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“A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico”

Eu sou Maria Auxiliadora Pereira e Silva, mais conhecida como Dora Caprichoso. Trabalho no Curral [da Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso] há vinte anos. Comecei [no setor de] serviços gerais e hoje sou diretora do Curral, desde 2016.

A pandemia me trouxe uma tristeza muito grande pois fui obrigada a me ausentar do Curral. Passar meses fora daqui foi a maior tristeza que senti. Fiquei muito abalada quando vi as pessoas morrerem e deixei de assistir o jornal. Foi um desespero, fiquei muito nervosa e acabei trazendo isso para a minha vida. 

Agora já estamos vivendo momentos melhores e espero que não voltemos mais àquela situação. Ainda que o momento mais crítico da pandemia tenha passado, a gente continua a sentir tristeza pelas pessoas que morreram e, dessa forma, a pandemia deixa marca. Perdi amigos queridos e isso me entristece muito. Eu não gosto muito de falar porque sinto uma dor muito grande no meu coração. 

Espero que isso [a pandemia] termine definitivamente. Por ser uma cidade pequena, Parintins foi bastante afetada. Pessoas como eu ficaram desesperadas por não poder trabalhar.

Minha experiência na pandemia

Quando chegou em agosto de 2021, o presidente [do Boi Caprichoso] me perguntou se era hora de voltar ao trabalho e eu retornei ao Curral porque já não aguentava mais o sofrimento de ficar em casa sem poder fazer nada. Muitos sócios queridos do Caprichoso morreram e ao ficar em casa, sem poder fazer nada, me deixava ainda pior. 

Eu espero que, daqui para frente, tudo volte ao normal. Espero que possamos viver como antes, com alegria, com festas. Quero poder passear, tirar um dia para lazer sem a preocupação de não poder estar em determinado lugar por causa do Covid-19.

“A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico, mas se a gente se respeitar e continuar usando a máscara, a gente vai ter um final muito feliz.”

Eu também espero que as pessoas se respeitem uns aos outros, que continuem usando máscara até que tudo isso passe. Se todos colaborarem, a pandemia acaba. Espero que, na idade que estou, não presencie mais uma pandemia dessas. Ela foi tão triste para nossas vidas. Não só pra mim, para todos.

Agora em diante, gostaria que todo mundo respeitasse uns aos outros, continuasse se distanciando, usando máscara, se prevenindo. A pandemia ainda não passou e pode voltar a seu estado mais crítico, mas se a gente se respeitar e continuar usando a máscara, a gente vai ter um final muito feliz.

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“Com a pandemia, tivemos que parar os ensaios e os eventos do Boi Caprichoso”

Eu sou Fabio Gonçalves Modesto, tenho 24 anos e exerço diversas funções no Caprichoso: Pai Francisco, backing vocal da banda Canto Parintins, produção da TV Caprichoso e trabalho na área de Criação de alguns personagens que fazem parte da história do boi e que o tornaram o que ele é hoje: grandioso.

Minha história na Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso começa em 2009, quando eu tinha apenas 12, 11 anos, quando eu era apenas um personagem cênico conhecido apenas como DCC. Eu fazia o papel de uns bichos, era alguma coisa só pra mexer. Com o tempo, em 2010, eu consegui meu lugar de palco como dançarino, participando de algumas coreografias de alegoria do Caprichoso. 

Lembro muito [da apresentação] de Wãnkõ Fiandeira, de 2010, na segunda noite: tinha uma alegoria maravilhosa, uma indumentária linda. Foi um momento mágico, foi quando eu comecei a dançar no Caprichoso.

Em 2011 foi a mesma coisa e, em 2012, eu tive que parar devido a uma cirurgia para retirada do apêndice. Ainda assim, mesmo não atuando na arena, eu não perdi a emoção e participei do evento junto ao público. Conheci a galera pela primeira vez, naquela emoção, naquela muvuca de ser empurrado e gritar pelo Boi Caprichoso. Aquilo ali para mim foi maravilhoso.

Apesar de ter vivido fortes emoções na galera campeã do Caprichoso, emocionada, que ovaciona o boi Caprichoso, eu não me via na galera. Eu me via dentro da arena, atuando em alguma função. E com o tempo vim atuando como dançarino no departamento cênico do Caprichoso, com o Sandro Assayag, que era o coreógrafo na época, de 2013 a 2016. 

“Eu fazia parte [do setor] de lendas e rituais indígenas. Para mim foi maravilhoso poder ter participado dos rituais, das lendas, de ter encarnado alguns personagens dessa história que o Boi Caprichoso levou para a arena”

Em todas as apresentações eu esperava, dava o meu melhor, aprendia as coreografias, tentava fazer o máximo possível para acertar os passos que o Sandro passava para a gente. Com o tempo, eu me integrei ao grupo seleto do Sandro Assayag dentro do Departamento de Artes Cênicas do Caprichoso. 

Eu fazia parte [do setor] de lendas e rituais indígenas. Para mim foi maravilhoso poder ter participado dos rituais, das lendas, de ter encarnado alguns personagens dessa história que o Boi Caprichoso levou para a arena. Foi um momento maravilhoso, um momento que eu jamais vou esquecer como dançarino do Boi. E, se eu fui de fato dançarino do boi, foi porque eu dei o meu máximo. Fiz o máximo para aprender tudo da maneira que me ensinavam, para poder chegar à arena e poder apresentar uma boa coreografia, fazer uma boa apresentação. Porque, de fato, não é só aquele momento, mas sim representa um todo, apesar de a lenda amazônica, de o ritual ser um item, ela diz respeito a um todo. Afinal, é um espetáculo montado para se ganhar as três noites. Então, a gente tem que se dedicar ao máximo.

Com a saída do Sandro do DCC, ficamos na dúvida sobre quem poderia nos guiar. Foi então que Erivan Tuchê nos encaminhou, nos deu orientações de como seguir. Então montamos um grupo de vinte amigos, que sempre participavam do festival, e definimos os personagens. A cena que mais me lembro é a da corte de Dom Sebastião, durante a segunda noite de 2017. 

Aquele momento foi, para nós, maravilhoso. Lembro que o CD deste ano foi incrível, eu amava todas as músicas da “Poética do Imaginário Caboclo”. Participamos de todas as noites, não apenas uma. Se pudéssemos, faríamos a encenação de todas as lendas e todos os rituais indígenas. Eu me lembro de cada detalhe, de a gente reunindo o grupo e chamando as pessoas que já participavam para dançar, para dar o melhor de si, para fazer a parte cênica. Eu me lembro de cada momento, foi incrível. Momentos que nos possibilitam rever amigos, compartilhar alegrias com eles. Em 2017, 2018 e 2019 serviram para juntar os amigos para dar o melhor de nós para o Boi Caprichoso.

“As pessoas falaram: “você é o cara pra ser o Gazumbá do Boi-Bumbá Caprichoso”. E aquilo me deixava muito emocionado, me dava força de fato para atuar com este personagem. Porém, em 2020, veio a pandemia, e não houve festival”

A pandemia e o desejo frustrado de encenar o Gazumbá

No final de 2019, em uma conversa com Ericky Nakanome em Santarém, aventamos a possibilidade de eu ser o Gazumbá [personagem folclórico] do boi Caprichoso. Foi uma conversa amistosa e eu fiquei na expectativa de representar o personagem e a confirmação disso veio no lançamento do tema “Terra, Nosso Corpo, Nosso Espírito”, em 2020. Na ocasião, as pessoas me viram encarnando o personagem Gazumbá, ao lado de Adria, que fez a Catirina, e o Neto Beltrão, que representou o Pai Francisco. As pessoas falaram: “você é o cara pra ser o Gazumbá do Boi-Bumbá Caprichoso”. E aquilo me deixava muito emocionado, me dava força de fato para atuar com este personagem. Porém, em 2020, veio a pandemia, e não houve festival. 

“Pensamos muito em como os artistas deveriam estar neste ano sem o festival. Eles sofreram demais financeiramente com a falta do festival, já que ele aquece a economia do município”

Os artistas, as lives e a espera por um novo momento

De fato a pandemia representou uma quebra para todos os artistas. Para nós, que somos amantes do festival, aquilo também foi uma quebra. 

Poder realizar o festival é uma maneira de extravasar um amor, uma paixão que a gente tem por um Boi de pano. É um amor genuíno, um amor autêntico. E a pandemia fez a gente pensar demais se era isso mesmo que deveria ocorrer, não ter os Bois. 

Foi então que surgiram as lives. Nessas lives do Boi Caprichoso, a banda Canto Parintins foi muito convidada e, logicamente eu, sendo backing vocal da banda, sempre participava. Foram esses momentos que eu tive para extravasar. 

Ainda assim, fazer de casa não tinha a mesma emoção de estar participando na área. Era só banda, cantores e alguns convidados especiais. Logicamente que havia uma produção por trás das câmeras, mas pensamos muito em como os artistas deveriam estar neste ano sem o festival. Eles sofreram demais financeiramente com a falta do festival, já que ele aquece e faz crescer a economia do município de Parintins. É desse sustento que as pessoas se mantêm ao longo do ano. E, com a pandemia, tivemos que parar os ensaios e os eventos do Boi Caprichoso e aguardar o próximo Festival de Parintins. 

“Que possamos chegar perto e poder amar, de novo, o Boi-Bumbá”

Na expectativa da volta do Festival

Espero que tudo corra tão bem que o próximo Festival possa acontecer. Que a gente possa receber a todos, que os brasileiros e brasileiras possam vir a Parintins e brincar de Boi Bumbá com a gente, que sintam a emoção. De fato, a volta dessa emoção, na verdade, que é o Festival Folclórico de Parintins. E poder chegar perto e poder amar, de novo, o Boi-Bumbá Caprichoso.

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“Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Eu sou Felipe Souza, tenho 23 anos e atuo no Boi-Bumbá Caprichoso há muitos anos. Comecei na Escolinha [de Artes] do Caprichoso cursando percussão. Com o tempo me apaixonei por figurinos de Boi.

Em 2017, aos 17 anos, recebi uma proposta de um amigo para trabalhar como ajudante no Caprichoso. Foi uma experiência muito diferente, eu me senti um pouco realizado ao fazer parte do Festival de Parintins. Em 2018, continuei trabalhando com ele e, no ano seguinte, me convidaram para trabalhar como figurinista: foi mais do que um sonho realizado. Trabalhei com figurinos de ensaio técnico para Cunhã-Poranga [a mulher mais bela da tribo] do Caprichoso, fazendo vários acessórios para ela e foi então que meu nome começou a ser visto.

“O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas”

A pandemia e os eventos on-line

Em 2020 veio a pandemia e nos obrigou a ficar em casa. Foi um momento muito difícil para a vida de muitos artistas e de muitas pessoas que perderam seus entes queridos.

O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas e graças a Deus a minha família não foi afetada e não perdemos nenhum ente querido. Porém, lamento por todas as pessoas que perderam.

Pensávamos que até o final de 2020 as coisas melhorariam. Como o Boi Caprichoso não podia fazer eventos abertos ao público, nós fizemos lives como uma maneira de trazer o Boi-Bumbá para dentro das casas das pessoas, com diversão de forma segura. Foi durante esses eventos que meu nome começou a ser mais conhecido. 

Na live do Festival, por exemplo, eu e meu amigo fizemos a roupa da porta estandarte, Marcela Marialva, e a roupa muito comentada. Fiz uma roupa para Marcielle também, que foi bem falada pelo público e assim o meu nome começou a aparecer. Foi uma felicidade muito grande para mim.

“Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho”

2ª onda da pandemia: reconhecimento do trabalho

Quando achávamos que voltaríamos ao normal, veio a segunda onda da pandemia, que afetou muitas famílias e, novamente, tivemos que ficar em casa para nos proteger. Neste ano fizemos a live do Festival 2021 e nela eu estreei como figurinista solo do Patrick Araújo, que é o atual levantador de toadas. Esse figurino ganhou o prêmio de “figurino destaque” no Caprichoso e eu fiquei muito feliz pela oportunidade. 

Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho. Eu gostaria muito de agradecer a Deus por eu estar aqui e ao Caprichoso por ter me dado essa oportunidade.

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados”

Aprendizado: é preciso valorizar o próximo

Com essa pandemia eu aprendi que é importante valorizar o próximo, valorizar minha família, cuidar das pessoas que eu amo. Percebi que o amanhã só pertence a Deus e que nós precisamos nos cuidar. 

Temos que continuar nos cuidando, usando máscara, álcool gel porque ainda não acabou. Por isso, quem ainda não se vacinou, deve procurar uma unidade de saúde para se vacinar. As vacinas salvam vidas.

Logo logo essa pandemia vai acabar e vamos nos reunir novamente como antes. Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados. Que neste ano consigamos nos unir e fazer um festival maravilhoso e que os artistas possam trabalhar e conseguir o dinheiro que todo mundo conseguia quando nós tínhamos o nosso Festival antes da pandemia.

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25 a 39 anos Amazonas Ensino Médio Completo Homem Cis Prta

“Com a vacina, o índice de mortalidade caiu muito e já podemos sorrir de novo, fazer a festa para o nosso Boi”

Sou Leandro da Costa Carvalho, conhecido como Lete. Vou contar aqui a minha história. Eu tenho um comércio chamado “Comercial Betão”, que fica no Bairro da Princesa (Parintins-AM), reduto do Boi Bumbá Caprichoso. Tudo estava caminhando bem até a chegada da pandemia. 

Em 3 de março, durante a pandemia, minha mãe, Joana da Costa Carvalho, morreu. Além disso, a pandemia fez com que fossem canceladas duas edições do Festival Folclórico de Parintins. Por dois anos, nós não tivemos Festival. Então, não pude contar com o trabalho que tinha a partir da Festa do Boi. Tive que focar na minha loja. Não foi fácil, já que a Festa do Boi aquece a economia local, movimenta todo o dinheiro do município de Parintins.

Como se não bastasse, em 30 de julho deste ano, houve uma enchente grande no bairro que invadiu a minha loja e tudo ficou alagado. Com isso, a situação ficou ainda mais difícil. 

No próximo ano, esperemos que o Festival Folclórico de Parintins aconteça porque é uma ajuda muito grande para economia do município.

Pós-pandemia e a volta da Festa do Boi em Parintins

Graças a Deus surgiu a vacina. Com a primeira e segunda dose da vacina, o índice de mortalidade caiu muito e já podemos sorrir de novo, fazer a primeira festa para o nosso Boi. Ainda não pude exercer o cargo de diretor comercial, mas já trabalhei na Festa do Boi e consegui arrecadar algum dinheiro e pude investir na minha loja.

Infelizmente, a festa não foi igual às edições anteriores, porque muitos dos nossos amigos já não puderam estar no evento, assim como também a minha mãe, que era torcedora fanática do nosso Boi. Mas nós sentimos muita emoção, vibração. 

Falando da vacina, graças a Deus, todo mundo está se vacinando e já podemos ver por aí muita gente nas festas.

No próximo ano, esperemos que o Festival Folclórico de Parintins aconteça, porque é uma ajuda muito grande para economia do município. Espero que essa pandemia não volte mais e que dê tudo certo para termos nossa vida normal.

Uma lição: A gente tem que mudar, olhar mais para o próximo

O que eu tiro dessa experiência como lição é que não foi fácil você ver gente praticamente passando fome: tinha chamada de doação de rancho, de cestas básicas, da Prefeitura de Parintins até os blocos de carnaval. Do mesmo modo, não foi fácil ver várias e várias casas alagadas. 

Eu tive o prazer de participar de uns eventos de doação de rancho para a população que perdeu muita coisa por causa da enchente, que perdeu parentes. A enchente em Parintins foi um fenômeno que não acontecia desde 2009. 

Eu acho que isso é algo que todo mundo tem que repensar porque não foi fácil passar pelo que nós passamos. A gente tem que mudar, olhar mais para o próximo.

Graças a Deus vários órgãos e os Bois-Bumbás, principalmente o Caprichoso, sua diretoria e patrocinadores, conseguiram vários ranchos para doação. Uma lição que eu tiro dessa situação é a consciência que tivemos de tudo o que aconteceu.

Temos que amar mais o próximo. Tentar perguntar o que está acontecendo, não julgar as pessoas antes de perguntar “o que está acontecendo com você, o que tá acontecendo na sua família?” 

Eu acho que isso é algo que todo mundo tem que repensar, porque não foi fácil passar pelo que nós passamos. A gente tem que mudar, olhar mais para o próximo.

Essa tempestade já está passando. Já estamos enxergando nuvens brancas, o céu azul de novo. O tsunami, o temporal, já foi. Agora estamos vendo o céu azul e, se Deus quiser, vai dar tudo certo. Se Deus quiser, vamos voltar a ter nossa vida normal de novo, mas sempre olhando para o próximo.

Você que está lendo este texto, tenha fé em Deus que tudo isso vai melhorar, tudo. Não é só aqui, para gente que mora em Parintins, o Brasil todo vai melhorar. Você visitante, quando chegar aqui em Parintins, vai chegar com aquela alegria, com aquela emoção que você pensava que não ia mais sentir. Você vai sentir porque Deus é lindo, Deus é tudo e quem tem fé em Deus vai longe. Pense nisso, Deus é tudo.