no Brasil e no mundo inteiro perderam familiares. Ainda bem, não perdemos nenhum familiar ou pessoas conhecidas. Nada que a gente esteja sabendo até agora. Aliás, perdemos a esposa de um primo meu, muito jovem. Ela faleceu aos 26 anos. Graças a Deus, todos que estão aqui já passaram por esse processo. Algumas das minhas irmãs também contraíram, por trabalharem fora. 

“Tem dias que parece que vou paralisar”

Quando tudo estava um caos, a gente tinha que manter a calma, ter paciência e tranquilidade, porque tudo passa. De um jeito ou de outro, tudo vai passar. Eu fiquei com sequelas após a Covid: dores no corpo, começam nas costas e vão se movimentando. Tem dias que parece que vou paralisar. É horrível. Só sabe quem já passou por esse processo.

Voltei a trabalhar normalmente, e minha expectativa é que virão dias melhores pela frente. Se cheguei até aqui, com certeza é porque virão dias melhores. Essa é minha expectativa. Eu sobrevivi a uma doença pela qual muitas pessoas não conseguiram passar. Quantas pessoas próximas perderam parentes, entes queridos, ou até a família inteira? 

Teve um caso  de uma pessoa que trabalha com a gente. Ela é secretária e perdeu o tio, a tia, dois sobrinhos. Eles foram para Maceió e acabaram sendo internados. Dois dias depois, foram entubados e não retornaram.  Soube do caso de outro rapaz que perdeu seis pessoas da mesma família.  

“Minha família me deu forças nesses tempos sombrios”

Então, quando a gente ouve tudo isso que acontece ao nosso redor, e sabe que estamos passando pelo processo, é importante confiar em Deus e acreditar que tudo vai ficar bem. É manter a serenidade, a calma, porque tudo é um processo. Um processo no qual a gente tá vivendo, e por ser algo que é geral, que o mundo inteiro está passando, não adianta a gente entrar em pânico, a gente tem que manter a calma. E acreditar que se há países como a China, a Itália, e outros que se recuperaram, onde a sociedade já leva uma vida normal, para a gente aqui no Brasil não será diferente.  

Essa doença trouxe um grande caos, porque os preços dos alimentos e do combustível aumentaram muito. Muitas pessoas haviam parado de trabalhar. Muitas fábricas, empresas e lojas foram fechadas. Atualmente, as coisas já estão normalizando. Para o mês de novembro está previsto a gente não usar mais máscaras, mesmo assim a gente tem restrições. É que a pandemia não acabou. O vírus ainda está aí e precisamos nos precaver, sempre mantendo a calma.

Quando se tem uma crença, uma fé, ajuda bastante a passar por essa situação. Conto também com a ajuda e colaboração de meus filhos, esposo, netos, porque eles não saíram de casa durante a pandemia. Lógico, tive todos os cuidados necessários também. Ficava em meu quarto e a cada semana, meus filhos e netos faziam os exames para detecção da Covid. Os testes sempre atestavam negativo. Dessa forma , fiquei mais tranquila com a família por perto para a gente superar essa barra juntos. Assim é mais fácil.

   

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40 a 59 anos Distrito Federal Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor

“O mais difícil foi ser cobrada pelas contas, e não ter como trabalhar”

Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

O mais difícil foi receber faturas, contas a pagar, como o aluguel da casa, sem poder trabalhar. E agora, de onde é que você vai tirar? Foi muito complicado. Teve uns quatro meses que o Auxílio Emergencial me ajudou. Meu namorado me ajudava também, senão não tinha nem como pagar o aluguel. Reabrimos o negócio, se não me engano, em junho ou julho. 

Graças à Deus,  ninguém da minha família pegou a Covid, e isso é o mais vitorioso. A pandemia afetou mesmo nos compromissos no dia-a-dia. Mas, estando com as coisas em dia, é outra coisa. Agora, se não estiver, você fica doida. Não sei se todos pensam igual a mim, mas eu penso assim. O que vale é você honrar os compromissos.

O governo não deixou de nos enviar os boletos de cobrança durante a pandemia

Nós ficamos aqui um tempão e o governo não deixou de nos enviar os boletos, e todos nós tínhamos que pagar e isso afetou muito. Não tivemos nem um mês em que não tivéssemos que pagar os impostos. Mesmo fechados, tivemos que pagar todos os meses e não deixar nenhum atrasar.

Apesar de tudo, a gente tem que pensar em dias melhores. Correr atrás, batalhar, para ver se vêm dias melhores, pois se ficar assim, a gente não consegue nada. Eu corri atrás de dias melhores, pedi a Deus para ver se melhora, porque a cada dia as coisas vão ficando mais difíceis. 

Se vamos ao mercado com R$50, a gente não volta nem com o real de troco mais. Pior: nem compramos o que a gente quer. Está mais difícil por isso. Com uma família de duas ou três pessoas em casa, é preciso saber se organizar, senão a gente passa dificuldades. Quando se é só, dá pra se virar. Mas, se duas pessoas em casa já é difícil, imagina uma família de treze filhos. 

Comecei a trabalhar em Brasília no mesmo ano em que cheguei

Meu nome é Cristina Maria Brito dos Santos, tenho 55 anos. Trabalho aqui na feira desde 1993, e moro no Recanto.  Sou do Maranhão.  Estou em Brasília desde 14 de julho de 1993. No mesmo ano em que cheguei,  comecei a trabalhar. E até hoje estou aqui.  Minha mãe mora no Maranhão com meus dois irmãos. No total, somos treze irmãos. Não sou a caçula,  mas sou a antepenúltima. Ainda têm mais dois depois de mim. Um irmão e uma irmã. Todos os dias converso com eles.

Nesse contexto, não consegui visitar a minha família, porque minha mãe é idosa, tem 93 anos, e a gente preferiu deixar passar um pouco de tempo para ir lá, por causa da Covid. Estou esperando, e agora neste mês de Janeiro quero ir, com fé em Deus. Vai fazer dois anos que não vou por conta da pandemia. Espero que esse negócio já tenha passado até lá. Ela é preferencial, então não tem nem como sair para ir pra lá. Eu preferi ficar, e também pela situação. Ficamos quase sete meses sem trabalhar e aí como é que viaja? Não tem nem como. Financeiramente, não tem nem como viajar.

Relato de Cristina Maria, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

 

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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Parda Raça/Cor

“Para viver aqui, só quem tem Deus, e com muita oração”

Relato de Lídio dos Santos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Essa pandemia… eu vou lhe contar! Ela veio para arrasar com todo mundo, sem dó nem piedade. Para viver aqui, só quem tem Deus, e tem que ser na base da oração, porque a doença está matando mesmo!

Os empregos acabaram, não é verdade? Empresas falidas, fechadas. Então, agora, é na base de Deus. Quem tem Deus, tem vitória; quem não tem, chora. Ele tem cuidado de mim, e tem mesmo! E eu estou aqui, só alegria! A pandemia em nada me atingiu. Ainda bem. Nunca na minha vida tive qualquer doença, nem mesmo um resfriado. Tomei a primeira dose da vacina na segunda-feira e hoje vou tomar a terceira. Vou ficar mais jovem ainda. Mas, é joelho no chão e oração, porque é somente Deus. 

A pandemia fez todo mundo se precaver, se higienizar. Todo mundo, em geral, sem diferença de cor nem raça. Ou vai, ou racha! No mais, agora é com Deus, porque é o seguinte: se não for Deus, não temos outra saída. 

Meu nome é Lídio dos Santos, sou pastor, um novo covertido desde 1977. Que tal? Eu pretendo ir de Brasília direto para o céu, com a permissão de Deus. Nasci na Bahia, em Correntina, mas vim pra cá em 1970. Fui para São Paulo fazer alguns cursinhos, mas voltei para cá, me casei e aqui estou.

É preciso se apegar a Deus

A minha expectativa aqui é ampliar a minha lojinha, o prédio que Deus me deu, e alugar alguns imóveis. As pesssoas vêm aqui orar, a exemplo da irmã da Conceição, entre outras pessoas, que vêm me ajudar a orar. Aqui é só vaso! 

É uma boa expectativa, porque o pouco que a gente sabe fazer a gente dá valor. Importante saber o quanto pesa na balança. Porque se você tiver um gasto esbanjador, não fará mais. Quer dizer, se você pegar mil reais, então você: opa! Se você pegar cem reais, então você: opa, peraí! Porque você sabe a dificuldade de se conseguir dinheiro agora! Não tem dinheiro na praça, nem emprego. Agora é que estão abrindo, mas até chegar lá quantos anos mais? 

E para você que lê o meu relato: fique firme, sem titubear para qualquer lado, mas fique na fé, porque isso vai passar. E temos que tomar muito cuidado com a higienização. Esse vírus está passando, mas têm outros vindo por aí. Tenha cuidado, pois a sua saúde é muito importante. Sem saúde, você não é nada. Você pode não ter um tostão no bolso, mas se você tiver saúde,  você corre atrás. No mais, tem que se apegar a Deus. Se você se apega com Deus, de verdade, a coisa muda de figura. Mas sem Deus, ninguém é nada. Nada mesmo. 

Salmo 133: Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união. 

Leia também: “Nesses momentos difíceis, Tupã tem nos ajudado”

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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Parda Raça/Cor

“O maior impacto foi ter ficado parada e sofrer de ansiedade”

Relato de Lindalva Batista, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Tenho 86 anos e oito meses. Vim morar aqui aos 14 anos. Antes [de morar no Distrito Federal], vivia no Rio de Janeiro. Nós moramos uns 20 anos no Rio de Janeiro. Casei no Rio, tive seis filhos. Nós viemos para procurar coisa melhor. Veio todo mundo, eu, os filhos e o marido. Chegando aqui, tive mais dois filhos. Primeiro, eu tinha sete, aqui tive mais dois. No total, são nove filhos, e estamos aqui até hoje.

A pandemia marcou mais a minha vida por eu ter que ficar parada, por ter que ficar em casa. Antes eu saía, mas nesse período passei o ano todo sem sair, só para ir pro médico. A ansiedade piorou. É que a gente escuta “um morreu lá, outro morreu acolá”, por isso fiquei com muita ansiedade. Tinha dia que eu ia dormir e acordava durante a noite pensando que estava doente. Muita ansiedade mesmo.  

O trabalho parou e isso foi horrível, pois eu era muito ativa. Todo dia ia pra loja. Eu moro na casa de um dos meus filhos. Então, a pandemia atrapalhou a minha rotina. Gostava muito de sair, de festa, não tinha uma festa que eu não estivesse. Tenho uma família muito grande, então cada vez tem um filho para visitar. Eu gostava muito de sair, passear, shopping era toda semana, almoçava fora, tinha uma vida melhor. De repente, parou tudo. Fiquei sem chão. 

Vou receber a terceira dose depois de amanhã.  Agora já não tenho mais ansiedade, passou. Já vou até viajar. O aprendizado que eu tive foi ter muita fé em Deus, muita oração pra conseguir passar essa fase, e graças a Deus consegui. 

“O isolamento me fez lembrar dos tempos da Ditadura”

A expectativa que eu tenho é de que a situação melhore, que tudo volte ao normal. Acho que normal mesmo não volta mais. Essa doença aí deu medo em todo mundo. Não tem como ficar calma. Acho que desses dois anos, só agora que eu estou mais calma. Então, fizemos assim, cada um que fazia aniversário só chamava a família, só os de casa. Mas, eu mesma, só fiquei em casa. 

Passeio de shopping acabou, as festas… Ainda não estou indo na missa. Porque ainda tenho medo. Porque dizem que mesmo quem se vacinou duas vezes ainda pode pegar a doença. Então, assisto a missa na televisão. Vamos ver se essa pandemia acaba nesse ano que vem.  

Essa situação de ficar em casa me fez lembrar da Ditadura, que era quando não podíamos sair na rua. Ficávamos trancafiados dentro de casa, íamos apenas ao mercado fazer compra. Foi uma época bem ruim também que passei. Hoje, o que eu mais quero é saúde para mim e todo o mundo. Que as coisas voltem a ser como eram antes. Acredito que vai melhorar, se Deus quiser, vai melhorar.

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“Nós somos mortais; logo, eu não tenho medo”

Relato de Marcinda Guimarães, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Essas coisas que acontecem no mundo não me assustam, porque sou uma irmã sábia. A gente estuda muito a palavra, ouve muito e, uma vez, ouvi alguém dizer que havia de chegar uma doença que mataria muita gente. Mas, eu não sou muito de acreditar nas coisas. Sou igual a Tomé, só acredito depois que vejo.

Eu não sabia que seria isso! Mas, agora que a minha ficha caiu. Será que é a pandemia? Durante uma conversa com o meu filho, ele falou: “mãe, isso já era previsto.” Mas, eu não sabia o que era, sabia apenas que seria uma coisa terrível para a humanidade. No início, fiquei incrédula e cheguei a pensar: o povo conversa muito, vai que não é nada? Pois é, mas está acontecendo mesmo.

Nós somos mortais, por isso que eu não tenho medo. Aliás, eu não tenho medo de nada! Ah, é cuidado que ele é doente, é isso, é aquilo. Que nada! Olha, eu não sei quem contaminou o primeiro, eu penso logo assim. Então, quem será que contaminou o primeiro? Veio porque tinha de vir. 

A Carmelita e o Silvani, irmãos dos meus primos, morreram de Covid. 

“Trabalho desde os 9 anos de idade”

Não sinto saudade da minha vida antes, porque eu trabalhei desde os meus 9 anos de idade. Hoje, estou aposentada e acredito que se Deus me aposentou é para eu ficar quieta. Agora, só quero me divertir, estar na praia. É sombra, água fresca e água de coco gelada, e pronto. Chega! Eu comecei a trabalhar quando tinha apenas 9 anos! Me tiravam da cama às 2 horas da manhã pra ir bater pasto, bater rapadura, tocar boi, buscar cavalo no pasto.

Vim parar em Brasília e tinha que levantar 4 horas da manhã para ir pra fila pegar leite no carro do leite, caso contrário, não tomava leite. Chega! Cresci trabalhando, trabalhei até 2011. Minha luta foi até 2011, quando, finalmente, me aposentei. Quando vi que eu não aguentava mais, eu disse “chega!” Agora eu não quero mais nada. O que cair na rede, pra mim, é peixe. Não quero mais nada. Somente passear, andar e aproveitar. 

Isso é coisa de Deus, é inexplicável. Só Ele pode explicar para nós. Eu vejo assim, como fim dos tempos, como fala no livro de Gênesis, na Bíblia. Então já está começando ou talvez agora está até terminando, ninguém sabe! Eu já vi muitas pragas. Eu já dormi com leprosos. Minha tia tinha uma doença que ela descascava todinha, ficava feridinha. Tinha que dormir com ela e ela falava assim: “Marcinda você não tem nojo de dormir comigo?”. 

Eu falei: “Nojo porque minha tia? Porque vou ter nojo? Tia, a senhora não queria, mais veio. A doença vem pra gente sem você querer, quando tem que acontecer, vai acontecer, minha filha. Estamos todo mundo aqui dentro de casa, de repente uma bala pode me pegar aqui. Nós estamos conversando, porque eu tinha que morrer baleada, não é não? Eu tinha que morrer daquele jeito. 

“Eu acredito na palavra de Deus, por isso não tenho medo”

Acredito na sorte. Que a gente nasce com ela, porque você já nasce com tudo pronto pra morrer. Você vem, mas já vem trazendo tudo. Deus vai dizer: “você vai viver tanto tempo e com tanto tempo você será recolhida. Você vai morrer assim, e pronto.” Eu acredito na palavra. Por isso, eu não tenho medo de nada, graças a Deus. 

Faça o que tu gosta, mas se cuide. Se cuide muito bem, porque eu me cuido. Não deixe de fazer o que queres. Mas tenha cuidado, porque tudo na vida tem que ter cuidado. Procure também se alimentar bem, porque o que vale é o alimento. Se puder, tome suco de inhame durante o dia e à noite. É ótimo!

Uma coisa eu digo: a vida é luta! Não pense que vamos embora sem lutar.

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60 anos ou mais Distrito Federal Ensino Fundamental Completo Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Parda Raça/Cor

“A falta de um abraço é o mais difícil durante a pandemia”

Relato de Nilo Sérgio, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

Pra mim, a pandemia não afetou muita coisa, continuo descendo. Mesmo assim, mantenho a distância de dois metros das pessoas. No entanto, eu gosto do contato com o povo, de estar onde tem gente. Não sei ficar isolado, não dou conta. Sinto falta de um bom abraço, de bater papo com os meus colegas. Pra mim, o difícil é a falta de um abraço, de estar no meio de pessoas próximas, de quem gosto. Isso sim faz falta.

Porque eu acho que é costume a pessoa chegar, abraçar, dar um beijo na pessoa. Agora, com esse negócio, já tivemos de romper esse costume. Então, é o mais difícil, pra mim. Manter a distância, a pessoa vai manter, sim. Lavar as mãos, se cuidar, todo mundo vai fazer isso, normalmente. No entanto, a falta do contato físico é difícil. O resto não, o resto a gente leva de boa.

O que mais me marcou foram os falecimentos. Uma menina, que morava no primeiro andar do bloco ao lado do meu, faleceu de Covid. Era colega da minha mãe. Acho que ela foi infectada por um pessoal que veio de fora para trabalhar. Então, é um desses questionamentos que a gente faz depois que a pessoa pega, depois que acontece. A gente tenta arrumar uma explicação, mas é o que tinha que acontecer mesmo.

Eles também se cuidavam, mas de quê adiantou? A pessoa mantém uma proteção, mantém tudo, mas não tem garantia, a exemplo daquela atriz, a Nicette Bruno. Pessoal se cuidou, mas foi alguém visitar. E eu te garanto que deve ter muita gente que pegou a doença e não sabe. Teve gente que pegou, se recuperou, ficou em casa, e passou. Deve ter acontecido muito por aí. 

Distanciamento, máscara e a falta do afeto

Pra ser sincero, eu nem dei conta dessa pandemia. Me protegi, respeitei os outros, usei a máscara. Mas, senti saudade de encontrar as pessoas, de fazer aquela rodinha dos amigos, bater um bom papo, trocar ideias. De ir ao supermercado, a uma feira. Manter esse negócio de isolamento é meio chato. Uma pessoa olha pra outra, é vista, e às vezes vemos alguém sem a máscara.

Já cansei de ver aqui. A pessoa vem lá do outro lado, até que alguém está sem mascara. Logo, a pessoa que está de máscara passa para o outro lado! A gente não fala nada, lógico, mas sente que a pessoa está se afastando porque a outra está sem a máscara. Mas, estou me protegendo, mantendo o distanciamento, e a vida continua. Ah, sinto falta de festa também. Mas falta, de verdade, só do abraço mesmo.

É porque as pessoas são um pouco rígidas para o afastamento. Eu vi, presenciei, uma pessoa falando com a outra assim: “poxa, você mantém a distância, não é?” E a pessoa continua: “Não é por você não, é por mim”. E o outro tão distraído. O coitado tentou pedir desculpas, mas não adiantou nada. Acho que o ser humano, às vezes, por pouca coisa, faz uma confusão danada. Mas, em termo, assim, de prejudicial, que até quando meu pai estava internado eu ia ao hospital.

Acredito que importante é viver cada dia, cada momento. Cada dia é um dia. É um dia que Deus nos dá, isso que é bom. Bom também é ser feliz. O resto a gente toca o barco. A pessoa que citei é o meu ex cunhado Rodrigo. A mãe dele mesmo disse: “tudo que tu quiser fazer pra mim, tu faz em vida, que depois não adianta chorar”. Então, ontem à noite, eu e meu irmão comentamos com ele: “pois é, a gente te diz o mesmo.”