Meu nome é Dejanira, moro em Rebouças, sou benzedeira há quinze anos, muita gente é da Bahia, de longe vem.
Atendo as pessoas de coração, Deus, já vi Nossa Senhora me atendendo quando eu estava doente. Vi Nossa Senhora. Eu falo com Jesus, porque Deus me deu o poder de eu fazer as ervas medicinais, ensinando, aprendendo tudo e não deixo ninguém voltar para trás. Eu atendo.
Na pandemia, pus plaquinha uns dia mas eu sentia que eu não podia atender. Pus um plaquinha que eu não podia atender porque aqui deu muito forte, e em nós não passou nada…
O velho ficou arriado um tempo mas já está bom. Agora que a filha chegou, estamos bem. Nossa filha quer fazer um ano que nós não via.
Relato de Dona Dejanira Machado, produzido pela Instituto de Educadores Populares para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Eu moro aqui em Irati, Conj. Joaquim Zarpellon, sou benzedeira aqui de Irati.
Trato das crianças desde o primeiro aninho até a sua idade maior, a gente costura, a gente faz ¨batida à míngua¨, fazemos simpatia do bronquite, leio carta, rezamos a nossa Romaria, sempre atendendo o nosso povo. Agora na pandemia a gente até deu uma parada mas não foi tanto por causa que a gente tem que cumprir com os compromissos da gente, atendendo os inocentes, atendendo nossos povos de Irati, aqueles que vêm de fora a gente também têm que atender porque eles vem por que precisam. Sabem que a gente faz um bom trabalho então a gente tem que prestar um bom trabalho, um bom serviço a comunidade.
¨São Sebastião Santo
Dê Deus muito Amado
Nós livrai das pestes
Nosso advogado¨
¨Pelas vossas chagas
Pelo vosso amor
Nós livrai das pestes
Nosso defensor¨
Relato de Dona Jacira de Paula, produzido pelo Instituto de Educadores Populares para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Meu nome é Keilla Rocha, tenho 28 anos e sou mãe de um rapaz pré-adolescente. Quando a pandemia começou, em 2020, eu estava casada, fazendo o curso técnico de enfermagem e trabalhava como comerciante varejista em Shopping Centers.
Com a pandemia, eu passei a não deixar mais meu filho sair pelo condomínio ou brincar na rua e ele não conseguia entender o motivo. Ele, triste, olhava pela janela e dizia: – Olha lá mãe… Todo mundo brincando na rua! Todos meus amigos nas quadras, e eu aqui em casa, já não aguento mais”.
Ele estava exausto, as brincadeiras dentro de casa já não tinham graça, a escola havia fechado e eu estava super amedrontada e não deixava ele nem “piscar” fora de casa. Parecia um filme de terror sem fim. Sabe aquele apocalipse que tanto nos alertavam desde a infância? Sentia que ele realmente havia chegado.
Ao acordar, o meu marido já estava com a televisão ligada assistindo incansavelmente a mais um noticiário que nos alertava sobre o maior número de mortes a cada minuto. Às vezes eu parava e pensava: “Será que só eu estou realmente levando isso tão a sério? Onde estão os pais dessas crianças que deixam elas ficarem na rua?” E, por fim, eu fico vista como a errada ou a mãe super protetora.
Senti um desespero quando recebi um e-mail da secretária do suposto médico incrível informando que ele havia ido embora de Brasília para ficar com a família, pelo motivo da pandemia
Filho com epilepsia
Quando meu filho fez nove anos, ele foi diagnosticado com epilepsia. A partir de então, ele tem tomado medicamentos controlados e procuramos o melhor neuropediatra que atendia em Brasília. Comecei a pagar um plano de saúde super caro, pois era o que o suposto médico escolhido aceitava na época. As consultas passaram a acontecer por chamada de vídeo. Nós realizávamos a consulta segurando o celular, sentados em nosso próprio sofá, no conforto do nosso lar, conforto este que meu filho já não suportava mais.
Realmente, senti um desespero quando recebi um e-mail da secretária do suposto médico incrível informando que ele havia ido embora de Brasília para ficar com a família, pelo motivo da pandemia.
Como eu, sendo uma microempresária, vou manter funcionários sem ter nenhum capital na empresa? Como iria alimentar minha família, pagar boletos que estavam para vencer? Foi um desespero sem fim
Fechamento de shoppings centers, fim do trabalho
O tempo passou e o terror continuou. Eu sempre tentei proteger minha família passando álcool em tudo e em todos. Quando eu e meu ex-marido íamos ao mercado, parecia o fim dos tempos: muitas prateleiras vazias, as máscaras em nossos rostos tampando todos os vestígios de sorriso que poderia surgir, olhares assustados, um silêncio que parece que nos havia matado por dentro e a cada instante.
No momento em que o nosso empreendimento nos Shoppings Centers faria com que conseguíssemos sair do mar de dívidas, recebemos a notícia de que os shoppings deveriam fechar. Como eu, sendo uma microempresária, vou manter funcionários sem ter nenhum capital na empresa? Como iria alimentar minha família, pagar boletos que estavam para vencer? Foi um desespero sem fim. Não havia nenhuma notícia boa e nenhuma esperança desse pesadelo acabar. Sem a cura, sem a esperança de vacinação, com o caos no governo em nosso País, parecia que não iríamos sobreviver.
No curso de enfermagem, os estágios foram suspensos. E, dessa forma, nós, estudantes inexperientes e despreparados, tivemos que ir à guerra. Adiantaram o diploma, pois a cada dia que passava eram necessários mais “soldados” da saúde para ir à guerra.
Devemos observar e entender o contexto e não perder a fé. Temos que saber que temos que lutar pelos nossos sonhos e objetivos, mas jamais deixar de ser grato pela vida e pela saúde
Fim do casamento: “Seu egoísmo não o deixava enxergar que diante de tudo aquilo que o mundo passava, o bem maior era a própria vida e a família”
Em meio a essa “tempestade” mundial, o meu casamento não resistiu e sucumbiu em meio a tantos conflitos. As pessoas à nossa volta nos julgavam como o casal perfeito. Porém, todo espetáculo é lindo para quem assiste e só quem vive atrás, nos bastidores, sabe a realidade.
Ao acordar, sempre via o meu marido mal e desesperado e eu dava apoio e alicerce, sejam eles quais fossem necessários. Eu tentava mostrar que mediante a todo ócio mundial, a nossa família estava bem, tínhamos saúde, alimento na mesa. Mas ele se sentia como se estivesse levando um golpe do destino. Seu egoísmo não o deixava enxergar que diante de tudo aquilo que o mundo passava, o bem maior é a própria vida e a família.
Devemos observar e entender o contexto e não perder a fé. Temos que saber que temos que lutar pelos nossos sonhos e objetivos, mas jamais deixar de ser grato pela vida e pela saúde. Do que adianta chegarmos no topo da montanha sem ter com quem compartilhar? O mais importante é saber como lidamos com o próximo ao longo da caminhada, com quem está contigo nos momentos de dificuldade.
É fácil ser feliz ao valorizar o próximo nos momentos de bonança e alegria. O sábio é aquele que valoriza e entende que nem tudo são flores. Hoje sei que existe arrependimento em seu coração, mas tudo isso me ensinou a ser uma mulher forte, guerreira e independente. Sou grata a Deus por não me desamparar, por me mostrar o caminho e por me guiar em meio ao caos.
Relato de Marilza Xavier, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
quando começou a pandemia, eu fiquei com muito medo. Fiquei nervosa, então quando eu ia dormir assim na noite, nossa eu falei assim: ai meu Deus,se eu amanhecer com essa coisa né, aí eu ficava orando pra Deus me dar calma, porque eu fiquei muito nervosa, eu chegava parecia que eu tava andando assim nas nuvens, pisando assim. Foi de nervoso né, e até hoje ainda eu estou nervosa.
Eu tenho medo, eu falo assim: “ôh meu Deus, a gente não tem com essa doença traiçoeira, né? a gente não tem, sei lá , segurança”. Imagina, eu tomei as duas doses e vou tomar no dia 04 agora de novembro o reforço, a terceira dose.
Os acontecimentos que mais marcaram esse processo da pandemia, foram as mortes das pessoas. Todo dia vendo notícia da televisão que informava: morreram tantos! Isso daí me impressionou muito, e pressiona muito, né? Foi quando eu deixei mais, assim, de ir na reunião da igreja, sabe, vejo mais tudo pela televisão, os cultos que vai ter, né? Não vou mais quase em feira, em mercado.
Diminui a ida aos cultos na igreja
É porque eu gostava muito de ir à igreja, eu ia quarta, sexta, aí eu diminuí, tenho tudo aqui dentro de casa. Porque eu tenho cisma, sabe? Se eu cismar com uma coisa, aí que eu fico nervosa, parece até que eu estou doente já, de nervoso. Depois que eu ainda perdi essas pessoas, né, os entes queridos, ainda que me dá mais angustia! Aí eu não saio muito não, porque se eu sair e se aparecer mais de dez pessoas, nossa aquilo pra mim já estou vendo um povão, sem tá vendo, parece que é na minha mente né, ai eu deixo vim embora.
Cheguei aos 81. Em maio, eu faço outro aniversário, se Deus quiser. As meninas farão um bolo. Eu vivo assim mais estou vivendo bem. Eu me alimento bem direitinho, faço as coisas nada assim, como só quando eu devo, não fico me enchendo de besteira, comendo bobagem, doce. Que eu gostava muito de comer doce. Agora eu mesmo, por mim, estou cortando, porque às vezes a gente se sente mal. E assim eu estou vivendo. Se eu fiquei sem Joãozinho, sem a Ju, foi porque Deus quis.
Eu até que não chorei muito porque eu pedir tanto a Deus, Deus eu não quero, eu sei que eles faleceram, a morte não tem volta, a gente tem que pedir isso a Deus. Quando bate uma saudade boa, eu lembro que eu passeava muito com ela, ela me levava para passear, me levava no shopping. Então aí eu vou.
Quando a pandemia passar eu também vou à ceia da igreja, se Deus quiser, quando eu estiver bem segura assim que eu possa ir nos lugares. Todos os anos eu ia à ceia.
Perspectivas para o futuro
Eu tenho assim né mais pra frente, eu acho assim que eu já perdi, eu não sei né, eu acho que era só esses agora, então aí vou ver se eu vivo melhor né, não ficar assim pensamento só em morte, coisa ruim né, nem nessa pandemia passando, aí pronto, eu acho que eu vou viver bem! Até no dia que eu tiver ter que ficar aqui nessa terra né. E sempre eu sou assim mesmo, eu sou sempre eu fui caseira, eu saia assim com a minha neta que se foi sabe, viajava saia muito. Mais eu sempre fui muito caseira assim, não fui muito de ficar assim passeando sabe, em festas, mais nisso tudo eu vivo bem. Está entendendo.
É, boas expectativas do futuro né. Vamos ver, entrando o ano dos meus 82, 83, como vai ser né. Se eu vou ficar assim forte como eu ainda estou né. Eu não ando não é porque eu não posso é porque eu não gosto e pra mim eu não posso ver muita gente, tumulto eu não posso porque ataca meus nervos e parece que aquilo já é uma coisa muito ruim para mim. Então, eu prefiro ficar mais isolada. E assim nós vamos vivendo chegando na nossa idade feliz, porque a morte não traz muitos, não é feliz, mais deu pra me superar bem né, que eu não fiquei assim com a minha cabeça doente, que eu acho digo assim na minha cabeça me atormentando né, porque eu só tenho saudade boa.
Eu vou levando agora quando eu falo né, agora a gente tem que levando a vida né, que a vida se segue né. Cada um de nós tem uma missão e ela acaba no momento certo. Se vai um mais velho, se vai um mais novo e fica mais velho, é porque era o seu destino.
Fotografia preto e branca do rosto de Nilza Pereira Soares acompanha relato "Soube de uma pessoa que perdeu seis pessoas da família", para a Memória Popular da Pandemia.
Relato de Nilza Soares, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
No começo da pandemia foi difícil, porque a doença nos pegou de surpresa. Muitas pessoas se viram paralisadas diante da notícia. No começo, no dia 5 de fevereiro, contraí a Covid. Passei por esse processo, assim como minhas irmãs. Meus pais, graças a Deus, não pegaram a doença, pelo fato de eles estarem afastados e não precisarem sair para trabalhar. A gente que trabalha fora, precisa se deslocar de um local para outro. Dessa forma, acabei contraindo o vírus.
Foi um processo difícil de quinze dias que, realmente, não tem explicação. Mas, graças a Deus, a gente conseguiu passar. Meus filhos não contraíram a Covid, acredito que nem o meu esposo tenha pego, porque, segundo os médicos, se pegou não foi o caso de ser internado. Neste caso, o organismo dele teria reagido muito bem.
Neste momento, milhares de pessoas no Brasil e no mundo inteiro perderam familiares. Ainda bem, não perdemos nenhum familiar ou pessoas conhecidas. Nada que a gente esteja sabendo até agora. Aliás, perdemos a esposa de um primo meu, muito jovem. Ela faleceu aos 26 anos. Graças a Deus, todos que estão aqui já passaram por esse processo. Algumas das minhas irmãs também contraíram, por trabalharem fora.
“Tem dias que parece que vou paralisar”
Quando tudo estava um caos, a gente tinha que manter a calma, ter paciência e tranquilidade, porque tudo passa. De um jeito ou de outro, tudo vai passar. Eu fiquei com sequelas após a Covid: dores no corpo, começam nas costas e vão se movimentando. Tem dias que parece que vou paralisar. É horrível. Só sabe quem já passou por esse processo.
Voltei a trabalhar normalmente, e minha expectativa é que virão dias melhores pela frente. Se cheguei até aqui, com certeza é porque virão dias melhores. Essa é minha expectativa. Eu sobrevivi a uma doença pela qual muitas pessoas não conseguiram passar. Quantas pessoas próximas perderam parentes, entes queridos, ou até a família inteira?
Teve um caso de uma pessoa que trabalha com a gente. Ela é secretária e perdeu o tio, a tia, dois sobrinhos. Eles foram para Maceió e acabaram sendo internados. Dois dias depois, foram entubados e não retornaram. Soube do caso de outro rapaz que perdeu seis pessoas da mesma família.
“Minha família me deu forças nesses tempos sombrios”
Então, quando a gente ouve tudo isso que acontece ao nosso redor, e sabe que estamos passando pelo processo, é importante confiar em Deus e acreditar que tudo vai ficar bem. É manter a serenidade, a calma, porque tudo é um processo. Um processo no qual a gente tá vivendo, e por ser algo que é geral, que o mundo inteiro está passando, não adianta a gente entrar em pânico, a gente tem que manter a calma. E acreditar que se há países como a China, a Itália, e outros que se recuperaram, onde a sociedade já leva uma vida normal, para a gente aqui no Brasil não será diferente.
Essa doença trouxe um grande caos, porque os preços dos alimentos e do combustível aumentaram muito. Muitas pessoas haviam parado de trabalhar. Muitas fábricas, empresas e lojas foram fechadas. Atualmente, as coisas já estão normalizando. Para o mês de novembro está previsto a gente não usar mais máscaras, mesmo assim a gente tem restrições. É que a pandemia não acabou. O vírus ainda está aí e precisamos nos precaver, sempre mantendo a calma.
Quando se tem uma crença, uma fé, ajuda bastante a passar por essa situação. Conto também com a ajuda e colaboração de meus filhos, esposo, netos, porque eles não saíram de casa durante a pandemia. Lógico, tive todos os cuidados necessários também. Ficava em meu quarto e a cada semana, meus filhos e netos faziam os exames para detecção da Covid. Os testes sempre atestavam negativo. Dessa forma , fiquei mais tranquila com a família por perto para a gente superar essa barra juntos. Assim é mais fácil.
Fotografia preto e branca do rosto de João Pereira dos Santos acompanha relato "Comecei a estudar durante a pandemia; quero aprender a ler e escrever", para a Memória Popular da Pandemia.
Relato de João Pereira, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Passei a estudar, durante a pandemia, na Associação de Mulheres de Sobradinho II, onde fui acolhido há cinco meses. Por meio dos estudos, também ganhei novos amigos. Há 48 anos, eu moro em Brasília. Morei de aluguel, por muito tempo. Aqui, comecei a estudar e arrumei uma casinha com a Ivonete, uma pessoa muito legal. Com fé em Deus, a gente vai permanecer na escola. Hoje, ajeitei um local pequeno e estamos aqui. Estou aqui até hoje, onde tem luz. Eu não tenho do que reclamarda minha querida Ivonete.
Eu vou aprender a ler e escrever. Tudo começou quando a ‘tia’ procurava por alunos interessados em estudar. Então, eu me ofereci. Foi assim que comecei a aprender a ler e escrever. O meu amigo, o Daliano, também estuda com a gente.
Antes, eu morava de aluguel, então comecei fazendo uns bicos. Arranjei um local para abrir um barzinho para eu trabalhar, porque nunca fiquei quieto. Então, investi nesse barzinho. Hoje, tenho lugar para morar, onde posso ficar dentro de casa. E, se Deus abençoar e tudo der certo, em breve, voltarei para casa.
Enfim, penso em retornar. Mas, antes, vou continuar na escola, pois não vou parar de estudar. Sei que preciso continuar os estudos. Eu acredito que Deus vai me abençoar e eu vou ser muito feliz. A gente vai lutando e, aos poucos, tudo dá certo.
Eu nasci na Bahia, saí de lá aos 10 anos de idade. Cheguei em Minas Gerais com a minha madrinha. As pessoas achavam que éramos ciganos, porque a gente não parava em um lugar só. Algumas pessoas tinham até medo de mim, por acharem que eu era cigano! Elas diziam assim: “olha o cigano ali”. Mas, eu dizia: “não tenha medo, não sou cigano”.
Fotografia preto e branca do rosto de Eliete dos Santos acompanha relato "Não tive Covid, mas perdi amigas, amigos e vizinhos para a doença", para a Memória Popular da Pandemia.
Relato de Eliete dos Santos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Não tive Covid, nem minha família, mas eu perdi muitos amigos, amigas, vizinhos que morreram com Covid, e a gente sofreu muito porque essa doença é um caso sério. Só Deus que pode explicar pra gente. O sofrimento foi muito e para muitas pessoas. Foram muitas perdas e em muitos países no mundo inteiro. Então, não é porque eu não tive Covid, nem minha família, que a gente não sofreu. Eu sofri muito.
Sou nordestina de Bom Jesus do Gurguéia, no Piauí. Vim para cá trabalhar para os outros. Minha mãe me deixou aqui para trabalhar na casa dos outros. Naquele tempo, era tempo de você ganhar roupa, ganhar calçados, comida, e trabalhar para as pessoas. Eu vim muito nova.
O que mais me marcou na pandemia foi ver o sofrimento das pessoas e estar com uma pessoa em um dia, e no outro receber a notícia de que ela estava internada. Quando menos esperava, ficava sabendo da morte da pessoa. De quê? Covid. Então, isso me marcou muito, tanto é que eu não gosto nem de falar porque já me dói o coração, pois sou uma pessoa como açúcar, tudo me desmancha. Essa doença é muito ruim, só Deus quem explica porque ela veio, porque está espalhada no mundo inteiro.
“Estou aprendendo a ler e escrever”
Atualmente, estou feliz porque, graças a Deus, encontrei uma associação, para aprender a ler. Pedi à minha tia para que eu aprendesse a ler e escrever. Porque muitos falam que não sei ler e não entendo nada, que pego os ônibus errados. Quando penso que estou chegando à Brasília, estou chegando à Planaltina. Quando penso que estou chegando em um lugar, estou chegando em outro. Mas, hoje, estou feliz, porque aprendi a fazer meu nome, e nem isso eu sabia.
Graças a Deus tenho o apoio das meninas da associação, da minha tia, da minha professora, que amo de coração, porque ela tem paciência comigo, para me explicar, para me entender. Graças à Deus, eu quero, eu posso e eu sou. Agora, sou empresária. No entanto, muita gente olhava para mim e pensava: coitadinha, analfabeta e se diz empresária. Então, eu perguntei se elas já viram uma empresária de maquiagem ser analfabeta. As meninas disseram que não, e eu disse que eu era uma. Eu quero, eu posso e eu sou.
Tem gente apostando nos meus sonhos
A única riqueza que eu tenho é aquele lá de cima. Sou feliz, porque tenho o senhor Jesus comigo, com nós, com todos. Sou maravilhada com o senhor Jesus. Para mim não existe tristeza. E sei, tem gente apostando nos meus sonhos, tem gente apostando em mim. Pois, Lula não sabia ler. Ele veio a aprender depois que ele foi Presidente da República, porque pagou professor particular. Por que eu não posso aprender, não posso ser uma empresária?
Primeiro vem a saúde, as forças, a força que Deus dá todos os dias para nós vencermos, e ter as mãozinhas para trabalhar. E a primeira vez que vi na minha vida, a tia me falou que eu tinha sido escolhida para maquiar alguém. Então fiquei surpresa, e a professora me respondeu dizendo que estava no curso para aprender a maquiar alguém.
Estou muito feliz. Não tenho explicação de tudo. Não sei ler, não tenho cartão, não tenho renda, não quero receber benefício do governo, eu quero conseguir as coisas com minhas mãos, as que Deus me deu, pois eu aprendi, já sou uma empresária. Eu já sou uma empresária e vou mostrar para muitos como uma analfabeta pode.
Fotografia preto e branca de Lídio dos Santos acompanha relato "Para viver aqui só quem tem Deus, e com muita oração", para a Memória Popular da Pandemia.
Relato de Lídio dos Santos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Essa pandemia… eu vou lhe contar! Ela veio para arrasar com todo mundo, sem dó nem piedade. Para viver aqui, só quem tem Deus, e tem que ser na base da oração, porque a doença está matando mesmo!
Os empregos acabaram, não é verdade? Empresas falidas, fechadas. Então, agora, é na base de Deus. Quem tem Deus, tem vitória; quem não tem, chora. Ele tem cuidado de mim, e tem mesmo! E eu estou aqui, só alegria! A pandemia em nada me atingiu. Ainda bem. Nunca na minha vida tive qualquer doença, nem mesmo um resfriado. Tomei a primeira dose da vacina na segunda-feira e hoje vou tomar a terceira. Vou ficar mais jovem ainda. Mas, é joelho no chão e oração, porque é somente Deus.
A pandemia fez todo mundo se precaver, se higienizar. Todo mundo, em geral, sem diferença de cor nem raça. Ou vai, ou racha! No mais, agora é com Deus, porque é o seguinte: se não for Deus, não temos outra saída.
Meu nome é Lídio dos Santos, sou pastor, um novo covertido desde 1977. Que tal? Eu pretendo ir de Brasília direto para o céu, com a permissão de Deus. Nasci na Bahia, em Correntina, mas vim pra cá em 1970. Fui para São Paulo fazer alguns cursinhos, mas voltei para cá, me casei e aqui estou.
É preciso se apegar a Deus
A minha expectativa aqui é ampliar a minha lojinha, o prédio que Deus me deu, e alugar alguns imóveis. As pesssoas vêm aqui orar, a exemplo da irmã da Conceição, entre outras pessoas, que vêm me ajudar a orar. Aqui é só vaso!
É uma boa expectativa, porque o pouco que a gente sabe fazer a gente dá valor. Importante saber o quanto pesa na balança. Porque se você tiver um gasto esbanjador, não fará mais. Quer dizer, se você pegar mil reais, então você: opa! Se você pegar cem reais, então você: opa, peraí! Porque você sabe a dificuldade de se conseguir dinheiro agora! Não tem dinheiro na praça, nem emprego. Agora é que estão abrindo, mas até chegar lá quantos anos mais?
E para você que lê o meu relato: fique firme, sem titubear para qualquer lado, mas fique na fé, porque isso vai passar. E temos que tomar muito cuidado com a higienização. Esse vírus está passando, mas têm outros vindo por aí. Tenha cuidado, pois a sua saúde é muito importante. Sem saúde, você não é nada. Você pode não ter um tostão no bolso, mas se você tiver saúde, você corre atrás. No mais, tem que se apegar a Deus. Se você se apega com Deus, de verdade, a coisa muda de figura. Mas sem Deus, ninguém é nada. Nada mesmo.
Salmo 133: Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união.
Foto em preto e branco do rosto de Lindalva da Silva Batista, autora do relato "O maior impacto foi ter ficado parada e sofrer de ansiedade" para a Memória Popular da Pandemia.
Relato de Lindalva Batista, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Tenho 86 anos e oito meses. Vim morar aqui aos 14 anos. Antes [de morar no Distrito Federal], vivia no Rio de Janeiro. Nós moramos uns 20 anos no Rio de Janeiro. Casei no Rio, tive seis filhos. Nós viemos para procurar coisa melhor. Veio todo mundo, eu, os filhos e o marido. Chegando aqui, tive mais dois filhos. Primeiro, eu tinha sete, aqui tive mais dois. No total, são nove filhos, e estamos aqui até hoje.
A pandemia marcou mais a minha vida por eu ter que ficar parada, por ter que ficar em casa. Antes eu saía, mas nesse período passei o ano todo sem sair, só para ir pro médico. A ansiedade piorou. É que a gente escuta “um morreu lá, outro morreu acolá”, por isso fiquei com muita ansiedade. Tinha dia que eu ia dormir e acordava durante a noite pensando que estava doente. Muita ansiedade mesmo.
O trabalho parou e isso foi horrível, pois eu era muito ativa. Todo dia ia pra loja. Eu moro na casa de um dos meus filhos. Então, a pandemia atrapalhou a minha rotina. Gostava muito de sair, de festa, não tinha uma festa que eu não estivesse. Tenho uma família muito grande, então cada vez tem um filho para visitar. Eu gostava muito de sair, passear, shopping era toda semana, almoçava fora, tinha uma vida melhor. De repente, parou tudo. Fiquei sem chão.
Vou receber a terceira dose depois de amanhã. Agora já não tenho mais ansiedade, passou. Já vou até viajar. O aprendizado que eu tive foi ter muita fé em Deus, muita oração pra conseguir passar essa fase, e graças a Deus consegui.
“O isolamento me fez lembrar dos tempos da Ditadura”
A expectativa que eu tenho é de que a situação melhore, que tudo volte ao normal. Acho que normal mesmo não volta mais. Essa doença aí deu medo em todo mundo. Não tem como ficar calma. Acho que desses dois anos, só agora que eu estou mais calma. Então, fizemos assim, cada um que fazia aniversário só chamava a família, só os de casa. Mas, eu mesma, só fiquei em casa.
Passeio de shopping acabou, as festas… Ainda não estou indo na missa. Porque ainda tenho medo. Porque dizem que mesmo quem se vacinou duas vezes ainda pode pegar a doença. Então, assisto a missa na televisão. Vamos ver se essa pandemia acaba nesse ano que vem.
Essa situação de ficar em casa me fez lembrar da Ditadura, que era quando não podíamos sair na rua. Ficávamos trancafiados dentro de casa, íamos apenas ao mercado fazer compra. Foi uma época bem ruim também que passei. Hoje, o que eu mais quero é saúde para mim e todo o mundo. Que as coisas voltem a ser como eram antes. Acredito que vai melhorar, se Deus quiser, vai melhorar.
Foto em preto e branco do rosto de Marcinda Prima Guimaraes, autora do relato "Nós somos mortais, por isso que eu não tenho medo"
Relato de Marcinda Guimarães, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Essas coisas que acontecem no mundo não me assustam, porque sou uma irmã sábia. A gente estuda muito a palavra, ouve muito e, uma vez, ouvi alguém dizer que havia de chegar uma doença que mataria muita gente. Mas, eu não sou muito de acreditar nas coisas. Sou igual a Tomé, só acredito depois que vejo.
Eu não sabia que seria isso! Mas, agora que a minha ficha caiu. Será que é a pandemia? Durante uma conversa com o meu filho, ele falou: “mãe, isso já era previsto.” Mas, eu não sabia o que era, sabia apenas que seria uma coisa terrível para a humanidade. No início, fiquei incrédula e cheguei a pensar: o povo conversa muito, vai que não é nada? Pois é, mas está acontecendo mesmo.
Nós somos mortais, por isso que eu não tenho medo. Aliás, eu não tenho medo de nada! Ah, é cuidado que ele é doente, é isso, é aquilo. Que nada! Olha, eu não sei quem contaminou o primeiro, eu penso logo assim. Então, quem será que contaminou o primeiro? Veio porque tinha de vir.
A Carmelita e o Silvani, irmãos dos meus primos, morreram de Covid.
“Trabalho desde os 9 anos de idade”
Não sinto saudade da minha vida antes, porque eu trabalhei desde os meus 9 anos de idade. Hoje, estou aposentada e acredito que se Deus me aposentou é para eu ficar quieta. Agora, só quero me divertir, estar na praia. É sombra, água fresca e água de coco gelada, e pronto. Chega! Eu comecei a trabalhar quando tinha apenas 9 anos! Me tiravam da cama às 2 horas da manhã pra ir bater pasto, bater rapadura, tocar boi, buscar cavalo no pasto.
Vim parar em Brasília e tinha que levantar 4 horas da manhã para ir pra fila pegar leite no carro do leite, caso contrário, não tomava leite. Chega! Cresci trabalhando, trabalhei até 2011. Minha luta foi até 2011, quando, finalmente, me aposentei. Quando vi que eu não aguentava mais, eu disse “chega!” Agora eu não quero mais nada. O que cair na rede, pra mim, é peixe. Não quero mais nada. Somente passear, andar e aproveitar.
Isso é coisa de Deus, é inexplicável. Só Ele pode explicar para nós. Eu vejo assim, como fim dos tempos, como fala no livro de Gênesis, na Bíblia. Então já está começando ou talvez agora está até terminando, ninguém sabe! Eu já vi muitas pragas. Eu já dormi com leprosos. Minha tia tinha uma doença que ela descascava todinha, ficava feridinha. Tinha que dormir com ela e ela falava assim: “Marcinda você não tem nojo de dormir comigo?”.
Eu falei: “Nojo porque minha tia? Porque vou ter nojo? Tia, a senhora não queria, mais veio. A doença vem pra gente sem você querer, quando tem que acontecer, vai acontecer, minha filha. Estamos todo mundo aqui dentro de casa, de repente uma bala pode me pegar aqui. Nós estamos conversando, porque eu tinha que morrer baleada, não é não? Eu tinha que morrer daquele jeito.
“Eu acredito na palavra de Deus, por isso não tenho medo”
Acredito na sorte. Que a gente nasce com ela, porque você já nasce com tudo pronto pra morrer. Você vem, mas já vem trazendo tudo. Deus vai dizer: “você vai viver tanto tempo e com tanto tempo você será recolhida. Você vai morrer assim, e pronto.” Eu acredito na palavra. Por isso, eu não tenho medo de nada, graças a Deus.
Faça o que tu gosta, mas se cuide. Se cuide muito bem, porque eu me cuido. Não deixe de fazer o que queres. Mas tenha cuidado, porque tudo na vida tem que ter cuidado. Procure também se alimentar bem, porque o que vale é o alimento. Se puder, tome suco de inhame durante o dia e à noite. É ótimo!
Uma coisa eu digo: a vida é luta! Não pense que vamos embora sem lutar.
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