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“Fui preso porque cometi um ato lá fora”

Me chamo Cleiton da Paixão estou aqui no centro de ressocialização de Cuiabá e estou aqui desde 2019. Fui preso porque cometi um ato lá fora, uma indisciplina e tenho que pagar por isso. Já fui condenado e agora estou aqui pagando minha pena, sem olhar para trás e de cabeça erguida. Reconhecendo que eu errei como muitos que estão aqui dentro.

Eu quero dizer que de 2019 até 2022 estou vivendo uma experiência aqui de mudança na minha e da minha família. Quando eu vim em 2019 eu tive que me adaptar ao sistema, coisa que eu nunca imaginei que ia parar aqui dentro. Então essa adaptação foi muito dificil porque lá fora eu tenho uma vida, era casado, com meus filhos, um bom marido, miha mãe, minha família, meus irmãos, minhas irmãs, mais por consequencia de um erro estou aqui. Como eu disse, de 2019 pra cá a adaptação foi complicado que eu não tinha experiência nenhuma de como era aqui.

Ressocializando

Em 2019, depois de um ano recluso comecei a me adaptar e comecei a ver uma nova visão do que é um sistema prisional. Na ressocialização, eles dão muita oportunidade que é educação, religião e trabalho. Então reeducando na reclusão, quando ele tem essas oportunidades tem que no mínimo agradecer a Deus, a direção e ao Estado que está oferecendo essa oportunidade de trabalhar, estudar e claro ter fé em Deus que isso é principal na vida de cada um.


Por consequência disso eu conseguir me adaptar em 2019, conseguir um trabalho na empresa, estou estudando, tudo graças ao sistema e sim, é claro, a direção que me deu oportunidade de está trabalhando aqui de auxiliar de administraçao.

Em 2019 veio a noticia que o mundo estava se deparando com um virus e até então estava tudo normal. Estou trabalhando, estudando, vendo a familia. Nisso em 2020 soubemos do virus que estava se espalhando pelo mundo nessa pandemia. Não só eu mais o mundo inteiro, familia teve que se adaptar a uma nova realidade que é um virus mortal alias.

Impotência de não poder ajudar

E como que um recluso fica nessa situação. Então são duas vezes de adaptação. Primeiro aqui dentro, segundo a impotência de não poder fazer nada com a família lá fora e acho que isso é a coisa pior que tem pro recluso, saber que está acontencendo as coisas lá fora e essa impotência de não poder ajudar seja ela qual for. Isso ai é uma experiência que eu vou guardar pra minha vida. Mais diante disso, minha familia a gente não falhou mais como todos aqui perdeu o contato com a familia então isso ai foi dificil, mais uma adaptação, mais uma experiência horrível na vida de um recluso.

Porque vem as preocupações, vendo pelo mundo ai fora, muita gente morrendo, familiares, irmão, pai, a mãe, filhos, avós , todo mundo morrendo e como que a gente ficou aqui dentro com essa preocupação e sabendo da gente não poder fazer nada , na mesma situação de agora se o virus entrar aqui dentro o que vai acontecer.

Então essa é uma experiência que não só eu mais como todo mundo aqui teve que ter forças, confiar em Deus e saber que a esperança de que tudo vai dar certo. A esperença de confiar em Deus que a família lá fora vai está bem e ao mesmo tempo a gente preocupado com a família lá fora. A minha experiência é saber como a minha família ficou lá fora preocupada comigo.

Mantendo contato com os familiares

Porque além de preso e recluso com a impotência de não saber, não poder ajudar lá fora mais ao mesmo tempo sabendo que minha família estava preocupada comigo aqui dentro. Então são duas coisas, são dois sentimentos e acho que só Deus mesmo que nos deu forças até hoje para entender e viver essa realidade que a gente está vivendo até hoje. Veio a pandemia e a gente perdeu o contato com a família ficamos uns três meses, quatro meses sem contato nenhum com a família.

Vacinação

O sistema providenciou um lugar aqui para ter contato com a família através de video chamada de dez minutos a cada uma vez por semana. Podemos ver e falar com a família e saber o que está se passando lá fora. Então esse pouquinho de minuto já foi aquele alívio enorme de quatro meses preocupado sabendo como deveria está lá fora. Quem está doente, como que as pessoas estão no hospital, clamando a Deus, perdendo a vida, sabendo que pegou uma doença e não tem cura. Então acho que isso aí para a humanide e para muitas famílias foi um desespero. Além de você pegar essa doença , saber que não tem cura ainda.

Então era mais uma preocupação ainda. Diante de tudo isso por mais essa experiência, essa adaptação, esse sentimento de preocupação, a gente tem experança que houvesse uma vacina contra esse vírus. Graças a Deus, depois de muito tempo a gente ficou sabendo que veio essa vacina pelo mundo inteiro. Então graças a Deus essa vacina chegou até o Brasil, chegou até nós, aqui em Mato Grosso – Cuiabá. Chegou até os nossos familiares, para nós aqui dentro, isso foi um grande alívio que a gente tinha essa esperança de poder ser imunizados.

Nunca perder a esperança

Graças a Deus todo mundo aqui foi imunizado, a gente sabendo que a família nossa estava sendo imunizada, graças a Deus eu não perdi ninguém da minha família pra esse vírus, essa doença que dizimou metade da população brasileira em todo mundo mais a minha família graças a Deus eu não perdi ninguém mesmo.

Mais essa experiência vivendo aqui dentro é uma superação porque é uma coisa que a gente não vai esquecer de adaptar, de estudar e de ter fé principalmente. A esperança de rever a família lá fora e claro sair daqui de cabeça erguida. Ser um bom cidadão lá fora, contribuir com a sociedade e com a família em primeiro lugar.

Relato de Cleiton da Paixão, produzido pela Associação Mais liberdade para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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“Graças a Deus eu já fui vacinado”

Eu me encontro recluso a 06 anos, na unidade Centro de Ressocializaçao de Cuiabá. Para mim é um privilégio muito grande poder estar falando pra toda sociedade competente que vai visualizar este vídeo. Para mim, para os demais recrutados da unidade não foi nada fácil assim que a pandemia foi anunciada em nosso país chamado Brasil. Tivemos muitas perdas, muitas derrotas, infelizmente eu perdi muitos dos meus familiares morreram por causa da pandemia. Nós aqui da unidade perdemos a nossa visita, foi retido a entrada dos materiais, algumas coisas que a gente deixava pro mercadinho, teve aquele lockdown.

Nós sofremos e as nossas famílias também. Graças a Deus eu já tomei a segunda dose e a normalidade ela está voltando a cada dia mais. O que nós queremos para o estado de Mato Grosso, para todo país, que a normalidade ela possa voltar o mais rápido possível. Cada um de nós que estamos  aqui, nós levamos direitos a sociedade. Nós temos familiares e almejamos que toda sociedade em geral do nosso país, ela venha ser humanizada com as vacinas que as autoridades competentes da saúde  tem disponibilizado para nós e não foi nada fácil.

Grato a Deus

Estamos cumprindo pena nesta unidade ficando longe dos seus entes queridos, mais graças a Deus a normalidade estar voltando. Acredito que não vamos voltar como era antigamente e dizer que todos aqui dessa unidade é diferenciada das 1529 unidades diferenciadas no nosso país chamado Brasil. O Centro de Ressocialização de ter nos oferecidos e dado várias oportunidades para nos reescrever a nossa história.

Inclusive nesse tempo que ficou tudo paralizado, me apeguei a escrever, pra ler e eu sou grato a Deus pela oportunidade e pelo privilégio. Que Deus possa abençoar a todos que vai visualizar este vídeo e Oramos pedindo  para que Deus venha cada dia mais repreender esse vírus que tem matado e destruido inúmeras famílias. Graças a Deus a normalidade estar voltando à sociedade em si. Todos estão sendo vacinados e nós da unidade do Centro de Ressocialização, já tomamos a segunda vacina, alguns educandos já tomaram a terceira. Esperamos que volte a normalidade porque a nossa família sofre juntamente conosco. Nós almejamos que Deus possa abençoar a todos em nome de Jesus.

Relato de André Luiz, produzido pela Associação Mais Liberdades para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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14 a 17 anos Ensino Fundamental Incompleto Indígena Mulher Cis Roraima Sem categoria

“Só com a vacina é nosso dia a dia pode voltar ao normal”

Meu nome é Elen Lorraine Leocádio da Silva, eu tenho 14 anos e sou da etnia Wapixana.

A pandemia chegou de repente. Foi um susto! A primeira coisa que fizemos quando vimos que os primeiros casos de Covid-19 tinham chegado em Roraima foi ir ao interior do Estado para se isolar. Fomos eu e os meus primos e ficamos no interior por cerca de duas semanas.

Não só eu, mas muitas outras pessoas presenciaram a morte de pessoas queridas e, com tudo isso, deveriam ter consciência. A gente vê por aí muitas pessoas que não estão se importando com a pandemia, como se ela não existisse.

Contaminação

Depois desse tempo, voltamos para a cidade porque queríamos voltar às nossas casas. E, quando voltamos, todo mundo pegou Covid-19. 

O meu caso não foi tão grave, mas foi forte. Eu fiquei com vários sintomas como dor de cabeça, febre e calafrios. Eu acredito que tenha me contaminado pela minha mãe, que é jornalista e teve que acompanhar a situação da pandemia nos hospitais. 

Como todos em casa estavam com Covid-19, minha avó trouxe um chá, um remédio caseiro e foi assim que me recuperei. Porém, outras pessoas da minha família não tiveram a mesma sorte: meu tio e meus avós morreram. Meu tio chegou a ser internado e entubado, mas não resistiu e meu avô morreu recentemente também. 

Porém, a morte da minha avó foi a que mais me doeu. É muito difícil a gente perder alguém que ama e a minha avó foi uma das pessoas mais importantes na minha vida. Ela tinha apenas 63 anos, era muito nova. 

Não só eu, mas muitas outras pessoas presenciaram a morte de pessoas queridas e, com tudo isso, deveriam ter consciência. A gente vê por aí muitas pessoas que não estão se importando com a pandemia, como se ela não existisse. Talvez porque não tiveram nenhuma perda, porque se elas tivessem perdido alguém, elas teriam mais consciência sobre isso!

Eu acho muito bonito tudo que os profissionais estão fazendo e já vinha pensando em fazer medicina. Depois que a minha avó adoeceu, eu tive certeza que eu queria fazer medicina!

Educação e pandemia

Seguir estudando durante a pandemia, com o fechamento das escolas, foi muito difícil. Praticamente não se aprende nada nas aulas pelo celula. A gente tem aula pelo Google Meet, todos os dias, de diferentes matérias. É uma dificuldade participar das aulas! Eu quase não aprendo nada, mas eu tento. Eu leio muitos livros para tentar compreender a atividade. Estou cursando o nono ano do Ensino Fundamental e as aulas na escola onde estudo voltaram apenas para os anos do Ensino Médio. Houve muitos casos da Covid-19 lá e por isso eles tiveram que fechar a escola. Estudo na Escola Estadual Monteiro Lobato. 

No futuro, eu penso em fazer faculdade de medicina! Eu acho muito bonito tudo que os profissionais estão fazendo e já vinha pensando em fazer medicina. Depois que a minha avó adoeceu, eu tive certeza que eu queria fazer medicina!

A esperança está na vacinação

Quando começou a pandemia eu tive muitas crises de ansiedade. Eu não saia, não via pessoas, eu não conversava e isso afetou o meu psicológico. Acredito que muitas pessoas estão passando pelo que eu passei, mas quando todos se vacinarem, esse contexto será minimizado. 

Eu já tomei a segunda dose da vacina já. Na minha família nem todos acreditam na vacina. Isso é um problema! A vacina é muito importante em nossa vida e só com a vacinação é que nosso dia a dia vai voltar ao normal. Ainda que minha família não acredite nos efeitos da vacina, eu estou colocando toda minha confiança nela! Espero que a gente possa viver como era antes.

Relato de Elen Lorraine, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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60 anos ou mais Amazonas Ensino Médio Incompleto Mulher Cis Parda Sem categoria

Para o futuro, quero assinar a minha carta de aposentadoria

Me chamo Dona Fátima, tenho 64 anos e nasci no Igarapé de Nhamundá. Me mudei para Parintins só quando meu pai comprou uma casa. E eu estou aqui até hoje. 

Eu tive 10 filhos, mas alguns já são crescidos, então hoje em dia eu tô só com 3 meninas e  uma neta. Uma das minhas filhas mora em Manaus, e eu, sempre morei por esse pedaço, conhecido como o reduto do Boi Caprichoso, no lado azul da cidade perto do porto. 

Memórias do Boi e da cidade

Contudo, eu não lembro do Boi desde a sua fundação, pois, já pegara aquela animação já andando, no meio do caminho. Antigamente, eu nem me metia nisso, mas, as meninas novas da cidade sempre iam para o Boi, já eu, ficava um pouco de fora. Mas agora, depois de tudo, eu não quero perder nenhum ensaio.

 Em algumas memórias, lembro do Boi brincando na rua, na época da lamparina. Era uma briga, tanto que até tinha pedra no meio. A gente andava por toda a cidade, sempre no meio da rua. 

Hoje, vou sempre para os ensaios e festas do Boi, principalmente para torcer por ele — inclusive, vou para as festas, mas não danço. Minha filha, Darley, sempre esteve trabalhando nas alegorias do Boi. 

Às vezes eu penso sobre outras famílias que perderam entes queridos…

Nestes tempos conturbados, a pandemia levou muito gente, mas, graça a Deus, não levou ninguém da minha família. Às vezes eu penso sobre outras famílias, que perderam seus entes queridos fora da hora, fora do momento — triste. 

 A minha vida durante a pandemia foi somente em casa. Eu ia para a pia, levava a máscara e álcool em gel, não saía de lá. Quando saia, tomava banho, e sentada, ficava pensando em quem já se foi. A minha mãe partiu durante a pandemia, mas não por conta do vírus, ela se foi por causa de um câncer. Cuidei dela até o final de sua vida, chegando a falecer aqui em casa.

O futuro…

Para o futuro quero assinar a minha carta de aposentadoria, que resta, somente, a minha assinatura para eu já poder receber o meu benefício. Hoje, fiquei com a casa que meu pai comprara. Quero arrumar toda a casa para ela ficar bonita!

Além disso, estou ansiosa para a volta do festival do Boi!

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25 a 39 anos Amazonas Ensino Médio Completo Indígena Mulher Cis Sem categoria

A pandemia afetou as mulheres indígenas

A pandemia chegou e não conseguimos mais ter esse lucro de vendas. E, também, nós da comunidade, para tentar prevenir à Covid-19, acabamos usando muitos remédios caseiros, como raízes, sementes, plantas e folhas.

Meu nome é Gabriele Maraguá Otero, sou do povo Baré. Meu nome indígena é Yra, que significa mel. Sou do município de São Gabriel da Cachoeira (AM), um município onde há a maior predominância de indígenas do Brasil. Onde têm 23 etnias. Eu nasci e cresci no meio da Amazônia, perto do Rio Negro e nos verdes da Amazônia.

Defendo o meu povo como uma Yauaretê, como uma onça. Não só o meu povo, mas as 23 etnias. Sou Técnica de Enfermagem e, atualmente, eu estudo teatro. Sou do Corpo de Dança – CDC Caprichoso, sou ativista e defendo a causa das mulheres artesãs indígenas. No meu município não tem festa de Boi, lá as festas são organizadas por tribo: tribo Baré, tribo Tukano e tribo Filhos do Rio Negro.

Para eu amar o Boi, do jeito que amo hoje… é uma longa história.

Cheguei aqui em Manaus em 2017, e um amigo me chamou pra eu fazer parte da Raça Azul. Eu queria viver essa experiência, queria conhecer mais o Boi. E eu fui lá, participei da galera… e fui amando cada vez mais. E hoje, eu sou uma das dançarinas do CDC. É muito lindo escutar música de Boi, escutar um ritual, os maracás, as flautas, as histórias, contos e lendas, ainda mais as lendas que são esquecidas – aí o Boi levanta e traz a identidade dos povos indígenas.

Eu achei isso muito lindo.

A música do Boi traz a originalidade de cada povo, de cada nação. Nosso passo, em São Gabriel, é um passo tribal, o nome que eles falam aqui é o Oca-Oca, – e para eu aprender foi uma dificuldade imensa.

Eu tive que ensaiar muito, mais ou menos um ano, pra eu poder pegar o gingado, o bailado. Eu ia fazer o teste e falei para a coordenadora, Edinalda. Disse que eu não tinha tanto esse movimento. E ela falou com um amigo dela, o Carlos Vieira, para me ensinar um pouco do ritmo de Boi. Aí foi quando eu fui aprendendo e me adaptando com o gingado, ficando mais solta a jogada de perna.

 A partir disso comecei a me desenvolver na dança. Atualmente, eu moro na comunidade Parque das Tribos, primeiro bairro indígena de Manaus, onde existem mais de 30 etnias. Lá existem as etnias Toto, Munduruku, Tukano, Baré, Dessana e diversas outras.

A pandemia afetou diversas pessoas do meu povo

A pandemia afetou as mulheres indígenas, os senhores artesãos e trabalhadores em vendas. As pessoas que vivem de vendas e artesanato precisam ir para à cidade divulgar e vender os seus produtos. É uma das únicas formas de conseguirmos nosso sustento.

Infelizmente, aqui na comunidade, tiveram várias mortes por causa da Covid-19, como a do nosso Cacique Geral, Messias Kokama – que logo no começo da invasão da comunidade lutou com os policiais do começo ao fim.

Entramos em pânico.

Como é uma doença nova, ninguém sabia como fazer e o que fazer. Nossa única opção era evitar que nosso povo pegasse a doença.

Ainda não estamos em 100%, mas estamos em 40, 50%. Dessa forma, vamos evitar a exposição, usar máscara e colocar álcool em gel.

Ainda espero que, logo quando tudo isso acabar, nós possamos nos abraçar e nos reunir novamente para cartar, dançar e receber aquele calor forte que só o Boi Caprichoso possui.

Se reunir, e todo mundo vacinado, para podermos curtir sem nenhuma preocupação.

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25 a 39 anos Branca Mulher Cis Paraná Pós-Graduação Completa Sem categoria

As Unidades de Internação se transformaram em UTIs

O contexto da minha história se passa no Hospital Municipal do Idoso Zilda Arns (HMIZA), especificamente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde leitos foram abertos para atender à demanda de casos de Covid-19, durante a pandemia sanitária.

 Na UTI, os profissionais de saúde e voluntários atuam em conjunto visando proporcionar um cuidado integral ao paciente e a seus familiares. As alterações da rotina dos profissionais se iniciaram em março de 2020, em virtude da pandemia da Covid-19.

Dentro da UTI

Essas alterações podem ser exemplificadas, por exemplo, pelo uso de mais Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Assim, deixamos de utilizar o jaleco branco para fazer o uso de aventais, máscaras N95, ‘face shield’, touca e luvas descartáveis para evitar a contaminação do vírus na UTI.

 Além disso, as Unidades de Internação foram transformadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), havendo a necessidade de contratação de mais profissionais de saúde, do fechamento de atendimentos ambulatoriais e da limitação de visitas presenciais.

No início da pandemia, muitos profissionais de saúde expressaram reações emocionais de ansiedade diante da falta de conhecimento acerca do novo coronavírus, como o medo de se contaminarem e passarem para os seus familiares, bem como o medo de morrer, de perder entes queridos e colegas de trabalho.

A pandemia foi um desafio para os profissionais de saúde

Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes. Diante disso, gostaria de narrar a história da atuação da psicologia durante a pandemia de Covid-19.

A nossa prática foi modificada nesse período. No início da pandemia, criamos um serviço de atendimento psicológico aos profissionais de saúde, visto que identificamos o sofrimento psíquico de muitos profissionais.

Claro que nós, psicólogos, também estávamos com medo e ansiosos, mas, percebemos caber à nossa profissão, oferecer apoio psicológico aos demais profissionais.

Ausência e tratamentos na UTI

Com a ausência de visitas familiares, percebemos que os pacientes internados na UTI, que estavam conscientes, ficavam tristes em decorrência do processo de adoecimento, da hospitalização e do distanciamento dos familiares.

Por outro lado, os familiares ficavam ansiosos e passavam o dia esperando a ligação telefônica do boletim médico para receber notícias do paciente, já que este não podia ficar com o próprio celular.

Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida

Diante desse distanciamento entre pacientes e familiares, nós, psicólogos e assistentes sociais, com o apoio da gestão do hospital, começamos a realizar videochamadas com o intuito de aproximar os pacientes e seus familiares, como substituição das visitas presenciais.

Realização de videochamadas na UTI no Hospital Zilda Arns

Além disso, foi muito comum realizarmos videochamadas, a pedido dos pacientes, antes do processo de intubação orotraqueal na UTI. Muitas dessas videochamadas tinham uma tonalidade de despedida, já que o paciente não sabia se sobreviveria ao tratamento invasivo.

Essa situação me deixava angustiada e triste, principalmente quando alguns desses pacientes faleciam. Frente aos diversos óbitos, especialmente no “pico da pandemia”, percebemos que muitos familiares não tiveram a oportunidade de se despedir do paciente e, no caso da morte por Covid-19, não podiam realizar velório.

Para a psicologia, são muito importantes os rituais de despedida, visando evitar que os entes queridos constituam um luto complicado.

A partir da relevância dos rituais de despedida, foi acordado com a equipe de saúde, a liberação de algumas visitas especiais de familiares aos pacientes em processo ativo de morte na UTI.

Essas visitas eram geralmente assistidas pelos profissionais de psicologia ou assistentes sociais. Durante a pandemia, vi muitos pacientes jovens, adultos e idosos falecerem, diversos membros de uma mesma família partirem em um pequeno intervalo de tempo.

O psicólogo, muitas vezes, acompanhava o familiar para dar a difícil notícia do falecimento de um ente querido por Covid-19 para o paciente. Face a esse sofrimento de diversas perdas, percebemos a necessidade de comemorar a recuperação de cada

Paciente que sai da UTI, porque, significava uma conquista para a equipe de saúde. Tivemos algumas situações de alta hospitalar com comemorações, onde familiares aguardavam o paciente do lado de fora do hospital com bexigas e cartazes, e até tivemos pedido de casamento.

Isso me deixava feliz

Perante os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde durante a pandemia, os vídeos do Nariz Solidário, os agradecimentos de pacientes, familiares e empresas, nos motivavam a dar continuidade ao nosso trabalho.

Vocês, voluntários, nutrem a nossa energia, tornam o ambiente hospitalar mais leve e alegre, proporcionando atendimentos humanizados. Vocês são essenciais e especiais! Muito obrigada pelos vídeos em um momento tão difícil das nossas vidas.

A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e o nosso sentido de vida

Para nós, psicólogos, percebemos a importância da humanização do atendimento no contexto hospitalar.

No pós-pandemia, algumas estratégias são: retornar as atividades de humanização e as visitas presenciais de familiares.

A pandemia nos ensinou a refletirmos nossa finitude e nosso sentido de vida. Aprendemos a valorizar a importância das nossas relações sociais, dos afetos, da saúde e do trabalho saudável. Passamos por um luto coletivo, pois nossas vidas foram modificadas pela perda do nosso “mundo normal”.

Sofremos e nos solidarizamos com a dor do outro nesse período.


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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“Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Eu sou Felipe Souza, tenho 23 anos e atuo no Boi-Bumbá Caprichoso há muitos anos. Comecei na Escolinha [de Artes] do Caprichoso cursando percussão. Com o tempo me apaixonei por figurinos de Boi.

Em 2017, aos 17 anos, recebi uma proposta de um amigo para trabalhar como ajudante no Caprichoso. Foi uma experiência muito diferente, eu me senti um pouco realizado ao fazer parte do Festival de Parintins. Em 2018, continuei trabalhando com ele e, no ano seguinte, me convidaram para trabalhar como figurinista: foi mais do que um sonho realizado. Trabalhei com figurinos de ensaio técnico para Cunhã-Poranga [a mulher mais bela da tribo] do Caprichoso, fazendo vários acessórios para ela e foi então que meu nome começou a ser visto.

“O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas”

A pandemia e os eventos on-line

Em 2020 veio a pandemia e nos obrigou a ficar em casa. Foi um momento muito difícil para a vida de muitos artistas e de muitas pessoas que perderam seus entes queridos.

O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas e graças a Deus a minha família não foi afetada e não perdemos nenhum ente querido. Porém, lamento por todas as pessoas que perderam.

Pensávamos que até o final de 2020 as coisas melhorariam. Como o Boi Caprichoso não podia fazer eventos abertos ao público, nós fizemos lives como uma maneira de trazer o Boi-Bumbá para dentro das casas das pessoas, com diversão de forma segura. Foi durante esses eventos que meu nome começou a ser mais conhecido. 

Na live do Festival, por exemplo, eu e meu amigo fizemos a roupa da porta estandarte, Marcela Marialva, e a roupa muito comentada. Fiz uma roupa para Marcielle também, que foi bem falada pelo público e assim o meu nome começou a aparecer. Foi uma felicidade muito grande para mim.

“Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho”

2ª onda da pandemia: reconhecimento do trabalho

Quando achávamos que voltaríamos ao normal, veio a segunda onda da pandemia, que afetou muitas famílias e, novamente, tivemos que ficar em casa para nos proteger. Neste ano fizemos a live do Festival 2021 e nela eu estreei como figurinista solo do Patrick Araújo, que é o atual levantador de toadas. Esse figurino ganhou o prêmio de “figurino destaque” no Caprichoso e eu fiquei muito feliz pela oportunidade. 

Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho. Eu gostaria muito de agradecer a Deus por eu estar aqui e ao Caprichoso por ter me dado essa oportunidade.

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados”

Aprendizado: é preciso valorizar o próximo

Com essa pandemia eu aprendi que é importante valorizar o próximo, valorizar minha família, cuidar das pessoas que eu amo. Percebi que o amanhã só pertence a Deus e que nós precisamos nos cuidar. 

Temos que continuar nos cuidando, usando máscara, álcool gel porque ainda não acabou. Por isso, quem ainda não se vacinou, deve procurar uma unidade de saúde para se vacinar. As vacinas salvam vidas.

Logo logo essa pandemia vai acabar e vamos nos reunir novamente como antes. Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados. Que neste ano consigamos nos unir e fazer um festival maravilhoso e que os artistas possam trabalhar e conseguir o dinheiro que todo mundo conseguia quando nós tínhamos o nosso Festival antes da pandemia.

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40 a 59 anos Branca Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Trans Pós-Graduação Completa Raça/Cor Santa Catarina Sem categoria

“A Covid-19 fez com que sentíssemos medo de todos, até dos amigos e parentes”

A vacina chegou bem na época da minha mudança para Santa Catarina. Então fiz 534 km de volta para ser vacinada. Sai às 5 horas da manhã e cheguei em Portão às 14h30. Fui direto tomar a vacina: foi tanta alegria que não senti nada. Minha expectativa para o futuro é que tenhamos um governo que preze pela vida e pelo social e que olhe para todos.

Na verdade, ficamos com medo uns dos outros – era esse o sentimento que eu tinha – até dos amigos e dos parentes. A gente tinha medo de se encostar, de se aproximar. Foi um período muito triste… nojo e medo foi o que mais senti. …Isso fez que refletíssemos sorbe o que realmente e a resposta foi a vida, a saúde, a família, a liberdade.

Outra coisa marcante foram as filas nas portas dos supermercados, coisa nunca vista. E a neurose em limpar as compras, limpar as mãos, trocar de roupas e de calçados a cada vez que sair na rua. Foi estressante, ainda é, pois não estamos livres da contaminação. Parece um filme de ficção científica.

Famílias puderam fortalecer seus laços, enquanto outras não suportaram as suas diferenças e se desconstituíram. O que todo mundo sente falta é de abraço, de aconchego, de aglomeração e de proximidade – coisas que tínhamos, eram comuns, mas nem dávamos tanta importância. 

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25 a 39 anos Branca Mulher Cis Paraná Pós-Graduação Completa Sem categoria

“A pandemia isolou minha gestação”

A gestação de minha filha foi ainda antes de todo esse contexto de pandemia, mas fiquei bastante frustrada por ter que vivenciar algo tão desejado, como a gravidez, em isolamento, distante até mesmo de minha família. Foi, então, que, durante um desabafo com o Eduardo, fundador da ONG Nariz Solidário, ele me provocou dizendo: “você é palhaça, seja criativa!”. Fiquei com aquilo na cabeça e pensava: “mas como?”

Tenho 33 anos, sou pedagoga, contadora de histórias, e trabalho de forma voluntária como palhaça na ONG Nariz Solidário, espaço em que busquei doar meu tempo e que me proporciona crescimento em cada uma das ações.

A arte sempre me colocou sob a necessidade de escutar o outro, mas, primeiramente, precisava ouvir a mim mesma. Foi assim que os treinamentos do Nariz Solidário me ensinaram sobre aceitação pessoal. Entre encontros e oficinas, redescobri a essência de minha palhaça: reencontrei-me enquanto pessoa, reconciliando-me com a minha infância e descobrindo uma nova mulher. Só a partir daí realizei um dos meus maiores sonhos: a maternidade.

Paracegover: Nesta foto, Elenice está sentada na grama ao lado de Eduardo. Ela está de calça preta com bolinhas brancas, usando nariz de palhaço e tiara laranja na cabeça. Elenice veste um top que cobre apenas seus seios e deixa sua barriga amostra. Ao seu lado, Eduardo está agaixado e fitando sua esposa com um largo sorriso no rosto. Eduardo é um homem branco de meia estatura, veste uma camiseta preta, calça jeans, óculos e boina preta.

Mas aí veio a pandemia…

Queria exibir meu barrigão e minha alegria para o mundo e não podia nem sequer sair de casa. Fui refletindo e, um dia, me veio a ideia de fazer autorretratos em casa, para não perder cada fase do crescimento daquela vida que vinha crescendo em mim.

Antes, minha ideia era fazer um book de gestação na montanha, já que sou montanhista e minha gravidez estava tranquila e saudável. Mas, com a necessidade de cumprir com o distanciamento social por conta da pandemia, meu mundo passou a girar em torno de quatro paredes.

Além disso, a provocação de Edu fez surgir em mim a ideia de registrar uma das atividades que compunham parte de meu trabalho remoto: a contação de histórias. Realizava duas vezes por semana lives para crianças da educação infantil e, ao final de cada enredo, eu me fotografava. Foi lindo. Usava figurinos e elementos específicos para cada temática. O tempo passava mais rápido e mais leve. Em agosto de 2020, minha Ana Clara nasceu.

Outro misto de alegrias e dores

Estava muito feliz por, enfim, ver meu bebê. Mas triste por ter que evitar contatos externos. Mesmo durante a licença maternidade, preferi não me afastar da família Nariz Solidário, mantendo contatos remotos, devido à pandemia. E, apesar de ter menos tempo devido às novas demandas exigidas pela maternidade, não abandonei as oficinas oferecidas pela ONG. As aulas trouxeram um sentido para o meu viver, já que, através delas, e por meio da “arte da palhaçaria”, consegui levantar diariamente com entusiasmo para enfrentar os obstáculos do isolamento social.

Com 22 semanas de gestação, hoje, uma nova vida cresce em mim, e sinto-me a pessoa mais realizada do mundo. Tudo isso devo às oficinas do projeto “De Nariz para Nariz”. Ao realizar os treinamentos em casa, brinco com a minha pequena e improviso cenas simples, que me divertem e a fazem rir.

Paracegover: A foto mostra Elenice, uma mulher branca com cabelos curtos de coloração castanha, sentada em uma poltrona, com um violão ao lado. Na parede, há corações rosas colados e um urso panda apoiado  sobre a almofada da poltrona. Elenice veste uma tiara de laço vermelho com bolinhas brancas, mesmas cores de sua camiseta polo. Na foto, Elenice está sorrindo e com a mão apoiada em sua barriga grávida de aproximadamente 5 meses.

Ana Clara tem menos de dois anos, mas sua pureza e encantamento com pequenas coisas a fazem rir de situações que, geralmente, nós adultos, reclamamos. Cada gargalhada que ela solta quando eu bato o cotovelo sem querer na mesa, por exemplo, me permite refletir e fazer daquilo um jogo lúdico, repetindo a ação apenas para ver seu sorriso.

A arte me prepara

A arte me prepara e me ensina. Sua presença em nossas vidas transborda tanto amor, que eu e meu esposo escolhemos ter nosso segundo bebê. Hoje, temos o Francisco a caminho! Nos últimos tempos, aprendi que a vida está aí para ser vivida: intensamente, dentro de qualquer possibilidade!


Relato produzido pela Associação Nariz Solidário para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia