“Deixa quem quiser chamar de assistencialismo. Eu digo que é uma emergência, fome tem pressa”

Memória de Vânia Rosa

Presidente do Coletivo Rua Solidária - São João de Meriti, RJ
G

Gostaria de trazer uma coisa que tenho percebido nesse período de quarentena. Ativa atendendo na rua com um grupo de voluntários, o primeiro momento dessa urgência que a pandemia de Covid-19 trouxe é o enfrentamento à fome.

O que pode ser feito efetivamente nesse momento é atender. Deixa quem quiser chamar de assistencialismo. Eu digo que é uma emergência, fome tem pressa. É impossível alguém raciocinar, caminhar, com estômago vazio. Com fome. Isso para qualquer ser humano, esteja ele na cobertura ou na calçada no papelão.

Por isso, em função da pandemia, eu fundei um coletivo: Rua Solidária RJ 2020. Assim, foi preciso a gente se organizar. Em cada ação, tivemos um número diferente de voluntários. Mas, de um modo geral, a gente tem ido à rua para ações pontuais – numa média de 15 a 20 pessoas. Até porque não pode ser muito mais do que isso para não caracterizar aglomeração.

Além da fome; direitos sociais destruídos

A pandemia trouxe o agravamento da falta do que já tinha antes: a falta da política pública na saúde, na habitação. Mas o lado solidário move o projeto e todas as ações com a rua.

Lá na frente, precisamos juntar para que isso se torne mais uma pauta. Porque a saúde está destruída. A assistência social como um todo também está. Essa parte que o governo deveria estar fazendo. Deveria estar vendo habitação. As ocupações ampliaram, porque a necessidade pediu.

E fortalecer um comitê, para que ele seja implementado e, depois, possamos estar lutando por algo mais dentro dele. O Comitê Intersetorial – uma união de todas as secretarias unidas trabalhando juntas para solucionar os problemas a população de rua – será mais necessário do que nunca. Aí sim, essa luta pode se definir de forma positiva.

Solidariedade e laços da pandemia

Eu gosto sempre de falar do lado bom. A vida – principalmente nesse segmento da população de rua – que antes já e era difícil, com a Covid-19, se tornou mais.

Gostaria de deixar registrado que a luta enfrentada tem que ser histórica. Há solidariedade. Houve mobilização. Sensibilizadas pela situação atual, pessoas mudaram o modo de ser e de pensar.

Está ocorrendo um encontro de pessoas. Pessoas que antes da pandemia se desencontravam, batiam de frente. Hoje elas formam laços, caminhando na mesma ponte em função do mesmo objetivo: ajudar o mais necessitado.

Os próprios moradores de rua não se dividem mais em ponta de concentrações como costumam fazer. Eles se organizaram, se conscientizaram, a partir de quem foi levando as informações – sociedade civil, projetos e ONGs. Quero deixar isso bem claro, porque é admirável o trabalho feito por eles junto a essa população. É emocionante.

Essa força, energia, luta, empoderamento vai ficar tirando as coisas ruins. O melhor que se pode aproveitar – no bom sentido – vai vir pós-pandemia. É quando essa rua toda empoderada vai poder se juntar com outros movimentos sociais, outras frentes de luta.

Não se iludam, porque eles estão fortes e fortalecidos. 

Eu sou militante, ativista dos direitos humanos e da população nas situações de rua. Presidente fundadora do projeto Juca e do Coletivo Rua Solidária. Sou cozinheira e artesã. 

Outras Memórias