Fotografia preto e branca do rosto de Antônia Ferreira da Costa acompanha história "Vêm quatro doenças pra vocês e irá aparecer uma gripe muito forte", para a Memória Popular da Pandemia.
Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Eu já sabia dessa gripe. Minha avó dizia: “vêm quatro doenças pra vocês e vai aparecer uma gripe muito forte”. Acredito que seja essa a gripe a qual ela se referia.
Mudando de assunto, vou falar do que eu gosto. Gosto de plantar, gosto da roça. É boa mesmo. Está cheia de maracujá, abacate, manga, que estão para aflorar. Gosto de plantar, gosto da roça, mas a força não tenho mais. A coragem ainda tenho, mas a força não dá mais, vai se acabando. Eu gostava de caminhar, gosto é de sair. Não gosto de ficar parada não. Mas agora estou plantada, porque se eu sair… Tem um ditado assim:
Felicidade quem planta é um pé de pau.
Felicidade quem planta é um pé de planta.
Que é o pé de planta para ficar de baixo dele?
Casa de filho não tem como ser casa da gente
Então, eu fiquei enrolando. Durante um tempo, morava lá na casa do meu filho. Noutro tempo, eu alugava um barraco para morar. Mas, até que enfim, esse filho meu apareceu após doze anos, com uma mulher e uma filha, uma menina.
Olhe, tá difícil! Eu não irei mais ver isso, não. Mas os filhos e netos irão ver coisa brava! Brava de você chorar e não ter mais jeito. Fora isso, estou gostando daqui, achando bom demais. Tô sossegada. Mas é bem ali, né? Não me aperreando… Aqui, nem digo nem ouço. É verdade! Pois, agora tô tranquila! Graças a Deus e ao meu neto. Ele é muito estudioso! Aos quatro aninhos de idade, ele já dizia que queria “ser professor e pronto”. Virou mesmo! Ele é tranquilo. Gosto muito dele.
Meu nome é Antônia Ferreira da Costa, tenho 86 anos. Minha mãe é Santilia e meu pai é Cândido José Ferreira. Sou do Piauí, Teresina. Me casei no Piauí, mas o meu marido morreu e fui embora para Nazaré. Tive dois filhos: Maria da Lurdes e José. José ganhou o mundo aos 18 anos.
Relato de Antônia Ferreira da Costa, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Fotografia preto e branca de Lídio dos Santos acompanha relato "Para viver aqui só quem tem Deus, e com muita oração", para a Memória Popular da Pandemia.
Relato de Lídio dos Santos, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Essa pandemia… eu vou lhe contar! Ela veio para arrasar com todo mundo, sem dó nem piedade. Para viver aqui, só quem tem Deus, e tem que ser na base da oração, porque a doença está matando mesmo!
Os empregos acabaram, não é verdade? Empresas falidas, fechadas. Então, agora, é na base de Deus. Quem tem Deus, tem vitória; quem não tem, chora. Ele tem cuidado de mim, e tem mesmo! E eu estou aqui, só alegria! A pandemia em nada me atingiu. Ainda bem. Nunca na minha vida tive qualquer doença, nem mesmo um resfriado. Tomei a primeira dose da vacina na segunda-feira e hoje vou tomar a terceira. Vou ficar mais jovem ainda. Mas, é joelho no chão e oração, porque é somente Deus.
A pandemia fez todo mundo se precaver, se higienizar. Todo mundo, em geral, sem diferença de cor nem raça. Ou vai, ou racha! No mais, agora é com Deus, porque é o seguinte: se não for Deus, não temos outra saída.
Meu nome é Lídio dos Santos, sou pastor, um novo covertido desde 1977. Que tal? Eu pretendo ir de Brasília direto para o céu, com a permissão de Deus. Nasci na Bahia, em Correntina, mas vim pra cá em 1970. Fui para São Paulo fazer alguns cursinhos, mas voltei para cá, me casei e aqui estou.
É preciso se apegar a Deus
A minha expectativa aqui é ampliar a minha lojinha, o prédio que Deus me deu, e alugar alguns imóveis. As pesssoas vêm aqui orar, a exemplo da irmã da Conceição, entre outras pessoas, que vêm me ajudar a orar. Aqui é só vaso!
É uma boa expectativa, porque o pouco que a gente sabe fazer a gente dá valor. Importante saber o quanto pesa na balança. Porque se você tiver um gasto esbanjador, não fará mais. Quer dizer, se você pegar mil reais, então você: opa! Se você pegar cem reais, então você: opa, peraí! Porque você sabe a dificuldade de se conseguir dinheiro agora! Não tem dinheiro na praça, nem emprego. Agora é que estão abrindo, mas até chegar lá quantos anos mais?
E para você que lê o meu relato: fique firme, sem titubear para qualquer lado, mas fique na fé, porque isso vai passar. E temos que tomar muito cuidado com a higienização. Esse vírus está passando, mas têm outros vindo por aí. Tenha cuidado, pois a sua saúde é muito importante. Sem saúde, você não é nada. Você pode não ter um tostão no bolso, mas se você tiver saúde, você corre atrás. No mais, tem que se apegar a Deus. Se você se apega com Deus, de verdade, a coisa muda de figura. Mas sem Deus, ninguém é nada. Nada mesmo.
Salmo 133: Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união.
Foto em preto e branco do rosto de Lindalva da Silva Batista, autora do relato "O maior impacto foi ter ficado parada e sofrer de ansiedade" para a Memória Popular da Pandemia.
Relato de Lindalva Batista, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Tenho 86 anos e oito meses. Vim morar aqui aos 14 anos. Antes [de morar no Distrito Federal], vivia no Rio de Janeiro. Nós moramos uns 20 anos no Rio de Janeiro. Casei no Rio, tive seis filhos. Nós viemos para procurar coisa melhor. Veio todo mundo, eu, os filhos e o marido. Chegando aqui, tive mais dois filhos. Primeiro, eu tinha sete, aqui tive mais dois. No total, são nove filhos, e estamos aqui até hoje.
A pandemia marcou mais a minha vida por eu ter que ficar parada, por ter que ficar em casa. Antes eu saía, mas nesse período passei o ano todo sem sair, só para ir pro médico. A ansiedade piorou. É que a gente escuta “um morreu lá, outro morreu acolá”, por isso fiquei com muita ansiedade. Tinha dia que eu ia dormir e acordava durante a noite pensando que estava doente. Muita ansiedade mesmo.
O trabalho parou e isso foi horrível, pois eu era muito ativa. Todo dia ia pra loja. Eu moro na casa de um dos meus filhos. Então, a pandemia atrapalhou a minha rotina. Gostava muito de sair, de festa, não tinha uma festa que eu não estivesse. Tenho uma família muito grande, então cada vez tem um filho para visitar. Eu gostava muito de sair, passear, shopping era toda semana, almoçava fora, tinha uma vida melhor. De repente, parou tudo. Fiquei sem chão.
Vou receber a terceira dose depois de amanhã. Agora já não tenho mais ansiedade, passou. Já vou até viajar. O aprendizado que eu tive foi ter muita fé em Deus, muita oração pra conseguir passar essa fase, e graças a Deus consegui.
“O isolamento me fez lembrar dos tempos da Ditadura”
A expectativa que eu tenho é de que a situação melhore, que tudo volte ao normal. Acho que normal mesmo não volta mais. Essa doença aí deu medo em todo mundo. Não tem como ficar calma. Acho que desses dois anos, só agora que eu estou mais calma. Então, fizemos assim, cada um que fazia aniversário só chamava a família, só os de casa. Mas, eu mesma, só fiquei em casa.
Passeio de shopping acabou, as festas… Ainda não estou indo na missa. Porque ainda tenho medo. Porque dizem que mesmo quem se vacinou duas vezes ainda pode pegar a doença. Então, assisto a missa na televisão. Vamos ver se essa pandemia acaba nesse ano que vem.
Essa situação de ficar em casa me fez lembrar da Ditadura, que era quando não podíamos sair na rua. Ficávamos trancafiados dentro de casa, íamos apenas ao mercado fazer compra. Foi uma época bem ruim também que passei. Hoje, o que eu mais quero é saúde para mim e todo o mundo. Que as coisas voltem a ser como eram antes. Acredito que vai melhorar, se Deus quiser, vai melhorar.
Foto em preto e branco do rosto de Marcinda Prima Guimaraes, autora do relato "Nós somos mortais, por isso que eu não tenho medo"
Relato de Marcinda Guimarães, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Essas coisas que acontecem no mundo não me assustam, porque sou uma irmã sábia. A gente estuda muito a palavra, ouve muito e, uma vez, ouvi alguém dizer que havia de chegar uma doença que mataria muita gente. Mas, eu não sou muito de acreditar nas coisas. Sou igual a Tomé, só acredito depois que vejo.
Eu não sabia que seria isso! Mas, agora que a minha ficha caiu. Será que é a pandemia? Durante uma conversa com o meu filho, ele falou: “mãe, isso já era previsto.” Mas, eu não sabia o que era, sabia apenas que seria uma coisa terrível para a humanidade. No início, fiquei incrédula e cheguei a pensar: o povo conversa muito, vai que não é nada? Pois é, mas está acontecendo mesmo.
Nós somos mortais, por isso que eu não tenho medo. Aliás, eu não tenho medo de nada! Ah, é cuidado que ele é doente, é isso, é aquilo. Que nada! Olha, eu não sei quem contaminou o primeiro, eu penso logo assim. Então, quem será que contaminou o primeiro? Veio porque tinha de vir.
A Carmelita e o Silvani, irmãos dos meus primos, morreram de Covid.
“Trabalho desde os 9 anos de idade”
Não sinto saudade da minha vida antes, porque eu trabalhei desde os meus 9 anos de idade. Hoje, estou aposentada e acredito que se Deus me aposentou é para eu ficar quieta. Agora, só quero me divertir, estar na praia. É sombra, água fresca e água de coco gelada, e pronto. Chega! Eu comecei a trabalhar quando tinha apenas 9 anos! Me tiravam da cama às 2 horas da manhã pra ir bater pasto, bater rapadura, tocar boi, buscar cavalo no pasto.
Vim parar em Brasília e tinha que levantar 4 horas da manhã para ir pra fila pegar leite no carro do leite, caso contrário, não tomava leite. Chega! Cresci trabalhando, trabalhei até 2011. Minha luta foi até 2011, quando, finalmente, me aposentei. Quando vi que eu não aguentava mais, eu disse “chega!” Agora eu não quero mais nada. O que cair na rede, pra mim, é peixe. Não quero mais nada. Somente passear, andar e aproveitar.
Isso é coisa de Deus, é inexplicável. Só Ele pode explicar para nós. Eu vejo assim, como fim dos tempos, como fala no livro de Gênesis, na Bíblia. Então já está começando ou talvez agora está até terminando, ninguém sabe! Eu já vi muitas pragas. Eu já dormi com leprosos. Minha tia tinha uma doença que ela descascava todinha, ficava feridinha. Tinha que dormir com ela e ela falava assim: “Marcinda você não tem nojo de dormir comigo?”.
Eu falei: “Nojo porque minha tia? Porque vou ter nojo? Tia, a senhora não queria, mais veio. A doença vem pra gente sem você querer, quando tem que acontecer, vai acontecer, minha filha. Estamos todo mundo aqui dentro de casa, de repente uma bala pode me pegar aqui. Nós estamos conversando, porque eu tinha que morrer baleada, não é não? Eu tinha que morrer daquele jeito.
“Eu acredito na palavra de Deus, por isso não tenho medo”
Acredito na sorte. Que a gente nasce com ela, porque você já nasce com tudo pronto pra morrer. Você vem, mas já vem trazendo tudo. Deus vai dizer: “você vai viver tanto tempo e com tanto tempo você será recolhida. Você vai morrer assim, e pronto.” Eu acredito na palavra. Por isso, eu não tenho medo de nada, graças a Deus.
Faça o que tu gosta, mas se cuide. Se cuide muito bem, porque eu me cuido. Não deixe de fazer o que queres. Mas tenha cuidado, porque tudo na vida tem que ter cuidado. Procure também se alimentar bem, porque o que vale é o alimento. Se puder, tome suco de inhame durante o dia e à noite. É ótimo!
Uma coisa eu digo: a vida é luta! Não pense que vamos embora sem lutar.
Foto em preto e branco do rosto de Dulce Maria Andrade de Souza, autora do relato "Eu não poderia chegar perto de ninguém, por ter tido leucemia"
Relato produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Pra mim, o mais difícil foi não poder ir à igreja, tendo de ficar confinada dentro de casa. Eu não podia chegar perto de ninguém, nem conversar com alguém pessoalmente, porque eu tive leucemia. Ainda hoje, os meus filhos têm um cuidado especial comigo. Eu viajo muito com eles, mas eles não me deixam chegar perto de ninguém. Até os talheres, que são entregues para mim junto à comida, eles pegam antes e esterelizam tudo. Eu não fico perto de ninguém, porque eles me afastam de todo mundo.
No começo, eu me sentia um pouco fragilizada ao ponto de não poder ter a vida que eu tinha antes, já que eu saia muito. Eu fiquei um ano e tanto sem ir à Caldas Novas, por exemplo, porque a cidade foi fechada. Não tinha nenhum lugar aberto, porque fecharam as entradas. Eu poderia até entrar, pois eu tenho residência lá. Mas, o que eu ia fazer lá, se estava em pandemia e tudo fechado?
De reflexão, ficou pra mim o seguinte: hoje em dia, a gente deve ter cuidado. Perdi muitas amizades por Covid. Muitas amigas, amigos do meu marido, dos meus filhos. Morreram todos jovens. Morreu o cunhado do meu filho que tinha apenas quarenta anos! Muita gente faleceu por causa da Covid.
Isolamento
Além disso, não havia a possibilidade de sair, de parar no meio das estradas para almoçar, encostar em um restaurante para comer, devido à minha doença. Vai que eu estou servindo a comida, passa uma pessoa perto de mim ou chega perto de mim para se servir? Tudo isso é perigoso.
O meu dia a dia está mais livre, agora, as coisas voltaram ao normal. Vou para onde eu quero. Inclusive, viajei no ano passado. Fui para o Arraial D’Ajuda, na Bahia. Agora, estou viajando sempre. Não paro em casa, não.
No início, fiquei apavorada com esse negócio. Nem saía de dentro de casa! Nem pra descer no térreo, onde fica a loja que alugo. Mas, agora, eu vou para onde quero: à garagem, ao jardim. Vez em quando, até saio aqui na minha rua.
Primeiro, comecei descendo para o jardim. Sempre acompanhada dos meus filhos e do marido. Era aquela coisa toda, e eu não podia estar sem máscara, não olhava pra canto nenhum, não podia pegar nada. Só descia quando não tinha muita gente. Meu marido ia lavando a calçada, desinfectando o local com álcool, borrifava o produto em todo local por onde eu passaria. Era desse jeito, um terror.
Pensando no futuro, eu quero viver muitos anos de vida, em nome de Jesus Cristo. Quero pregar a palavra de Deus. Peço que Ele me abençoe ricamente cada dia mais. Sempre conto meu testemunho de que já vi Jesus três vezes. Não é pra qualquer pessoa ver Jesus. Ninguém consegue ver Jesus, mas eu já vi Jesus arrebatado no sonho. Orei a Deus pedindo para esquecer. No entanto, um mês depois, sonhei às cinco da manhã com aquele homem de branco, bem alto, em pé na cabeceira da minha cama, com uma espada e uma fumaça que não me deixava enxergá-lo direito.
O diagnóstico: leucemia crônica
Eu vim morar em Brasília no dia 10 de maio de 1964. Eu tive leucemia crônica e, há quatro anos atrás, quase perdi a vida. Mas, Deus não deixou e eu nunca baixei a cabeça para essa doença que me deixou branca como o algodão. Foi quando o médico disse ao meu filho caçula: “doutor Robson, não vou liberar sua mãe, porque eu tenho muito medo de ela emagrecer. Pode sofrer uma trombose, alguma coisa no coração, então não vou liberar. Sua mãe deve ter leucemia. E, se for na medula, não tem cura. Porque sua mãe já é de idade, não tem transplante.”
Então, o meu filho cancelou a viagem. Logo depois, sairam dois resultados da biopsia apontando que o meu caso não era grave. Então, fui liberada para viajar. Fui para o Rio de Janeiro, fiquei lá, não tive nada. Passeei à vontade no Rio, voltei e não senti coisa nenhuma. Quando cheguei aqui, peguei o resultado do exame e levei para o médico.
“Jesus vai me curar”
O médico leu o resultado, olhou sorrindo pra mim e me disse assim:
“Você é a mulher mais feliz do mundo. Você teve uma leucemia da mais branda que existe, a que não mata ninguém! Só tem que tomar remédio, viu, dona Dulce Maria? Para o resto da vida.”
Eu disse ao médico: “não vou tomar nada, Jesus vai me curar, pode deixar”. É que eu já estava sabendo disso, Deus já tinha me revelado em um sonho em que eu ia à São Paulo. No sonho, Ele me mostrou a estrada, um asfalto preto e com umas catingueiras na cor verde que faziam um arco.
Do lado esquerdo, no sonho, havia uma cratera como se fosse da altura do teto da minha casa. E eu dizia assim: “Senhor, o que é que vai ser de mim, ninguém sabe que eu estou aqui. Se eu gritar ninguém vai ver, ninguém vai me tirar daqui agora.” Eu não vi como entrei, também não vi como saí. No entanto, Deus me deixou ver uma coisa.
Nas bordas da cratera, havia mato verde. E, eu me lembro bem que eu tocava o mato, encostava a barriga nas bordas da cratera e saía me arrastando. E, caminhava naquela grama bem verdinha. Sabemos que verde é esperança. Eu pegava o asfalto e ia embora.
Por fim, disse ao médico: “Doutor, eu já sabia que eu ia passar por isso, também estou sabendo que eu não vou morrer por isso, porque Deus já tinha me dito tudo isso, então já sei que eu ei de vencer a doença”.
Relato de Dulce Maria, produzido pela associação Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Foto em preto e branco do rosto de Nilo Sérgio Ribeiro, autor do relato "A falta de um abraço é o mais difícil pra mim durante a pandemia"
Relato de Nilo Sérgio, produzido pela Organização Olívia Gama para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia
Pra mim, a pandemia não afetou muita coisa, continuo descendo. Mesmo assim, mantenho a distância de dois metros das pessoas. No entanto, eu gosto do contato com o povo, de estar onde tem gente. Não sei ficar isolado, não dou conta. Sinto falta de um bom abraço, de bater papo com os meus colegas. Pra mim, o difícil é a falta de um abraço, de estar no meio de pessoas próximas, de quem gosto. Isso sim faz falta.
Porque eu acho que é costume a pessoa chegar, abraçar, dar um beijo na pessoa. Agora, com esse negócio, já tivemos de romper esse costume. Então, é o mais difícil, pra mim. Manter a distância, a pessoa vai manter, sim. Lavar as mãos, se cuidar, todo mundo vai fazer isso, normalmente. No entanto, a falta do contato físico é difícil. O resto não, o resto a gente leva de boa.
O que mais me marcou foram os falecimentos. Uma menina, que morava no primeiro andar do bloco ao lado do meu, faleceu de Covid. Era colega da minha mãe. Acho que ela foi infectada por um pessoal que veio de fora para trabalhar. Então, é um desses questionamentos que a gente faz depois que a pessoa pega, depois que acontece. A gente tenta arrumar uma explicação, mas é o que tinha que acontecer mesmo.
Eles também se cuidavam, mas de quê adiantou? A pessoa mantém uma proteção, mantém tudo, mas não tem garantia, a exemplo daquela atriz, a Nicette Bruno. Pessoal se cuidou, mas foi alguém visitar. E eu te garanto que deve ter muita gente que pegou a doença e não sabe. Teve gente que pegou, se recuperou, ficou em casa, e passou. Deve ter acontecido muito por aí.
Distanciamento, máscara e a falta do afeto
Pra ser sincero, eu nem dei conta dessa pandemia. Me protegi, respeitei os outros, usei a máscara. Mas, senti saudade de encontrar as pessoas, de fazer aquela rodinha dos amigos, bater um bom papo, trocar ideias. De ir ao supermercado, a uma feira. Manter esse negócio de isolamento é meio chato. Uma pessoa olha pra outra, é vista, e às vezes vemos alguém sem a máscara.
Já cansei de ver aqui. A pessoa vem lá do outro lado, até que alguém está sem mascara. Logo, a pessoa que está de máscara passa para o outro lado! A gente não fala nada, lógico, mas sente que a pessoa está se afastando porque a outra está sem a máscara. Mas, estou me protegendo, mantendo o distanciamento, e a vida continua. Ah, sinto falta de festa também. Mas falta, de verdade, só do abraço mesmo.
É porque as pessoas são um pouco rígidas para o afastamento. Eu vi, presenciei, uma pessoa falando com a outra assim: “poxa, você mantém a distância, não é?” E a pessoa continua: “Não é por você não, é por mim”. E o outro tão distraído. O coitado tentou pedir desculpas, mas não adiantou nada. Acho que o ser humano, às vezes, por pouca coisa, faz uma confusão danada. Mas, em termo, assim, de prejudicial, que até quando meu pai estava internado eu ia ao hospital.
Acredito que importante é viver cada dia, cada momento. Cada dia é um dia. É um dia que Deus nos dá, isso que é bom. Bom também é ser feliz. O resto a gente toca o barco. A pessoa que citei é o meu ex cunhado Rodrigo. A mãe dele mesmo disse: “tudo que tu quiser fazer pra mim, tu faz em vida, que depois não adianta chorar”. Então, ontem à noite, eu e meu irmão comentamos com ele: “pois é, a gente te diz o mesmo.”
Com o advento da pandemia, todos fomos surpreendidos. Perplexos, vimos as crianças voltarem às suas casas – e nós sabemos das condições em que vivem as crianças assistidas pela Instituição. Tínhamos a certeza de que as crianças não encontrariam em suas casas ambiente salubre e refeições que garantissem a continuidade do tratamento.
Mas não nos acomodamos aí. Fomos até às crianças. Temos ido até elas em suas casas. Levamos diária, cestas básicas, material de proteção, insumos e material de limpeza e higiene. As atividades lúdicas e pedagógicas, que fariam na creche, estão fazendo em casa. Quanto lá estamos, é uma oportunidade para a equipe observara adesão ao tratamento e os cuidados os sinais vitais das crianças.
Tem sido uma forma nova de acompanhar os tratamentos, o desenvolvimento, e a proteção integral dessas crianças. Temos contado muito com o apoio dos das cuidadoras e cuidadores.
A Instituição Beneficente Conceição Macedo existe há 35 anos. Sensibilizada com a realidade de pessoas que vivem com HIV que não tinham guarida nem em suas famílias, nem na rede de assistência pública, Dona Conceição Macedo começou a acolhê-las. Um primeiro quarto, um segundo quarto, então isso evoluiu. Dona Conceição juntou-se então a um grupo de voluntárias/os, que levam adiante a instituição. Hoje, a IBCM mantém 29 casas de apoio a portadores de HIV que antes se encontravam em situação de rua. Mantém também o Centro Diurno para 74 crianças de 2 a 5 anos de idade – com cinco refeições diárias e atenção ao tratamento. Oferece ainda medicamentos prescritos não fornecidos pela rede SUS e alimentação para mais de 250 pessoas vivendo com HIV.
Arrastados para voltar a atender a população em situação de rua
Com a pandemia, fomos praticamente arrastados para voltar a atender a população em situação de rua. Chegaram muitas demandas, muita gente passando fome. Então temos ido praticamente todos os dias, a partir das 19 horas, levar alimentação, água, material de higiene e proteção. Cerca de 100 a 120 pessoas são atendidas diariamente pelas equipes da Instituição Beneficente Conceição Macedo.
Cuidado com quem cuida
Temos cuidado, também, de nossa equipe. O cuidado com quem cuida: de evitar o acesso às Unidades de Emergência, de descanso, de um horário diferenciado de trabalho. Temos feito um apelo, pois com a pandemia as doações rarearam. E como vivemos de doações, nós também apelamos a você. Ajudem-nos, por favor.
Todo alimento é bem-vindo. Nossa conta bancária está no Instagram. Estamos lá de segunda a sexta, das 8 às 17 horas, recebendo doações e, sobretudo, carinho e atenção de tanta gente que se une a nós nessa corrente do bem e do serviço. Que nós possamos superar, em breve, este momento. Estamos ansiosos para ter de volta as crianças no espaço físico da creche. E até lá vamos estar firmes na atenção e cuidado, na proteção integral ao nosso público. Gratidão.
Assim, a Instituicao Beneficente Conceição Macedo segue fazendo prevenção, sobretudo com o público mais vulnerável, profissionais do sexo, população em situação de moradora de rua, jovens dependentes químicos, gente com situação de privação de liberdade.
Somos carentes, e essa pandemia nos afeta ainda mais. Por isso, precisamos de cestas básicas. A princípio, tenho três filhos e dez netos. Eles moram em uma comunidade muito carente e, graças a Deus, já arrumaram emprego.
Mesmo assim, a renda não dá para quase nada. Temos que pagar aluguel, luz e água, não conseguimos comprar alimento e por isso precisamos de cestas básicas. Meus filhos não ganham bem e suas esposas ganhavam 600 reais do Auxílio Emergencial, que depois reduziu a R$300. Então, a situação piorou, pois como elas têm filhos pequenos, não há possibilidade de trabalhar e cuidar das crianças.
Meus filhos tiveram até suspeitas da Covid, com sintomas leves. Mas não temos certeza se fomos infectados, porque eles não fizeram o teste. Fico preocupada, pois eu, como mãe e avó, não saberia o que fazer, caso eles contraíssem a doença. Quem iria socorrê-los?
Projeto União do Xangrilá distribuiu cestas básicas
Um grande alívio foi o recebimento de cestas básicas. Conseguimos e temos esperança de conseguir, no projeto na União do Xangrilá, mais cestas básicas, o que para nós é de grande valia.
Por fim, há algumas pessoas que até deixam suas casas, seus aluguéis e estão indo morar nas ruas. Pois, como sobreviveremos com 300 reais hoje em dia? Não há como! A gente tá tentando sobreviver no dia a dia, sem ter quase nada. Mas, Deus sabe de todas as coisas. Então, queria que vocês olhassem mais por nós, que somos carentes de ajuda. Muito obrigada e passem bem. Se cuidem.
Me chamo Lindomar Vieira, sou do Guerreiro da Esperança do Xangrilá. Estamos aqui no projeto da União.
Foto em preto e branco de integrantes segurando a bandeira da União Nacional de Moradia Popular
Neste momento de pandemia, a gente deu uma parada para atuar com a questão da contribuição com as cestas básicas, como material de limpeza e higiene, com as famílias que nós trabalhamos. Agora, neste momento, estamos aqui em Jacarepaguá.
Trabalhamos com mais ou menos 15 unidades em parceria com a teia da zona Oeste, com ação e cidadania, vaquinha virtual e contamos ainda com a Fundação Oswaldo Cruz. Nós conseguimos ajudar mais ou menos 900 famílias com bolsas de alimentos.
Entendemos que o governo não está fazendo seu trabalho, e não podemos ficar parados. O movimento de moradia escolheu a opção de trabalhar com doação de cestas básicas, por entender que as pessoas estão precisando.
O grupo que a gente tem hoje em Jacarepaguá são 190 famílias, 80% mulheres. Dentro desses 80%, muitas delas são mães solteiras, chefes de família que precisam trabalhar. Tem muitas diaristas, empregadas domésticas… e nós sabemos que essa demanda é exatamente a demanda que está fora do mercado de trabalho.
“Uma casa onde viviam oito pessoas, hoje comporta dez, ou mais.”
Independente de estar fora do mercado de trabalho, tem uma outra questão que agrava ainda mais a situação, é o seguinte: a mãe que tem filho na escola, que tem filho na creche, hoje não leva seus filhos, então ela não consegue trabalhar e não tem com quem possa deixar o filho.
Outra coisa que a gente percebeu quando a gente estava fazendo distribuição das cestas (fizemos um cadastro das famílias), é que as famílias na grande maioria eram agregadas. Ou seja, o filho que casou e foi embora morar de aluguel, devido à pandemia, teve que retornar para casa de pai e mãe. Então, uma casa que comportava 8 pessoas hoje comporta mais 10, ou mais.
Tudo isso é uma situação que vem se agravando a cada dia e a gente, enquanto o movimento de moradia, sente muito. Principalmente eu que já tenho minha casa, porque vejo famílias, à noite, procurando uma marquise para forrar e colocar os filhos para dormir.
Trabalho em pequenas comunidades
Não chega nenhuma ajuda do Governo Federal em comunidades menores. A única coisa foi o auxílio emergencial que é um direito nosso. Agora, piorou. 300 reais não dá para pagar o aluguel, água e energia. Imagina que essas pessoas também precisam de alimentação! Aqui em Jacarepaguá não chegou nenhum tipo de ajuda a não ser dos parceiros que a gente vem falando.
Então, as cestas básicas que foram doadas foram muito bem-vindas naquele momento e continuam sendo bem-vindas, porque a gente precisa continuar com esse trabalho. Até porque, não sabemos quando isso vai acabar.
Até os hospitais de campanha estão todos fechando, sem contar os hospitais sucateados. Não tem nada o que a gente possa fazer para atender toda essa população! Precisamos de ajuda.
Obrigada à plataforma pela possibilidade da gente publicar o nosso sentimento em relação à Pandemia.
Sou Jurema da Silva Constâncio, coordenadora da União Nacional de Moradia Popular. Estou falando da Cooperativa Xangrilá. A União de Moradia Popular é o movimento que trabalha a questão de moradias para famílias de baixa renda com mutirão e autogestão.
Foto preto e branco de Iara Lima acompanha relato sobre empatia
Eu sou uma pessoa que ama a vida, tenho empatia e acredito que eu vim com uma missão. Me chamo Iara, e este nome é dado às mães. Então, eu acredito que vim para cuidar das pessoas. Muitos me chamam de altruísta, mas altruísta ou não, eu sei que vim com uma missão.
Durante esse processo que está acontecendo com toda a humanidade, muita coisa mexeu comigo. Nós, seres humanos, temos o compromisso, um com o outro, de cuidar do outro, em todos os aspectos e ter empatia. Muitas pessoas tiveram surtos e acredito que deveriam disponibilizar psicólogos e terapeutas para mostrar os cuidados e como lidar com a pandemia.
E sabendo que nós somos produto do meio, temos também de nos adaptar, principalmente na questão da higiene, pois nossas vidas foram fortemente impactadas. Eu me coloquei na posição de ajudar. Coloquei à disposição o meu número de telefone para que as pessoas possam entrar em contato comigo para conversar. Já cheguei ao ponto de ter que chamar uma moto ou um carro para providenciar os medicamentos necessários para pessoas doentes, porque elas não teriam como comprá-los.
Porque devemos ter empatia
A gente precisa fazer alguma coisa pelo outro. E essa questão das pessoas dizerem que não tem ajuda governamental não interessa, pois o mais importante é que a gente possa fazer algo pelo outro, independente de termos ajuda. E se dividirmos o que temos, a gente vai viver bem melhor. Pois esta pandemia veio justamente em um momento em que as pessoas estavam extremamente desgarradas. É como se tivesse perdido o amor um pelo outro.
Essa situação ao mesmo tempo tem unido as pessoas, que estão dando mais atenção a quem está na rua com fome, a quem está nu, a quem está precisando de medicamentos. Estamos fazendo muito e eu quero continuar fazendo a minha parte, porque isso é com Deus.
A partir do momento que estamos ajudando o próximo, estamos ajudando a nós mesmos. Eu, mesmo apresentando problemas de saúde (tenho 10 parafusos em minha coluna), não me sinto impedida de pensar que existem problemas maiores lá fora, muito maiores que os meus. Precisei até acolher pessoas de outros países em minha casa que estavam sendo escravizadas. Enfim, uma série de problemas. Pessoas que vieram do interior, com parentes aqui internados e que não tinham onde ficar, e eu acolhi.
Ajudar nunca é demais
E é assim: a gente toma conta da gente e toma conta do outro. A gente faz o que tem que ser feito é não ter e tem que ter para dar. Ajuda nunca é demais, e o que a gente precisa fazer de melhor é isso, é olhar o outro como um todo, estando no lugar dele. É você ter estar ao lado de fora de um hospital com um paciente lá dentro e não poder entrar, mas ter alguém para lhe dizer: “olhe, eu estou aqui”.
Eu faço isso mas não quero nada em troca. Estou fazendo isso porque é de mim, é minha índole, e espero que isso tenha sido de grande valia.
Para finalizar, que isso não se mantenha apenas durante a pandemia, pois nossa vida já foi modificada. A partir do momento em que tudo isso mudou a nossa vida, a gente também precisa mudar. Mudar nossos conceitos errôneos em pensar em não ajudar para não virar um circulo vicioso. Não, se a gente tem roupas nós oferecemos roupas; se a gente tem alimentos, a gente vai oferecer alimentos, e assim sucessivamente porque a vida vai continuar.
E nós estaremos diferente por ter sofrido essas agressões, mas temos que cuidar. E a palavra de ordem é gratidão, empatia e e cuidado. A partir do momento que acende uma luz, eu estou iluminando o meu próprio caminho.
Eu sou de Logun Edé, espiritualista ecumênica oriunda do candomblé da nação Angola e com raízes na Casa Branca, sou neta de Julieta Alves de Oxum, ladê Durvalina da Anunciação de Oxóssi.
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