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18 a 24 anos Bahia Ensino Superior Incompleto Mulher Cis Prta

“A pandemia me pegou em um momento muito desafiador”

A pandemia me pegou em um momento muito desafiador. Eu havia abandonado a faculdade de Hotelaria alguns anos antes, porque eu precisava trabalhar.

A maioria das pessoas me chamam de Juli. Nasci em Salvador. Morei um tempo em Feira de Santana com minha família, mas a música trouxe o meu pai de volta para o Candeal.

Meu pai, músico, foi um dos fundadores da Timbalada. Mas a música, infelizmente, não é suficiente para sustentar as pessoas. O sonho da maioria da população que nasce no Candeal é viver de música. Mas, infelizmente, as oportunidades não chegam para todos da forma que se espera e muitos se frustram — foi o que aconteceu com o meu pai.

Houve um tempo que a única alternativa para ele foi sair do país. Dos EUA, ele mandava dinheiro para que minha mãe e eu — que chegamos a tentar ir morar com ele, mas não conseguimos, — nos mantivéssemos. Com esse dinheiro foi que compramos nossa casa. Eu não achava a minha infância estranha, mas, hoje, ao olhar para trás, eu consigo identificar coisas que passaram despercebidas.

O racismo estrutural no Brasil

Como eu tive o privilégio de crescer no Candeal, tive acesso a curso de inglês, aulas de violino e estudei em colégio particular. O dinheiro que meu pai conseguia fazer no carnaval, era destinado a pagar as mensalidades de todo o ano letivo da escola. A gente não sabia o que iria comer durante o ano, mas a escola estava paga. E era esse “bastidor” que reverberava na maneira como eu identificava e enfrentava pequenas e grandes diferenças entre mim e meus colegas, como, por exemplo, o fato de que todo mundo tinha um celular e eu não tinha — e isso gerava exclusão.

Meus colegas não me incluíam porque eu sequer sabia sobre o que eles falavam. Com 9 anos, eu pedi para que alisassem o meu cabelo porque todas as referências ao meu redor eram de cabelos lisos — tanto na família quanto na escola — e eu pensava ter algo de errado comigo e com o meu cabelo. Isso só mudou quando eu acessei a universidade e tive contato com outros questionamentos e passei a fazer reflexões sobre tudo isso que eu, antes, não percebia.

Eu me limitava muito por medo da opinião alheia. Deixava de ser quem eu era para que minhas tias, por exemplo, não falassem e nem me julgassem mal. Quando mudei para um colégio público, meus colegas marcaram de ir ao cinema. Como eu não tinha dinheiro, resolvi vender brigadeiro para conseguir.

Ainda lembro do orgulho que meu pai sentiu de mim por isso. Daí para a frente, comecei a lidar com vendas e ir vendendo outras coisas. Descobri esse gosto e talento.

Os problemas gerados pela pandemia

Eu havia abandonado a faculdade de Hotelaria alguns anos antes, porque eu precisava trabalhar. Meu pai só estava tocando em casamentos — quando tinha casamento —, recebendo R$100 por cada cerimônia… se um mês tem, em média, 4 fins de semana, ele receberia R$200 no mês se conseguisse tocar em duas festas.

Nesse ponto, eu já ganhara um irmão. O dinheiro não era suficiente. Nem o xerox da faculdade eu conseguia tirar, por isso, também, tranquei o curso. Além disso, eu, que escolhera Hotelaria por acreditar que me renderia maiores oportunidades por ter inglês fluente, já firmara a certeza de que queria mesmo Psicologia. Passei a trabalhar com vendas de suplementação alimentar.

Como já disse, eu amo vender e me sentia bem exercendo aquele ofício. Mas, por conta da pandemia, a emprese fechou.

Isso me deixou sem chão — mas, não só isso. Meus pais, há alguns anos, já estavam se desentendendo. Acontece que meu pai estava adoecendo lentamente. Ele tinha dificuldade de lidar com o fato de não conseguir manter sozinho a nossa casa e ter eu e minha mãe sendo as principais mantenedoras. Hoje, eu entendo que isso despertou nele um processo depressivo — que o fez se sentir estagnado.

Emocional abalado pela pandemia

Tentamos de tudo para ajudá-lo, mas quanto mais a gente tentava, mais ele ficava estagnado. Ele sempre bebeu, mas passou a beber cada vez mais. Eu sofria com isso, mas não dava vazão, me ocupava com o trabalho. Quando eles se separaram, isso me afetou absolutamente, porque sou muito apegada à minha família. Caí de vez… nesse momento eu iniciei um processo de depressão profunda. Não dormia nem de dia e nem de noite — só conseguia chorar.

Fazendo terapia, entendi que eu não via o meu pai como um ser humano, mas como sobre-humano — por isso, não entendia a dor dele. Quando meu pai saiu, ele não pensou em muita coisa. Eu entendo que ele não estava bem, mas ninguém estava. Todo esse peso recaiu sobre a minha mãe. Ele retornou para os Estados Unidos — onde mora até hoje — para reencontrar um irmão dele que estava lá, na tentativa de reconstruir a vida dele — ele dizia que não tinha mais nada.

Depois que ele foi embora, ele e minha mãe voltaram a conversar e reataram o relacionamento — à distância.

A partir disso, algumas coisas começaram a melhorar, inclusive, porque ele começou a mandar dinheiro. Apesar disso, eu continuava no mesmo estado. A minha maior dificuldade nesse período é que eu sou uma pessoa muito sensível. Quando eu tentava recuperar as forças, eu declinava novamente. Não conseguia constatar os fatos, as pessoas morrendo, tantas tragédias juntas. Tudo aquilo me assustava e eu só conseguia chorar. Pensava “como morre tanta gente e ninguém faz nada?”.

Já não sou a mesma de antes da pandemia

Por mais que eu evitasse assistir aos jornais, a energia parecia mais tensa e eu sentia e absorvia isso. Esse foi o start para eu buscar uma conexão com a minha espiritualidade. Parei de me voltar tanto para fora e me voltei para dentro. Foi aí que eu consegui voltar à superfície. Eu sentia como se algo estivesse me segurando até que eu me reestabelecesse.

Chegamos a viajar durante a pandemia e, ao chegar lá, descobrimos que a família toda estava doente, mas eu, minha mãe e meu irmão, não tivemos nenhum sintoma e ajudamos a cuidar deles. Eu não tive medo do vírus, mas me sentia desesperada pela quantidade de mortes. Ficava me perguntando como as pessoas estavam encarando tudo isso, principalmente quem perdera pessoas, porque era uma dor muito grande.

Já sei que não sou mais a pessoa que eu era. Não tenho como voltar… não sei sequer como estão os meus laços de amizade e nem como serão, porque assim como não sou mais a mesma pessoa, tenho certeza de que os meus amigos também não são. Não tem nem como se manter igual. Mesmo sem ter perdido alguém próximo, não tem como não se sentir “perdendo algo”.

Aprendi que nós precisamos fazer uns pelos outros. Por mais que a dor seja grande, precisamos olhar para fora, porque, talvez, a dor do outro seja ainda maior do que a nossa. Eu tenho esperança de que as pessoas melhorem, que nada do que vivemos seja esquecido.

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18 a 24 anos Bahia Ensino Superior Incompleto Homem Cis Prta

Foi assim, nessa fase, que me deparei com a pandemia

Eu tenho 23 anos. Curso Bacharelado Interdisciplinar em Artes desde 2017 e teria me formado em 2020, se não fosse a pandemia. Passei a maior parte da minha vida em Cajazeiras.

Meus pais são separados. Minha mãe criou a mim e meu irmão. Ela é empregada doméstica e sempre trabalhou em casas situadas em bairro considerados nobres, como Rio Vermelho e Barra, para onde eu ia com ela — já que ela me matriculou em colégios públicos próximos à área em que trabalhava. Assim, saíamos juntos, e, depois que a minha aula terminava, eu ficava com ela até que fosse liberada do serviço e voltássemos para casa.

Sempre existiram algumas questões que me afastavam da minha família. Meu pai, ausente, morando em outra cidade, só nos ajudava quando conseguia algum trabalho. Meu irmão, usuário de drogas, se envolveu com o tráfico e chegou a ser preso. Minha mãe conseguiu um advogado para libertá-lo. Questões como essas geraram um afastamento familiar. Mas minha mãe sempre trabalhou para colocar comida na mesa e nos dar o mínimo.

Os abismos da realidade

Éramos vulneráveis e nem tínhamos essa consciência. O mais doido de tudo isso era que enquanto eu vivenciava essa realidade em casa — e convivia nos colégios com colegas, na maioria pretos, como eu, que vinham de um contexto similar —, na casa dos patrões da minha mãe eu percebia outra categoria de arranjo familiar. Era completamente desigual. Eu experienciava um “não-lugar”. Não me sentia pertencente a nenhum dos mundos.

Em Cajazeiras ou no colégio, eu tinha pouco tempo, e no trabalho da minha mãe, eu sabia que não fazia parte daquele lugar. Esses trânsitos me impediam de criar vínculos e relações estáveis, duradouras. Eu era bem introvertido.

Sou gay e minha mãe age com indiferença, como se não soubesse.

Sempre fui a pessoa mais escura da minha família. Eu sabia que muito do que eu passava na vida era, primeiro, por conta da minha cor, e também, por perceberem minha sexualidade dissidente.

A desigualdade é anterior à pandemia

Eu ainda era uma criança quando já me preocupava em, quando comprar o pão para a família que a minha mãe trabalhava, não parecer ou ser confundido com um delinquente, por exemplo. Eu pensava desde as roupas que usaria, que não estivessem minimamente rasgadas, até a maneira como andaria. A neta da patroa da minha mãe tinha a minha idade e era com ela (e com os amigos e familiares dela) que eu tinha algum tempo para brincar, de vez em quando. E, obviamente, existia um contraste gritante… sofrendo violências que, pela pouca idade, eu nem sequer percebia na época, sendo excluído de algumas brincadeiras.

Era um recorte de classe, mas que, principalmente no Brasil, está intrinsecamente ligado ao recorte de raça. O subconsciente e inconsciente coletivo de que preto é pobre e branco é rico. E as pessoas ao meu redor acreditavam que eu deveria enxergar naquele lugar uma oportunidade de transformação — apesar das violências. Eu era visto como um exemplo, principalmente porque, comparado ao meu irmão — que apontavam como alguém que “deu errado” — eu era alguém em que se podia depositar alguma confiança de que “daria certo”.

Isso era extremamente incômodo para mim, porque eu não queria ocupar esse lugar de expectativas. Fiz o possível para me esquivar dessa perspectiva. Até por tentar enxergar meu irmão de forma mais humana e, sem desresponsabilizar ele, entender os contextos e perceber quais as responsabilidades dele, do Estado, da família, da sociedade. Enquanto isso, fui tomando consciência, cada vez mais, sobre a minha raça e sexualidade.

A chegada da pandemia

Por conta da universidade, primeiro, fui morar com um casal de amigos, no Alto das Pombas. Envolvi-me bastante com o movimento estudantil, e essa foi a maior oportunidade de fazer coisas novas, que eu tinha vontade. Além disso, a fazer parte de um coletivo de teatro, e nele, eu estava atuando. Em 2019, eu sentia que a minha vida estava fluindo bem e eu estava dando conta de tudo, até comecei um namoro.

Quando ainda só ouvíamos os rumores e não sabíamos a dimensão de tudo que viveríamos, fomos vivendo normalmente e deixando para ver como seria quando chegasse aqui. Até aí, eu estava muito conectado às pessoas.

A cada passo que eu dava no campus da universidade, eu falava com alguém. Eram muitas relações. O distanciamento social me impactou. E os amigos, com quem eu morava viajaram… passei 7 meses sozinho, recebendo visitas apenas do meu namorado. Foi uma época meio louca, porque era preciso se preparar tecnologicamente, porque era através da tecnologia que se manteriam as relações.

Houve muita briga no meu curso por questões administrativas e afins. Eu temi muito por minha mãe. Eu não estava com ela, mas ela ainda trabalhava na casa das pessoas de classe média. Ela chegou a ficar um tempo parada, mas depois retornou. E não tem como não pontuar que a primeira pessoa a morrer por Covid no Brasil foi uma empregada doméstica. Ela ficou bem.

Não perdi familiares, mas vizinhos e conhecidos faleceram.

Uma possível esperança para o pós-pandemia?

O que mais me dava medo dessa pandemia era essa ideia de uma “coisa invisível” que, em algum momento, poderia pegar em mim. E aí tinha toda aquela paranoia, limpando tudo, separando as roupas que eram usadas e tudo mais. Hoje eu avalio que foi ótimo estar só — não completamente só, porque, como disse, via meu namorado aos fins de semana. Mas penso que se eu estivesse com mais alguém em casa… acredito que ficaria louco.

A pior parte da pandemia era estar em espaços virtuais nos quais eu não me sentia contemplado, não tinha tanto acesso e o medo dessa ameaça iminente, o que me gerou crises de ansiedade. Fiquei bloqueado para o choro, as lágrimas não vinham.

E um momento muito difícil foi a morte do meu namorado — que não foi por Covid — sobre a qual eu ainda nem consigo elaborar.

A sensação que eu tenho é de que a vida parou. Tudo ficou estagnado em algum lugar, paralisado, esperando o momento de reiniciar. Agora, espero que eu consiga retomar tudo de onde parei. Quero muito conseguir tirar do passado para o presente tudo o que eu iniciei, e precisei pausar. Mas, por enquanto, tanto individual quanto coletivamente, não existe alegria, estamos longe de estar bem.

 Espero sairmos dessa preparados e com forças para encarar coisas piores.

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25 a 39 anos Bahia Ensino Superior Completo Mulher Trans Prta

“Ela acreditava que, por ser trans, eu seria inferior, mas não era verdade”

Me reconheci como trans em 2002, entre 13 e 14 anos, quando tomei meu primeiro hormônio escondida.

Sou de Ilhéus, mas moro em Salvador desde 2014. Sou graduada em Educação Física. Tive dificuldade de conseguir emprego na área de formação, por isso, passei a atuar na área de ‘telemarketing’.

Estou envolvida no ativismo trans desde 2008. Minha relação com meu pai não é tão boa. Os pais criam expectativas sobre os filhos, de forma geral, e quando esse filho é trans (ou até mesmo cis-gay), eles acreditam que não terão netos, uma descendência. Já com a minha mãe, tenho uma relação de amizade.

Se reconhecer como uma pessoa trans

Roubava calcinhas da minha irmã, para usar e sair na rua. O que foi definitivo para eu saber que sou trans tão cedo, foi o fato de ter referências, como Roberta Close, uma mulher trans da minha cidade, que viajou para a Itália e depois retornou transformada — quando eu nem sabia o que era silicone.

 A partir dessas referências, pude entender ser aquele corpo, aquela forma que eu queria assumir. Elas — mulheres trans famosas e precursoras na visibilidade — foram muito importantes para muitas se verem nelas, assim como nós somos e seremos importantes para outras. Durante o ensino médio enfrentei dificuldades com o preconceito e cheguei a evadir devido à discriminação, visto que eu era impedida de acessar o banheiro feminino, sendo a única trans da escola — tinham muitos gays.

Às vezes eu tinha que sair da escola para usar o banheiro da casa de uma colega que ficava do lado — já cheguei a urinar na roupa.

Também tive questões com o ensino de disciplina ligada à religião, que usava de práticas evangelísticas e cristãs, cujo discurso era transfóbico e não contemplava outras religiões.

Uma juventude conturbada

Voltando a falar da minha relação com a minha mãe… é muito fraternal. No início houve a não aceitação, mas as coisas mudaram, principalmente, quando me tornei a única filha – entre mais 3 mulheres e 4 homens cis – que se formou numa faculdade.

Isso é motivo de orgulho para mim, e motivo de orgulho para ela, ainda mais tendo outros filhos que se envolveram no mundo do tráfico.

Ela acreditava que, por ser trans, eu seria inferior, mas percebeu, na prática, que isso não era uma verdade. Por isso, costumava dizer que — “eu não lhe dava orgulho em um ponto (por ser trans ) — mas dava orgulho de outras formas”

Eu precisei tentar compreender muitas falas dela, como essa.

Entender que ela já é uma mulher de mais de 60 anos e sua formação foi outra. Eu passei a interpretar não apenas o que ela dizia, mas o que ela queria dizer. Esse acolhimento é importante, inclusive, devido ao que minha mãe já sofreu, sendo agredida e espancada pelo meu pai, em um contexto machista e de subserviência. Entretanto, ela sempre foi batalhadora… não esperava pelo meu pai, mas ia à luta, trabalhava e fazia todo o possível para trazer o sustento para a nossa casa.

As dificuldades de uma pessoa trans

Depois de um tempo eles se separaram, e nós, os filhos, ficávamos com ela. Após me formar no ensino médio, trabalhei na Secretaria de Educação.

Lá, tive meu nome social respeitado.

Experiência importante para que eu me posicionasse na faculdade, em Itabuna, quanto a preservação do nome social — eu e uma colega fomos as primeiras trans da faculdade a termos o nome social na caderneta — e, também, quanto ao uso do banheiro feminino.

Estagiando no SESI, em Ilhéus, em 2011, não era aceita como mulher trans, mas tratada como homem cis gay.

Era difícil não ter o meu nome respeitado, mas eu precisava daquele dinheiro, porque não queria ter que me prostituir, como já havia feito algumas vezes.

Em 2014, mudei para Salvador e saí do SESI, mas retornei em 2016. Foi quando eu disse que só aceitaria voltar se tivesse a minha identidade de gênero plenamente respeitada, o que me foi negado, de modo que recusei me submeter àquela condição de trabalho.

O mercado de trabalho para pessoas trans

De volta a Salvador, encarei a dificuldade de conseguir um emprego. Dizem que a culpa é da falta de formação, mas quando formamos, continuamos amargando o desemprego. Isso é cansativo… marcas, empresas e instituições que se promovem se afirmando inclusivas porque oferecem um curso, uma oficina, mas que não mudam a realidade e nem oferecem o que realmente precisamos, que é trabalho.

Passei a atuar na área de telemarketing, mas como o dinheiro só é suficiente para pagar as contas básicas, ainda faço alguns trabalhos de prostituição. Durante a pandemia de Covid-19, mantive a minha rotina de trabalho, porém, com todas as limitações impostas pelos protocolos sanitários de prevenção ao coronavírus.

Tive medo, mas não me infectei pelo vírus. Eu cheguei a sair, sim, durante o lockdown, até por uma questão de necessidade. Eu sentia urgência em aproveitar a vida, que é tão curta. Mas prezei por minha mãe, que estava em Ilhéus, em quarentena.

Não tive nenhuma perda significativa de pessoas. Apenas conhecidos distantes, o que, de alguma forma, me entristecia, mas não impactava tanto. O que realmente me impactou foi, já em 2021, ter ficado desempregada. O que garantiu o meu sustento fora os clientes que mantive enquanto garota de programa.

Os anseios do pós-pandemia

As ajudas dos projetos e iniciativas sociais, que ofereceram cestas básicas para pessoas em vulnerabilidade, incluindo pessoas trans, também foram de suma importância para eu conseguir passar por esses momentos de isolamento social.

Usei o tempo em casa para aprender a cozinhar melhor, fazer cursos online e estudar — aproveitei para assistir filmes, séries e aprendi a me cuidar mais e dar valor a minha vida.

Quero muito conseguir voltar a trabalhar e dentro da minha área de formação.

Desejo tocar projetos sociais e de ativismo que ajudem as minhas iguais, e espero o momento em que esse presidente saia do cargo, para podermos ressignificar tudo ao nosso redor, retomando políticas públicas e enfrentando o preconceito e a discriminação.

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18 a 24 anos Bahia Ensino Superior Incompleto Homem Cis Prta

“Foi quando ficou mais forte a negritude em mim”

A questão da negritude chegou-me dentro da academia, me impulsionando ao ativismo. Eu, primeiro, vi o racismo enquanto estrutura, antes de vê-lo como uma problemática nas particularidades da minha vida, porque nunca sofri violências individuais explícitas.

Sou um jovem negro de 24 anos. Filho único. Costumo dizer que me tornei negro… 

O universo das escolas particulares

Sempre fui bolsista em escola particular. Apesar de nunca ter passado por privações, tínhamos limitações. E isso se evidenciava quando eu comparava a minha realidade com a de colegas do colégio. Colegas, esses, com quem não conseguia construir relações por falta de afinidades.

Eu era introspectivo e não me sentia pertencente a nenhum dos grupos que existiam lá. Romanticamente, eu nunca tive o meu interesse despertado por ninguém. O meu foco era, realmente, nos estudos.

Universidade e o olhar para a negritude

Na universidade, foi onde comecei a ter vivências de juventude. Eu senti como se tivesse ganhado uma missão: como cursava no turno noturno, as minhas experiências eram um tanto diferentes das de outros jovens na universidade… Eu lidava com colegas mais maduros, em sua grande maioria mulheres, pessoas que trabalhavam no turno oposto ao que estudavam, e, logo de cara, fui pego pela militância e fui atuar no movimento estudantil. 

Esse tipo de contexto também fazia com que minha socialização fosse um tanto limitada.

Ter entrado em contato com o Gapa foi um divisor de águas, principalmente por ser um movimento social que pautava temáticas de sexualidade, o que ia me trazendo provocações e compreensões que ainda não tinha. Passei a me questionar sobre meus desejos (ou a falta deles).

No Rio de Janeiro, em um encontro do movimento estudantil, eu tive uma primeira experiência com um rapaz. Ao retornar para Salvador, resolvi me desenvolver mais nesse aspecto. Conversando com uma colega, ela me apresentou algo que eu nunca pensara em usar: os aplicativos de relacionamento. Ao questioná-la, ela me disse que não tinha expectativas, que apenas passava algum tempo olhando os perfis das pessoas e que se não conhecesse ninguém, ao menos poderia fazer amizades.

Pandemia e o boicote às descobertas

Aquilo me interessou e comecei a ver, nisso, a possibilidade de começar a me relacionar. Após dois encontros e muita animação por desbravar essa área da minha existência, veio a pandemia, mudando todos os planos e dificultando essas oportunidades.

O início da pandemia me encontrou num momento de muita atividade, conciliando faculdade e trabalho. Como sou da área de Saúde Coletiva, a pandemia não me assustou a ponto de me paralisar, por entender todos os processos que estavam acontecendo. 

Eu já tinha vivido um momento de isolamento social, em 2015, quando, ao finalizar o Ensino Médio, fiquei integralmente em casa, estudando para o vestibular. Sem sair, sem ver amigos… Isso me gerou um pico de ansiedade, visto que eu só tinha 18 anos. Mas foi uma fase, também, em que pude refletir sobre estar só, entender e aprender a lidar com isso. Lidar, inclusive, com a falta de privacidade que acontece, vez ou outra, com meus pais. Sendo assim, consegui lidar bem com o fato de estar em casa durante o lockdown. 

A minha dificuldade era que, apesar de ter familiaridade com aquela realidade, o momento de vida que eu estava vivendo era de querer ir para fora e explorar espaços que eu ainda não explorara. Em meio a isso, mergulhei na espiritualidade. Sou da religião Messiância e sempre fui muito requisitado… fui me aproximando mais. Me dedicava ao audiovisual — que se tornou essencial. Passei a priorizar estas relações. E, por isso mesmo, não senti medo, apesar do caos. Eu me sentia muito protegido.

“Eu comecei a enxergar os meus traços e ver beleza em minha negritude”

Também desenvolvi o TCC durante a quarentena, mas o mais marcante, para mim, nesse momento foram as mudanças das minhas percepções sobre mim mesmo. Eu passei a enxergar coisas que eu nunca enxergara. Ao deixar cabelo e barba crescerem — coisas que eu não deixava antes —, vi nascer em mim um homem que eu não vira ainda. Foi quando ficou mais forte a negritude em mim. Eu comecei a enxergar os meus traços e ver beleza neles. Eu não me via como alguém bonito. Todo empoderamento que, com a militância, vinha à tona de fora para dentro, com essa transformação estética, passou a florescer de dentro para fora. 

Além disso, com a pandemia, eu entendi que a vida é urgente e demanda urgência. Tudo que aconteceu é, também, resultado de uma conjuntura política que trouxe à tona muitas vulnerabilidades e, agora, entendendo-as.

 Quero usar minhas forças para lutar contra elas, sem deixar de acreditar num futuro melhor. 

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40 a 59 anos Bahia Ensino Superior Incompleto Mulher Cis Prta

“Será que pensam que, por ter HIV, não tenho capacidade?”

Chamo-me Marcia Moreira e gosto de ser chamada assim. Tenho 42 anos. Vivo com HIV desde 1999. Descobri durante a gravidez do meu segundo filho. Quando eu tive o diagnóstico, o meu primogênito já tinha 3 anos. Eu tinha 23 anos, ainda morava com meus pais e trabalhava em uma grande rede de supermercados.

Estava há 5 anos na empresa e trabalhava bastante — nunca tirei férias. Quando recebi o resultado do exame, eu nem sequer fazia ideia do que era o HIV. Eu só “sabia” que qualquer pessoa poderia se infectar, menos eu.

Tive um namorado, aos 17 anos, com quem perdi a minha virgindade e de quem eu adquiri o vírus. Ele era usuário de drogas injetáveis e sempre dizia que não faria o teste para HIV, porque ele sabia das altas possibilidades de ter, — não só pelo uso de drogas, mas por práticas sexuais deliberadas — e temia por isso.

Vivendo com HIV

Quando descobri minha sorologia, não entrei em contato com ele, pois fui informada de que ele não morava mais em Salvador. Depois dele, só mantive relações com o pai do meu primeiro filho, a quem procurei — tanto ele quanto o meu primogênito, são HIV negativo.

Busquei, também, o pai do meu segundo filho, que algumas pessoas afirmam ser positivo, no entanto, ele nunca me informou o seu diagnóstico. Meu filho mais novo, também é HIV negativo. Ao conversar com um médico, que acompanhava o meu tratamento, em dois dias ele conseguiu pôr muita informação em minha cabeça, e isso mudou toda a minha perspectiva.

Eu e meu filho fomos como um objeto de estudo para o Hospital das Clínicas, porque os processos ainda eram muito novos. É necessário falar sobre a gravidez de mulheres soropositivas, principalmente porque a desinformação faz parecer impossível. Eu mesma, fui induzida a fazer uma laqueadura logo um mês após o parto.

Uma violência que naquela época eu nem sequer percebia ou entendia. Outro momento difícil fazer e refazer os exames. Com a entrega dos resultados, o hospital inteiro olhava-me com estranheza, como uma plateia, assistindo-me receber o diagnóstico — que era o primeiro dado pelo médico a uma mulher.

Liguei para minha mãe e meu irmão me buscarem. Chorei muito, desmaiei. Ali eu constatei a quão problemática e falha era a questão do sigilo. Meus exames estavam bons, inclusive a carga viral estava controlada. Eu estava — e permaneci — muito deprimida.

O estigma sobre o HIV

Esperaram eu terminar o tempo de estabilidade, e, como eu colocara muitos atestados do CEDAP — que na época se chamava CREAIDS — sofri o estigma. A propósito, a mudança de nome para CEDAP foi uma luta do Gapa, no sentido de assegurar às pessoas assistência às vítimas de discriminação em sigilo, — garantido por lei — porque todo mundo que acessava aquele serviço era estigmatizado como alguém que tinha AIDS — ainda que não tivesse.

O momento em que eu fui demitida foi um dos piores da minha vida. Eu senti que, por ter HIV, eu era inútil.

Aquilo me fez tão mal. Fiquei mais deprimida do que qualquer coisa.

Eu tinha muitas expectativas, mas aquilo me frustrou. Até que, numa visita ao ginecologista, conheci uma mulher cujo filho nascera no mesmo dia que o meu, e que também era HIV positivo.

Ele me falou que o Gapa operava uma brinquedoteca no Centro Médico João das Botas. Lá, conheci um grupo de pessoas que vivem com HIV. Aquilo me cativou.

Fez-se abrir um novo mundo para mim. Ao conversar com a coordenadora, Gladys, em menos de duas horas ela me fez entender que eu era alguém que podia viver dignamente. Passei a integrar o Gapa, primeiro, pela brinquedoteca, e depois, como secretária.

Pandemia, HIV e vulnerabilidade social

À época, estávamos desenvolvendo um novo projeto de pesquisa quando, começamos a ter informações sobre o início da pandemia, ainda fora do país.

E a pandemia chegou abruptamente. Já trabalhávamos com PVH, que estavam com o benefício cessado, devido à gestão do atual presidente, que implicou em diversos cortes.

 Atendemos diversas pessoas em crises financeiras, que não tinham alimento em casa. Iniciamos as campanhas para ajudar essas famílias, arrecadando principalmente comida.

Este trabalho era realizado, mas as doações que conseguimos nesses tempos, já não eram como antes — vinham em menor quantidade. Houve fases muito difíceis. Até que, recebemos a notícia do falecimento de uma pessoa muito querida.

Diversos amigos foram morrendo, e nem todos eram por Covid-19, o que também nos impactou muito. Um de nossos coordenadores, uma pessoa muito saudável, adoecera drasticamente, a ponto de ficar em coma.  Nós não entendíamos e pensávamos: “se ele ficou dessa maneira, então, nós vamos morrer”. Isso nos causou pânico.

Ele conseguiu se recuperar, mas ainda com algumas limitações. De um dia para o outro, no trabalho, a ordem era: “vão para a casa agora, vocês não podem ficar aqui”, — eu perguntava — “como assim?”.

A ordem se repetia

Retornei à casa e passei 1 anos e 3 meses sem sair. Passamos por diversos acontecimentos.

As pessoas ao redor tentavam me proteger e pediam para eu tomar cuidado. Fiquei administrando doações de alimentos entre pessoas e seguindo à risca os protocolos de higienização.

Durante a quarentena, comecei morando numa casa que meu pai me deu, uma ‘kitnet’. Estava morando lá com o meu marido. Meu filho mais velho já é casado e tem um filho. Já o mais novo, estava morando com meus pais e minha irmã. Como minha irmã engravidou — pariu em janeiro — meu filho ajudava nos cuidados com os meus pais, mais idosos.

Já no mês de abril, minha mãe me deu uma casa com dois quartos, e, com a casa, meu filho veio morar comigo também. Ele se mudou já com a namorada, que passava mais tempo lá em casa do que na casa dela.

Após comprar uma moto, ele sofreu uma queda e machucou o punho. Agora, eu tinha mais essa demanda além do trabalho. Sendo que eu já achava ruim trabalhar em casa, com tantas reuniões e a dificuldade de concentração.

“Eu cozinhei péssimas comidas”.

Comi muita besteira, muito ‘fastfood’. Quase sempre inventavam algo, não tínhamos hora para dormir com tantas lives e bebidas que nunca terminavam — principalmente aos finais de semana.

Minhas tias me veem como uma potência. Destacam o meu otimismo e a forma como lido com a vida. Achavam que eu ficaria “apagada” depois de tudo que enfrentei, mas superei as inúmeras dificuldades.

Quando aconteceu o lockdown, meu filho e minha nora se infectaram com Covid-19. Corri todos os riscos possíveis e imagináveis cuidando deles. Eu fiquei muito tensa, porque nossa maior preocupação era com os meus pais.

Nós falávamos demais por ligações de vídeo e áudio. Chorávamos e, depois, chegávamos a evitar as ligações de tão melancólicas que se tornaram.

Todos muito sensíveis.

Seguia dizendo que iria dar tudo certo. E após todo esse tormento, cheguei a ganhar mais uma neta — do meu caçula.

Eu vi o parto dela, mas mantivemos à distância e os cuidados necessários. Isso foi uma felicidade — um nascimento em meio à tantas mortes. Eu sinto uma desaceleração e uma sensação de alívio, principalmente porque, após tanta agonia, eu tive um episódio de alta pressão arterial — marcando 23 por 12.

Fui internada e descobri um pseudo tumor na cabeça, — uma pressão intracraniana que me causa fortes dores de cabeça.

Uma Mulher-Maravilha

Sinto os sintomas de alguém que tem um tumor, porém, sem o tumor. Estou passando pelo processo de diagnóstico e tratamento. Por fim, esse período todo me fez perceber e entender que eu sou uma mulher muito forte — sou quase uma Mulher-Maravilha.

Depois de tudo que eu passei até hoje, eu posso afirmar que sou, sim, uma mulher forte.

E eu espero que as pessoas consigam se curar. Todos nós, sobreviventes, estamos tentando nos curar de algo, de alguma dor.

Eu espero que todos consigam se curar.

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25 a 39 anos Bahia Ensino Médio Incompleto Homem Cis Prta

De todos os relacionamentos tóxicos que já tive, este, na verdade, se revelou o pior

Praticamente, de todos os relacionamentos tóxicos que já tive, este, na verdade, se revelou o pior. No final de 2019, começamos a trabalhar na praia, alugando piscinas, e fomos morar juntos, dividindo aluguel com a minha mãe.

Chamo-me Heberti, tenho 25 anos, sou ator e estudante Teatro na UFBA.

Estou presente na militância partidária do movimento estudantil, trabalho com o Secretário de Cultura do PT, e sou Diretor da União Estadual dos Estudantes da Bahia.

Uma infância de relacionamentos difíceis

Meus pais se separaram quando eu tinha apenas 14 anos. Os desafios da minha história começam antes mesmo de eu nascer: um “golpe da barriga” ao contrário.

Meu pai descobriu que minha mãe pensava em se separar dele e, então, ele decidiu furar o preservativo, pois sabia que, em 1995, uma mulher preta, solteira e grávida, enfrentaria diversos dilemas.

Quando ela descobriu a gravidez, comunicou-lhe, que, rindo, disse que já sabia que isso aconteceria, que era proposital, — e deu certo. Ela se manteve casada com ele.

Nunca fui o filho favorito, desejado. Sempre fui uma criança afeminada e tímida.

Expressava meus sentimentos abertamente. A primeira violência homofóbica de que tenho lembrança de ter sofrido foi, ainda, aos 6 anos, quando, na rua, meu pai me agarrou pelo braço e gritou: “fale como homem”.

A partir desse dia me tornei ainda mais calado e atento a esse tipo de agressão. As outras crianças me batiam, me trancavam no banheiro da escola, e os adultos faziam “piadas”.

A escola e a descoberta da sorologia

Desenvolvi um trauma com a escola. O período do Ensino Médio foi mais tranquilo.

Descobri a minha sorologia em dezembro de 2016, enquanto participava de um evento com o Gapa.

Eu já realizava estudos sobre HIV/AIDS há cerca de um ano. Naquele dia, usando meu figurino de apresentação para aquela ocasião, “inventei” de fazer a testagem.

Deu positivo.

Peguei a minha mochila, saí do evento sem que ninguém visse, fiz o exame comprobatório e retornei. Lá, contei para uma colaboradora do Gapa de confiança.

O meu mundo só não caiu porque eu já tinha informações suficientes para entender que, aquele diagnóstico, não seria o meu fim.

Consegui resolver tudo muito rápido. Em uma semana eu já iniciara o tratamento, e estava tomando a medicação.

Fiz tudo sozinho, sem contar para ninguém. A primeira pessoa da minha família para quem contei foi a minha irmã mais nova, sendo minha cúmplice em tudo, porque eu precisava que alguém tivesse ciência caso, algum efeito colateral dos remédios, me acometesse.

O que também me manteve mais tranquilo, na época do descobrimento, foi o fato de estar namorando um garoto mais novo, com quem eu ainda não tinha me relacionado sexualmente.

 Após seis meses, eu já estava indetectável. O tratamento foi muito tranquilo.

Sempre fui extremamente agitado, do tipo de pessoa que acumula demandas e faz mil coisas simultaneamente. Passava o dia na rua e ficava extremamente sobrecarregado. Mas não eram apenas as demandas do cotidiano que me sugavam, — além de não ser tão simples lidar com o diagnóstico, pois havia uma rotina nova a ser incorporada.

Eu também perdia muita energia com as minhas relações interpessoais, principalmente as românticas.

Desgastes emocionais

Tive alguns parceiros muito problemáticos. Eu tinha muitas crises de ansiedade, crises depressivas. Cheguei a tentar suicídio, ingerindo diversos remédios, inclusive, os antirretrovirais.

Passei três dias internados, fazendo lavagem. Foi este o momento em que toda a minha família soube da minha sorologia.

Depois de 2017, as coisas se tornaram mais tranquilas, eu comecei a ter noção de que precisava equilibrar tudo o que eu fazia, porque seria impossível dar atenção a tudo que eu me propunha.

Não conseguiria abraçar o mundo.

Relacionamentos tóxicos

Em 2019, eu iniciei um relacionamento. Eu só decidi namorar essa pessoa, pois, eu era tratado como um deus na terra. Ele agia como se tivesse conquistado a pessoa mais perfeita do mundo.

Ninguém nunca havia me tratado assim. Eu passei uma boa parte da infância, sozinho, apanhando de outras crianças na rua e sofrendo humilhações do meu pai em casa. Ver alguém me tratar daquela forma me parecia interessante.

Estive preso em um relacionamento abusivo

Ele começou a me manipular, exigia que eu vivesse para ele, porque “ele vivia para mim”. Uma obsessão.

A manipulação era tamanha, que ele chegava a me chantagear para mantermos relações sexuais com outras pessoas, ao mesmo tempo.

Em meio ao caos, ele também se descobriu soropositivo. Como eu era obrigado a manter relações sexuais sem preservativo, eu fui reinfectado.

Ele já tinha até invadido o meu quarto com uma faca, após uma discussão.

Desenvolvi insônia.

Eu tinha medo de dormir, de ser atacado, chegava a passar mais de 48h acordado, e precisei passar a tomar medicamentos para dormir. E não apenas para dormir, mas para conter as crises de ansiedade, que foram se tornando mais comuns.

Não foi fácil, mas consegui me livrar desse relacionamento.

Eu fiquei o tempo todo em casa, com ele.

Quando consegui, enfim, me libertar, também senti uma necessidade muito grande de sair de casa. Por isso, acabei descumprindo a quarentena. Durante a pandemia, eu precisei encontrar formas de trabalhar, como a arte, e comecei a postar monólogos, nas redes sociais.

Com relação ao meu tratamento, moro perto do Hospital das Clínicas, onde eu sou acompanhado. Então, não enfrentei grandes dificuldades. Eles passaram a liberar remédios para dois, até três meses.

Em um relacionamento com a solitude

Hoje, eu vivo um novo relacionamento. Todas as minhas relações sempre foram acolhidas pela minha família, e me sinto privilegiado nesse aspecto. A minha relação com a minha mãe é ótima, mesmo sendo evangélica. Não existe distância entre nós.

Ainda estou me curando dos traumas.

Mas a minha relação com meu pai não é boa. Eu, nem sequer, o chamo “pai”, ou o considero como tal, — todos sabem que me refiro a ele quando digo “o outro”. Apenas cumpro as minhas obrigações sociais como “filho”.

Agora, que ele está extremamente doente, preciso ir ao hospital e ajudar. Eu vou, mas faço apenas o que preciso.

Eu espero que quando a pandemia acabar, eu possa voltar à rotina, retomando contatos com tudo e todos que deixei de acessar desde dezembro de 2019, — como as salas de ensaio, os teatros e as pessoas.

Enquanto isso não acontece, vou vivendo essa realidade com o maior aprendizado, até então, que tem sido lidar, não com a solidão, mas com a solitude.

 Aprendi a ficar comigo.

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25 a 39 anos Bahia Ensino Superior Completo Mulher Cis Prta

Eu sentia falta da minha rotina

Eu sentia falta da minha rotina. Esse foi o maior impacto que senti. No começo, eu pensava que ter aquele tempo seria bom, que conseguiria ter mais calma. Mas à medida que o tempo passava, senti que fui perdendo o controle. Apesar de ter mais tempo, eu não conseguia produzir por conta da ansiedade e da pressão.

Tenho 28 anos, sou uma mulher preta, cotista e feminista. Nascida e criada na região do subúrbio ferroviário, numa família evangélica pentecostal, com 3 irmãs e um irmão.

Uma infância cheia de limites, e tolhida, principalmente em questões de liberdade e autoconhecimento corporal. Apesar disso, desde muito nova, eu era questionadora.

Uma ideia falsa e uma rotina verdadeira

Com 17 anos, quando tive a primeira oportunidade de fazer um curso que oferecia uma bolsa com um valor simbólico, por exemplo, com o dinheiro que recebi – comprei a minha primeira calça – peça de roupa proibida pela igreja e, consequentemente, pelos meus pais.

Era como um grito de liberdade.

Meus pais não receberam muito bem, me apontavam como revoltada, insubmissa. Minha irmã mais velha, dizia: “como você está tendo essa ousadia? Nem eu mesma tive essa coragem”.

Mas sempre que eu identificava um desejo meu, eu buscava caminhos para realizá-lo.

obrigada a frequentar, pois em diversas vezes, me sentia desconfortável.

Não sei como e nem com quem aprendi, mas eu desenvolvi esse senso de estabelecer os meus limites.

Conhecendo o mundo

Essa experiência de conhecer o mundo, saindo das vivências domésticas, e fora do bairro, me fez desabrochar. Após entrar na faculdade, com 18 anos, no bacharelado em Direito, paguei meu primeiro curso profissionalizante: um curso de maquiagem, que era algo que — também, segundo a igreja — eu não poderia usar.

Tornei-me maquiadora profissional, atuante na área da beleza e, mesmo com todas as questões envolvidas, meu pai foi na minha formatura. Essa área, inclusive, se tornou muto importante para mim, pois é como uma fonte de liberdade e expressão.

O curso de Direito é muito técnico, e a maquiagem é como uma manifestação mais completa de quem eu sou e do que eu sinto. Outro momento importante para mim, foi quando, aos 18 anos, após passar pela transição capilar, deixando o cabelo crescer, fiz o ‘big shop’, que elimina, por completo, a química do cabelo.

Na semana seguinte ao corte, era o casamento da minha irmã. Mais uma vez minha família me fez retaliações, diziam que eu queria aparecer, como se algo que é meu não fosse.

 Era o que meu pai dizia: “Você fez algo em seu cabelo, eu não o reconheço.”

 Aquilo me chateou, mas não me fez desistir dessa trajetória identitária.

Hoje em dia, conversamos sobre essas pautas, e a minha mãe, que antes não se reconhecia enquanto mulher preta — por questões de vivências pessoais e uma série de influências que se cruzam pelo caminho —, já se vê como tal.

A rotina de viver durante a pandemia

Recebi a pandemia num momento de reencontro com a universidade. Eu já iniciara os estudos numa faculdade privada, pelas cotas, mas por uma série de problemas estruturais — que a maioria de nós já conhece — precisou quebrar esse vínculo.

 Fiquei um tanto perdida, sem saber se queria voltar, se teria uma oportunidade para retornar, ou não. E, justamente, neste retorno, no momento de ressignificação, para mim, da vida e ambiente acadêmicos, recebemos a notícia de que as aulas presenciais estavam suspensas.

Eu tinha uma rotina enlouquecida, acordando às 5 da manhã, voltando para casa depois das 22h — estágio de manhã e à tarde, e faculdade à noite. Muitas vezes, estudando e me alimentando nos trajetos entre um compromisso e outro.

Exatamente quando a pandemia começou, eu estava começando a escrever o TCC. Como disse, era exatamente o meu processo de reencontro na universidade — fazendo novos amigos e criando laços de amizade.

Foi muito difícil me deparar com a obrigatoriedade do ensino à distância, que eu considero frio, e só piorou quando a minha orientadora, grávida, contraiu Covid-19.

A faculdade se isentou da responsabilidade de me disponibilizar outro orientador, e precisei fazer tudo praticamente sozinha.

Foi muito estranho…

Eu me sentava na frente do computador e não conseguia escrever absolutamente nada. E, depois de tudo, a minha defesa para a banca aconteceu por uma ligação de áudio no WhatsApp.

Foi estranho. Eu senti como se não tivesse entregado aquele trabalho.

As perdas mais próximas, de familiares, nesse período, não foram motivadas pelo coronavírus. Foi um momento exaustivo e preocupante. Toda a rotina de cuidados, lavar tudo, passar álcool em absolutamente em tudo, era uma preocupação que beirava o desespero.

Meus pais ficaram doentes, sendo que meu pai de uma forma mais agravada. Contudo, não sabemos até hoje se foi Covid-19 ou não, porque a orientação para ir ao médico era apenas se os sintomas chegassem em um nível muito sério, — caso contrário, os hospitais poderiam ser focos de contaminação.

Tivemos medo de perder alguém, mas isso não aconteceu. E toda essa movimentação pelo medo de perder pessoas, me fez perceber que eu que eu gostava de gente.

Eu percebi que gosto de pessoas, de estar com elas, de interagir e lidar.

Vi pouquíssimos amigos, e sinto muitas saudades. Anseio muito pelos reencontros, pelos abraços. Eu realmente espero que daqui para frente, nós consigamos nos reestabelecer mentalmente

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25 a 39 anos Ensino Superior Completo Homem Cis Paraná Prta

Um mergulho musical na UTI

Enquanto a psicóloga hospitalar nos conduzia a bordo da ‘Covidina’ (manequim adaptado para visitação remota do Nariz Solidário), para fazermos um mergulho musical na UTI. Cantávamos ao som de ‘Kazoo’, com um pandeiro e com os sons produzidos em nosso próprio corpo.

Adentrando na UTI

Tivemos uma percepção nítida do impacto do palhaço na UTI, ainda que de forma remota. Ali, do outro lado da tela, profissionais exaustos, com seus múltiplos EPIs, proporcionando-nos apenas um contato com os olhos e sua expressão corporal.

Em um determinado momento, em resposta ao nosso completo desajuste e desafinação de nosso mergulho musical — sorriram, cantaram e dançaram conosco.

Foi quando nos deparamos com um desafio: esquecemos aquela música grudada em nossa cabeça desde dezembro do ano passado, quando cantamos no mergulho musical. Depois de algum esforço — “meu coração, não sei por que, como é grande, o meu amor, por você!”


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Homem Cis Prta

“Quando a pandemia chegou, dentro do sistema prisional nós pensávamos que iríamos morrer”

Meu nome é Lucimar, tenho 44 anos de idade e sou um homem cis negro. Hoje moro em uma casa na Ceilândia Norte-DF, cidade satélite e região periférica de Brasília. Antes, por 34 anos, morei nas ruas desta capital. 

Sai de casa aos nove anos de idade e consegui estudar somente até a 5° série do ensino fundamental: uma parte no Grande Circo Lar e outra na escola Meninos e Meninas do Parque (Brasília/Distrito Federal), onde já adulto aprendi a ler e a escrever. Por último, estudei no sistema prisional, mas ainda não consegui concluir. 

Não tive infância. Nas ruas tive que sobreviver em meio a violência e a crueldade: não havia tantos momentos para lembrar que eu era uma criança, eu precisava ser bruto, porque só assim poderia me manter vivo. 

Hoje sou um trabalhador, tenho sete filhos, sou um homem ainda sob cumprimento de pena, pois infelizmente minha vida no passado se dividiu entre o cárcere e a rua. Nesta última vez de privação da liberdade, fiquei quase sete anos em regime fechado por uma sentença de tráfico de drogas, mas eu não era traficante, nunca fui. Eu era mais um sobrevivente naquela realidade das ruas. 

Assim como todo o meu povo da rua, nos prendem como traficantes. Toda a minha trajetória nas ruas aprendi que a lei somente é aplicada a nós, principalmente em relação ao tráfico de drogas. Eu digo isso porque o povo da rua, os pobres, as pessoas pretas são a maioria nos cárceres.

Quando a pandemia chegou, dentro do sistema prisional nós pensávamos que iríamos morrer. Quando tinha TV, a gente acompanhava as notícias e era assustador demais. Foi muita tristeza, angústia e medo de nunca mais ver minha família, nunca mais respirar em liberdade

Pandemia na cadeia

Estes últimos anos, nesta cadeia, foram os anos mais difíceis da minha vida, principalmente os últimos cinco meses quando chegou a pandemia da COVID-19 no mundo. Eu nunca mais quero voltar para aquele lugar, nunca mais quero sofrer tanto por cometer um erro. Não existe justiça, só existe vingança ali.

Quando a pandemia chegou, dentro do sistema prisional nós pensávamos que iríamos morrer. Quando tinha TV, a gente acompanhava as notícias e era assustador demais. Foi muita tristeza, angústia e medo de nunca mais ver minha família, nunca mais respirar em liberdade. 

No cárcere, eu fiquei na área reservada para as pessoas com comorbidades por ser hipertenso, mas não havia cuidado. Estávamos isolados e muitas vezes quem tinha a COVID-19 não dizia que tinha por medo de ir para um lugar pior. 

Logo que a pandemia chegou, as visitas foram proibidas e nós fomos submetidos a todo tipo de violação. Todos nós temos direito à dignidade humana, mesmo quando estamos ali naquele lugar, que eu chamo de “depósito de rejeitados”, onde a sociedade não vê valor algum. 

Todo ser humano é maior do que seus erros e não temos o direito de decidir quem vive e quem morre. Em 6 de agosto de 2020 consegui obter uma progressão para o regime aberto (domiciliar) e voltei pela primeira vez para a minha casa, um lugar onde eu vi o amor por mim em cada cantinho, um lar. 

Em todas as vezes que eu vivia na prisão, eu saia sem nenhum pilar para me apoiar e seguia no ciclo rua e cadeia, mas dessa vez foi diferente. Eu encontrei o amor, tanto em minha casa como na rede de apoio que tenho hoje. 

Hoje eu não estou mais só, eu tenho minha família, meus filhos, esposa, sogra, enteado e minha netinha. Ela traz luz para minha vida, ela clareia, ela é a Clara. Eu aprendi o que é amor, eu hoje sei o que é ser amado e amar, respeitar e ser respeitado, agora me vejo realmente como um ser humano. 

Vida em família

Antes, eu não sabia o que era verdadeiramente uma vida em família. Já tive outros relacionamentos, mas eu era jovem, cabeça dura, vinha de uma realidade da brutalidade nas ruas. Eu era muito esquentado e também enfrentava muitas dificuldades para me sustentar. Minha forma de vida não era a correta, mas era a única forma que eu conhecia para sobreviver pois foi assim que eu cresci nas ruas. 

Ao vir para casa, me deparei com a minha esposa desempregada, com minhas duas filhas desempregadas, eu me perguntava o que eu faria já que eu não queria voltar para aquele lugar [cárcere]. Eu estava muito cansado de tanto sofrimento e as limitações que eu tinha, com a falta de estudos, diminuíam as possibilidades de eu arrumar um emprego e ter uma oportunidade de fazer diferente. 

Em meio a pandemia, minha esposa estava sobrevivendo com a ajuda das redes de apoio, coletivos, organizações não-governamentais e movimentos sociais. Foi nesse momento que conheci as Tulipas do Cerrado, uma organização que foi fundada por uma pessoa que hoje é uma das mais importantes em minha vida. Nunca imaginei reencontrar a Juma Santos, que foi uma menina de rua como eu, que eu conheci nas ruas. Eu não imaginava a importância que essa mulher teria em minha vida e da minha família, como suporte, acolhimento, voz forte, amiga, irmã e protetora.

Eles [trabalhadoras e trabalhadores das Tulipas e do Coletivo Aroeira] não sabem, mas me salvaram e me salvam a cada encontro. A cada semana era uma terapia nova: aprendi respeitar as minhas irmãs de caminhada, as trabalhadoras do sexo, que na rua, eu nunca tinha olhado com tanto amor. A palavra é essa (amor) e respeito!

Rede de apoio: trabalho feito por nós para nós

Hoje eu sou muito grato a Deus por ter a Juma ao meu lado. Foi através das Tulipas do Cerrado que eu fui apresentado e incluído no Coletivo Aroeira, que usa a metodologia agroflorestal e a redução de danos como ferramentas de autoconhecimento e cuidado. Ali conheci amigos(as) que eu nunca imaginei ter e mais uma vez eu pude ver o quanto o amor é capaz de salvar vidas. 

Eles [trabalhadoras e trabalhadores das Tulipas e do Coletivo Aroeira] não sabem, mas me salvaram e me salvam a cada encontro. A cada semana era uma terapia nova: aprendi respeitar as minhas irmãs de caminhada, as trabalhadoras do sexo, que na rua, eu nunca tinha olhado com tanto amor. A palavra é essa (amor) e respeito! São mães, são amigas, são guerreiras e eu não as via assim. 

Também entendi que o preconceito destrói a vida das pessoas que são usuárias de drogas e são seres capazes de fazer tudo. Mesmo sendo usuários de substâncias consideradas ilegais, não são zumbis, são meus irmãos e minhas irmãs. 

Eu não sabia a importância dessas redes, mas através desse espaço eu entendi que não é só sobre mim, o Lucimar, Mazinho, velho mar e hoje novo mar. É sobre nós! 

É necessário sempre lembrar e falar que se estou de pé é por causa das Tulipas do Cerrado e Coletivo Aroeira, pois estes lugares são meus portos seguro hoje e me ensinam ser uma pessoa melhor, além de me fazerem refletir sobre como a redução de danos é algo que precisa chegar ao nosso povo, pois só assim não seremos mais mortos e encarcerados por uma desigualdade social que nos aflige. Esse é um trabalho feito por nós e para nós.

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25 a 39 anos Distrito Federal Ensino Fundamental Incompleto Mulher Cis Prta

“Nesse período eu só sabia chorar”

Sou Elza, tenho 38 anos, sou mulher cis, preta, maranhense, mãe solo de seis filhos. Possuo o ensino fundamental incompleto, sou profissional do sexo e moro há 17 anos em uma cidade no entorno do Distrito Federal.

Com a chegada da pandemia, minha vida mudou muito: tive que encontrar outras fontes de renda e, com o fechamento das escolas, minha filha mais nova, de 11 anos, teve que ficar em casa sem estudar. Foi muito difícil para ela, pois ela tinha muita vontade de voltar a frequentar a escola. 

Tive minhas preocupações e angústias. Eu vi as coisas mudarem do dia para a noite. Quando fui para Brasília trabalhar no centro de uma região administrativa [“bairro”], vi que as lojas estavam fechadas, as ruas vazias, as poucas pessoas que estavam transitando estavam usando máscaras. 

Lembro até hoje da minha primeira máscara, era do Flamengo. Aí veio o medo: usando máscara, as coisas ficaram complicadas. Não havia ninguém na rua, sem clientes, nada. Eu pensei: “O mundo está acabando e eu não estou sabendo de nada”.

O início da pandemia foi bem difícil. Não tive ajuda em nada, nem do Governo. Pelo contrário, eu recebia R$50 de bolsa família e o benefício foi cortado. Fiquei sem água e luz em casa. O gás de cozinha acabou e tive que preparar a comida à lenha no meu quintal. Às vezes, meu pai, que é aposentado, me ajudava com o pouco que tinha.

Filhos em situação de rua

Atualmente, moro apenas com minha filha mais nova. Antes da pandemia, minha filha de 16 anos morava comigo, mas se amigou com um rapaz e foi morar com ele. Posteriormente, esse rapaz foi privado de liberdade e está até hoje em situação de cárcere. 

Essa minha filha ficou um período em situação de rua. Tentei tirá-la dessa condição, me aproximar, conversar, porém, ela tentou me agredir fisicamente diversas vezes e me xingava bastante. Uma situação muito complicada. Sempre tento contato via telefone com ela, mas não tenho resposta. Fico aqui com minha preocupação.

Meu outro filho teve uma crise de saúde mental no meio desse ano (2021) e saiu de casa sem dar notícias. Ele também acabou ficando em situação de rua. Fiquei mais de um mês sem dormir, com muita preocupação, sem saber onde ele estava, como ele estava, até mesmo se estava vivo. 

Nesse período eu só sabia chorar, sem saber o que fazer. Consegui achá-lo e trazê-lo com segurança para casa, mas a crise não passava. Ele ficou um tempo internado em uma Unidade de Pronto Atendimento 24h e, posteriormente, foi atendido em um Centro de Atenção Psicossocial. Meus demais filhos moram no Maranhão com meus pais.

Em todos esses espaços pude conhecer muitas pessoas boas que me enriquecem de conhecimento e afeto

Redes de apoio

Mesmo diante desse turbilhão, tive um grande presente em minha vida: Juma Santos. Eu a considero como minha segunda mãe. Foi a partir dela que conheci coletivos maravilhosos, como a organização não governamental (ONG) Tulipas do Cerrado, que é um grupo maravilhoso que tem me ajudado muito nesse período difícil na minha vida, tem cuidado de mim e da minha família. 

Conheci também a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, outra parceria maravilhosa. Assim como o Coletivo Aroeira. Com eles eu aprendi muitas coisas boas sobre agroecologia como, por exemplo, plantar, colher, fazer sabonete, extrair óleo essencial. 

Em todos esses espaços pude conhecer muitas pessoas boas que me enriquecem de conhecimento e afeto. Me sinto muito abençoada por Deus pela oportunidade de participar desses grupos e por ter conhecido cada pessoa. 

Não consigo encontrar palavras para expressar a minha gratidão a esses grupos pelas várias formas que tem me ajudado, seja com cesta básica e cesta verde, seja com uma escuta, acolhimento, momentos de convivência, trocas de saberes com ensinamentos e aprendizados. Agradeço a Deus e a essas pessoas que chegaram em minha vida para somar e trazer luz.