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40 a 59 anos Branca Homem Cis Pós-Graduação Completa Roraima

“A vacina demorou em chegar e com essa negligência muitas pessoas morreram”

Meu nome é Vilso Junior Santi, eu sou professor da Universidade Federal, coordenador do Amazoom e responsável, aqui em Roraima, por operacionalizar a coleta de depoimentos para o Memória Popular da Pandemia. 

Primeiro, é muito legal participar de uma iniciativa como essa. Acho que no contexto da pandemia, até na universidade, a gente tinha pensado em realizar alguns projetos para dar suporte, principalmente no esclarecimento das dúvidas, em relação às notícias falsas que estavam circulando sobre a pandemia. Infelizmente, por uma série de questões, a gente não conseguiu operacionalizar isso. 

Quando apareceu a oportunidade do projeto, de registrar essas memórias, também foi uma oportunidade para a gente retomar essas ideias. E tentar, de alguma forma, contribuir para o registro e discussão desse momento que a gente está vivendo, desse momento trágico que estamos vivendo.

É importante aproveitar a oportunidade para trazer os relatos a partir de Roraima. As pessoas que a gente buscou para dar esses depoimentos no projeto foram pessoas que representam o que é Roraima hoje, o que é Boa Vista hoje, o que é o Estado hoje. Quem é de Roraima talvez não se dê conta disso, ou talvez não goste de pensar nisso, mas, Roraima é um estado de migrantes, um estado indígena por excelência. A gente quis representar essas populações nos depoimentos que a gente colheu.

Buscamos falar com representantes dos povos indígenas, presentes no estadoe conseguimos obter depoimentos muito interessantes das populações indígenas e também representantes da população migrante, principalmente dos indígenas da Venezuela; dos venezuelanos em si; dos haitianos, para dar conta do que é esse contexto migrante de Roraima. 

Nós todos, praticamente, que estamos em Roraima somos migrantes! E Roraima precisa lembrar disso porque essa é a cara de Roraima! 

Projetos interrompidos na pandemia

Aproveitando o que a gente ouviu, é preciso dizer que a maioria dos relatos deixam claro que a pandemia interrompeu projetos! Muitos projetos! Projetos de vida, inclusive! 

As pessoas morreram! Várias pessoas, inclusive pessoas próximas da gente. No meu caso, a pandemia chegou “metendo o pé” na porta de alguns projetos. Um deles foi o projeto de pós-doutorado. 

Depois de ter passado oito anos, seis anos de gestão na coordenação do curso e na direção do centro aqui da UFRR, eu fui para o pós-doutorado no México. Eu viajei para o México no final de fevereiro e fiquei exatamente 30 dias no país até tudo ser fechado por conta da pandemia. Acabei ficando no México, em isolamento, até o início de agosto, quando eu consegui voltar para casa. Foi uma situação bem complicada, porque, enfim, estava em um outro país, longe das pessoas que conhecia. Estar longe de casa, das pessoas mexe com o psicológico. Comecei a questionar um monte de coisas e me revoltar, inclusive, com a situação. Eu não aguentava mais estar lá! Eu queria voltar para casa e, felizmente, isso deu certo. Consegui retornar alguns meses depois para casa e aí sim viver o resto do processo em casa. 

O governo do Estado não fez o que é o seu papel; o governo federal não fez o seu papel; o sistema de saúde não tinha capacidade para absorver e as pessoas ficaram jogadas, sem renda, sem trabalho, sem ter o que comer

Negligência do Estado

Meu retorno deu um pouco mais de tranquilidade por um lado, mas, por outro, também causou muita apreensão. Porque a gente vivia uma situação terrível em Manaus e uma situação terrível aqui em Roraima. Quem é daqui sabe que o sistema de saúde é caótico. Não é culpa da migração, é culpa sim de anos de negligência do Estado, da falta de investimento público! A pandemia deixou isso escancarado, evidente! 

Inclusive as pessoas se aproveitaram disso para superfaturar compra de respirador, por exemplo. Coisa que também demonstra um pouco do que é a cara do estado de Roraima e das pessoas que gerenciam as políticas públicas do Estado. 

O governo do Estado não fez o que é o seu papel; o governo federal não fez o seu papel; o sistema de saúde não tinha capacidade para absorver e as pessoas ficaram jogadas, sem renda, sem trabalho, sem ter o que comer. Elas precisaram ir para a rua e se contaminaram.

A vacina demorou em chegar e com essa negligência muitas pessoas morreram. Isso revolta a gente porque a gente fica imobilizada, sem saber o que fazer. 

Por mais que a gente diga que está preparado para a morte, ver alguém morrendo é horrível

Perdas na família

Meus pais moram no Rio Grande do Sul e a pandemia demorou em chegar na região onde vivem, já que são lugares isolados e com pouco trânsito de pessoas. Quando a pandemia chegou, as pessoas já tinham comprado a versão de que não era muito grave e não era muito sério. 

Porém, pouco depois, as pessoas conhecidas começaram a morrer: vizinho, tio avô, avô dos meus sobrinhos, amiga que era técnica de enfermagem, e minha tia, que chegou a ficar internada por 90 dias na UTI e não resistiu. 

No meio desse contexto, perdemos meu avô de 93 anos. Dizem os médicos que não foi por Covid-19, mas nossa família desconfia. Meu avô morreu logo depois das eleições municipais e meu avô teve contato com pessoas que viajaram para participar da votação. Agora já não tenho mais nenhum dos meus avós vivos. A geração toda se foi.

Por mais que a gente diga que está preparado para a morte, ver alguém morrendo é horrível.  Minha tia, por exemplo, não tinha doença nenhuma, não tinha complicação, não tinha histórico clínico grave. Ela não morreria agora se não fosse a pandemia e esse conjunto de negligências.

Oportunidade de contribuir

Chamo a atenção para a questão de oportunizar a chance de contribuir com o registro da Memória Popular da Pandemia, da memória das pessoas que sofreram com a pandemia. É uma oportunidade para pensar como que a gente, usando o jornalismo, pode intervir na vida das pessoas de uma maneira mais ativa para tentar construir uma realidade melhor do que essa que a gente vive. Esse é o grande sentido do que está por trás do que a gente tenta fazer.

Relato de Vilso Santi, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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40 a 59 anos Ensino Médio Completo Mulher Cis Parda Roraima

“Minha mãe seguiu o presidente e não se vacinou. (…) tinha 68 anos quando morreu de Covid-19”

Eu me chamo Luciana Lima, tenho 47 anos e sou servidora pública.

Com 68 anos, a minha mãe foi a primeira vítima fatal do Covid-19 em minha família. Foi uma experiência horrível. 

Ela era diabética, gostava de sair e não se cuidou. Ela tratou em casa e quando já estava começando a ter consciência, pegou uma gripe forte e foi internada. Ficou 15 dias no hospital de Campanha de Roraima, conseguiu ter alta, mas ficou abatida, se sentiu fraca e voltou ao hospital. Quando fez os exames, estava com 60% do pulmão comprometido e foi pra UTI. Ela só foi entubada nas últimas horas, quando estava perdendo a consciência, porque não queria passar por esse processo. Ficou na UTI por duas semanas e não conseguiu resistir. 

Eu acabei pegando Covid-19 da minha mãe, quando eu a acompanhava no hospital. Mas foi leve, fui uma pessoa praticamente assintomática. 

No trabalho, alguns colegas morreram. . O primeiro deles morreu bem no começo da pandemia. Era um amigo muito querido por todos, muito amável. Ele acabou morrendo em três dias. É muito triste.

Vacinação

Assim como muitas outras pessoas, minha mãe tinha medo da vacina. A minha mãe seguia o que o presidente dizia e por isso não se vacinou. A gente vê em nosso trabalho, na repartição pública, que muitas pessoas velhas têm medo e não querem se vacinar e tentam fazer tratamento por meio de remédios naturais. 

Temos que nos cuidar, tomar a vacina para não acontecer o que aconteceu com nossos entes queridos que morreram. A pandemia ainda não acabou e temos que ter consciência que é preciso continuar se cuidando.

Relato de Luciana Lima, produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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18 a 24 anos Branca Ensino Médio Completo Mulher Cis Roraima

“Eu tinha muitos sonhos, mas com a pandemia todas as portas se fecharam”

Meu nome é Carmen Alejandra. Sou venezuelana, tenho 19 anos e faço faculdade de estética e cosmetologia.

Quando soube da pandemia, eu ainda não tinha chegado ao Brasil. Eu tinha 18 anos quando apareceu o primeiro caso de Covid-19 em Boa Vista (RR). Tinha o sonho de fazer uma festa de aniversário muito grande, mas por conta da pandemia, não consegui fazer. Esse foi o primeiro impacto que senti da pandemia.

Eu não sabia da gravidade do assunto, mas quando as pessoas começaram a se infectar e os lugares públicos do município foram fechados eu comecei a me preocupar. Parecia que eu estava  vivendo um filme.

Eu fiquei muito triste. Sou uma pessoa que gosta muito de abraçar, que é carinhosa. Gosto de ter contato com outras pessoas e quando soube que já não poderia fazer isso, fiquei triste. Nessa época, pensava que a pandemia duraria uns 30 dias e conforme o tempo foi passando, eu fiquei muito mal psicologicamente

Fiquei muito mal porque eu tinha muitos planos. Eu tinha acabado de fazer dezoito anos, queria fazer vestibular, prestar o ENEM e entrar na faculdade.  Eu tinha muitos sonhos, muitas coisas que eu queria realizar e com a pandemia todas as portas se fecharam. 

Graças a Deus eu não perdi ninguém, mas ver que outras estavam perdendo seus familiares e amigos mexeu comigo. Aqui em Roraima houve o caso de uma mãe de gêmeos que morreu. O pai das crianças ficou em depressão e os bebês ficaram sozinhos. Ao saber disso, não conseguia mais dormir, não conseguia fazer nada. Foi o pior dia da pandemia para mim.

Eu só comia, deitava, dormia, acordava. Não tinha esperança na vida. Também ficava pensando na cena em Manaus, quando a prefeitura abriu covas porque já não havia lugar para enterrar as vítimas do Covid-19. Ficava pensando nos familiares dessas pessoas. 

O que mais me incomodava era ver pessoas fazendo festa. Estamos em um contexto de que uma doença está matando muita gente e havia pessoas organizando festas, sem consciência alguma do que estava acontecendo.

Eu olhava para o céu e ficava pensando: “o que vai ser de mim? O quê que vai ser da minha vida? O quê que vai ser da minha família?”. Eu fiquei me sentindo um peso para os meus pais

Migrantes enfrentam mais dificuldades para encontrar trabalho

Nós que somos imigrantes enfrentamos muita dificuldade para encontrar um emprego. Meu pai só conseguiu trabalho como ajudante de pedreiro e nada mais. Há imigrantes que não têm o que comer. Muitas vezes nossa família tirava do pouco que tinha para ajudar. Foi uma época muito difícil. Só de lembrar eu tenho vontade de chorar. Não havia saída. Eu olhava para o céu e ficava pensando: “o que vai ser de mim? O quê que vai ser da minha vida? O quê que vai ser da minha família?”. Eu fiquei me sentindo um peso para os meus pais.Nessa época eu percebi que precisava de ajuda. Eu sofria de ansiedade antes da pandemia e, depois, desenvolvi depressão. Procurei ajuda em um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e precisei tomar remédio tarja preta, porque eu estava em uma fase da depressão bem avançada. Com o remédio e o contexto melhor, com o número de mortes diminuindo, eu fui melhorando.

Há muitos jovens que não se vacinaram e eu, como sou jovem, quero conscientizar os outros jovens a se vacinar. Se eles querem voltar para a vida que tinham antes, com festa e praia, é preciso se vacinar

Viva a ciência: vamos nos vacinar

Eu queria primeiramente dizer que eu sou eternamente grata pela Ciência. Graças a Deus a vacina existe. Chego a sorrir porque sei que tem vacina. Eu já me vacinei! Hoje em dia eu estou bem melhor. Graças à Ciência! Estou fazendo faculdade, estou trabalhando. Também me sinto melhor psicologicamente. 

Pensando no futuro, acredito que temos que nos conscientizar e entender que a pandemia é um processo e que com a vacina, tudo vai melhorar. Gente, vacinem-se! Vamos nos vacinar!

Desde o começo, quando nascemos, somos vacinados. Isso não impede de pegarmos alguma doença, mas ela não vai ser tão grave. Eu conheço pessoas que depois de se vacinarem pegaram Covid-19, mas não foram pra UTI, não sentiram falta de ar, tiveram sintomas leves. 

Eu quero conscientizar as pessoas para que se vacinem. Há muitos jovens que não se vacinaram e eu, como sou jovem, quero conscientizar os outros jovens a se vacinar. Se eles querem voltar para a vida que tinham antes, com festa e praia, é preciso se vacinar. 

O recado que eu quero deixar é que as coisas estão melhorando e que precisamos ter esperança. Os dias mais difíceis já passaram e a gente vai conseguir superar tudo isso.

Também quero conscientizar sobre a necessidade de se procurar ajuda. Eu vejo que a sociedade de uma maneira geral tem uma ideia errada sobre os psicólogos e psiquiatras. Muita gente atrela o fato de procurar ajuda e acompanhamento de um psicólogo significa que você está louco. Isso é um erro. Para mim, louco é quem não faz terapia. Com o mundo como está, precisamos cuidar de nossa saúde mental para conseguir ter uma vida mais leve.

Relato de Carmen Alejandra Muñoz Luengo , produzido pela Rede Amazoom para o 2º Edital de Fomento da Memória Popular da Pandemia

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18 a 24 anos Amazonas Branca Ensino Médio Completo Homem Cis Sem categoria

“Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Eu sou Felipe Souza, tenho 23 anos e atuo no Boi-Bumbá Caprichoso há muitos anos. Comecei na Escolinha [de Artes] do Caprichoso cursando percussão. Com o tempo me apaixonei por figurinos de Boi.

Em 2017, aos 17 anos, recebi uma proposta de um amigo para trabalhar como ajudante no Caprichoso. Foi uma experiência muito diferente, eu me senti um pouco realizado ao fazer parte do Festival de Parintins. Em 2018, continuei trabalhando com ele e, no ano seguinte, me convidaram para trabalhar como figurinista: foi mais do que um sonho realizado. Trabalhei com figurinos de ensaio técnico para Cunhã-Poranga [a mulher mais bela da tribo] do Caprichoso, fazendo vários acessórios para ela e foi então que meu nome começou a ser visto.

“O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas”

A pandemia e os eventos on-line

Em 2020 veio a pandemia e nos obrigou a ficar em casa. Foi um momento muito difícil para a vida de muitos artistas e de muitas pessoas que perderam seus entes queridos.

O Caprichoso ajudou muito a gente na pandemia com a distribuição de cestas básicas e graças a Deus a minha família não foi afetada e não perdemos nenhum ente querido. Porém, lamento por todas as pessoas que perderam.

Pensávamos que até o final de 2020 as coisas melhorariam. Como o Boi Caprichoso não podia fazer eventos abertos ao público, nós fizemos lives como uma maneira de trazer o Boi-Bumbá para dentro das casas das pessoas, com diversão de forma segura. Foi durante esses eventos que meu nome começou a ser mais conhecido. 

Na live do Festival, por exemplo, eu e meu amigo fizemos a roupa da porta estandarte, Marcela Marialva, e a roupa muito comentada. Fiz uma roupa para Marcielle também, que foi bem falada pelo público e assim o meu nome começou a aparecer. Foi uma felicidade muito grande para mim.

“Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho”

2ª onda da pandemia: reconhecimento do trabalho

Quando achávamos que voltaríamos ao normal, veio a segunda onda da pandemia, que afetou muitas famílias e, novamente, tivemos que ficar em casa para nos proteger. Neste ano fizemos a live do Festival 2021 e nela eu estreei como figurinista solo do Patrick Araújo, que é o atual levantador de toadas. Esse figurino ganhou o prêmio de “figurino destaque” no Caprichoso e eu fiquei muito feliz pela oportunidade. 

Apesar das tristezas, das perdas, eu também tive os meus momentos de felicidade. Foi, por exemplo, ver o meu nome sendo reconhecido pelo público, pelas pessoas que admiram o meu trabalho. Eu gostaria muito de agradecer a Deus por eu estar aqui e ao Caprichoso por ter me dado essa oportunidade.

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados”

Aprendizado: é preciso valorizar o próximo

Com essa pandemia eu aprendi que é importante valorizar o próximo, valorizar minha família, cuidar das pessoas que eu amo. Percebi que o amanhã só pertence a Deus e que nós precisamos nos cuidar. 

Temos que continuar nos cuidando, usando máscara, álcool gel porque ainda não acabou. Por isso, quem ainda não se vacinou, deve procurar uma unidade de saúde para se vacinar. As vacinas salvam vidas.

Logo logo essa pandemia vai acabar e vamos nos reunir novamente como antes. Ainda que faltem algumas pessoas, voltaremos a nos emocionar com a reabertura das atividades do Caprichoso

Espero que em 2022 possamos nos reunir com a família Caprichoso no Curral Zeca Xibelão e fazer um grande evento com muitos torcedores apaixonados. Que neste ano consigamos nos unir e fazer um festival maravilhoso e que os artistas possam trabalhar e conseguir o dinheiro que todo mundo conseguia quando nós tínhamos o nosso Festival antes da pandemia.

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40 a 59 anos Branca Ensino Médio Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mulher Cis Raça/Cor Santa Catarina

“A vacina é uma esperança, uma luz no fim do túnel”

Estou imunizada! O dia de receber a minha vacina chegou e quero relatar a minha experiência aqui na Memória Popular da Pandemia. Recebi as 2 doses, eu e meu esposo. Para mim, a vacinação foi uma esperança, e a minha vez foi muito tranquila.

Moro no interior de Guatambu, em Santa Catarina. É um município pequeno, com população estimada em 4.692 habitantes, segundo a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por isso, não enfrentei fila. E, como sou hipertensa, me vacinei antes da maioria dos brasileiros.

A Unidade Básica de Saúde (UBS) onde fui vacinada fica a 3 km de minha casa. Fui sozinha de carro próprio. Chegando lá, me deparei com várias pessoas aguardando tão esperada hora. Mas não chegou a fazer fila, pois havia duas profissionais da saúde vacinando. A emoção era visível no olhar de cada pessoa que estava lá. A vacina é uma esperança, uma luz no fim do túnel.

Em foto, é possível ver Ana Maria Brighenti de máscara e sentada em uma cadeira. Ao seu lado está uma enfermeira de pé aplicando vacina no braço. O olhar de Ana Maria está focado na aplicação da vacina. Foto acompanha o relato “A vacina é uma esperança, uma luz no fim do túnel” da Memória Popular da Pandemia.
Eu recebendo a vacina

A enfermeira que me atendeu foi uma pessoa muito querida, atenciosa e muito profissional. Viva o SUS!

Em 28 dias recebi a segunda dose e não senti nada. Eu fui imunizada com a CoronaVac e não tive reações. Já o meu esposo recebeu a AstraZeneca e teve muita reação: calafrios, dores no corpo, dor de cabeça e náuseas. Tudo isso por dois dias. Enfim, o mais importante é que estamos imunizados. Enquanto isso, alguns familiares seguem aguardando a segunda dose.

“Tive muito medo por minha família”

No início da pandemia fiquei muito apavorada, como todo mundo ficou, pensei que não sobreviveria. Meu medo era também por meus familiares, principalmente por minha netinha que tinha acabado de nascer, estava com 4 meses. Passei muitos dias agoniada, sem dormir e chorando muito.

Em foto, é possível ver os rostos de Ana Maria Brighenti, sua filha e sua neta sorrindo alegremente. Foto acompanha o relato “A vacina é uma esperança, uma luz no fim do túnel” da Memória Popular da Pandemia.
Na foto: eu, minha netinha e minha filha.

Faço parte do chamado grupo de risco, sou hipertensa. Minha filha também é do grupo de risco, fez bariátrica, então meu medo era maior ainda. Seguimos todos os protocolos de cuidados, mas, mesmo assim, o que eu temia aconteceu.

Em foto, é possível ver os rostos da filha, genro e neta de Ana Maria Brighenti. Ao fundo há uma praia. Foto acompanha o relato “A vacina é uma esperança, uma luz no fim do túnel” da Memória Popular da Pandemia.
Neta, filha e genro

Minha filha e meu genro se contaminaram e minha filha estava amamentando a bebê. Isso foi em fevereiro deste ano, 1 ano após o início oficial da pandemia no Brasil. Foram duas semanas terríveis, eu longe delas sem poder ajudar, me sentindo impotente, amarrada. Ela não foi hospitalizada, porque não tinha vaga nos hospitais e uma internação só ocorreria em último caso. Graças a Deus, o pior passou, mas, até hoje, ela sofre algumas sequelas: como tristeza, desânimo, irritabilidade e cansaço.

“Minha irmã faleceu de Covid-19 antes de receber a vacina”

Em junho deste ano, a pior experiência da pandemia aconteceu na nossa família. Perdi uma irmã de 58 anos e que não tinha nenhuma comorbidade. Digo isso diante da falácia de que só morre de Covid-19 quem já sofre de alguma doença. Não teve tempo para ela receber a vacina. Foram duas semanas de internação, sendo que por 4 dias ela ficou na UTI intubada. Só quem passa sabe a dor terrível de perder uma pessoa querida sem ao menos se despedir. ?

Em foto, é possível ver a irmã de Ana Maria Brighenti abraçada com um neto. Os dois sorriem sentados em um sofá. Foto acompanha o relato “A vacina é uma esperança, uma luz no fim do túnel” da Memória Popular da Pandemia.
Minha irmã com um dos netos

Durante a minha vacinação, senti um misto de emoções: alegria por estar recebendo uma dose de esperança, de vida, mas, ao mesmo tempo, tristeza por minha irmã não ter tido tempo de ser vacinada.

O conselho que dou às pessoas que estão aptas a se vacinarem é: não percam tempo. Muitos não puderam viver esse momento.

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40 a 59 anos Ensino Superior Incompleto Escolaridade Estado Gênero Homem Cis Idade Mato Grosso Parda Raça/Cor

“Precisei de ajuda para me inscrever no site para receber a vacina”

A minha vez de receber a vacina foi tranquila. Fiz a inscrição em um site de vacina mal feito. Precisei pedir ajuda, pois não entendo muito de tecnologia. Tive que mudar de mês a mês até chegar em julho de 1954. Imagina o tanto de clicada que eu tive que dar! 

Em print, é possível ver o site de vacinação contra a Covid-19 da Prefeitura de Cuiabá. Imagem acompanha o relato “Precisei de ajuda para me inscrever no site da prefeitura” da Memória Popular da Pandemia.
Site da Prefeitura de Cuiabá

Os meus filhos moram com a minha ex-esposa em Florianópolis. Um deles deu muita risada quando contei a minha experiência com o site de vacina. Ele ainda disse: “Pai, se a prefeitura quiser, eu arrumo esse site pra eles.” Pensando bem, até o meu casamento de 30 anos acabou devido a essa minha vida de militância…

Tomei a primeira dose no dia 16 de abril de 2021. Fui de carro próprio com uma amiga para a fila do drive thru, no Memorial Papa João Paulo II, em Cuiabá. Foi tranquilo, apesar da longa fila. No total, fiquei cerca de uma hora esperando para me vacinar. O pessoal que atendeu a gente é extremamente atencioso e paciente. São muito legais os servidores da saúde.

Sem nome no site de vacina

Já saí de lá com a data da segunda dose no meu cartão de vacinação. Ficou marcada para o dia 15 de maio. No entanto, faltando dois dias, o meu nome não aparecia no site de vacina da Prefeitura de Cuiabá. Só veio aparecer três dias depois, o que atrasou a minha segunda dose para o dia 18 de maio.

Fico imaginando como foi para as pessoas que não têm acesso à internet acessarem aquele site de vacina…

Esperei por cerca de uma hora para receber cada uma das doses da Coronavac. Na primeira, senti uma leve dor de cabeça que aparecia toda vez que eu me lembrava da vacina. A dor durou umas 30 horas, e depois passou. Já na segunda dose, não senti nada.

As vacinas demoraram muito no país inteiro. Ainda hoje, a nossa população não está imunizada. Por isso, estamos pagando um preço muito caro, com quase 600 mil mortes. Sendo que muitas delas poderiam ter sido evitadas se o país tivesse levado a sério a questão da vacinação, bem como todo o protocolo recomendado pela Organização Mundial da Saúde

Foram muitas perdas para a Covid-19

A pandemia afetou a minha família em casos de Covid-19, mas não teve óbito. Tive uma febre muito forte e dor de cabeça. No entanto, fiz uns remédios caseiros e me senti melhor. Fiz o teste para detectar o motivo na Bioenergética e deu positivo para a Covid-19. 

Em foto, é possível ver Sebastião sentado em um banco de madeira embaixo de uma árvore acompanhado de onze indígenas em aldeia. Imagem acompanha o relato “Precisei de ajuda para me inscrever no site da prefeitura” da Memória Popular da Pandemia.
Acompanho 8 povos indígenas no Araguaia

Foi no trabalho com os indígenas que tive muitas perdas, pois muitos dos que conheci faleceram de Covid-19. Um dia, um amigo do povo Rikbaktsa (terra Eribaktsa, do município Brasnorte) mandou mensagem dizendo que estava indo fazer o teste. Deu positivo. Então, ele veio pra Cuiabá. Não demorou muito e ele faleceu.

Outra perda foi a do cacique Matias, do povo Kayabi (terra Kayabi Abiaká, município de Juara). Foi o primeiro povo que me acolheu, em 1979, quando passei a morar em terra indígena. Sai de lá em 1985. Essa região concentra três povos. Na margem direita do Rio dos Peixes, ficam os povos Abiaká e Munduruku, e na parte esquerda, os Kayabi. 

Em foto, é possível ver o cacique Raoni apertando as mãos de Sebastião, que está de camisa vermelha. Os dois estão se cumprimentando e sorrindo. Há outras duas pessoas em segundo plano, um homem e uma mulher. No primeiro plano ao lado de Raoni, aparece parte do rosto de uma indígena de cocar azul que observa Raoni e Sebastião se cumprimentando. Imagem acompanha o relato “Precisei de ajuda para me inscrever no site da prefeitura” da Memória Popular da Pandemia.
Com o Cacique Raoni

Acompanhei a situação dos povos de perto em contato com o Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena (DSEI) e com universidades e institutos federais. Conseguimos álcool, sabonetes, máscaras…

Muitas vezes, lideranças ligavam pra mim contando da tristeza que é essa doença. Porque quando ela chega, todo mundo sofre, pois todos são ameaçados. Além disso, quando um morre na aldeia, as pessoas não podem fazer os rituais sagrados. Isso causa muito sofrimento. Muitos me ligaram chorando. Confesso que eu também chorei muito.  Foi um período de muita dor, muita tristeza. 

Vida inspirada na luta

Eu fui seminarista jesuíta. Sou de uma família tradicional mineira e fui criado na roça. Desde o início, estive na linha de teologia e libertação. Mas, esse negócio de vida religiosa começou a me perturbar. Eu vivia no interior de Nova Denise, em Mato Grosso. Vim pra Cuiabá em 1977 e comecei a estudar, porque eu queria entrar na vida religiosa e pensei em ter uma experiência fora, de conhecer a cidade, antes de entrar para o Seminário. Aqui, em Cuiabá, tínhamos trabalhos sociais ligados a igrejas em bairros, na luta por resistência e moradia.

Em foto, é possível ver uma foto do rosto de Sebastião de quando ele tinha por volta de 30 anos. Ele olha fixamente para as lentes da câmera. Imagem acompanha o relato “Precisei de ajuda para me inscrever no site da prefeitura” da Memória Popular da Pandemia.

Participei da fundação do PT em Cuiabá, em 1979. Foi, então, que eu conheci o pessoal do Conselho Missionário Indigenista (Cimi). Assim, passei a fazer parte. Mas, como eu queria ser padre, no segundo semestre de 1982, fui para o Seminário no Rio Grande do Sul, na cidade de São Leopoldo. Em 1983, fui para o noviciado em Cascavel, no Paraná, onde fiquei por um ano.

Em seguida, voltei para as aldeias Tatuí do povo Kayabi, Mayrob, do povo Abiaká e Nova Esperança, do Povo Munduruku. Passei a morar em cada uma dessas aldeias durante um tempo e saí de lá em 1985. Eu procurava se havia sinais de indígenas sem contato, pois havia história de índios que ainda não tinham sido encontrados. Encontrei alguns sinais, apenas. Peguei malária por 13 vezes. Depois, em Cuiabá, em 1986, entrei na coordenação do Cimi Regional. 

Fake News

Quando chegaram as vacinas, muitas pessoas tiveram uma certa resistência, devido a um monte de fake news, em sites e redes sociais, e por conta da influência evangélica. Tem um rapaz, formado e muito meu amigo, que me ligou à noite contando que não tomou a primeira dose, porque ficou em dúvida. Ele só tomou a primeira dose quando viu pessoas sendo vacinadas com a segunda, para ter segurança. Fico abismado, surpreso, de ver uma liderança esclarecida, com formação superior, sendo do Conselho de Saúde e professor, ficar em dúvida devido às influências externas.

Ele só me contou isso porque é meu amigo, mas me disse também que 30% da população de muitas aldeias teve a mesma atitude dele, por desconfiança. A gente conversou e ele me contou que ficava em dúvida diante das fake news. As pessoas acabam confusas diante de tanta influência negativa. Essas questões são tão fortes que influenciaram uma pessoa como ele. 

Desde a pandemia, nós do Cimi não vamos às aldeias. Antes, ficávamos lá por um mês, mas depois isso mudou. Desde então, a gente tem realizado reuniões virtuais, que são as articulações dos povos da região. Daqui de casa, acompanho oito povos indígenas do Araguaia.