Estou recluso no Centro de Ressocialização de Cuiabá. Estou preso há dois anos já aqui no cinema e hoje a pandemia veio. Infelizmente no momento é ruim, no momento que eu estou passando por mais dificuldade é mais a parte emocional. E hoje eu estou é sem as visitas. Assim como os familiares vem me visitar então assim nós está um transtorno mentalmente é ruim , infelizmente mas é nós estamos buscando outros meios. Como eu estou no sistema penitenciário aqui do CRC tenho a biblioteca e eu fiz algumas atividades.
Ressaltando que com restrição nós tá é buscando ler pra tentar fugir um pouco dos familiares pois não tem visita nem de sistema. Então nós está buscando esses mecanismos de leituras, de trabalhos. Que tenham restrição à distância, fiz partes assim e o sistema propõe pra nós. É como a faculdade também nos busca. A estudar também virei a ver o sistema e o mestrado também que fazemos também aqui. Então ela ajuda muito, Conforme essa pandemia tá tão expansiva.
Buscar novas oportunidades
Muitas pessoas morrendo, então nós não conseguimos compreender e entender. A situação mas sempre nós buscamos arrumar uma forma de distração, sempre a leitura. A Bíblia que nós lemos bastante é a forma de buscar a Deus. É pra forma de esquecimento do mundo lá de fora e dos familiares para não sofrer tanto como nós sofremos tanto aqui nesse sistema. Eu agradeço a Deus, já tomei as duas doses da vacina.
A minha expectativa daqui pra frente é sair daqui e buscar uma ressocialização lá fora, uma qualificação melhor lá fora e buscar uma mudança que esse percurso todo passando aqui dentro do sistema porque eu estou refletindo muito. Queremos a mudança ão só não só mentalmente e espiritualmente. E graças a Deus o sistema está favorecendo até mesmo esse mecanismo, com contato com psicólogo entre outros que ajuda bastante dentro do sistema.
Relato de Raony Silva, produzido pela Associação Mais Liberdade para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Sebastiana, sou benzedeira de Irati e eu agora com essa pandemia eu fiquei um mês só sem aprender, mas não por causa do luto que eu falava é luto.
Mas daí eu continuei atendendo porque as pessoas precisam, tanto as crianças, todo mundo tem dor, tanto as crianças como os adultos.. E eu continuei a benzer, por que eu benzo de, de várias coisas. Eu benzo as crianças de corta o ar dentro de susto, de quebrante, de bicha, e aos adulto e eu costuro rangedura e dor de dente e várias o que precisar o peso da aranha o peso de cobra muitas o que precisar eu to ali pra atender. Graças a Deus todo mundo que vem lá é curado e eu fortificado com o poder de Deus que só Deus pode ajudar a gente a curar as pessoas porque ele pode curar e pode é salvar, pode fortificar as pessoas.
Relato de Sebastiana Ferreira, produzido pelo Instituto de Educadores Populares para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Só depois é que eu fico pensando: Se não acredita, não é que vai pegar. Meu nome é Alzira, moro em Rebouças, e continuei o meu trabalho de benzimento, não fechei as portas pra ninguém, Porque eu não tenho medo, porque tudo acontece quando Deus quer.
Deus não querendo, nada acontece com a gente. Eu tenho curado até gente do lado de Curitiba. Tem uma mulher que tá pra vir agora, só que eu não conheço ela e ela não me conhece. É, só que, eu mesmo fiz meu trabalho, porque eu acho que eu tenho a obrigação. Eu fiz pra essa mulher, eu fiz de longe né? Ela ligou pra mim eu fiz de longe, mas tem vindo é gente de longe do interior pra vim aqui em casa, porque como diz: Eu não escolho, seja lá quem for, me procurou eu estou fazendo.
Relato de Dona Alzira Kinapp, produzido pela Instituto de Educadores Populares para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Bruna, eu sou esposa de um reeducando que se encontra aqui do CRC. Começo da pandemia foi horrível, fiquei sem visita, sabe como é que estava. Não podia entrar nada foi muito sofrido você entendeu? Graças a Deus agora deu uma melhoradinha né! No começo sem videochamada, sem notícia, você entendeu, foi muito…
Foi um ano e pouco sem nada, sem direito a nada, a gente não sabia como é que tava, ele ficou doente, emagreceu muito, ai agora a gente tá ajudando ele né, levou remédio né. A videochamada foi muito triste que ele tava muito abatido né, mais no mesmo me fez feliz que eu consegui falar com ele né. Eu perdi o serviço mas, não perdi nenhum familiar, graças a Deus. não afetou nossa família né, mais eu fiquei desempregada né. Tava dependendo de sacolão entendeu, mas graças a Deus tamo lutando vencendo a pandemia.
Relato de Bruna Souza , produzido pela Associação Mais Liberdade para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Não parei de atender na pandemia, quem precisava de mim minha casa tava com as portas abertas.
Eu costurava, (…), é, as pessoas entravam assim, vinham chegavam de máscara ¨porque isso sufoca muito a gente¨, então elas diziam pra mim: posso tirar a máscara? Eu digo pode, dentro da minha casa pode ficar à vontade. E eu nunca tive medo dessa doença, nunca, nunca mesmo. Nunca ninguém chegou assim na minha casa: ¨A senhora pode atender¨? Eu nunca disse não. Sempre com fé em Deus e graças a Deus, não peguei essa doença. Dá minha família só uns lá que pegaram, mas graças a Deus tão tudo bom e é isso da ai, agente tendo fé em Deus, nada acontece.
Relato de Nilza Silva, produzido pelo Instituto de Educadores Populares para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Pierre Laurore, eu tenho 37 anos e sou hatiano. Eu sou estudante de Administração, em Ciências Administrativas na Facukdade Estácio de Sá.
A primeira coisa que a pandemia mudou em minha vida foi em relação ao meu trabalho. Quando eu cheguei aqui no Brasil, em 2018, regularizei meus documentos e consegui um emprego no hotel Ibis. Com a chegada da pandemia, depois de um ano e seis meses de trabalho, fui demitido.
Quando eu trabalhava no Ibis, eu conseguia mandar dinheiro para a minha família que ficou no Haiti e quando fiquei desempregado, isso me preocupou bastante.
O pior momento da pandemia foi estar desempregado, não ter renda e ver as contas chegarem, ver que tenho uma família para sustentar. Isso foi antes da chegada do auxílio emergencial. Minha esposa conseguiu ter o benefício e com os bicos que eu fazia conseguimos ter um alívio em nossas contas.
Hoje estou trabalhando novamente, na recepção do Eco Hotel. Mas demorei um pouco para encontrar trabalho. Fiz trabalhos curtos com vendas, para ter alguma renda. Era um trabalho bastante informal, o que se chama de “bico”.
Superação da pandemia
Da minha família, apenas eu e minha mãe fomos infectados pelo vírus Covid-19. Tive sintomas leves porque havia tomado a primeira dose da vacina. Ainda preciso tomar a segunda.
Eu acredito que o mundo vai superar essa pandemia. O Brasil vai superar a pandemia. A mensagem que eu gostaria de deixar é: não deixar de se vacinar porque a vacina ajuda bastante.
Relato de Pierre Laurore, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Daniela Esther. Eu tenho 49 anos, sou farmacêutica e estudante de jornalismo – estou quase concluindo o curso. Sou servidora municipal e estadual e trabalho em posto de saúde e também na Vigilância Sanitária do Estado.
A pandemia me afetou em todos os aspectos, com exceção do financeiro porque eu sou funcionária pública. Mas, em relação aos aspectos emocionais e estruturais, ela me afetou.
Eu presenciei os primeiros casos de Covid-19. Ainda em fevereiro de 2020, quando fui a Fortaleza (CE) para passar o carnaval eu já previa que essa pandemia chegaria ao Brasil e seria um sufoco.
Ao voltar de viagem, em março do mesmo ano, tivemos o primeiro caso aqui em Roraima. Em maio de 2020, recebi um telefonema de uma tia avisando que meu pai estava com Covid-19 e que não havia vagas no hospital para interná-lo. Meu pai morava em um abrigo de idosos no Rio de Janeiro e ele morreu sem atendimento. Não consegui viajar para ajudá-lo. Eu fiquei desesperada. Nem o direito de viajar e ver meu pai eu tive porque não havia voos disponíveis.
Essa foi a minha primeira perda. Depois, vi pais de minhas amigas e pessoas do meu ciclo de amizades morrerem.
Comecei a ter muita ansiedade e me automedicar achando que os remédios iriam me proteger. Tomei inclusive ivermectina, mesmo sabendo que não tinha efeito algum contra o vírus
Medo da contaminação por Covid-19
Há dois anos eu fiz cirurgia bariátrica e trabalhei durante a pandemia com muito medo, com pavor. Trabalhar no atendimento, recebendo documentos, receita médica, com medo de se contaminar é complicado. Eu passava álcool em gel a todo momento, era quase um TOC [ transtorno obsessivo-compulsivo]. Às vezes eu dormia com máscara de tão acostumada que eu estava a usá-la. Era muita tensão. Eu não sabia se iria sobreviver ou não.
Comecei a ter muita ansiedade e me automedicar achando que os remédios iriam me proteger. Tomei inclusive ivermectina, mesmo sabendo que não tinha efeito algum contra o vírus.
Vacina: menos sintomas e nenhuma sequela do Covid-19
Em janeiro de 2021 eu me vacinei e tomei a segunda dose em fevereiro. E, em junho do mesmo ano, eu peguei o Covid-19. Foi uma situação muito complicada, mas graças à ciência eu não tive sequelas e os sintomas foram mais fracos.
Porém, o isolamento social me causou muita dor, já que a minha vida é muito dinâmica: das 7h às 22h eu faço muita coisa e tive que mudar totalmente esta dinâmica durante os 15 dias de isolamento.
Outras mortes por causa do vírus
Quando voltei ao trabalho, meu chefe, que era um homem sozinho e tinha problemas de diabetes, morreu de Covid-19. Eu acompanhei todo o processo: eu o levei ao hospital e os exames que ele fez. Mas, em uma semana ele estava morto. Eu senti muito a sua morte. Convivia diariamente com ele. Ele tinha 65 anos, praticamente a idade do meu pai, que morreu com 68. Eu sempre dava carona a ele.
Em abril de 2021, o esposo da minha tia mais nova também morreu. Ele não se vacinou porque ainda não havia vacinas para a idade ele. Fiquei muito abalada com sua morte porque ele era uma pessoa de luz. É muito grande a dor de perder uma pessoa pela falta da vacina.
Assim como eu reconheci minhas fragilidades e procurei ajuda, é importante que outras pessoas possam procurar ajuda. É importante conversar, desabafar. E, além disso, é importante se vacinar e conscientizar outras pessoas sobre a importância da vacinação
Retorno ao tratamento psicológico e psiquiátrico
Com todas essas perdas, eu me desestruturei. Fiquei com um nível altíssimo de ansiedade, voltei a beber e a comer – mesmo não podendo por causa da cirurgia bariátrica. Então eu decidi voltar a fazer tratamento psicológico.
Alguns meses depois, em julho de 2021, percebi que o acompanhamento psicológico não era suficiente porque eu estava com depressão. Então fui a um psiquiatra. Conversamos bastante e entrei com medicação para melhorar a ansiedade.
Estou bem melhor e nesta quarta-feira vou tomar a terceira dose da vacina. Estou muito feliz.
A esperança está na vacinação. Com o avanço da vacina, há menos vítimas do Covid-19. Vamos superar, vamos conseguir passar por isso.
Gostaria de dizer que, assim como eu reconheci minhas fragilidades e procurei ajuda, que outras pessoas possam procurar ajuda. É importante conversar, desabafar. E, além disso, é importante se vacinar e conscientizar outras pessoas sobre a importância da vacinação. Temos que ouvir a ciência, ouvir a razão. Vacinem-se!
Relato de Daniela Xavier, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Jorge Oliveira dos Santos. Tenho 69 anos e farei 70 em janeiro, se Deus quiser.
Sou vigia do Caprichoso desde 2015, e vou dizer para você: “não é fácil não” — tudo parou, as coisas ficaram muito complicadas. E para piorar, nessa época minha mulher estava em Manaus e eu estava aqui. Eu pensava assim: “ela pra lá eu pra cá”. Se eu adoecesse aqui, ela não podia vir para cá, e se ela adoecesse lá, eu não podia ir para lá”.
Todas essas coisas se passavam pela minha cabeça e eu sempre perdia o sono. Em alguns momentos eu só dormia um pouquinho, “na boca da noite”, e de madrugada eu ficava pensando todas essas coisas, sabe? Aí eu pedia tanto para Deus que nos desse força, que nos livrasse de todas essas doenças, não só na minha família como em todas as outras. Mas essa doença tirou muita gente, muitos colegas nossos. Até minha irmã, que morreu em Manaus, três dias após eu completar 69 anos. E assim foi… levando as coisas e, até hoje em dia, eu não assisto televisão direito. Às vezes um pouquinho de jornal, um pouquinho de jogo, aí quando vejo aquelas notícias da doença, opto por não assistir mais à televisão.
Tudo parou
Então, tudo parou né!? Aqui nesse galpão a gente olha de um lado para o outro e não se vê ninguém como antigamente — já que minha trajetória de Caprichoso se iniciou em 1996. Lá trabalhei como soldador, e depois que chegou essa doença, acabou tudo. Muita gente tem falta disso, pois, quando terminada o Boi, eu viajava para São Paulo e Rio de Janeiro. E devido à paralisação, eu ficava sem ganhar esse dinheiro.
Os artistas e soldadores vivem desse trabalho de vai e volta, e assim fica. Então, agora eu espero, se Deus quiser que eu continue trabalhando. Eu, com muito cuidado sempre, chegava em casa, já tomava muito cuidado, muito remédio — que era dividido entre filhos e irmãos — e máscara. Eu não tiro a máscara por nada. No Galpão, mesmo sendo só eu e o meu colega que não está lá diariamente, eu nunca tiro a máscara — tirei só agora para dar essa entrevista. Só tiro para beber água, comer algo, mas depois eu boto de novo.
Eu espero que tudo volte ao normal, porquê esse vírus não é. Depois que eu tomei a primeira dose da vacina, antes de inteirar os 3 meses, a enfermeira ligou para mim, que já estava com mais de dois meses, pedindo para retornar e tomar a segunda dose. E, se Deus quiser, agora dia 8 eu tomo a terceira dose já de novo, se Deus quiser. Tenho fé em Deus que tudo vai passar, que tudo vai voltar ao normal, se Deus quiser, tenho fé em senhor Jesus.
A festa do Boi Caprichoso
Assistimos a live do Bumbódromo, e já deu um alívio mesmo não sendo como a festa que a gente ia. Então, a live já me deu mais uma esperança. Voltando a falar brevemente sobre a minha irmã, mesmo ela se cuidando, ela foi embora. Apesar disso, creio que as pessoas, nesses tempos de pandemia, passaram a dar mais atenção e carinho para as suas famílias — o que é ótimo.
Agora, pensando, esse momento foi bem difícil, né? Mas, felizmente, trouxe bastante aprendizado para as pessoas. Hoje em dia, a gente fica mais alegre, pois eu saio na rua para ir ao trabalho e depois volto para a casa. As pessoas já estão andando mais, circulando pelas ruas. E eu espero que, se Deus quiser, que em 2022, já vai ter o festival, e isso vai ser um alívio para muita gente.
O festival do Boi é um evento muito importante para as pessoas da nossa cidade, trazendo venda e lucro para nós.
Vai passar…
Termino esse relato agradecendo, e dizendo que aprendi muito com essa doença que circulou na nossa cidade. Se cuidar e ter o maior cuidado, como, por exemplo, chegar em casa e já ir direto para o banho, para depois entrar em contato com a minha família. Eu já não chego mais em casa como antigamente.
Espero que, mesmo após ter tomado a vacina, as pessoas continuem se cuidando.
E quem não tomou a vacina, que procure um posto de saúde!
Quando a pandemia ainda não tinha chegado ao Brasil, eu já estava acompanhando as informações, por ser jornalista. E os dados que nós temos hoje sobre a pandemia são levantados pelo observatório de imprensa. Isso evidencia a importância desse ofício, tão atacado pelo governo vigente. Em 2019, eu atuava como assessor parlamentar de um deputado, que não se reelegeu e, por isso, fiquei desempregado.
Tenho 31 anos, nasci em Salvador, que é uma terra que eu amo, mas que não me ama. Digo isso por uma série de questões estruturais.: sou cristão, filho de pastor – mas costumo dizer que sou um cristão sem frescuras, porque eu bebo, xingo, fumo, transo e acredito em um ser que não me julga por essas questões. Tenho uma fé que, acima de tudo, acolhe e aceita as diferenças.
Sou jornalista e, apesar de saber, me esforçar e receber feedbacks sobre a minha competência profissional, eu ainda carrego um complexo de inferioridade que me atrapalha bastante, mas que não me impede de realizar. Sou cantor, compositor, músico… também sou ativista, de vez em quando – porque ativismo não paga boleto. Desde cedo, o que me fez ser taxado como “rebelde” foi o fato de eu nunca ter aceitado a missão de ser exemplo. Eu nunca quis ser exemplo de nada – e meus pais queriam que eu fosse.
Laços de família
Normalmente, só falo com as pessoas que tenho intimidade. Minha família era muito humilde. Lembro que, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, meu pai ficou desempregado. Eu e meu irmão fomos matriculados numa escola em tempo integral, que ficava do outro lado da cidade. Acordávamos às 4 da manhã e chegávamos em casa às 20h/21h. Sem dinheiro para pagar passagem, subíamos no ônibus pela parte de trás, com o caderno dentro de um saco, e descíamos em um ponto muito distante e completávamos o trajeto até a escola caminhando.
Era um processo delicado. Na escola, me batiam e praticavam bullying comigo – em um tempo que nem se chamava de “bullying”. Aturei essas situações por algum tempo, até que um dia eu me revoltei e a introspecção se tornou violência. Passei a revidar as agressões. Apesar de gostar de estudar, eu não era estudioso, porque eu assimilava o ambiente da escola a algo parecido com uma cadeia. Ainda assim, passei a me envolver com o grêmio estudantil.
Perdi vários anos na escola – era reflexo de eu estar tentando me encontrar em casa e me encontrar em meio aos questionamentos que a sociedade fazia sobre mim. Minha mãe faleceu em 2014, vítima de um infarto. E eu presenciei a passagem dela. Tínhamos acabado de chegar da igreja, ela tinha pregado naquele dia. Ela pregou sobre um texto que dizia:
“Deus amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho unigênito para que todo aquele que Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.
E nesse dia ela pereceu. E eu questiono a morte da minha mãe até hoje, porque sempre fui um ser questionador. Meu maior exemplo de fé era a minha mãe e de conduta cristã, o meu pai. A rigidez do meu pai me tornou mais introspectivo.
Eu trabalhava no Pelourinho antes da pandemia
Eu trabalhava no Pelourinho como cinegrafista de turismo. Um amigo, que foi recrutado no colégio, pelo Gapa, para um processo de formação, me falou sobre a capacitação. Eu quis participar, mas já não havia mais vagas – mesmo assim, insisti. Após o curso, me tornei arte educador, trabalhando com música, através do hip-hop, e foi no Gapa, através das oficinas temáticas, que eu comecei a me enxergar enquanto pessoa preta, e perceber as diferenças de raça, de gênero e tudo mais que existia e ainda existe.
Passei a estar muito mais atento aos preconceitos. Cheguei a cursar o técnico em música na UFBA e saí de lá, justamente, porque sentia que as pessoas tinham um pensamento muito elitista. Quando ingressei na faculdade de jornalismo, passei por dificuldades. Ia de bicicleta, ou tentava entrar no ônibus sem pagar, negociava com o motorista. Eu ainda não entendia muito do que se passava, mas a maneira como as pessoas me liam era consequência do racismo, dessa ideia de que o homem preto não tem sensibilidade.
Quando namorei com uma mulher negra de traços finos, lida pela sociedade como branca. Eu, mais retinto, de cabelo crespo, traços negroides, enfrentava um tipo de preconceito, que eu nem sabia que era preconceito, quando perguntavam se eu era o segurança dela. Hoje, em outro relacionamento há 7 anos, ainda sinto essa falta dessa aceitação social.
Do carnaval à pandemia
Como, na comunicação, eu tenho bastante possibilidades – trabalho com audiovisual, fotografia, jornalismo “convencional” e mais uma série de coisas – busquei trabalho como freelancer. Cheguei a participar da cobertura do carnaval para a Secretaria de Turismo. No penúltimo dia de carnaval eu me tranquei em casa e não saí mais – somente para o que era essencial.
Moro com meu o irmão, mas nós sequer nos vemos. Eu passo o tempo dentro do quarto, e ele tem uma rotina de trabalho de uma média de 9h – do trabalho ele vai para a academia e quando chega, eu continuo no meu quarto. Segui isolado. A única pessoa com quem convivi durante quarentena foi a minha namorada, que, em home office, foi ficar comigo, não na minha casa, mas no meu quarto. Isso foi muito doido, porque a gente se conhecia, mas não tão intensamente – não dividindo por tanto tempo o mesmo ambiente.
Eu sou um cara muito ativo, mas me vi mais uma vez ficando introspectivo, porque estava sem saber como lidar com essa fase de autoconhecimento, na qual eu conheci partes de mim que não gostei. Na mesma proporção em que eu desgostava da minha própria personalidade, eu passei a só olhar para mim, não conseguia enxergar a minha companheira. Estávamos afastados de tudo.
Tive que depender do auxílio emergencial
O desemprego, que me forçou a depender do auxílio emergencial, também foi um fator de incômodo. Eram conflitos internos e externos. Cheguei a viajar quando surgiu uma proposta de trabalho a mais de mil quilômetros de Salvador e era a minha única saída – ou eu ia, ou a situação financeira ficaria ainda pior. Passei pouco mais de um mês fora e voltei.
O meu maior medo na pandemia foi perder – tanto para o vírus quanto para os desafios da convivência – a pessoa que eu mais gosto depois de mim – a minha companheira. Foi uma fase muito difícil, de muito desentendimento. Mesmo estando no mesmo lugar, ficamos muito distantes. Não conseguíamos mais ter compreensão, cumplicidade.
Eu venho de um processo de depressão muito grande, então, eu me cuido para não voltar a ter um pico de depressão severa. E tudo isso que passamos, me machucou bastante, porque dói viver isso com quem a gente ama. Mesmo assim, as pessoas me procuravam em casa pedindo ajuda, porque, como falei, sou ativista social – sou coidealizador do Coletivo Social Fábrica de Rimas – e sempre tentei apoiar a comunidade.
Conseguimos pensar em estratégias, criamos a Geladeira Solidária, uma iniciativa que repercutiu na imprensa e foi copiada por instituições, até mesmo em outras cidades. Quase 800 famílias foram ajudadas por esse projeto.
O desejo de um futuro próspero após a pandemia
Eu quero conseguir construir um futuro para mim no qual eu tenha o suficiente para prosperar as pessoas que eu amo e, se eu constituir uma família, não deixar que eles passem pelo que eu passei. Infelizmente, eu acho que as pessoas sairão dessa pandemia mais egoístas.
Em compensação, penso que as pessoas se olharão mais.
Quando começou essa pandemia, a gente recebeu ajuda da CONAQ, que é uma associação nacional que ajuda as comunidades quilombolas e da UNICEF. Nós conseguimos ranchos para a nossa e outros comunidades no Amazonas. Conseguimos máscaras, álcool em gel. O que a gente tínhamos de sobra na comunidade acabamos doando para outras que estavam com poucos recursos.
Meu nome é Jamile Souza da Silva, tenho 45 anos, sou analista de comércio exterior. Hoje estou como atual organizadora dos festejos de São Benedito, no quilombo do barranco de São Benedito. Sou quilombola e represento como líder a comunidade desde a certificação. Realizamos um trabalho social na comunidade juntamente com a nossa Associação Crioulas do Quilombo de São Benedito, onde começamos trabalhando somente com artesanato, e hoje, realizamos um trabalho mais amplo com as crianças e com as famílias da comunidade.
Falar sobre o Boi é falar sobre os mais antigos da nossa comunidade
O vovô Raimundo Nascimento Fonseca, lá no Maranhão, já tinha o seu Boi, que era o Caprichoso. Um boi todo malhado, que ele trouxe para Manaus na bagagem, juntamente com São Benedito. Então, esse amor que a comunidade do quilombo do São Benedito tem pelo Caprichoso, se transformou também no amor do Boi Caprichoso que acabou sendo transferido para Parintins.
Tanto que, a cada vitória do Caprichoso em Parintins, a gente lembra muito dos antigos que soltavam fogos e comemoravam. Em 2018, a gente teve um contato bem mais próximo, quando o Babá Tupinambá assumiu o Caprichoso e foi falar um pouco sobre a cultura negra – convidando-nos a fazer parte da toada “Boi de Negro.
A pandemia levou pessoas queridas do nosso quilombo
Eu, na minha família, perdi a minha irmã, que morava no Rio de Janeiro, e veio na comunidade pra ajudar a cuidar da nossa mãe, que teve um AVC. E, nesse período que ela esteve aqui, foi internada – ela acabou se infectando. Passado um mês minha irmã veio a falecer.
Na nossa comunidade perdemos minha irmã e meu primo – foi muito difícil esse momento.
Graças a Deus a gente conseguiu ajudar muita gente. Mas foi, assim, bem difícil, e, de certa forma, ainda é doloroso. Nós conseguimos que a comunidade fosse vacinada. Por mais que o governo tenha feito aquela portaria, onde as comunidades tradicionais e quilombolas fossem tratadas como prioridades, não foi fácil. A gente só conseguiu através do Ministério Público Federal. Porque, para você ter uma ideia, a SEMSA, que é a Secretaria Municipal de Saúde, apesar de ter proximidade com a nossa comunidade, eles simplesmente disseram que não tinha nada para a nossa comunidade. Não tinha vacina pro quilombo urbano, somente para os quilombos do interior.
Então, fizemos um ofício, denunciando no Ministério Público, e assim, a gente conseguiu com que a nossa comunidade fosse vacinada em abril de 2021.
Esperanço do pós-pandemia
Bem, tudo o que a gente espera para o futuro é um espaço de muito acolhimento e cuidado. Essa pandemia ainda não parou, ainda continua, e ainda temos um certo medo. Continuaremos com os protocolos de segurança e, pelo visto, isso vai ser para o resto da vida, enquanto não houver um medicamento que sane esse vírus.
Na semana da Consciência Negra, a gente vai abrir a comunidade para as pessoas visitarem, principalmente o estande das criolas, que estava fechado durante toda essa pandemia. A gente vai ter a festa do dia 20 de novembro, mas não vai ser uma festa como era anteriormente. Só vai ter mesmo a feijoada e o samba no pagode do quilombo, que é administrado por mim. Para que as pessoas conheçam lá um pouquinho da nossa comunidade
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