Categories
18 a 24 anos Ensino Médio Completo Minas Gerais Prta

“Vi minha família ser exposta ao vírus no auge da incerteza da pandemia, e presenciei uma nova faceta de medo”

Eu sou Steffane, mulher negra feminista e jovem pesquisadora. Nesse ano estranho, me deparei com medos outros, vi minha família ser exposta ao vírus no auge da incerteza da pandemia, e presenciei uma nova faceta de medo. 

Há muitos medos que nos cercam quando somos mulheres negras em uma sociedade racista e sexista, mas presenciar a ânsia de ver minha família ser contaminada por um vírus desconhecido tomou, e ainda tem tomado, conta de mim ao longo desses meses em que tudo tem estado incerto. 

Assistindo à minha família sendo obrigada a sair para trabalhar todos os dias, eu me reconectei com a minha espiritualidade na medida em que me vi pedindo por proteção.

Escancarando desigualdades, a pandemia impulsionou o massacre sobre nossos corpos e corpas negros.

Enxergando muitos de nós se contaminando por estarem em postos de trabalho de base e sobre a visualização de outras maneiras genocidas sobre nossos corpos. Por isso, eu digo que senti medo de outras formas. Na verdade, é muito porque eu temo o luto. 

Tenho medo de perder os meus, os que estão comigo, os muitos de nós que tem suas vidas cooptadas. Eu temo. Vendo a casa não me caber, me dei conta que vida se faz agora e todo esse aparato supressor capitalista que roubou de nós, os nossos, não os trará de volta.

Que nossos corpos precarizados valem menos que outros eu já sabia. 

Operacionalizar o medo

Esse momento assustador me deu ânsia de continuar lutando, me organizando e estando junto aos nossos. Só é possível continuar se formos juntas, juntes e juntos. A pandemia me apresentou outras formas de medo, mas me lembrou como que é preciso operacionalizar. 

O resistir para nós, é o continuar, sobretudo porque ainda estamos distantes de uma ruptura que nos salve. Através dos desafios que não temos como contornar, nós inventamos novas formas de viver, porque há muito em jogo, porque nossa família não espera, o cuidado não espera. Cada vez mais eu tenho certeza que alguém em alguma medida olha por nós. 

Sigamos reexistindo e nos cuidando.

Categories
25 a 39 anos Mulher Cis Pará Prta

“Muitos dos igarapés que alimentam o Xingu – como o Altamira, Panelas e Ambé -estão secando”

Aqui no Xingu, em primeiro lugar, o isolamento tem sido apenas físico. Porque estamos com mais conexão do que nunca para ajudar os nossos a ficar bem nesse contexto da pandemia.

Em segundo lugar, ficamos com muita preocupação com as pessoas de nossa cidade, com as nossas famílias na cidade, aldeias e nas reservas extrativistas. Por isso, realizamos vários vídeos informativos sobre a importância de usar máscaras, lavar as mãos e evitar aglomerações.

Pelo coletivo “Juventudes por Justiça Social e Ambiental” – que tem por objetivo lutar pelas políticas públicas sociais e ambientais do médio Xingu, colocando as juventudes (negra, periférica, indígena, ribeirinha e extrativista) como protagonistas – a gente continua lutando por aqui, seguindo as recomendações de cuidado.

Durante a pandemia, criamos um Instagram para dar visibilidade ao nosso coletivo e principalmente para comunicar com as pessoas. Tendo em vista a negligência do Estado na publicidade sobre a importância do isolamento social e na aplicação de políticas públicas de combate e prevenção, o Juventudes procurou usar os meios de comunicação alternativos, como o Zap, para informar a comunidade local sobre a importância dos cuidados preventivos à Covid-19.

Mas observamos que, no período da campanha eleitoral, pessoas fizeram campanha sem nenhuma preocupação com a saúde pública.

Tememos o aumento de casos de Covid-19 em nossa Altamira. 

Protestar e dar visibilidade à seca no Xingu

Temos uma articulação e mobilização com a pauta ambiental aqui no médio Xingu. O Rio Xingu tem a maior seca das últimas cinco décadas. Essa seca tem ligação direta com a instalação de Belo Monte em nosso Rio.

Belo Monte tem provocado a morte das árvores nas margens do Rio, mudanças nos depósitos de sedimentos por causa da mudança da cheia e vazante do Xingu… (a lista é extensa).

Em relação ao ano passado, o volume de água do rio sofreu uma diminuição de quase 40% no mês de outubro, e muitos dos igarapés que alimentam o Xingu – como o Altamira, Panelas e Ambé – estão secando.

Foi aí que decidimos fazer agendas de visibilidade ao caso. Nos organizamos com todos os cuidados preventivos à Covid-19 e fomos protestar no igarapé Altamira – seco – e em frente ao Ibama, escritório de Altamira.

Utilizamos uma metodologia de protesto criativo para chamar a atenção das pessoas e deixar as nossas vidas mais leves, porque a realidade tem sido dura ultimamente.

Nossa mobilização foi importante: gerou repercussão na imprensa local e a população começou a se posicionar nas redes sociais sobre o caso compartilhando memórias sobre suas vivências com os igarapés. 

Belo Monte é um mau exemplo!!!

#DerrubaBeloMonte 

#LiberteoFuturo 

#XinguVivo 

#AmazoniaCentrodoMundo

Categories
25 a 39 anos Bahia Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Mulher Cis Raça/Cor

“Não teve dor maior que sentir a despedida do Pataxó de Coroa Vermelha”

Perdemos o primeiro parente Pataxó de Coroa Vermelha para a Covid-19 e não houve despedida. Por isso, foi ainda mais doloroso. Após ficar internado durante um tempo, o nosso Pataxó saiu do hospital com o corpo completamente lacrado. Ou seja, foi tirado de nós o último adeus. Não pudemos nem velar seu corpo, como é de costume na despedida em nossa cultura.

Foram momentos de calamidade esses. Além de não termos tido a chance da despedida do nosso Pataxó, para mim teve outra situação que também é muito difícil. Pois, tenho um filho que tem problemas respiratórios e imunidade baixa. E, devido a essa situação, ele precisou ficar mais tempo na casa da minha mãe. Porque eu sabia que ele precisava de mim por perto, mas minha mãe compreendia que eu precisava, juntamente, com meus colegas ajudar outras famílias em estado de vulnerabilidade.

Nossa equipe se colocou na linha de frente. Arriscamos as nossas vidas e a vidas das pessoas que mais amamos para tentar amenizar os problemas que nossas comunidades enfrentavam, além das saudade e da falta da despedida de seus entes.

Nada de despedidas, mas muitas dificuldades

A gente aqui em Coroa Vermelha, sempre tivemos muitas dificuldades, mas nenhuma se compara à qual estamos lidando nos últimos meses. Meu pai e minha mãe contam sempre das tribulações que tivemos nas épocas da baixa temporada e de inverno. É que aqui a gente já cresce nessa cultura de confeccionar e vender, para se preparar para as épocas ruins.

No início da pandemia, eu chorava muito dentro de casa em ver a situação de muitas famílias dentro da nossa aldeia. A nossa maior fonte de renda e de boa parte das famílias era resultado de vendas de artesanatos, de redes de hotéis e do funcionalismo público. Mas o dinheiro sumia a cada dia e as necessidades só aumentava.

Os hotéis fecharam e muitas pessoas ficaram sem seus respectivos empregos. Os funcionários públicos que trabalhavam na área da educação foram todos dispensados até sem direito ao auxílio emergencial, logo nos 3 primeiros meses. 

Muitos pais e mães de famílias estavam indo para as pedras pescar, pegar mariscos, mas havia dias que voltavam com nada, porque a concorrência passou a ser alta.

Solidariedade

Comecei a mobilizar um grupo menor do CONJUPAB, fizemos nossas primeiras reuniões online para vermos o que poderia ser feito. Então, fomos buscar parceria com alguns apoiadores. Fizemos a campanha do quilo; fomos aos comércios que se encontravam abertos para pedir alimentos, remédios, fraldas descartáveis, produtos de limpeza e máscaras; fizemos rifas, a gente conseguia os alimentos e dividia em cestas para doarmos as famílias que mais necessitavam no momento. Eram muitas, muitas mesmo!

Em algumas casas onde a gente chegava foi preciso doar duas cestas por semana, porque eram cheias de crianças. A gente saia com mais vontade de lutar para enfrentar aqueles dias terríveis, mas que foram de grande aprendizado.

Nosso conselho da juventude conseguiu atender mais 300 famílias vulnerabilizadas. Conquistamos 150 cestas básicas por meio do Instituto Mãe Terra e fizemos um rodízio para ajudar as outras comunidades dos municípios de Porto Seguro, Prado e Itamaraju. Fizemos algumas rifas solidárias: uma foi especifica para um dos nossos guerreiros que semana passada nos deixou, o Arauí Pataxó. Foi quando um parente, o Daniel Pataxó, nos doou um cocar de penas de arara no valor de 700 reais para ser rifado em prol do guerreiro. Fizemos uma mobilização arretada e com a graça de Tupã e força dos nossos encantados conseguimos entregar em mãos para a sua família o valor de R$3.700,00.

Eu sou Taiane Pataxó, nasci e me criei na aldeia Coroa Vermelha, tenho 30 anos de idade. Sou professora formada na área de humanas pelo IFBA- Campus Porto Seguro. Sou a segunda secretária do CONJUPAB -Conselho da Juventude Pataxó da Bahia, atualmente trabalho como secretaria execultiva na SEMAI- Secretaria de Assuntos Indígenas de Santa Cruz Cabrália.

Categories
40 a 59 anos Bahia Ensino Superior Completo Mulher Cis Parda

“É um momento que desencontra o nosso pensamento, no que pensamos sobre a Pedagogia de Terreiro, que aprendemos e construímos juntos”

Sou da comunidade do Caxuté e criadora da Pedagogia de Terreiro. Este é um momento difícil. Não só de hoje, mas de outrora. É um momento de encontro e desencontro. Desencontra o nosso pensamento, no que nós pensamos sobre a Pedagogia de Terreiro, que aprendemos e construímos juntos. Este é um momento que está separando nossos corpos dos nossos filhos e filha, dos nossos passados e antepassados, e dos viventes de hoje, que nos encontramos nessa pandemia.

Nós não podemos dialogar bem, e não podemos sentir o calor do outro. Isto é um momento de muita angústia no coração das comunidades tradicionais, porque as comunidades tradicionais se embasam no afago, no acalento, no colo, no carinho, na mãe.

A troca de experiência e viver e saber: um pesca seu peixe, o outro marisca, e trazem para nós quando não temos dinheiro, assim nós fazemos essa troca. Não podemos mandar ir os pescadores ao mangue; trazer o peixe, o caranguejo, o siri, o aratu para o nosso sustento.

Hoje, nós precisamos estar sempre de longe, sem poder encostar no outro por causa de uma pandemia de branco. E hoje temos um vírus que está virando tudo: virou nossos pensamentos, virou nosso viver, nossos saberes, nossos fazeres das nossas comunidades.

No mês de agosto, muitas pessoas de diversas localidades vêm à comunidade do Caxuté para participar da Kizomba Maianga de Kitengo. Este ano, não pôde ter essa troca de experiência por causa da evitação de aglomeração. Já que não podemos juntar nossos corpos, sentir os nossos calores, estamos vivendo um momento muito triste. Precisamos o tempo todo recorrer à nossa ancestralidade: que a gente se cuide, se fortaleça enquanto comunidade. A gente só tem a gritar ao nosso povo para ir ao mato, para ir para às matas, recorrer à nossa mata atlântica.

É difícil viver essa pandemia para os povos de matriz africana

Aí vem um outro lado: como nossos filhos da cidade podem encontrar esses matos, como é que uma casa com 10 ou 15 pessoas tem como se livrar de uma pandemia? Como é que tem como se alimentar e sair dessa aglomeração? Pois nós sabemos que nossos governantes não vão fazer nada para mudar isso, pois isto é a construção de uma política de derrotar o nosso povo preto, os nossos povos indígenas. É esse olhar que nós, de longe, avistamos quem vem; a gente vê quem vem, porque quando os pássaros gritam nas matas, a gente sabe quais são os pássaros que estão gritando forte ou fraco, nos seus cantos.

Quando nós estamos angustiados, quando nós estamos sofrendo, isso nos mata. Como tem matado nas travessias dos navios negreiros.

Então, a gente vê que isso é uma troca de negociação com nosso povo preto, nós temos que ter muito cuidado, porque é uma negociação que nos faz ver que nossos povos não podem ir ao hospital; então vamos para nossa mata. Corremos muitos riscos, vamos morrer nas casas, nas ruas, nos leitos de hospitais, pois não tem recursos para nós. Então, é difícil compreender, entender e viver nessa pandemia para os nossos povos de matriz africana, nossos povos de terreiro, nossos povos tradicionais. Estamos vivendo em um momento de muita angústia e a pior dor, o que mata, é o coração e a mente. Quando nós estamos angustiados, quando nós estamos sofrendo, isso nos mata. Como tem matado nas travessias dos navios negreiros.

O pós-pandemia não vai trazer o fim disto tudo, vai apaziguar, ela vai continuar; como o sarampo, a rubéola, outras e outras.

O que nós precisamos pensar nessa caminhada?

O que nós precisamos pensar nessa caminhada? Porque não vai acabar. Quando passar esse tempo… Porque há o tempo bom e o tempo ruim, nós estamos vivendo o tempo ruim.

Nós estamos nos fortalecendo com os nossos, começando a nos preparar com os nossos, a dialogar com os nossos, para que nós nos fortaleçamos. Na comunidade do Caxuté, é sempre dito pelo Caboclo, o Caboclo Pena Branca, o Caboclo Correia das Neves, ele diz assim: “Vamos plantar para os nossos filhos comer, para não comer batata de cemitério.”

Quando ele fala batata de cemitério, ele diz que, se não nos fortalecemos enquanto nós, só vai ter mais fracasso, mais derrotas nas nossas caminhadas. Porque, quem não consegue fazer nada dentro de um ano que para tudo, o que vai existir a não ser a pobreza? O que está acontecendo este ano é que no próximo ano vai existir mais pobreza ainda e comunidades mais fracassadas. Quem não tem terra, quem não tem um mecanismo, acesso a água, a plantar e colher, vai ficar difícil. Vão sobreviver de quê? Esse auxílio esse emergencial não vai existir.

Pedagogia de terreiro

A gente precisa auxiliar as comunidades tradicionais; de uma forma ou de outra abrir as escolas, criando outros mecanismos, outros meios de escola, para ensinar às crianças, como a Pedagogia do Terreiro, que abre a sua sala de aula no mar, no rio, no mangue, na terra. Para essa construção de aprendizagem, desse legado que nossos ancestrais deixaram para nós.

Nós vamos continuar o diálogo; que as comunidades, as escolas e as universidades possam estar cada vez mais contribuindo com isto, principalmente dentro dos espaços das universidades, para que se tenha um outro olhar perante nossos povos. 

Categories
40 a 59 anos Bahia Parda Pós-Graduação Completa

“O que fazer com a comunidade do terreiro, que confia em nós?”

Em março, eu soube que o Brasil estava em pandemia.  Foi um susto para todo mundo. As pessoas começaram a ter sintomas de depressão e nossas comunidades de terreiro começaram a se perguntar:

Como vamos fazer? Vamos esquentar Cavungo ou vamos acalmar Cavungo? Vamos esquentar Obaluaê ou vamos esfriar Obaluaê?

Existiam essas discussões nos grupos. E nada mais que nós pensávamos era simplesmente a gente ter equilíbrio em nossas mentes e voltar para as nossas tradições, para nossos conhecimentos. E isso tem nos provado, porque, até o presente momento, nós não temos remédio eficaz contra a Covid-19.

Então, eu vejo que o melhor remédio nesse momento tem sido recorrer às nossas zonas de mata, aos espaços que não tenham aglomerações de pessoas estranhas a nós, ou pessoas que estejam contaminadas.

Não existe esse pensamento de a gente criar um preconceito, uma discriminação contra quem está com o novo coronavírus. Mas é um momento para as pessoas que estão com Covid-19 terem um cuidado consigo e com as pessoas que estão por perto. Também tem que estar um sentimento de troca e de afetividade. É um cuidado com nossos corpos, para que a gente não tombe. Porque basta de a gente tombar!

A gente já tombou historicamente nos navios negreiros; pela colonização; pela colonialidade do poder, encabeçado por Portugal e as potências europeias, que a gente sabe: não só europeias como potências daqui. Portugal nos escravizou, Portugal nos matou.

A pandemia vem desde o período da colonização do continente africano

Desde o começo, quando vou falar alguma coisa, digo que a pandemia não começou de agora; que esta pandemia nasce desde o período da colonização do continente africano, da colonização da África. Ali, a gente entra em uma colonização histórica; a gente entra em uma necropolítica, a política da morte. É o que tem sido colocado aos nossos corpos.

A gente foi morta. E tem sido morta cotidianamente pelas forças policiais brasileiras. A gente também sabe que tem, dentro das forças policiais, pessoas engajadas no combate ao racismo institucional, ao racismo histórico que sofremos nas instituições públicas.

Quando a gente fala que a polícia foi feita para defender brancos, é isto, justamente. A exemplo da Bahia: a polícia, apesar de ter um corpo policial que é negro, é ensinada a defender um corpo branco. Então é preciso que a gente repense cada dia mais, enquanto comunidades, quais os nossos papéis em defesa dos nossos povos. E cabe a nós, enquanto cientistas sociais – da antropologia, da química, da física, da matemática -, dar educação. 

Redes sociais, povos de terreiro e comunidades tradicionais

É dos saberes e fazeres tradicionais que a gente pensa o que esses momentos de pré-pandemia, pandemia e pós-pandemia nos trarão de impactos no pós-pandemia. Inclusive, na disseminação das redes sociais. O contato continuará a ser muito pelas redes sociais. O que já era antes.

A gente precisa mais do que utilizar essas tecnologias: precisa ver até que ponto essas tecnologias estão favorecendo as nossas comunidades e povos de terreiro. Se essas tecnologias são um vigia do colonizador para nos capturar, ou se elas são um mecanismo de defesa nosso enquanto comunidades tradicionais.

Sempre que eu ouço companheiros, parentes e indígenas, nos é colocado, pelos mais velhos, que a gente não use as tecnologias de forma a esquecer a mente no jogo; acessar o WhatsApp de forma supérflua. É preciso que a gente use o aparelho celular, todo esse aparato tecnológico, para defesa das nossas comunidades, para denunciar os atos de racismo, de intolerância, de perseguição que nós estamos sofrendo.

É importante que a gente sempre esteja atento a essa discussão do racismo dentro, inclusive, deste momento de pandemia. Neste momento, nós, da comunidade Caxuté, por estarmos na zona rural, é importante usar a palavra sororidade, não sei se especificamente neste momento, mas para nós homens negros, índigenas. Não utilizamos de cartão de crédito para oferecer libertação e cura ao coronavírus, como muito pastores de televisão.

Foi muito estranho o começo da pandemia, aquela sensação de que todo mundo ia morrer, pois víamos a mídia, como por ela estávamos sendo alertados. Com a Globo divulgando em grande massa aqui no Brasil, sempre falando da Itália, da China.

Sentimento de insegurança – o que fazer com a comunidade do terreiro, que confia em nós?

De repente, foi o Brasil. E o governo não ajudou em nada. Na gente, aquele sentimento de insegurança. Foi um momento de terror dentro das casas, do terreiro, e dentro das comunidades tradicionais, porque também somos humanos. A gente tem sede, a gente tem fome. A gente é humana, a gente tem sentimentos. As pessoas ficaram nervosas, isso tudo abala o sistema nervoso, tanto do homem como da mulher, e a gente vê as crianças desesperadas. Foram muitos noticiários a respeito do coronavírus, especialistas falando que muita gente iria morrer, pois o vírus é letal.

A gente sabe dos assintomáticos, e cada corpo e cada organismo responde diferentemente. Utilizamos saberes tradicionais, xaropes tradicionais. E nós temos sempre tentado ficar em isolamento social. O que fazer com a comunidade do terreiro, que confia em nós? Sempre ficamos muito tranquilos, pois não agimos como as potências evangélicas do país, que prometem isso e aquilo para a salvação e para a cura. Não utilizamos de cartão de crédito para oferecer libertação e cura ao coronavírus, como muito pastores de televisão.

Quando os terreiros de candomblé começaram a tocar, nós também denunciamos nas redes sociais. Porque no terreiro de candomblé, infelizmente, também temos pessoas que acreditam no desgoverno do presidente Bolsonaro. Logo, o charlatanismo nos persegue; persegue também o Brasil.

A cura

Vemos as pessoas prometendo a cura. A cura nada mais é do que uma cura que vem do nossos corpos, que vem das nossas tradições, que vem pelo afeto; que precisa vir pela ciência. Não há oposição à ciência, mas defendemos sempre que a ela tem que andar com muito respeito com as comunidades tradicionais, pois é lá que buscamos nossos medicamentos, nossas vacinas. Se não fossem nossas folhas, nossas rochas, nossa terra; se não é o ar, o sol, a lua, a gente não tem medicamentos. Assim, precisamos que a ciência aprenda a respeitar as comunidades tradicionais e esses saberes que são repassados a nós.

No pós-pandemia será preciso que a gente se reinvente; é preciso que nossos dogmas sejam repensados.

A normalidade no pós-pandemia, de ensinamento, vem do começo da pandemia: fechamos a comunidade; há pessoas que estão morrendo, jovens estão morrendo. Não poderíamos negar isto ao nosso povo. Fechamos as portas e começamos a ver alternativas. Como o Caboclo sempre diz: “a gente precisa plantar para comer; a gente precisa plantar para sobreviver.” Assim começamos a viver com o que tínhamos na comunidade rural.

O que é normal?

Não acreditamos que voltará à normalidade, pois, o que é normal? Por não ter uma deficiência física, eu sou normal? Por eu não ter um problema psiquiátrico, eu não sou normal? O que não é normal para mim, não é normal para você. A homossexualidade é normal para a comunidade LGBT, mas pode não ser normal para a comunidade hetero. E essa normalidade heteronormativa pode não ser normal para nós que não compartilhamos do mesmo pensamento, já que não podemos permitir um sistema tão sexista, tão misógino, tão homofóbico. Não podemos deixar que essa forma de dominação dos nossos corpos, da nossa vida,  tome conta. A gente não pode deixar as ideologias fascistas tomarem conta da nossa nação. E essa é uma responsabilidade nossa enquanto povo preto; é uma realidade nossa enquanto povos indígenas.

Sempre dizemos na comunidade Caxuté: “Força e resistência. Levante o dedo, pois, se levantarem o dedo para nós, vamos dizer que Marielle existe; que Mãe Bárbara existe; que Mãe Stella existe…”. Queremos falar e temos o direito de falar.

Esse dedo também simboliza o Ogó de Exu; esse dedo sinaliza que é pontiagudo e precisamos, de diversas formas, fissurar esse poder que está aqui, a gente precisa quebrar os muros da colonialidade do poder. A gente não volta a ser normal, coisa nenhuma. Eu, enquanto sacerdote, tenho que me reinventar nesse momento. Então, no pós-pandemia, será preciso que a gente se reinvente; é preciso que nossos dogmas sejam repensados. Nós não podemos ser intocáveis, a gente é humano. Nós somos povos indígenas, somos povos pretos e negros aqui no Brasil.

Que a gente recorra a saberes tradicionais

É preciso que nesse momento de pandemia a gente recorra a nossos saberes tradicionais. Que  agente faça as nossas rezas. Quem não souber o que falar, clame à força que acreditar; pegue quarana, pegue arruda, pegue folhas que você já conhece, boas para rezar. Reze sua casa, sua família. Porque da mesma forma que cada um faz as suas orações, nós temos nossas liturgias.

É preciso que os filhos da casa, do terreiro, das comunidades tradicionais prestem cultos aos nossos ancestrais, às nossas divindades. Do contrário, começamos a potencializar um sentimento de depressão, potencializar o que o colonizador nos diz: que somos fracos.

E, neste momento, de quem é fraco e de quem é forte… Jesus, Oxalá, Lembá e Tupã estão com a responsabilidade de curar o seu povo; ou de matar. Não existe essa força do bem; não existe essa força do mal. Existem dualidades que o cristianismo não permite e que a gente reafirma. Não existe uma religião que seja melhor do que a outra, sem medir forças. É um vírus que atinge a todos, mas principalmente ao nosso povo preto, aos nossos povos indígenas. A gente paga impostos e precisa que os impostos voltem como distribuição de renda.  

“Leva a urucubaca para o lado de lá…”

Categories
25 a 39 anos Branca Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Pós-Graduação Completa Raça/Cor São Paulo

“A população precisava de informações sobre a Covid-19”

A Vila Brasilândia é um distrito localizado na região norte da cidade de São Paulo. De acordo com o último censo do IBGE, realizado em 2010, a região conta com mais de 264mil habitantes. É uma das regiões mais vulneráveis da cidade, onde não há acesso à água encanada para toda a população e à rede de tratamento de esgoto é precária, quase nula. 

O Coletivo ADESS é uma organização da sociedade civil, fundada em 2014, com objetivo de trabalhar a autonomia a partir da geração de renda e economia solidária. Desta forma, a cultura é utilizada como principal meio para alcançar os objetivos. 

A partir de meados de março de 2020, quando a pandemia do novo Coronavírus atingiu o Brasil, nós da Brasilândia passamos a perceber nossos colegas e familiares adoecerem e morrerem da nova doença. Além do risco da Covid-19, a pandemia escancarou a grande desigualdade existente no nosso país.

Já nos primeiros levantamentos, realizados pela Prefeitura de São Paulo, era possível ver a calamidade sobre os índices da mortalidade e de pessoas infectadas. Nossa região foi apresentada por semanas seguidas como a que mais tinha óbitos na cidade de São Paulo pela nova doença.

Quem mais sofreu com a pandemia foi a população que já tinha seus direitos negados, passamos a sentir fome e não pudemos nem enterrar os nossos.  

População carente

Naquele momento não contávamos com o apoio do governo, tampouco tínhamos auxílio emergencial. Apenas com a coragem, iniciamos nossa distribuição de cestas compostas por alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal. E também, claro, de máscaras de tecidos. Dessa forma, passamos a atender mais de 600 famílias por mês. Tudo isso apenas com apoio de amigos e de outras Organizações e Movimentos Sociais.  

Quando a gente recebia muitas unidades de alguma coisa, trocávamos por algum item que não tinha mais. Fizemos assim com máscaras e álcool em gel.  

Além de comida, as pessoas precisavam de informações sobre a Covid-19 e sobre o que o Governo estava fazendo em relação ao enfrentamento da pandemia. Para ajudar, nesse sentido, utilizamos da estratégia de colagem de lambe-lambe e de carros de som pelo bairro, com informações sobre a doença e ensinando a população a se prevenir.  

Além de informação sobre a pandemia, as pessoas clamavam por distração. Por isso também entregamos livros para as pessoas romperem as barreiras do isolamento, de certa forma. Apoiamos também os trabalhadores da saúde que estão atuando na linha de frente contra a Covid-19, levando uma carta escrita por alguém do Brasil especialmente aos profissionais da saúde.  

É assim que a favela, a comunidade, faz. Trocamos quando podemos, mas sempre dividimos. É assim que a favela sempre se sustentou e é assim que a favela vai seguir.

Categories
25 a 39 anos Bahia Ensino Superior Completo Homem Cis Prta

“Sendo uma bixa preta afeminada, eu já havia vivenciado outros contextos de isolamento social”

Sendo uma bixa preta afeminada, eu já havia vivenciado outros contextos de isolamento social. Entretanto, o isolamento social enquanto única alternativa de proteção contra a Covid-19, durante uma pandemia que tem matado milhares de pessoas no mundo todo, acarreta outras questões. Interpela o contexto socioeconômico, a saúde do corpo e da mente. 

Sendo uma pessoa preta e gay, estou inserido em populações vulnerabilizadas pela sociedade há bastante tempo. De alguma forma, vivenciamos os impactos de isolamento social pelo Estado na negação de nosso acesso aos direitos básicos, principalmente, no que se refere à segurança e à saúde.

Com a pandemia, as desigualdades sociais ficaram mais evidentes para muitas pessoas – mas nunca foram uma novidade para a gente. Temos visto que as principais vítimas da pandemia são justamente as populações mais vulnerabilizadas de sempre. Nem mesmo a pandemia e o isolamento empacaram os números que apontam para o genocídio da juventude negra e de pessoas trans e travestis.

Atividades suspensas, renda suspensa

Eu trabalho nos setores que foram os primeiros a parar por conta pandemia. Sou professor numa escola municipal, que teve as aulas suspensas assim que o primeiro caso foi comprovado em Salvador. Além disso, atuo como produtor artístico e cultural, e tive que cancelar e paralisar projetos voltados para a cena cultural por conta da pandemia.

Pessoalmente, além de ser considerado grupo de risco (o que me deixa muito afetado psicologicamente, com medo de ser contaminado de alguma forma, mesmo tomando todos os cuidados necessários), a questão econômica é um dos fatores que me preocupa. Não tenho um emprego fixo e dependo das atividades que foram suspensas.

Artvismo em contexto de isolamento

Sou um dos idealizadores do Coletivo Afrobapho, um grupo formado por mais de 15 jovens negros LGBT das periferias de Salvador que utilizam as artes como ferramenta de mobilização social e Artvismo. Nós atuamos com ações presenciais como performances, shows, intervenções urbanas, etc.

Com a pandemia, paralisamos as atividades artísticas e culturais. Inclusive, a produção de conteúdo audiovisual. Temos utilizados os aparatos tecnológicos e digitais para comunicação e até mesmo como forma alternativa de continuidade das atividades que desenvolvemos.

Estamos seguindo todas as orientações de isolamento social que a Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou. Nesse período, temos recebido alguns convites de trabalhos online e tentado os auxílios governamentais para sobrevivência.

Que normalidade?

Vejo muita gente falar de um “novo normal”, de uma “volta à normalidade”. Mas nós, corpos dissidentes, sabemos que o problema sempre esteve nesse conceito do que é considerado normal nessa sociedade racista e LGBTfóbica.

Entre utopias e distopias, desejo que o pós-pandemia não seja tão caótico para as populações mais vulnerabilizadas. Sabemos que é a base da pirâmide social que vai ter que segurar o rojão do processo de recuperação socioeconômica. São os corpos dissidentes que têm construído e proposto novas narrativas de vida, desde muito tempo.

Espero que consigamos resistir e existir em comunhão contra o projeto opressor que tem se reconfigurado a cada época pra nos fazer falhar, pra nos eliminar. Venceremos. 

Categories
40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Homem Cis Prta Rio de Janeiro

“Nas prisões, com um surto pandêmico como esse, essa ação do vírus não vai trazer só extermínio”

Eu tive uma passagem em 2010. Começo minha história a partir desse processo. Apesar de haver outros marcos importantes na minha vida, esse vai contribuir muito pra esse relato.

Em 2010, já vivenciando uma vida familiar, acontece um processo de prisão e fico um período de cinco anos e seis meses cumprindo essa medida. Isso trás – para o meu futuro, presente e como fica no passado – muitas recordações, reflexões e questões nocivas. Mas que podem ser construtivas com um esforço próprio.

Quando falamos sobre sistema de prisão, a gente sabe que não funciona. Não trás benefício e sim danos. A sociedade que se debruça em cima das prisões como se fossem resolver todos os problemas sociais. Sabemos que existem diversas questões quando falamos de prisões, que trazem discussões, dores, sentimentos. Temos que ficar bem complacentes, pois são realidades diferentes.

Abordando o assunto prisões, você pode afetar diretamente uma pessoa que acredita que sofreu uma violência e reforçar que o sistema precisa ser assim. Ou pode afetar também outro público, que acredita que as prisões não são o caminho. Mas eu, lidando com essa questão, venho me trazendo muitas reflexões. A partir desse impulso, me trás um despertar para uma realidade, uma urgência.

Somos muito doutrinados, orientados para não enxergar a violência provocada pelo Estado. Conseguimos enxergar a violência que sofremos diretamente, no cotidiano, num furto ou assalto a mão armada, mas as que sofremos historicamente somos educados para não enxergar.

Começando a nos organizar…

A partir desse momento de viver intramuros, no cotidiano da prisão, começo a enxergar do ambiente micro uma questão macro dentro de uma realidade restritiva de direitos. Conseguimos notar como essa dinâmica social reflete diretamente nesses ambientes de privações.

As violências sofridas, não apenas dentro das unidades prisionais, mas antes mesmo de se entrar num sistema prisional brutal. A partir desse movimento, a gente começa a construir em coletivo, tentar se inserir em atividades atividade, incidir politicamente, apesar das restrições. Trazer ideias que poderiam mudar muitas trajetórias e realidades para uma galera que vem sofrendo, sendo massacrada, diluída, pulverizada dentro desses ambientes. E começamos a nos organizar para combater um sistema que vem trazendo reflexos nocivos, então alguns companheiros e eu começamos esses trabalhos.

“Eu sou eu – reflexos de uma vida na prisão”

A partir daí, o “Eu sou Eu” começa a ser construído dentro dessas unidades. Trazendo informações, vínculos familiares para essas pessoas que estavam ali, seus parentes vivendo uma ruptura dentro daquele local e vai potencializando. Alguns companheiros vão progredindo, dando sequência a essa dinâmica.

Nos encontramos na Praça da República, ali no Centro da cidade. Parece um surto de desespero para tentar fazer alguma coisa, sair daquele lugar que foi proposto, só recebendo danos, opressões, repressões.

Queríamos sair daquele lugar e tentar ajudar outras pessoas, porque nossos familiares foram extremamente afetados, a gente viu como é que é um processo de prisão, que não arrasta só um corpo, mas sim corpos. Os que são privados de fato entre concreto e grades e os que ficam privados socialmente e são sentenciados, não por um sistema jurídico, mas por um sistema social que também sentencia muito mais agressivamente do que apenas um bater de um martelo.

E hoje o “Eu sou Eu” está completando três anos, caminhando para quatro anos. Trazendo a realidade prisional que muitas vezes as pessoas não conhecem de fato, que é o dia a dia do cadeado que tranca e o que abre, do confere a visita, saída de uma unidade para outra.

Embora existam muitas pesquisas e pesquisadores debruçados nesse assunto, a realidade e a vivência extrapolam toda essa dinâmica. Trazemos essa visão, tentamos contribuir de alguma forma para que políticas públicas sejam cumpridas, sabendo que estas podem ser violadas diariamente. O Estado não consegue dar conta disso: ou por ser um projeto bem estabelecido, ou porque falhou.

E chega a pandemia

A gente tá vivenciando um momento pandêmico, uma realidade que vem mudando bruscamente, tanto socialmente, como financeiramente, e potencializa a desigualdade.

Quando se trata do sistema prisional não é diferente, já que se torna uma caixinha praticamente intransponível. Várias instituições de controle não conseguem ter muito acesso aos interiores das prisões. A própria secretaria de administração penitenciária tem essa autonomia de gerenciar esses ambientes, e traz informações subnotificadas, imprecisas, inverídicas – como se estivessem cumprindo as determinações penais.

Dentro desses ambientes, com um surto pandêmico como esse, entendemos que essa ação do vírus não vai só trazer um extermínio, mas também vai ser usada como um ferramenta de punição e até mesmo como uma forma de esvaziamento das unidades prisionais.

Porque se a gente tem um serviço de Sistema Único de Saúde (SUS) precário, um sistema na prisão que não funciona, não tem funcionários suficientes que dominam a medicina. Faltam funcionários para realizar o controle de testagem e de notificação. Há muito menos espaço para isolar pessoas contaminadas e de grupos de risco. São arquiteturas totalmente despreparadas, que não foram pensadas em trazer saúde, educação, “ressocialização”.

Temos um número enorme de contágios, mortes que não são notificadas, muitos familiares nem sabem. Enquanto pra muitos faz refletir sua humanidade, para outros é extremamente nociva, genocida. Uma realidade que trás medo, porque é um projeto de uma população específica – eu me incluo nessa estatística de pessoas pretas, faveladas e periféricas – a criminalização da pobreza. Esses espaços estão destinados para essa população.

“Nós por nós”

Nesse momento, sou articulador político e mobilizador da iniciativa Direito a Memória e Justiça e cofundador da associação Eu sou Eu – Reflexos de uma vida na Prisão

Para o futuro, eu vejo que existe a possibilidade quando construímos a partir da nossa realidade, do “nós por nós”, do compartilhamento das nossas dores e fazer disso uma nova conjuntura política com cuidado para não tropeçar nas mesmas questões que o Estado nos empurrou.

Mas com um Estado extremamente capitalista, de narcisismo, fica muito difícil de pensar em dias melhores. Parece que vai continuar essa questão de “ser resistência”.

Pra desfrutar de um futuro mais justo, vai partir de uma política popular, movimentos se unindo.

Categories
40 a 59 anos Branca Mulher Cis Pós-Graduação Completa Rio Grande do Sul

“Me aproximei oferecendo o celular para fazer o pedido de auxílio emergencial do governo”

Moro num apartamento térreo de frente. Os papeleiros vinham pegar o lixo seco. Me aproximei oferecendo o celular pra fazer o pedido do auxilio emergencial do governo.

Muitos não tinham documentos, mas pediam água para beber e lavar as mãos. Então, passei a pegar máscaras com um amigo militante e aproveitava para oferecer.

Às vezes, alguns voltavam com os documentos e eu fazia o cadastro do auxílio emergencial. Assim, passei a ter sempre pão e frios para oferecer.

A rotina dos dias da coleta seletiva tem sido sempre de visita, porque faço o acompanhamento dos pedidos, que seguem “em análise”. Criamos uma rotina de apoio. Dou álcool e máscaras sempre que posso. Conversamos enquanto lavam mãos, ou aguardamos o registro dos dados para acompanhar os pedidos.

Eles me fizeram sentir menos sozinha nessa pandemia. Precisei viajar e fui de coração apertado: como iam fazer pra lavar mãos e acompanhar pedidos de auxílio emergencial?

Quando voltei, o Luís me saudou, dizendo que sentira a minha falta. Ri, e brinquei que ficar sem beber água e de mão suja é bem pior. Ele, meio sem jeito, falou que não era só isso; que era muito bom ter alguém pra conversar.

No pós-pandemia, inverter o sentido

Um dia, quando o isolamento terminar, queria fazer o trajeto de volta às suas casas ou à rua com eles. Saber onde moram e como vivem. Inverter o sentido dos passos que os traz até minha casa para conhecer um pouco mais da cidade que não vemos e não conhecemos.

Categories
60 anos ou mais Amapá Ensino Superior Completo Mulher Cis Parda

“Ocupo-me de jardinagem. O confinamento nos inspira a nos reinventarmos”

Ocupo-me de jardinagem. O confinamento nos inspira a nos reinventarmos, a criar novos espaços de cultivo dessa arte verdadeiramente terapêutica.

Regar, eliminar ervas daninhas, adubar, vê crescer e desabrochar lindas flores é muito prazeroso.

Reinventar-se é dar um chega pra lá no tédio. Curando a Alma. O milagre da vida. Cada dia uma descoberta maravilhosa!

Jardinagem; cada dia uma revelação maravilhosa. A vida vale a pena.