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18 a 24 anos Branca Ensino Médio Incompleto Escolaridade Estado Gênero Idade Mato Grosso Mulher Cis Raça/Cor

“Perdi meu emprego e entrei numa fase muito difícil”

Oi, meu nome é Maria, eu sou esposa do Reeducando se encontra no CRC de Cuiabá e eu vim falar sobre a pandemia né? Que a gente teve muita dificuldade sobre questão de remédios, muitas pessoas morrendo, vacina a gente não sabia se eles estavam tomando ou não, porque não estava tendo visita íntima e as vídeo chamadas também não estavam tendo, estava sendo muito difícil pra gente e muitas pessoas perderam familiares.

E isso afetou muito a gente, gente, com ansiedade, preocupada, não sabia o que tava acontecendo, não tava entrando as coisas sem visitas, sem, nada não estava entrando remédio tudo parado e a dificuldade bateu na porta de todo mundo, muitas pessoas perderam seus  serviço eu inclusive né? Perdi meu emprego, fiquei numa fase difícil, não tava entrando remédio e não tinha videochamada, tava muito complicado mesmo.

Relato de Maria Souza, produzido pela Associação Mais Liberdade para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Ensino Médio Completo Homem Cis Prta Roraima

“O pior momento da pandemia foi estar desempregado e ver as contas chegarem”

Meu nome é Pierre Laurore, eu tenho 37 anos e sou hatiano. Eu sou estudante de Administração, em Ciências Administrativas na Facukdade Estácio de Sá. 

A primeira coisa que a pandemia mudou em minha vida foi em relação ao meu trabalho. Quando eu cheguei aqui no Brasil, em 2018, regularizei meus documentos e consegui um emprego no hotel Ibis. Com a chegada da pandemia, depois de um ano e seis meses de trabalho, fui demitido. 

Quando eu trabalhava no Ibis, eu conseguia mandar dinheiro para a minha família que ficou no Haiti e quando fiquei desempregado, isso me preocupou bastante. 

O pior momento da pandemia foi estar desempregado, não ter renda e ver as contas chegarem, ver que tenho uma família para sustentar. Isso foi antes da chegada do auxílio emergencial. Minha esposa conseguiu ter o benefício e com os bicos que eu fazia conseguimos ter um alívio em nossas contas.

Hoje estou trabalhando novamente, na recepção do Eco Hotel. Mas demorei um pouco para encontrar trabalho. Fiz trabalhos curtos com vendas, para ter alguma renda. Era um trabalho bastante informal, o que se chama de “bico”. 

Superação da pandemia

Da minha família, apenas eu e minha mãe fomos infectados pelo vírus Covid-19. Tive sintomas leves porque havia tomado a primeira dose da vacina. Ainda preciso tomar a segunda. 

Eu acredito que o mundo vai superar essa pandemia. O Brasil vai superar a pandemia. A mensagem que eu gostaria de deixar é: não deixar de se vacinar porque a vacina ajuda bastante. 

Relato de Pierre Laurore, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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25 a 39 anos Indígena Mulher Cis Prefiro não informar Roraima

“Minha sogra sempre me apoiava e morreu no mesmo dia em que eu consegui um emprego”

Eu sou a Ana Pereira e tenho 26 anos. Eu sou da etnia Wapichana e nasci na Guiana Inglesa. Vim ao Brasil quando tinha cinco anos com minha mãe, depois que meu pai morreu, em busca de uma vida melhor. 

Eu estudei na Tabalascada, onde aprendi a falar português, já que eu falava inglês. Hoje em dia eu falo português, mas esqueci o ingles, é engraçado. 

Quando a pandemia chegou, eu já estava desempregada há três ano e ficou muito mais difícil encontrar trabalho. Com a pandemia, eu não conseguia arranjar emprego por não poder sair. Isso prejudicou a minha vida e a dos meus filhos.Tudo parou: trabalho, estudos.

Fiz faxina, fiz outros trabalhos pontuais para sobreviver. Meu marido pegou Covid e ficou desempregado. Ninguém queria contratá-lo por medo de se contagiar e então a situação ficou ainda mais difícil. 

O que nos ajudou foi a alimentação que a Escola distribuiu. Não tinha tudo o que queríamos, mas não faltou o pão de cada dia na mesa. 

Momento crítico

O pior dia da pandemia foi quando minha sogra morreu. Ela era uma segunda mãe para mim. Era ela que me ajudava com tudo. Ela ajudava todas as pessoas que chegavam pedindo ajuda em sua casa. Ela era muito guerreira. 

Nunca pensei que um dia pudesse passar por isso. Minha sogra era uma ótima pessoa. Ela sempre falava para eu não desistir de procurar emprego e morreu no mesmo dia em que eu consegui um trabalho. Foi muito difícil. Ela não estava com a gente para comemorar. 

Eu e o meu marido estamos tentando levar a vida, já que minha sogra sempre dizia que a vida continua, que não podemos parar. E é por isso que eu vou tomar a segunda dose da vacina e falo para todo mundo se vacinar. Afinal, temos que nos prevenir!

Relato de Ana Pereira, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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18 a 24 anos Distrito Federal Ensino Médio Completo Mulher Cis Prta

“A pandemia me trouxe muito medo, mas me trouxe a esperança”

Meu nome é Sendy. Tenho 22 anos, sou goiana, mulher preta e lésbica. Sou usuária de drogas, filha de moradores de rua, moro em casa alugada na Ceilândia, periferia do Distrito Federal.

Alguns meses antes de começar a pandemia, minha vida estava começando a se alinhar financeiramente, mas, com a chegada do vírus e o distanciamento social, eu acabei sendo dispensada do trabalho. 

Perdi minha mãe muito nova, infelizmente e, com isso, tive muitas responsabilidades desde cedo. Eu e meus irmãos ajudávamos minha avó nos serviços e responsabilidades em casa. Uma das nossas principais responsabilidades era cuidá-la. Minha avó tinha depressão devido ao imenso sofrimento que teve diante das tentativas de tirar minha mãe das drogas e da rua. Infelizmente, essa história acabou em desastre: minha mãe foi assassinada em 2014. 

Na época, eu não conhecia meu pai e com a morte da minha mãe, passei a ter medo de não poder conhecê-lo e esse medo só aumentava com o passar dos anos. Em 2016, minha madrasta encontrou minha irmã e eu pelas redes socias. Ela falou sobre a realidade em que vivia e que meu pai estava privado de liberdade. 

Em 2017, minha avó faleceu. Com isso, eu e minha irmã tivemos que morar com minha madrasta. Moramos juntas de 2017 a 2019, ano em que tentei morar sozinha. Porém, com a pandemia, tive dificuldade em me manter e voltei a morar com elas.

Quando a pandemia começou, em 2020, os riscos do vírus dentro do sistema prisional eram grandes. Por isso, após alguns meses, o meu pai estava em casa morando com a gente. Todos estávamos muito felizes, mas com o vírus circulando e o isolamento social, tivemos que passar a maioria do tempo dentro de casa e com o passar dos meses a convivência foi se tornando complicada. 

A saúde mental de todos estava abalada com tantas dificuldades: dificuldades de pagar as contas em dia; dificuldade de uma fonte de renda fixa…O pouco que conseguíamos receber era para pagar as contas de casa e essa situação ficou assim por um período.

A cada encontro eu aprendo algo com todos, todas e todes. Acredito que da mesma forma aprendem comigo também. É sempre uma troca de experiência e saberes.

Dias melhores virão

Nessa época, a minha madrasta conheceu uma organização não governamental (ONG) Tulipas do Cerrado. Eu sempre via uma alegria muito grande quando minha madrasta falava sobre as Tulipas do Cerrado. Ela sempre me falava que era uma rede de acolhimento entre mulheres, que eu deveria conhecer também. 

Com o passar do tempo, elas começaram a fazer seus encontros de convivência e de autocuidado, seguindo as recomendações de segurança dos Órgãos de Saúde para prevenir a infecção pelo vírus da Covid-19. 

Em um dado momento, decidi participar de um desses momentos. Essa escolha mudou muito a minha vida, positivamente. A cada dia que eu estava junto com as Tulipas, eu tive crescimento pessoal, comecei a ter mais empatia com o outro, olhar para tudo e para todos de uma forma diferente da que eu estava acostumada, estive aberta a entender um pouco da realidade de todas as pessoas assistidas pela ONG: trabalhadoras sexuais, mulheres trans, pessoa em situação de rua, usuários de Drogas, demais pessoas da comunidade LGBTQIAP+. 

A cada encontro eu aprendo algo com todos, todas e todes. Acredito que da mesma forma aprendem comigo também. É sempre uma troca de experiência e saberes. Há alguns meses, estive na minha primeira formação em redução de danos e dali em diante fiquei mais interessada em querer estar mais perto e em ajudar no cuidado de pessoas que conheceram e estiveram junto da minha mãe, na rua.

Hoje faço parte de projetos voltados para o cuidado na perspectiva da redução de danos junto à ONG Tulipas do Cerrado e ao Coletivo Aroeira. O Aroeira trabalha com redução de danos e Agroecologia Urbana. A cada dia me encontro mais nessa caminhada. 

São esses projetos que me ajudam financeiramente para eu conseguir pagar meu aluguel. Como eu tinha dito, a convivência na casa  com meu pai e minha madrasta não estava boa. Conversamos e foi decidido que era melhor eu e minha irmã morarmos juntas em outra casa, pois a situação não estava boa pra ninguém. 

São esses projetos dos quais eu faço parte que me ajudam financeiramente. Posso afirmar que meu ingresso nesses projetos mudou bastante a minha vida. Eles me trouxeram uma melhora pessoal. 

A pandemia me trouxe muito medo de tudo, mas ao mesmo tempo me trouxe a esperança de acreditar que dias melhores virão e que é nisso que temos que acreditar. 

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40 a 59 anos Gênero Idade Mulher Cis Prta Raça/Cor

“Há perseguição em ambiente de trabalho durante a pandemia”

Não sei como falar sobre algo tão delicado. Trabalho na saúde mental há 10 anos. Durante a pandemia, não deixei de trabalhar, mas esse momento foi de reviravoltas, não sei se devido ao desgaste, tensão ou até medo da contaminação. Se está difícil trabalhar, imagina falar sobre os episódios de perseguição que acontecem no ambiente de trabalho durante este momento delicado. E correr o risco de ser demitida, com o pacote de arroz no preço que está, é uma violência.

Vi em plena pandemia que o local de poder ainda alimenta o ego de muitas pessoas. E, em nome de um código de ética, que nunca li, a demonstração de poder, fere e leva ao silenciamento do trabalhador.

A perseguição existe, mas no ativismo com mulheres negras aprendi que falar é preciso.

No início da pandemia, foi difícil para todos os profissionais no mundo todo, especialmente para os da saúde. Trabalho em uma Unidade de Acolhimento e nesse período sentimos os acolhidos mais agitados, devido à fissura e à restrição de saídas. E, foi assim que me descobri oficineira. Fizemos muitas artes juntos, confeccionamos máscaras, bonecas Abayomi, tapetes de retalhos.

Porém, tudo parou quando contrai a Covid-19. Precisei ficar isolada e afastada e, nesse período, a gestão recebeu uma grande doação de materiais de oficina. A pessoa que doou me comunicou e disse que teria material à minha espera e desejou a minha melhora. Entretanto, quando retornei, a gestão havia doado todo material para outros serviços da região. Fiquei muito triste! É foda quando o seu trampo não é reconhecido. Eu reclamei, ainda exemplifiquei, pois, o que aconteceu é a mesma coisa que tirar a lâmpada de sua própria casa para iluminar a casa do vizinho e ficar no escuro.

Quando a perseguição culmina em demissão

Antes do plantão, eu e minha colega conversámos sobre o que realizar no plantão. Era um mix do nosso saber sempre misturado ao deles. Aliás, aprendi muito nesses anos dedicados à Redução de Danos. Sinto-me sempre reafirmando o compromisso na luta antimanicomial. Minha amiga, por exemplo, tem seus dons culinários e arrastava todos para a cozinha. Era lindo de ver a galera num aprendizado mútuo. A cozinha da Unidade de Acolhimento foi o local mais terapêutico durante a pandemia.

Imagem mostra seis bonecos de azul e acima de cana um contém um balão contendo sinal de exclamação. Todos estão virados para um boneco vermelho, acima deste está um balão com o sinal de interrogação. Imagem acompanha relato sobre perseguição no ambiente de trabalho durante a pandemia. O texto foi enviado por Maria Izabel Fernandes à Memória Popular da Pandemia. Imagem licenciável.

Em um término de plantão, pela manhã, perguntei para uma colega Técnica se ela tinha notado o pé do acolhido, inchado demais. A resposta foi que ela não tinha o que fazer e que “estava inchado porque ele bebe demais”. Senti o desprezo de uma pessoa racista. Foi visível que aquela senhora tinha dificuldade em cuidar de um homem negro retinto.

Pedimos uma reunião com a gestora, que nos explicou o que faz cada papel, e que esse não era o papel do redutor de danos. Duas semanas antes das minhas férias, todos comparecemos em uma reunião online, quando soubemos da informação do desligamento de uma colega afastada. Todos ficamos abalados, pois, a profissional trabalhava conosco há 5 anos e se afastou para ter um bebê. Como assim, demitida após a licença maternidade?

Reflexo da escravidão moderna

A Gestora Suprema, representante da empresa, pediu para que as pessoas se pronunciassem sobre e disse que não íamos sofrer nenhuma consequência. Foi quando falei, olhando para duas mulheres que se dizem feministas: “qualquer mulher que entende o mínimo sobre feminismo conseguiria compreender que a demissão da colega trata-se de um retrocesso. As mulheres deveriam estar de luto, pois ser mãe é um direito, que deveria ser respeitado. A colega demitida não teve a oportunidade de exercer nem um dia de profissional e mãe.”

Foi aí que começou a caça às bruxas. No meio dessa perseguição demitiram minha amiga, que trabalhou 5 anos comigo. Sofri horrores, pois me senti culpada por sua demissão. Houve outras reuniões horrorosas, só desgaste, mas eu fui transferida para outra unidade. Sinto que as pessoas que têm esse poder não se importam com o desgaste do profissional de saúde, em especial o da saúde mental. O vínculo com os usuários é desconsiderado, dando espaço à construção de horripilantes figuras de poder.

Quando anunciaram que nos separariam, segurei firme na mão dela e começamos chorar. A justificativa foi de que a nova supervisora precisava montar sua equipe, para trabalhar do jeito dela. Tínhamos um vínculo muito forte, o que parecia ruim para a empresa. Isso só pode ser reflexo da necropolítica, ou da escravidão moderna: trabalhar 12 horas com uma pessoa e não poder demonstrar afeto por ela. Na escravidão separavam famílias assim. Senti-me como uma peça em um jogo de xadrez, pois é sem sentido, principalmente partindo de profissionais que trabalham com o vínculo. Naquela noite, estávamos de plantão e a tristeza contaminou o local.

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