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18 a 24 anos Bahia Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Mulher Cis Raça/Cor

“Passei a não assistir mais aos jornais e procurava não ler sobre o assunto”

Desde dezembro de 2018 participo do Projeto Cunhataí Ikhã ( Meninas na Luta), do qual sou uma das monitoras da região Norte da Bahia. O objetivo do projeto é estimular que as meninas indígenas reconheçam os seus direitos e deveres, que elas possam lutar por todos eles e façam suas próprias escolhas. E um dos principais objetivos é que a menina indígena tenha os 12 anos de educação escolar completos.

Teríamos a formação de 60 meninas indígenas, porém com a chegada do vírus ao nosso país ficou impossível acontecer, pois são meninas de todo o estado da Bahia. Diante disso estamos realizando encontros onlines todas as quintas, manter o vínculo durante a pandemia, e nossas coordenadores nos traz temas interessantes a serem discutidos. 

Em maio de 2020, aqui em minha comunidade foi realizada uma reunião pelo CONTAM (Conselheiros Tuxá da Aldeia Mãe), que ficaria restrito o acesso à nossa comunidade. No portão ficava uma pessoa para monitorar a entrada somente de indígenas e entregas de alimentos ou gás.

O portão era aberto às 06h da manhã e fechado às 22h da noite. Porém, foi por um período muito curto. Entretanto, algumas famílias tiveram que continuar com suas atividades para assim poderem colocar comida em suas mesas. Já outras tiveram que permanecer em casa, pois suas atividades foram suspensas para evitar aglomerações.

Para suprir as necessidades da comunidade, principalmente de quem ficou desempregado na pandemia, a Funai, em parceria com a Conab, disponibilizou a entrega de cestas básicas para a comunidade e cada família foi contemplada com duas cestas básicas.

Covid-19 na aldeia

Eu achava que esse vírus não chegaria na comunidade, até que chegou, e, a partir de então, começou a mexer com meu psicológico. Eu já estava a morrer de medo, todas as noites tinha pesadelos e não conseguia mais dormir direito. Passei a não assistir mais aos jornais e procurava não ler mais nada que tivesse relação com notícias de mortes sobre o vírus.

Sabemos que todo cuidado é pouco, mas, mesmo com toda cautela, o primeiro caso na nossa aldeia surgiu no mês de setembro. Graças ao bom Deus o homem em questão tomou todas as medidas preventivas para que o vírus não proliferasse e se curou.

Aulas remotas

Em relação à universidade, como as aulas presenciais tinham sido suspensas, a coordenadora, junto com os professores, resolveram fazer um projeto (Ação Pedagógica) com a turma, que durou três meses. Não foi fácil, pois éramos acostumados a nos vermos, a termos contato físico e, de uma hora para outra, estávamos lá nos olhando através de uma tela. Mas cada um conseguiu desenvolver do seu jeito, sendo orientados pelos professores.

No mês de novembro do corrente ano, as aulas voltaram de forma remota e teremos 45 dias de aulas. Um meio que para muitos parecia que seria fácil, está sendo complicado. Muitas pessoas não têm acesso à rede de internet e, mesmo para quem tem, a rede não pega tão bem, prejudicando, assim, o estudante em participar das aulas ou fazer os devidos trabalhos.

Sabemos que vai ser difícil essa pandemia acabar, mas eu anseio que tudo acabe bem, que todos venham a sair com vida e esperança para um mundo melhor.

Me chamo Joana Darc Apako Caramuru Tuxá, tenho 23 anos e sou indígena. Moro na Aldeia Tuxá – Mãe, município de Rodelas, norte da Bahia, nordeste brasileiro. Sou filha de Lucy Meire Sena do Nascimento (indígena) e José Humberto Alvino de Souza (não indígena). Atualmente estou cursando o IV período da Liceei-Uneb (Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena – Universidade do Estado da Bahia – CAMPUS VIII), em Paulo Afonso-BA.

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18 a 24 anos Bahia Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Mulher Cis Raça/Cor

“Meu sonho é voltar formada para cuidar da saúde do meu povo”

Sou estudante de Fisioterapia na Universidade Federal da Bahia e dentro da universidade busco quebrar estereótipos e falar sobre a saúde indígena nos diferentes espaços. Faço parte do grupo de pesquisa PET Comunidades Indígenas, onde debatemos as temáticas indígenas, como saúde, território, educação e outros. No PET, faço parte do Observatório de Saúde Indígena onde fazemos atividades e pesquisas voltadas para essa área.

Neste momento de pandemia me encontro em minha aldeia, aguardando as aulas presenciais para retornar a Salvador. Me formaria este ano, mas devido a pandemia isso não foi possível. Aulas online foram oferecidas pela universidade, porém na área da saúde as últimas disciplinas são práticas, não podendo ser oferecidas no semestre online. 

Atualmente, tenho me focado na minha loja online de artesanatos, criada como forma de divulgar a cultura e beleza da arte indígena e como uma forma de renda para me manter estudando em Salvador. Durante a pandemia a procura pelos artesanatos se tornou maior. 

Hoje, o meu sonho é poder retornar para minha comunidade formada e cuidar da saúde do meu povo, foi o motivo pelo qual escolhi um curso de saúde.

Me chamo Wany Tuxá, sou indígena do povo Tuxá, minha aldeia fica localizada no sertão baiano, às margens do velho Chico. Venho de uma família de lideranças indígenas dentro da minha comunidade e cresci na luta do meu povo que teve seu território inundado pela construção de uma barragem. Hoje ainda lutamos pela demarcação do nosso território.

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mato Grosso do Sul Mulher Cis Parda Raça/Cor

“Tenho medo e me preocupo com os impactos do futuro”

Sou Agente Comunitário de Saúde em Três Lagoas/MS. Sou profissional da linha de frente na pandemia, mas tão esquecida quanto diversas outras profissões. Desde antes deste período complexo já sofria pela falta de compreensão de muitas pessoas acerca da importância do meu trabalho. Infelizmente, grande parte da população desconhece o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Fato este que continuou quando a pandemia chegou ao Brasil. 

Enfrentei e enfrento muitos obstáculos. Faço parte do grupo de risco por ser hipertensa, no entanto, ocorre que para que eu pudesse me afastar perderia o incentivo pago pelo estado do Mato Grosso do Sul. Assim, para que minha família não fosse prejudicada, decidi continuar.

No início, faltaram Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), a população ficou com medo e também senti medo. Após algum tempo o município reorganizou as funções e o trabalho começou a desenvolver com certa eficácia. Em setembro aumentaram demasiadamente a microárea dos agentes e criaram o monitoramento de pacientes com suspeita e confirmação de Covid-19. Funções necessárias durante o enfrentamento de uma pandemia, mas feitas sem remuneração adicional. Trabalhei em dobro, inclusive aos finais de semana, sem ganhar nada a mais por isto.

Me sinto exausta, mas satisfeita pelo meu trabalho ter contribuído para a população. Temo pelos impactos econômicos, temo pelo futuro. Sigo na esperança da vacina para que possamos recomeçar.

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14 a 17 anos Bahia Ensino Médio Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Indígena Mulher Cis Raça/Cor

“Nossos rituais sagrados foram prejudicados devido à mudança de rotina”

Sou estudante do Colégio Estadual Indígena Capitão Francisco Rodelas, onde curso o segundo ano do ensino médio. Diante da nova realidade que enfrentamos devido a pandemia, tivemos que aderir ao ensino através das aulas remotas.

Esse formato era um grande desafio tanto para os alunos como para os professores que não estavam acostumados com esse modo de ensino. Contudo, a nossa escola conseguiu desenvolver um bom trabalho diante das circunstâncias.

No entanto, um fator que ficou prejudicado com o isolamento social, foi a prática dos nossos rituais sagrados. Tivemos que mudar também a nossa rotina, para nos proteger e assim proteger nossos anciões.

O meu maior desejo é que tudo isso passe logo para que possamos voltar a nossa rotina, cheios de esperança por um mundo mais solidário e humanizado. E que as pessoas aprendam a dar valor às coisas importantes como um abraço, e que continuem valorizando o que temos de mais importante que é a família.

Meu nome é Aline Apako Arfer Jurum Carraté Tuxá, tenho 17 anos, moro em Rodelas-BA, e sou indígena pertencente ao povo Tuxá Aldeia Mãe.

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Perdi quatro pessoas para a Covid-19 e o racismo”

Durante o período de pandemia, senti um incomodo por viver o privilégio de poder ficar em casa, pensando nos tantos que não puderam se isolar. Minha renda é formada com o que somo de alguns trabalhos. No entanto, minha única fonte fixa é uma bolsa/ajuda de custo de 500,00 para um trabalho voluntário prestado à Secretaria Municipal de Saúde como Agente de Prevenção DST/AIDS, voltado para garotas de programa. 

Tudo se somava com o que ganhava fazendo freelance em pesquisa de opinião pública e os cachês de shows com o Ilú Obá De Min, grupo que faço parte há 10 anos.

No dia da primeira morte no Brasil fui trabalhar, e voltei bem assustada com a aglomeração em uma das casas de prostituição em que faço prevenção. Dias depois o trabalho foi suspenso, e daí começou a preocupação de como iria me sustentar pelo próximo período (sem saber que seria um tempo indeterminado). Felizmente, logo veio o alívio de saber que não suspenderiam os pagamentos.

Moro na Ocupação nove de julho onde pago um valor de contribuição simbólico. Não passei necessidades porque tive apoio da ocupação, Ilú Obá De Min e Marcha das Mulheres Negras, coletivos dos quais tive muito suporte, muitas doações de cestas básicas e hortifruti.

Em abril, nasceu o filho do meu afilhado, pai com 22 anos e a mãe com 18. Desempregados. A criança veio ao mundo sem o enxoval e em meio aos casos crescentes de Covid-19. A avó da bebê é o arrimo da família, contudo, o pouco dinheiro não compraria nada. Aquele foi o período em que tudo estava fechado. Então tive a ideia de contactar as conhecidas que tiveram bebês em fevereiro/março. A ajuda veio breve e abundante, conseguimos o enxoval completo, enfim.

Partilhar em meio às dificuldades

Moro apenas com minha companheira e as doações que recebíamos eram bastante para nós, por isso passamos a doar antes mesmo de chegar em casa. Moramos no nono andar e o prédio não tem elevadores. Então, para não ficarmos carregando peso, levamos muitas cestas direto para a casa das pessoas que nos solicitavam. A vizinha que mora sozinha começou a dar o que não consumia e, assim, foi possível ajudar ainda mais famílias. A começar pela nova família do meu afilhado que acabara de se formar. Levamos cesta básica e muitos legumes. 

Outra prima que é empregada doméstica, tem filhos, paga aluguel, ficou doente e não tinha dinheiro para pagar a condução e buscar os alimentos. Mas a minha companheira tem moto e então fomos até Osasco levar. Com a vizinha da minha mãe, costureira, se passava o mesmo. Neste caso, havíamos levado tantos mantimentos que foi possível dividir. 

Da ocupação recebíamos cestas de 15 em 15 dias. As garotas de programa também viveram imensas dificuldades, porque as casas de prostituição também estavam fechadas. Fiz uma força tarefa junto com uma colega de trabalho e pude contribuir bastante com o que tinha em casa. Esses foram alguns exemplos da partilha.

Meu auxílio emergencial foi aprovado e somei com valores que recebi do Projeto Baobá através da Marcha das Mulheres Negras, onde também ajudo a construir. Isso me possibilitou contribuir com muitos pedidos de ajuda, de mulheres que não têm acesso a informações, mesmo com bastante ajuda de diversos setores, muita gente não soube acessar os trâmites burocráticos e tecnológicos das “boas ações”, eu fui ponte.

Luto

Minha mãe teve Covid-19 e, felizmente, depois de muita preocupação, passou ilesa pela doença. No entanto, perdi dois conhecidos de infância, o pai da minha amiga a mais de 30 anos em minha vida e uma prima. Tudo isso adicionado a tanto descaso público e ao câncer chamado racismo que gritou neste período.

Por fim, me senti por diversas vezes muito deprimida, paranoica, chorosa e com certeza os coletivos de mulheres dos quais faço parte me ajudou muito neste processo de não adoecer psicologicamente.

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Maranhão Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Para mim o mais difícil é ficar longe de quem a gente ama”

Nesse sistema de saúde precarizado, eu como profissional de saúde tenho que dar o meu melhor, mas como mãe também quero estar com minhas filhas, tentar protegê-las. No entanto, o meu trabalho é extremamente necessário no momento. 

Sinto medo, mas preciso estar preparada o suficiente para cuidar das pessoas. É uma insegurança muito grande de chegar um paciente e eu não conseguir fazer nada. Porque com a Covid-19 todo dia é um aprendizado novo, e nenhuma certeza do resultado do que está sendo feito, o que estamos ofertando é pouco diante do gigante que só cresce.

A saída de casa é sempre uma triste despedida. Eu saio de casa na segunda-feira, às 5 horas da manhã. Então, no domingo à noite já chamava minha filhas para conversar, por que era muita insegurança, incerteza. Só de falar já da um nó na garganta, passa um filme na cabeça.

Eu ouvia as pessoas falarem “Helida, vem para casa. Você tem a Thaisa que tem só 2 anos e 10 meses. Tua filha é pequena!”. Sempre há aquela preocupação de se contaminar no trabalho, mesmo sem apresentar sintomas, porque existem os assintomáticos. Mas o trabalho não pode parar.

Amor e cuidado

Então eu sempre segui todos os protocolos de segurança, usei muitas mascaras durante o dia, acho que fui umas das profissionais que dei um grande gasto de materias para o município. Volto para casa no fim de semana seguindo um ritual de: ao chegar em casa, ir direto pra lavanderia, deixar toda a roupa de molho, tomar banho e só depois encontrar minhas filhas.

Nesse momento é uma felicidade, estar viva e estar voltando para casa, olhando as pessoas que mais amo bem. Enfim, com aquela sensação de dever cumprido.

Momentos mais difíceis foram os que fiquei longe das pessoas que amo: mãe, irmãos, minha avó que tem 87 anos. Minha mãe só pude ver depois de 90 dias, era uma saudade gigante, mesmo com as diferenças o medo de perder essas pessoas fez repensar muita coisa, creio que não só a mim, mais acho que é o pensamento da humanidade hoje, a gente passa a valorizar o que antes era irrelevante, como um simples telefonema, uma conversa. Isso ajudou muito a diminuir a saudade mais não era o suficiente.

Tivemos uma diminuição dos casos e o afrouxamento das regras e cuidados, e novamente os noticiários já falam em aumento de casos, e nós continuamos despreparados, já vimos uma doença parar o mundo e não sabemos o que nos espera no futuro, a única esperança é uma vacina que possa nos proteger. Foram muitas vidas perdidas, famílias que praticamente acabaram e até o momento nenhuma certeza de nada. O medo retorna mais uma vez.

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40 a 59 anos Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Há perseguição em ambiente de trabalho durante a pandemia”

Não sei como falar sobre algo tão delicado. Trabalho na saúde mental há 10 anos. Durante a pandemia, não deixei de trabalhar, mas esse momento foi de reviravoltas, não sei se devido ao desgaste, tensão ou até medo da contaminação. Se está difícil trabalhar, imagina falar sobre os episódios de perseguição que acontecem no ambiente de trabalho durante este momento delicado. E correr o risco de ser demitida, com o pacote de arroz no preço que está, é uma violência.

Vi em plena pandemia que o local de poder ainda alimenta o ego de muitas pessoas. E, em nome de um código de ética, que nunca li, a demonstração de poder, fere e leva ao silenciamento do trabalhador.

A perseguição existe, mas no ativismo com mulheres negras aprendi que falar é preciso.

No início da pandemia, foi difícil para todos os profissionais no mundo todo, especialmente para os da saúde. Trabalho em uma Unidade de Acolhimento e nesse período sentimos os acolhidos mais agitados, devido à fissura e à restrição de saídas. E, foi assim que me descobri oficineira. Fizemos muitas artes juntos, confeccionamos máscaras, bonecas Abayomi, tapetes de retalhos.

Porém, tudo parou quando contrai a Covid-19. Precisei ficar isolada e afastada e, nesse período, a gestão recebeu uma grande doação de materiais de oficina. A pessoa que doou me comunicou e disse que teria material à minha espera e desejou a minha melhora. Entretanto, quando retornei, a gestão havia doado todo material para outros serviços da região. Fiquei muito triste! É foda quando o seu trampo não é reconhecido. Eu reclamei, ainda exemplifiquei, pois, o que aconteceu é a mesma coisa que tirar a lâmpada de sua própria casa para iluminar a casa do vizinho e ficar no escuro.

Quando a perseguição culmina em demissão

Antes do plantão, eu e minha colega conversámos sobre o que realizar no plantão. Era um mix do nosso saber sempre misturado ao deles. Aliás, aprendi muito nesses anos dedicados à Redução de Danos. Sinto-me sempre reafirmando o compromisso na luta antimanicomial. Minha amiga, por exemplo, tem seus dons culinários e arrastava todos para a cozinha. Era lindo de ver a galera num aprendizado mútuo. A cozinha da Unidade de Acolhimento foi o local mais terapêutico durante a pandemia.

Imagem mostra seis bonecos de azul e acima de cana um contém um balão contendo sinal de exclamação. Todos estão virados para um boneco vermelho, acima deste está um balão com o sinal de interrogação. Imagem acompanha relato sobre perseguição no ambiente de trabalho durante a pandemia. O texto foi enviado por Maria Izabel Fernandes à Memória Popular da Pandemia. Imagem licenciável.

Em um término de plantão, pela manhã, perguntei para uma colega Técnica se ela tinha notado o pé do acolhido, inchado demais. A resposta foi que ela não tinha o que fazer e que “estava inchado porque ele bebe demais”. Senti o desprezo de uma pessoa racista. Foi visível que aquela senhora tinha dificuldade em cuidar de um homem negro retinto.

Pedimos uma reunião com a gestora, que nos explicou o que faz cada papel, e que esse não era o papel do redutor de danos. Duas semanas antes das minhas férias, todos comparecemos em uma reunião online, quando soubemos da informação do desligamento de uma colega afastada. Todos ficamos abalados, pois, a profissional trabalhava conosco há 5 anos e se afastou para ter um bebê. Como assim, demitida após a licença maternidade?

Reflexo da escravidão moderna

A Gestora Suprema, representante da empresa, pediu para que as pessoas se pronunciassem sobre e disse que não íamos sofrer nenhuma consequência. Foi quando falei, olhando para duas mulheres que se dizem feministas: “qualquer mulher que entende o mínimo sobre feminismo conseguiria compreender que a demissão da colega trata-se de um retrocesso. As mulheres deveriam estar de luto, pois ser mãe é um direito, que deveria ser respeitado. A colega demitida não teve a oportunidade de exercer nem um dia de profissional e mãe.”

Foi aí que começou a caça às bruxas. No meio dessa perseguição demitiram minha amiga, que trabalhou 5 anos comigo. Sofri horrores, pois me senti culpada por sua demissão. Houve outras reuniões horrorosas, só desgaste, mas eu fui transferida para outra unidade. Sinto que as pessoas que têm esse poder não se importam com o desgaste do profissional de saúde, em especial o da saúde mental. O vínculo com os usuários é desconsiderado, dando espaço à construção de horripilantes figuras de poder.

Quando anunciaram que nos separariam, segurei firme na mão dela e começamos chorar. A justificativa foi de que a nova supervisora precisava montar sua equipe, para trabalhar do jeito dela. Tínhamos um vínculo muito forte, o que parecia ruim para a empresa. Isso só pode ser reflexo da necropolítica, ou da escravidão moderna: trabalhar 12 horas com uma pessoa e não poder demonstrar afeto por ela. Na escravidão separavam famílias assim. Senti-me como uma peça em um jogo de xadrez, pois é sem sentido, principalmente partindo de profissionais que trabalham com o vínculo. Naquela noite, estávamos de plantão e a tristeza contaminou o local.

Leia também: “Quem sobrou teve que aprender a dar aula à distância”

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Maranhão Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Para conseguir passar por essa situação busquei ajuda na minha fé”

A princípio eu achei que não chegaria aqui. No entanto, esse meu pensamento passou rápido. Mas logo me lembrei que a Covid-19 se alastrou depressa na China e no mundo. Então, pensei: logo isso aqui tudo estará contaminado! Eu sabia que ela ia chegar e ia causar uma destruição, porque não temos estrutura de saúde preparada para algo desse tamanho e com esse nível de letalidade.

As notícias do coronavírus me trouxeram o medo, uma angústia, quase um desespero. Com o passar do tempo começou a aflição de ver tantas pessoas morrendo e isso acaba refletindo na vida da gente, por mais que esteja distante.

O que me ajudou a passar por isso foi viver melhor com a minha família, por incrível que pareça. Momentos que tivemos que conviver só com a gente e descobrir coisas que talvez nem sabia.

Impactos na vida profissional

Logo em seguida vem a questão profissional. Deixar de trabalhar foi uma coisa muito difícil para mim, o trabalho sempre me ajudou muito por conta dos meus problemas emocionais e tudo o mais. Com esse rompimento, me abati muito, fiquei triste, por vezes cheguei a chorar quando todos iam dormir. Passei por momentos de muita angústia e desespero.

Mas fui buscando ajuda na minha fé, que veio me dando paz espiritual, e força para superar isso tudo. O medo, angústia, dor, esse rompimento com o trabalho e o fato de não poder estar com os amigos… estou passando por isso tudo graças à minha família e à minha fé em Deus.

Hoje eu olho pra trás e vejo tudo isso. Ao mesmo tempo, tenho medo quando vejo o afrouxamento das regras de isolamento. Ver as pessoas levando vidas normais como se a pandemia já estivesse acabado, me faz ter medo de novo que tudo piore.

Novamente me vem a questão do meu trabalho, me bate uma tristeza, porque este ano foi um ano de muito prejuízo para a educação. Eu não considero que funcione essas aulas remotas porque para nossa realidade onde muitos pais têm grande dificuldade de leitura como podem ajudar os filhos?

Eu acredito que vamos ter que conviver com essa doença pra sempre e a única saída vejo é através da vacina, por isso torço e peço a Deus que descubram logo a vacina que nos permita de verdade uma proteção para que as nossas vidas possam de fato voltar à normalidade.

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25 a 39 anos Estado Pará Prefiro não informar Prta

“Organizamos uma campanha virtual para atender famílias chefiadas por mulheres”

Desde o início da pandemia de Covid-19, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade de Altamira, com apoio da Fundação Viver Produzir e Preservar, pautou ações para contribuir com as mulheres em situação de vulnerabilidade social.

A princípio, no mês de abril de 2020, junto com outras organizações, participamos de uma vakinha virtual, em que foram arrecadados R$60 mil. Como resultado, os movimentos compraram alimentos saudáveis produzidos pelas comunidades das três unidades de conservação da Terra do Meio e da Agricultura Familiar. Desse recurso, compramos 250 mega cestas e distribuímos às famílias. 

Além disso, o Movimento de Mulheres organizou outra campanha virtual para atender 50 famílias chefiadas por mulheres. A partir dessa campanha, arrecadamos R$30 mil para contribuir com as mulheres durante três meses. Da mesma campanha, já fizemos duas entregas, faltando uma, que será no começo de novembro.

Foto do Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira acompanha relato que aborda as distribuições de cestas básicas e ações políticas realizadas na pandemia.

Por fim, a gente conseguiu se articular com a Rede de Cantinas da Terra do Meio, a Associação dos Pequenos Produtores e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), através do Projeto Somos Todos Amazônia, e conseguimos muitos produtos da agricultura familiar para doar às famílias. Além das cestas básicas, levamos também material de limpeza e material com informações de prevenção.

Mulheres periféricas são mais afetadas pela desigualdade

Percebemos, nesse tempo, a dura realidade da desigualdade que se abate sobre as famílias. Sobretudo, às mulheres da periferia.

O fato apenas confirma o que falamos a vida toda: os grandes projetos da Amazônia não produzem riquezas nem renda para seus habitantes.

Recurso de multa vira cesta básica

Além disso, participamos de outras campanhas que foram coordenadas pela Promotora Juliana. Nessa campanha a promotora recebeu 150 mil de uma multa. O Ministério do Trabalho tinha multado a Norte Energia, e todo o recurso foi revertido em cestas básicas. O Movimento de Mulheres, a Fundação Viver, Produzir e Preservar, entre outros, receberam as cestas e fizeram a entrega. Isso foi muito importante. Nessa mesma articulação da Promotora, a Empresa Equatorial de Energia doou 400 cestas e a promotora repassou para os movimentos fazerem as entregas.

Ação política

Além dessas ações de cidadania, nós participamos em ações políticas: enviamos documentos de reivindicações para o enfrentamento à Covid-19; apoiamos ações de comunidades ribeirinhas e indígenas e iniciativas de médicos e médicas de Altamira e região no combate à Covid-19; fizemos muitas intervenções na busca de leitos para as pessoas.

Diante de todo esse processo, enfrentamos a fúria dos negacionistas bolsonaristas.

Perdemos pessoas valiosas. Lutamos muito para a implantação do Hospital de Campanha, que chegou tarde e fechou cedo.

Mesmo com a diminuição dos casos, ainda estamos muito apreensivos. Considerando a abertura total do comércio, temos medo de uma segunda onda forte. Por fim, a única atividade que ainda não voltou presencial foram as escolas de ensino médio e fundamental.

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40 a 59 anos Homem Cis Parda Pós-Graduação Completa Rio de Janeiro

“Como professor de uma escola pública, pude perceber como as aulas remotas serviram para aumentar ainda mais as distâncias sociais”

Inicialmente, a instauração da pandemia trouxe algumas mudanças em meu estado emocional. Fez também com que eu tivesse que me adaptar à nova ordem mundial, instituída pela Organização Mundial de Saúde

Além de lidar com as mudanças que surgiram e com as emoções provenientes desse momento, percebi alterações comportamentais em meus filhos, que perderam o convívio com colegas de escola e aspectos da rotina, como saídas de casa para passeios e viagens. 

Somado à perda de contato com as pessoas, as crianças tiveram que lidar com as aulas remotas. Isso foi complexo para mim também, devido à falta de interação nas salas de aula e outros ambientes.  Apesar das dificuldades, as crianças se adaptaram bem durante esse processo.

Como professor de uma escola pública, pude perceber como as aulas remotas serviram para aumentar ainda mais as distâncias sociais. Devido ao fato de não possuírem acesso à internet, ou até mesmo computador em casa, muitos alunos não conseguiam acessar a plataforma.

Insegurança financeira

Perdi muitas possibilidades de realizar trabalhos devido ao fechamento provisório e, mesmo, permanente de espaços culturais durante o a pandemia. Mas ser funcionário público me permitiu trabalhar em casa e manter o meu salário. Assim, me sinto privilegiado, especialmente diante de tantos profissionais autônomos que perderam completamente os seus ganhos.

Foto montagem com três pessoas olhando através de visores de máquinas fotográficas acompanha relato do professor Alexandre Freitas para a Memória Popular da Pandemia. Relato aborda as dificuldades enfrentadas por ele, seus filhos e estudantes com o fim das aulas presenciais.

Porém, a insegurança financeira permanecia, já que apenas o salário do estado não seria suficiente para manter o orçamento familiar equilibrado. De certo modo, esse cenário profissional instável foi compensado pela necessidade das empresas em se adaptar aos novos desafios impostos, que fez com que passassem a inserir projetos de produção de vídeoaulas e vídeos institucionais de veiculação remota. Isso permitiu que eu pudesse realizar alguns trabalhos extras nessa área.

Retomada das aulas presenciais

Agora é esperar para ver o que nos reserva o próximo ano. Me preocupo bastante com o que ocorrerá com as escolas, no sentido da possibilidade de retomada das aulas presenciais. Pois, apesar das dificuldades referentes a esse processo de adaptação, me sinto inseguro com a ideia de meus filhos voltarem a frequentar uma sala de aula.

Como professor, falo também por mim: sinto muita falta da aula presencial. No entanto, compreendo a necessidade de ainda nos mantermos distanciados, em quarentena, nos preservando o máximo possível. Especialmente, quando há milhões de pessoas em todo o mundo perdendo suas vidas por causa desse vírus. Entre elas, o diretor da escola onde leciono.

Sou solteiro, tenho 46 anos, sou carioca e pai de Artur (de 12 anos) e Olívia (de 6 anos), filhos provenientes de 2 casamentos. Sou professor de Arte da rede estadual do Rio de Janeiro e ministro cursos e palestras sobre cinema e fotografia em diversos espaços culturais, além de realizar trabalhos de fotografia e vídeos institucionais. Anteriormente à pandemia, minha rotina consistia em sair para lecionar na escola e nos espaços culturais e, eventualmente, realizar trabalhos como fotógrafo e videomaker.  Como nos últimos anos os serviços nas áreas de foto e vídeo estavam mais escassos, priorizei o meu ofício como professor, dividindo-me entre os trabalhos e os cuidados de meus filhos, já que possuo uma guarda compartilhada com as suas mães.