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60 anos ou mais Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Estamos sobrevivendo de doações das caixinhas da escola do meu filho”

Sou antifascista e atualmente estou sobrevivendo à crise do isolamento social ao lado de meu filho de 6 anos. Faço parte da Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar), da Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo e Nacional.

A situação está muito difícil.

Estamos sobrevivendo de ajudas das caixinhas que colocamos nas escolas, entre elas a do meu filho. Além disso, para conseguir sobreviver, ofereço oficina cultural como freelancer, da Frente, da Amparar e de um podscat que falo sobre minha vida desde a infância. 

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Não podemos perder mais pessoas por causa de fome e frio”

Não quero aceitar que vamos perder mais pessoas por causa de fome e frio. Em pleno dia da semana, a imagem mais dolorosa que vi em 2020: Tudo fechado e ruas lotadas, às 7 horas da manhã, na esquina da igreja Santana. Muitas pessoas, uma atrás da outra, em uma fila que não tinha fim, cruzava a esquina e descia a Cruzeiro do Sul. A maioria, composta por homens negros, aguardava por um pão e um copo de café.

Eu já tinha passado ali muitas vezes. Trabalho com a população de rua há 10 anos pelo SUS e quando saio do plantão faço sempre esse caminho. No meio da multidão muitos rostos conhecidos e de muita gente que nunca vi. 

Estava tão frio, acredito que era o dia mais frio do ano. Senti vergonha, abaixei a cabeça e passei por eles, com a sensação de impotência. Passando perto de quem estava descalço naquele frio horroroso, senti vergonha de estar calçada.

Eu sempre me revolto com o mundo, e quanto mais estudo mais a ignorância deixa de me proteger. Não aguento sentir a desigualdade social aumentar.

Solidariedade

Vejo a vulnerabilidade social como um problema de todos. Por isso, acionei alguns amigos e lá fomos nós para as ruas alguns dias depois. Daquela realidade que me assombrou, a união levou comida, roupas, cobertores, máscaras, descartáveis água, lanches e doces em uma comitiva de 5 carros Muita gente envolvida! E foi assim que conheci mais pessoas que também realizam esse trabalho, e de forma organizada. Fui até inserida em um grupo de WhatsApp, em que os coletivos e religiosos se organizam. Através de uma planilha, cada um vai anotando aonde e que horas vai fazer a ação.

Povo do axé com o povo do amém, em um único lugar, todos pelo mesmo objetivo, e no maior respeito. Essa galera não deixa na mão. Já fui buscar doação em todos os tipos de residência, mó galera diversificada, esforçada e importante. Tenho certeza que, por eles, ninguém passaria fome e frio. A galera sem teto os chamam de boca de rango, sempre envolvidos com falas de carinho e um momento de escuta prazerosa… essa galera é sem palavras, sempre correria!

Sou redutora de danos, a fome é um dano que dói, que desorienta, que desorganiza a pessoa, sei bem como é a dor da fome e por isso não consigo passar sem ver. Muitos falam que é uma fraqueza minha, “ser muito boazinha”, mas nessa pandemia utilizei todas as minhas forças. Não consegui parar nem por um dia. O cansaço bateu por diversas vezes, mas a cada dia agradeço a Xangô, que me guia, e sinto esse Axé em mim.

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25 a 39 anos Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Prta Raça/Cor Rio de Janeiro

“A gente foi se adaptando a novos hábitos durante a pandemia”

Foi muito difícil me armar nessa pandemia aí em que vivemos. Pensei tanta coisa, inclusive que a qualquer momento ficaria doente. Pensei em meus filhos aqui em casa. Pelo menos deu para trabalhar, caí para dentro das entregas, e trampei de entregador em uma pizzaria.

O que vinha para entrega, tava agarrando. Fiquei desesperado, tenho três filhos em casa. Não sabe se vai ter trabalho, tava tudo fechado, no começo ficou com pique de que ia fechar, não ia ter nada…

Enfim, foi aquilo, fui me adaptando, me preveni, passo bastante álcool em gel na mão, lavo bem as mãos, deixo sempre o sapato fora de casa. Fazendo coisas assim que a gente não fazia todos os dias, agora tem que se adaptar a esses hábitos, pois tenho três filhos em casa. São dias difíceis e não desejo isso para ninguém. 

Muita gente morreu. Alguns familiares, alguns amigos, pegaram essa parada aí. Momentos assim são assustadores mesmo. Mas agora está dando para controlar, tem trabalho ainda, né? Tomara que agora não feche tudo de novo. Tomara que não venha o pior, que até então tá dando para levar.

Mas tem muita gente morrendo ainda. Tem que se prevenir nessa pandemia, tem que se cuidar, lavar bem as mãos. Toda hora. Tem que ser chato mesmo, toda hora tem que estar vendo as crianças, limpando eles, limpando as coisas com álcool, lavando bem o chão, nunca entrar em casa direto da rua com os sapatos. É assim, novos hábitos de viver. Novas coisas.

A gente foi se adaptando aí.

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40 a 59 anos Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Minas Gerais Pós-Graduação Completa Prta Raça/Cor

“Minha casa e meu espaço de trabalho se fundiram em um mesmo lugar”

Por ser professor do ensino superior, estou, neste momento, trabalhando em home office. Por isso, minha casa e meu espaço de trabalho se fundiram em um mesmo lugar. Tenho tido oportunidade de me dirigir aos meus alunos da minha casa. Sinto que é um privilégio, porque nem todas as pessoas têm condições de poder trabalhar da forma mais segura, sem correr o risco de contato social.

Com isso, percebo um pouco das desigualdades que a gente tem vivido em nosso país. Fatos que a gente registra, sobretudo, no campo das relações raciais. Por exemplo, como negro profissional que está tendo oportunidade de trabalhar em casa, eu me sinto um pouco privilegiado. Porque não são todas as pessoas negras que podem desfrutar dessas condições, mesmo que essas condições signifiquem um trabalho dimensionado de uma maneira muito diferente. 

Hoje o meu tempo de trabalho é absurdamente grande, desde quando eu levanto até a hora em que vou me deitar.

Todo o meu dia está envolvido com questões de trabalho, e é um pouco mais tenso, porque vivo no mesmo espaço. Por isso, a gente tem que criar estratégias para fazer com que este trabalho não signifique uma sobrecarga psicológica.

Contratempos durante aulas remotas

Neste momento, eu tenho uma preocupação muito grande com os meus alunos. Sobretudo com minhas alunas.

Leciono em um curso de pedagogia, e tenho percebido que elas têm enfrentado situações muito difíceis, a começar com as questões de acesso às redes para poder acompanhas as aulas.

Além disso, não são poucas as vezes em que, num momento da aula, algumas das alunas se encontram em trânsito, dentro de um ônibus ou na rua. Aí precisam ligar o celular para poder acompanhar um pouco das aulas. Isso me preocupa, porque sei que o processo de ensino e de aprendizagem precisa de uma mediação maior, em que a gente possa estar mais atento em relação ao desempenho de cada um dos alunos.

O que tenho feito é gravar minhas aulas para que todo mundo possa recuperar depois uma gravação. Assim, todos ficam atualizados em relação aos conteúdos.

Juventude em situação de vulnerabilidade

Além dessa atividade como professor, eu também desempenho a atividade de vice presidente de uma entidade. O trabalho voluntário acontece em uma entidade chamada Associação Profissionalizante do Menor (ASSPROM), que faz uma intermediação entre jovens entre 16 até 25 anos. Essa intermediação é feita ao mercado de trabalho com grandes empresas e nas três esferas do governo.

No entanto, criar oportunidade de vínculo de primeiro emprego para a juventude tem sido muito afetada durante a pandemia.

E essa associação atende exatamente as pessoas que mais precisam ter um acesso ao mercado de trabalho. Houve redução de postos de trabalho, e muitas famílias ficaram em situação de vulnerabilidade ainda maior. Além disso, muitos destes jovens que estão, hoje, sendo vinculados na própria associação, também são, em parte, arrimo de família.

Juventude negra é a mais afetada

Aqui em Belo Horizonte, essa juventude – sobretudo a juventude periférica e negra, homens e mulheres – tem sofrido um impacto muito grande dessa pandemia. Enquanto alguém que está à frente de um projeto social que cria condições que estes jovens tenham uma possibilidade maior ao mundo do trabalho, isso me preocupa.

Porque muitos desses jovens se encontram em estudo remoto, e nem sempre as condições que eles têm de acesso são as melhores. Isso pode significar, daqui para frente, um problema maior no que diz respeito à evasão escolar e à interrupção de projetos de vida.

Sou José Eustáquio de Brito, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais, onde leciono na Faculdade de Educação e também na Faculdade de Políticas Públicas.

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40 a 59 anos Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Minas Gerais Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Projetos foram engavetados por causa da pandemia”

A gente precisa se adequar até quando as medidas sanitárias forem necessárias, tomando as devidas precauções mesmo com relação aquelas pessoas com as quais convivemos.

No meu caso, convivo com minha mãe e com meu irmão que são cardiopatas e hipertensos e também trabalho na área da saúde. É um momento que precisamos ter muita perícia, temos que ter muita cautela para lidar com a situação. É preciso saber direito o que pode e o que não pode.

Evitem sair, saiam apenas nas extremas necessidades. É um momento é realmente muito difícil, porque rouba da gente aquele hiperativismo que a gente tem em relação à nossa vida particular, pessoal, trabalhos em comunidade…

Enfim, são tantos projetos que ficaram, de certa forma, engavetados devido à chegada da pandemia. Mas a gente vai fazendo o que precisa ser feito para que a gente possa vencer essas dificuldade, porque em nome do senhor Jesus Cristo isso vai chegar ao fim. 

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor São Paulo

“Perdi quatro pessoas para a Covid-19 e o racismo”

Durante o período de pandemia, senti um incomodo por viver o privilégio de poder ficar em casa, pensando nos tantos que não puderam se isolar. Minha renda é formada com o que somo de alguns trabalhos. No entanto, minha única fonte fixa é uma bolsa/ajuda de custo de 500,00 para um trabalho voluntário prestado à Secretaria Municipal de Saúde como Agente de Prevenção DST/AIDS, voltado para garotas de programa. 

Tudo se somava com o que ganhava fazendo freelance em pesquisa de opinião pública e os cachês de shows com o Ilú Obá De Min, grupo que faço parte há 10 anos.

No dia da primeira morte no Brasil fui trabalhar, e voltei bem assustada com a aglomeração em uma das casas de prostituição em que faço prevenção. Dias depois o trabalho foi suspenso, e daí começou a preocupação de como iria me sustentar pelo próximo período (sem saber que seria um tempo indeterminado). Felizmente, logo veio o alívio de saber que não suspenderiam os pagamentos.

Moro na Ocupação nove de julho onde pago um valor de contribuição simbólico. Não passei necessidades porque tive apoio da ocupação, Ilú Obá De Min e Marcha das Mulheres Negras, coletivos dos quais tive muito suporte, muitas doações de cestas básicas e hortifruti.

Em abril, nasceu o filho do meu afilhado, pai com 22 anos e a mãe com 18. Desempregados. A criança veio ao mundo sem o enxoval e em meio aos casos crescentes de Covid-19. A avó da bebê é o arrimo da família, contudo, o pouco dinheiro não compraria nada. Aquele foi o período em que tudo estava fechado. Então tive a ideia de contactar as conhecidas que tiveram bebês em fevereiro/março. A ajuda veio breve e abundante, conseguimos o enxoval completo, enfim.

Partilhar em meio às dificuldades

Moro apenas com minha companheira e as doações que recebíamos eram bastante para nós, por isso passamos a doar antes mesmo de chegar em casa. Moramos no nono andar e o prédio não tem elevadores. Então, para não ficarmos carregando peso, levamos muitas cestas direto para a casa das pessoas que nos solicitavam. A vizinha que mora sozinha começou a dar o que não consumia e, assim, foi possível ajudar ainda mais famílias. A começar pela nova família do meu afilhado que acabara de se formar. Levamos cesta básica e muitos legumes. 

Outra prima que é empregada doméstica, tem filhos, paga aluguel, ficou doente e não tinha dinheiro para pagar a condução e buscar os alimentos. Mas a minha companheira tem moto e então fomos até Osasco levar. Com a vizinha da minha mãe, costureira, se passava o mesmo. Neste caso, havíamos levado tantos mantimentos que foi possível dividir. 

Da ocupação recebíamos cestas de 15 em 15 dias. As garotas de programa também viveram imensas dificuldades, porque as casas de prostituição também estavam fechadas. Fiz uma força tarefa junto com uma colega de trabalho e pude contribuir bastante com o que tinha em casa. Esses foram alguns exemplos da partilha.

Meu auxílio emergencial foi aprovado e somei com valores que recebi do Projeto Baobá através da Marcha das Mulheres Negras, onde também ajudo a construir. Isso me possibilitou contribuir com muitos pedidos de ajuda, de mulheres que não têm acesso a informações, mesmo com bastante ajuda de diversos setores, muita gente não soube acessar os trâmites burocráticos e tecnológicos das “boas ações”, eu fui ponte.

Luto

Minha mãe teve Covid-19 e, felizmente, depois de muita preocupação, passou ilesa pela doença. No entanto, perdi dois conhecidos de infância, o pai da minha amiga a mais de 30 anos em minha vida e uma prima. Tudo isso adicionado a tanto descaso público e ao câncer chamado racismo que gritou neste período.

Por fim, me senti por diversas vezes muito deprimida, paranoica, chorosa e com certeza os coletivos de mulheres dos quais faço parte me ajudou muito neste processo de não adoecer psicologicamente.

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Maranhão Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Para mim o mais difícil é ficar longe de quem a gente ama”

Nesse sistema de saúde precarizado, eu como profissional de saúde tenho que dar o meu melhor, mas como mãe também quero estar com minhas filhas, tentar protegê-las. No entanto, o meu trabalho é extremamente necessário no momento. 

Sinto medo, mas preciso estar preparada o suficiente para cuidar das pessoas. É uma insegurança muito grande de chegar um paciente e eu não conseguir fazer nada. Porque com a Covid-19 todo dia é um aprendizado novo, e nenhuma certeza do resultado do que está sendo feito, o que estamos ofertando é pouco diante do gigante que só cresce.

A saída de casa é sempre uma triste despedida. Eu saio de casa na segunda-feira, às 5 horas da manhã. Então, no domingo à noite já chamava minha filhas para conversar, por que era muita insegurança, incerteza. Só de falar já da um nó na garganta, passa um filme na cabeça.

Eu ouvia as pessoas falarem “Helida, vem para casa. Você tem a Thaisa que tem só 2 anos e 10 meses. Tua filha é pequena!”. Sempre há aquela preocupação de se contaminar no trabalho, mesmo sem apresentar sintomas, porque existem os assintomáticos. Mas o trabalho não pode parar.

Amor e cuidado

Então eu sempre segui todos os protocolos de segurança, usei muitas mascaras durante o dia, acho que fui umas das profissionais que dei um grande gasto de materias para o município. Volto para casa no fim de semana seguindo um ritual de: ao chegar em casa, ir direto pra lavanderia, deixar toda a roupa de molho, tomar banho e só depois encontrar minhas filhas.

Nesse momento é uma felicidade, estar viva e estar voltando para casa, olhando as pessoas que mais amo bem. Enfim, com aquela sensação de dever cumprido.

Momentos mais difíceis foram os que fiquei longe das pessoas que amo: mãe, irmãos, minha avó que tem 87 anos. Minha mãe só pude ver depois de 90 dias, era uma saudade gigante, mesmo com as diferenças o medo de perder essas pessoas fez repensar muita coisa, creio que não só a mim, mais acho que é o pensamento da humanidade hoje, a gente passa a valorizar o que antes era irrelevante, como um simples telefonema, uma conversa. Isso ajudou muito a diminuir a saudade mais não era o suficiente.

Tivemos uma diminuição dos casos e o afrouxamento das regras e cuidados, e novamente os noticiários já falam em aumento de casos, e nós continuamos despreparados, já vimos uma doença parar o mundo e não sabemos o que nos espera no futuro, a única esperança é uma vacina que possa nos proteger. Foram muitas vidas perdidas, famílias que praticamente acabaram e até o momento nenhuma certeza de nada. O medo retorna mais uma vez.

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40 a 59 anos Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Há perseguição em ambiente de trabalho durante a pandemia”

Não sei como falar sobre algo tão delicado. Trabalho na saúde mental há 10 anos. Durante a pandemia, não deixei de trabalhar, mas esse momento foi de reviravoltas, não sei se devido ao desgaste, tensão ou até medo da contaminação. Se está difícil trabalhar, imagina falar sobre os episódios de perseguição que acontecem no ambiente de trabalho durante este momento delicado. E correr o risco de ser demitida, com o pacote de arroz no preço que está, é uma violência.

Vi em plena pandemia que o local de poder ainda alimenta o ego de muitas pessoas. E, em nome de um código de ética, que nunca li, a demonstração de poder, fere e leva ao silenciamento do trabalhador.

A perseguição existe, mas no ativismo com mulheres negras aprendi que falar é preciso.

No início da pandemia, foi difícil para todos os profissionais no mundo todo, especialmente para os da saúde. Trabalho em uma Unidade de Acolhimento e nesse período sentimos os acolhidos mais agitados, devido à fissura e à restrição de saídas. E, foi assim que me descobri oficineira. Fizemos muitas artes juntos, confeccionamos máscaras, bonecas Abayomi, tapetes de retalhos.

Porém, tudo parou quando contrai a Covid-19. Precisei ficar isolada e afastada e, nesse período, a gestão recebeu uma grande doação de materiais de oficina. A pessoa que doou me comunicou e disse que teria material à minha espera e desejou a minha melhora. Entretanto, quando retornei, a gestão havia doado todo material para outros serviços da região. Fiquei muito triste! É foda quando o seu trampo não é reconhecido. Eu reclamei, ainda exemplifiquei, pois, o que aconteceu é a mesma coisa que tirar a lâmpada de sua própria casa para iluminar a casa do vizinho e ficar no escuro.

Quando a perseguição culmina em demissão

Antes do plantão, eu e minha colega conversámos sobre o que realizar no plantão. Era um mix do nosso saber sempre misturado ao deles. Aliás, aprendi muito nesses anos dedicados à Redução de Danos. Sinto-me sempre reafirmando o compromisso na luta antimanicomial. Minha amiga, por exemplo, tem seus dons culinários e arrastava todos para a cozinha. Era lindo de ver a galera num aprendizado mútuo. A cozinha da Unidade de Acolhimento foi o local mais terapêutico durante a pandemia.

Imagem mostra seis bonecos de azul e acima de cana um contém um balão contendo sinal de exclamação. Todos estão virados para um boneco vermelho, acima deste está um balão com o sinal de interrogação. Imagem acompanha relato sobre perseguição no ambiente de trabalho durante a pandemia. O texto foi enviado por Maria Izabel Fernandes à Memória Popular da Pandemia. Imagem licenciável.

Em um término de plantão, pela manhã, perguntei para uma colega Técnica se ela tinha notado o pé do acolhido, inchado demais. A resposta foi que ela não tinha o que fazer e que “estava inchado porque ele bebe demais”. Senti o desprezo de uma pessoa racista. Foi visível que aquela senhora tinha dificuldade em cuidar de um homem negro retinto.

Pedimos uma reunião com a gestora, que nos explicou o que faz cada papel, e que esse não era o papel do redutor de danos. Duas semanas antes das minhas férias, todos comparecemos em uma reunião online, quando soubemos da informação do desligamento de uma colega afastada. Todos ficamos abalados, pois, a profissional trabalhava conosco há 5 anos e se afastou para ter um bebê. Como assim, demitida após a licença maternidade?

Reflexo da escravidão moderna

A Gestora Suprema, representante da empresa, pediu para que as pessoas se pronunciassem sobre e disse que não íamos sofrer nenhuma consequência. Foi quando falei, olhando para duas mulheres que se dizem feministas: “qualquer mulher que entende o mínimo sobre feminismo conseguiria compreender que a demissão da colega trata-se de um retrocesso. As mulheres deveriam estar de luto, pois ser mãe é um direito, que deveria ser respeitado. A colega demitida não teve a oportunidade de exercer nem um dia de profissional e mãe.”

Foi aí que começou a caça às bruxas. No meio dessa perseguição demitiram minha amiga, que trabalhou 5 anos comigo. Sofri horrores, pois me senti culpada por sua demissão. Houve outras reuniões horrorosas, só desgaste, mas eu fui transferida para outra unidade. Sinto que as pessoas que têm esse poder não se importam com o desgaste do profissional de saúde, em especial o da saúde mental. O vínculo com os usuários é desconsiderado, dando espaço à construção de horripilantes figuras de poder.

Quando anunciaram que nos separariam, segurei firme na mão dela e começamos chorar. A justificativa foi de que a nova supervisora precisava montar sua equipe, para trabalhar do jeito dela. Tínhamos um vínculo muito forte, o que parecia ruim para a empresa. Isso só pode ser reflexo da necropolítica, ou da escravidão moderna: trabalhar 12 horas com uma pessoa e não poder demonstrar afeto por ela. Na escravidão separavam famílias assim. Senti-me como uma peça em um jogo de xadrez, pois é sem sentido, principalmente partindo de profissionais que trabalham com o vínculo. Naquela noite, estávamos de plantão e a tristeza contaminou o local.

Leia também: “Quem sobrou teve que aprender a dar aula à distância”

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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Maranhão Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Para conseguir passar por essa situação busquei ajuda na minha fé”

A princípio eu achei que não chegaria aqui. No entanto, esse meu pensamento passou rápido. Mas logo me lembrei que a Covid-19 se alastrou depressa na China e no mundo. Então, pensei: logo isso aqui tudo estará contaminado! Eu sabia que ela ia chegar e ia causar uma destruição, porque não temos estrutura de saúde preparada para algo desse tamanho e com esse nível de letalidade.

As notícias do coronavírus me trouxeram o medo, uma angústia, quase um desespero. Com o passar do tempo começou a aflição de ver tantas pessoas morrendo e isso acaba refletindo na vida da gente, por mais que esteja distante.

O que me ajudou a passar por isso foi viver melhor com a minha família, por incrível que pareça. Momentos que tivemos que conviver só com a gente e descobrir coisas que talvez nem sabia.

Impactos na vida profissional

Logo em seguida vem a questão profissional. Deixar de trabalhar foi uma coisa muito difícil para mim, o trabalho sempre me ajudou muito por conta dos meus problemas emocionais e tudo o mais. Com esse rompimento, me abati muito, fiquei triste, por vezes cheguei a chorar quando todos iam dormir. Passei por momentos de muita angústia e desespero.

Mas fui buscando ajuda na minha fé, que veio me dando paz espiritual, e força para superar isso tudo. O medo, angústia, dor, esse rompimento com o trabalho e o fato de não poder estar com os amigos… estou passando por isso tudo graças à minha família e à minha fé em Deus.

Hoje eu olho pra trás e vejo tudo isso. Ao mesmo tempo, tenho medo quando vejo o afrouxamento das regras de isolamento. Ver as pessoas levando vidas normais como se a pandemia já estivesse acabado, me faz ter medo de novo que tudo piore.

Novamente me vem a questão do meu trabalho, me bate uma tristeza, porque este ano foi um ano de muito prejuízo para a educação. Eu não considero que funcione essas aulas remotas porque para nossa realidade onde muitos pais têm grande dificuldade de leitura como podem ajudar os filhos?

Eu acredito que vamos ter que conviver com essa doença pra sempre e a única saída vejo é através da vacina, por isso torço e peço a Deus que descubram logo a vacina que nos permita de verdade uma proteção para que as nossas vidas possam de fato voltar à normalidade.

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25 a 39 anos Estado Pará Prefiro não informar Prta

“Organizamos uma campanha virtual para atender famílias chefiadas por mulheres”

Desde o início da pandemia de Covid-19, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade de Altamira, com apoio da Fundação Viver Produzir e Preservar, pautou ações para contribuir com as mulheres em situação de vulnerabilidade social.

A princípio, no mês de abril de 2020, junto com outras organizações, participamos de uma vakinha virtual, em que foram arrecadados R$60 mil. Como resultado, os movimentos compraram alimentos saudáveis produzidos pelas comunidades das três unidades de conservação da Terra do Meio e da Agricultura Familiar. Desse recurso, compramos 250 mega cestas e distribuímos às famílias. 

Além disso, o Movimento de Mulheres organizou outra campanha virtual para atender 50 famílias chefiadas por mulheres. A partir dessa campanha, arrecadamos R$30 mil para contribuir com as mulheres durante três meses. Da mesma campanha, já fizemos duas entregas, faltando uma, que será no começo de novembro.

Foto do Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira acompanha relato que aborda as distribuições de cestas básicas e ações políticas realizadas na pandemia.

Por fim, a gente conseguiu se articular com a Rede de Cantinas da Terra do Meio, a Associação dos Pequenos Produtores e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), através do Projeto Somos Todos Amazônia, e conseguimos muitos produtos da agricultura familiar para doar às famílias. Além das cestas básicas, levamos também material de limpeza e material com informações de prevenção.

Mulheres periféricas são mais afetadas pela desigualdade

Percebemos, nesse tempo, a dura realidade da desigualdade que se abate sobre as famílias. Sobretudo, às mulheres da periferia.

O fato apenas confirma o que falamos a vida toda: os grandes projetos da Amazônia não produzem riquezas nem renda para seus habitantes.

Recurso de multa vira cesta básica

Além disso, participamos de outras campanhas que foram coordenadas pela Promotora Juliana. Nessa campanha a promotora recebeu 150 mil de uma multa. O Ministério do Trabalho tinha multado a Norte Energia, e todo o recurso foi revertido em cestas básicas. O Movimento de Mulheres, a Fundação Viver, Produzir e Preservar, entre outros, receberam as cestas e fizeram a entrega. Isso foi muito importante. Nessa mesma articulação da Promotora, a Empresa Equatorial de Energia doou 400 cestas e a promotora repassou para os movimentos fazerem as entregas.

Ação política

Além dessas ações de cidadania, nós participamos em ações políticas: enviamos documentos de reivindicações para o enfrentamento à Covid-19; apoiamos ações de comunidades ribeirinhas e indígenas e iniciativas de médicos e médicas de Altamira e região no combate à Covid-19; fizemos muitas intervenções na busca de leitos para as pessoas.

Diante de todo esse processo, enfrentamos a fúria dos negacionistas bolsonaristas.

Perdemos pessoas valiosas. Lutamos muito para a implantação do Hospital de Campanha, que chegou tarde e fechou cedo.

Mesmo com a diminuição dos casos, ainda estamos muito apreensivos. Considerando a abertura total do comércio, temos medo de uma segunda onda forte. Por fim, a única atividade que ainda não voltou presencial foram as escolas de ensino médio e fundamental.