Quando começou essa pandemia, a gente recebeu ajuda da CONAQ, que é uma associação nacional que ajuda as comunidades quilombolas e da UNICEF. Nós conseguimos ranchos para a nossa e outros comunidades no Amazonas. Conseguimos máscaras, álcool em gel. O que a gente tínhamos de sobra na comunidade acabamos doando para outras que estavam com poucos recursos.
Meu nome é Jamile Souza da Silva, tenho 45 anos, sou analista de comércio exterior. Hoje estou como atual organizadora dos festejos de São Benedito, no quilombo do barranco de São Benedito. Sou quilombola e represento como líder a comunidade desde a certificação. Realizamos um trabalho social na comunidade juntamente com a nossa Associação Crioulas do Quilombo de São Benedito, onde começamos trabalhando somente com artesanato, e hoje, realizamos um trabalho mais amplo com as crianças e com as famílias da comunidade.
Falar sobre o Boi é falar sobre os mais antigos da nossa comunidade
O vovô Raimundo Nascimento Fonseca, lá no Maranhão, já tinha o seu Boi, que era o Caprichoso. Um boi todo malhado, que ele trouxe para Manaus na bagagem, juntamente com São Benedito. Então, esse amor que a comunidade do quilombo do São Benedito tem pelo Caprichoso, se transformou também no amor do Boi Caprichoso que acabou sendo transferido para Parintins.
Tanto que, a cada vitória do Caprichoso em Parintins, a gente lembra muito dos antigos que soltavam fogos e comemoravam. Em 2018, a gente teve um contato bem mais próximo, quando o Babá Tupinambá assumiu o Caprichoso e foi falar um pouco sobre a cultura negra – convidando-nos a fazer parte da toada “Boi de Negro.
A pandemia levou pessoas queridas do nosso quilombo
Eu, na minha família, perdi a minha irmã, que morava no Rio de Janeiro, e veio na comunidade pra ajudar a cuidar da nossa mãe, que teve um AVC. E, nesse período que ela esteve aqui, foi internada – ela acabou se infectando. Passado um mês minha irmã veio a falecer.
Na nossa comunidade perdemos minha irmã e meu primo – foi muito difícil esse momento.
Graças a Deus a gente conseguiu ajudar muita gente. Mas foi, assim, bem difícil, e, de certa forma, ainda é doloroso. Nós conseguimos que a comunidade fosse vacinada. Por mais que o governo tenha feito aquela portaria, onde as comunidades tradicionais e quilombolas fossem tratadas como prioridades, não foi fácil. A gente só conseguiu através do Ministério Público Federal. Porque, para você ter uma ideia, a SEMSA, que é a Secretaria Municipal de Saúde, apesar de ter proximidade com a nossa comunidade, eles simplesmente disseram que não tinha nada para a nossa comunidade. Não tinha vacina pro quilombo urbano, somente para os quilombos do interior.
Então, fizemos um ofício, denunciando no Ministério Público, e assim, a gente conseguiu com que a nossa comunidade fosse vacinada em abril de 2021.
Esperanço do pós-pandemia
Bem, tudo o que a gente espera para o futuro é um espaço de muito acolhimento e cuidado. Essa pandemia ainda não parou, ainda continua, e ainda temos um certo medo. Continuaremos com os protocolos de segurança e, pelo visto, isso vai ser para o resto da vida, enquanto não houver um medicamento que sane esse vírus.
Na semana da Consciência Negra, a gente vai abrir a comunidade para as pessoas visitarem, principalmente o estande das criolas, que estava fechado durante toda essa pandemia. A gente vai ter a festa do dia 20 de novembro, mas não vai ser uma festa como era anteriormente. Só vai ter mesmo a feijoada e o samba no pagode do quilombo, que é administrado por mim. Para que as pessoas conheçam lá um pouquinho da nossa comunidade